Fazendo a contraparte do consumismo irracional e alienado que financia flagelos como a destruição do meio ambiente, a exploração animal, o recrudescimento das desigualdades sociais, o desmonte moral e até a desarmonia familiar, o consumo ético vê-se cada vez mais em evidência nessa nossa realidade que vem sendo marcada pela gradual e parcial evolução de paradigmas, valores e morais. Um número notável e crescente de pessoas está enfim percebendo o quanto a humanidade está pesando, com seu hábito consumista, em cima da natureza e de si própria. Problemas ambientais, humanitários, morais, animais, sociais, etc. mostram a cada dia que cada um de nós deve tomar consciência tão logo para que nossa existência não continue sendo esse fardo insustentável para o planeta, para as pessoas mais sofridas e para os animais. Ou ao menos sejamos um peso menor possível no planeta.

É impossível deixar de ser um consumidor desde quando a civilização começou a existir, mas é muito bem praticável adotar um consumo ético e consciente. É possível que continuemos sendo consumidores e ao mesmo tempo abandonemos o consumismo predatório e egoísta. Existe um grande número de ações possíveis para que adotemos o atributo de consumidores comprometidos com a responsabilidade de não contribuir com a degeneração do mundo. Quinze delas fazem-se mais evidentes e praticáveis na realidade brasileira (a maioria, porém, pode ser aplicada a partir de qualquer lugar do mundo) e por isso estão aqui listadas. Pratique-as e será um consumidor compromissado com a concretização dos desejos de um planeta mais habitável e uma humanidade mais tolerável.

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1. Procure comprar apenas o que satisfizer suas necessidades.

Este mandamento soa como um insulto numa sociedade assiduamente consumista e cultuadora dos "sonhos de consumo" como a nossa, mas, na visão de alguém que não engole o dogma cultural-econômico de que comprar e ter objetos caros e desnecessariamente luxuosos é mais valoroso do que ter itens equivalentes que satisfazem mais basicamente as necessidades, é não só necessário como ideal para que haja sustentabilidade. Por exemplo, dispensemos o aquele tênis importado de 300 reais quando nossa necessidade pode totalmente satisfeita por um nacional simples e bonito que custa 60; prefiramos um carro "perua" ou sedan de motor 1.4, em vez de um luxuoso esporte-utilitário de motor 4.0, se nossas necessidades não forem além de transportar as compras da quinzena, deslocar-se de casa ao trabalho e vice-versa, levar os filhos para a escola e viajar de vez em quando para um bom lugar relativamente distante; se ter uma TV é necessário, escolhamos uma de 29 polegadas em vez de comprar logo um home-theater.

Além de ser obviamente mais econômico e compensatório em todos os sentidos, diminui a chamada Pegada Ecológica, que é a contribuição individual ou familiar para o consumo global de recursos naturais e descarte de poluentes e lixo no ambiente, e nos insere numa séria e profunda reflexão sócio-filosófica sobre os malefícios trazidos pelo capitalismo como conhecemos hoje nos mais diversos âmbitos, podendo a mesma nos dar poderes de reformar muitos dos paradigmas predatórios atuais. O modo como esses poderes serão usados é um assunto para discussão coletiva entre quem aderiu ao consumo de priorização da necessidade. Outro benefício é que essa atitude nos permite poupar dinheiro para outras importâncias imensamente mais nobres do que adquirir luxo desnecessário, como comprar livros e alimentos integrais e orgânicos, pagar agradáveis viagens de feriadão e investir em cursos complementares, como de línguas estrangeiras, programação de software ou instrumentos musicais, para nós e nossos filhos.

 

2. Participe de boicotes.

Num mundo movido por dinheiro, evitar comprar de empresas antiéticas é uma ação heróica, é a estratégia mais próxima da perfeição para promover uma punição eficaz contra elas. Se interrompemos o fluxo de dinheiro para corporações que promovem certos abusos, elas sentirão as conseqüências do desagrado gerado por sua atitude naquilo que lhes é mais sensível: o lucro, que permite seu crescimento e também sua existência. Uma vez que os podres da empresa foram publicamente escancarados pelos ativistas de boicote, a imagem institucional, sagrada para a índole de toda instituição, torna-se danificada e isso nenhuma corporação deseja – seu reconhecimento público como irresponsável, abusiva ou criminosa é um veneno poderoso que lhe ameaça seriamente o faturamento. Assim sendo, boicotar é o ultimato mais poderoso e eficiente que se pode fazer a uma entidade praticante de atos abusivos, numa mensagem verbal ou não-verbal que geralmente assim consiste: "Deixamos de comprar seus produtos ou serviços porque não gostamos de sua atitude no que concerne a <insira a causa abusada aqui>. Fechamos a torneira que enchia suas reservas vitais. Ou a empresa muda sua política em relação a <insira a causa abusada aqui> ou sofrerá danos profundos em sua imagem institucional e subseqüentes prejuízos financeiros que ameaçarão seus planos de desenvolvimento e talvez sua própria existência." O que não falta atualmente são causas para se boicotar determinadas empresas. E são muitas (por questão de bom senso e precaução, não vou dizer o nome das entidades evitáveis):

a) Violação de direitos humanos e trabalhistas: muitas corporações ainda insistem em desrespeitar direitos trabalhistas e superexplorar seus empregados. A China é o país com mais ocorrências desse problema (vide mandamento nº 3). Com abusos que vão desde o pagamento de baixos salários até disciplinamento anacronicamente cruel, espremem as forças e condições de seus funcionários para que produzam muito e, assim, tragam lucros super-altos para apreciação da cúpula diretora. Também existem empresas envolvidas com atitudes criminosas nos bastidores como ameaças dirigidas a pequenos agricultores e perseguição de ex-funcionários que denunciaram abusos internos.

b) Patrocínio de eventos de crueldade contra animais: touradas, rodeios e vaquejadas, apesar de serem atividades baseadas por definição no abuso, agressão e inflição de sofrimento contra touros, cavalos e ocasionalmente até bezerrinhos, são muito valorizados por muitas empresas em várias regiões do Brasil e do mundo. Elas tratam tais ocorrências, por ignorância ou maldade velada – quando falta de aviso não é motivo –, como se fossem "esportes" exaltadores da "cultura", da "tradição" e, pasme, do "heroísmo" daqueles que agridem os animais na arena, e não hesitam em patrocinar esses shows de horror e violência. Vêem tais eventos como oportunidades de atrair o interesse de compra vindo de seus apreciadores e nisso vislumbram aumento do lucro. Mesmo com centenas de apelos ou alertas vindos de defensores dos animais todas as semanas sobre o caráter cruel dos três pseudo-esportes, não cedem e ainda ousam retribuir com respostas automáticas que insistem em ressaltar o obsoleto caráter cultural dos eventos. Como avisos amistosos não funcionam, só o boicote poderá forçar essas corporações a desligarem suas imagens de tais atividades, visto que só entendem a linguagem do dinheiro, do lucro, e tal desligamento só acontecerá quando as tais começarem a trazer prejuízos em vez de faturamento.

c) Testes de produtos em animais: ver mandamento nº 4

d) Irresponsabilidade ambiental e cumplicidade em atos de degradação: entidades como o Greenpeace denunciam todos os anos determinadas empresas que participam, muitas vezes diretamente, da destruição do meio ambiente. Multinacionais de agronegócio, gigantes petrolíferas, indústrias químicas, agroindústrias, produtoras de celulose... Os danos ambientais promovidos passam pelo desmatamento dos mais diversos ecossistemas – com destaque para florestas –, pela poluição massiva e rotineira da atmosfera, de massas d’água ou de extensões de solo e pelo descarte indiscriminado de lixo tóxico. Movimentos de boicote de causa ambiental infelizmente ainda são menos percebidos e conhecidos do que deveriam ser.

e) Inclusão de fazendas griladas no fluxograma de produção: acontece muito no Brasil, com destaque para as regiões Norte e Centro-Oeste, o fato de que imensos pedaços de terra são obtidos por desmatamento e/ou roubo de pequenos agricultores por coação armada e falsamente legalizadas por documentos forjados. Fazendeiros donos dessas áreas costumam também empregar mão-de-obra escrava ou semi-escrava para a produção. Cegamente ou por má índole, diversas empresas alimentícias compram matéria-prima agropecuária desses lugares e permitem assim a viabilidade econômica da grilagem, o que gera a continuidade da prática desse crime agrário. A maioria dessas corporações também está envolvida nas já citadas políticas de irresponsabilidade ambiental.

f) Boicote às Olimpíadas de Pequim: pelas mesmas razões que levam ao boicote de produtos "Made in China" (vide mandamento nº 3), a edição 2008 dos Jogos Olímpicos está sendo muito visada por ativistas das mais diversas causas ao redor do mundo. A conseqüência almejada pelos mesmos é que uma baixa audiência para os jogos causará uma grande vergonha, um sonoro revés geopolítico, para o governo totalitário chinês, e ofuscará, pelo menos por um bom tempo, suas pretensões de promover o poder da China como futura segunda superpotência do planeta. Caso essa consolidação geopolítica chinesa aconteça, haverá uma influência cultural global mais perversa que a exercida atualmente pelos Estados Unidos, uma vez que, ao contrário destes, é uma ditadura que não hesitará em promover em seus Estados-cliente regimes de exceção – da mesma forma, ou pior, que aqueles que os EUA promoveram na Guerra Fria para coibir o avanço do comunismo –, condutas de superexploração trabalhista e ambiental em voga no país e assimilações da cultura superonívora, a qual valoriza carne e pele de animais como cães, gatos, insetos, tigres, ursos e espécies em extinção.

g) Boicote aos EUA: há muito tempo fala-se de boicotar as empresas americanas e esse movimento cresceu depois da Guerra do Iraque. Além da questão bélica, o país ajudou, como já citei, a implantar ditaduras em diversos países, incluindo no Brasil, para deter o avanço comunista, na Guerra Fria, e vem desde meados do século passado promovendo dominação cultural em quase todo o Terceiro Mundo em detrimento das culturas locais. Também pesam a antipatia da política externa, a intransigência ambiental do país e os maus tratos políticos contra os índios nativos. O resultado de uma campanha em escala mundial e hipoteticamente bem assimilada pelos povos, apesar da força de vontade contida na mesma, é um tanto imprevisível quando queremos saber se essas políticas americanas mudariam convincentemente e de forma permanente. Mas, caso você acredite que ainda assim vale a pena evitar marcas de lá, recomendo que comece mudando hábitos alimentares e de consumo (vide os mandamentos nº 1 e 14). Em outras palavras, abandonar o fast-food, os refrigerantes e certas marcas de vestuário, uma vez que é de empresas desses ramos a maioria das que possuem as piores condutas de política social, cultural e ambiental.

h) Dedicação de investimentos no financiamento da indústria armamentista: engrossando as razões de se boicotar no mínimo as piores empresas americanas, está o fato de que muitas delas são acusadas de dedicar parte de seu faturamento à contribuição financeira dos gastos militares e armamentistas dos Estados Unidos. Caso você queira boicotar empresas que contribuem com divisas para esse tipo de atividade, consulte as listas disponíveis na internet, mas verifique se as acusações dirigidas a cada uma procedem.

i) Outros boicotes: outras listas de corporações passíveis de boicote incluem exemplos como gigantes da comunicação em massa que promovem jornalismo manipulado, grosseiramente parcial e beneficiador de elites sociais e políticas, multinacionais que maltratam valores culturais e religiosos de determinados países e empresas envolvidas em freqüentes casos de desrespeito ao consumidor.

Englobando todos esses motivos, vemos o boicote como uma quase-panacéia para forçar a suspensão de abusos empresariais que contrariam evidentemente os valores de um mundo justo, pacífico e civilizado. Num mundo em que o caixa é o coração da instituição, boicotar é como fechar sua artéria aorta e suas veias cavas. Caso não mudem a atitude institucional, sua imagem e lucro estarão seriamente ameaçados, talvez de forma permanente.

 

3. Desvie sempre que puder de produtos "Made in China".

Além das razões que dei para se boicotar as Olimpíadas 2008, há várias outras que inflamam nossa consciência de modo que a recomendação é não comprar mais nada vindo da China. Vou dar alguns motivos básicos:

a) O governo chinês é uma ditadura que faz de seu povo refém de seu totalitarismo e mostra odiar os direitos humanos.

b) A superexploração trabalhista é uma das características abusivas mais importantes do capitalismo daquele país. Jornadas de trabalho semanais que chegam a mais de 70 horas, salários muito baixos, proibição de greves e protestos, são fatores abundantes lá. Quem achar ruim e protestar ou é demitido sem justa causa ou direito a defesa ou provavelmente será agredido e preso pela polícia.

c) É essa exploração que dá àquele país uma das maiores taxas de crescimento econômico do mundo e lucros "alucinantes" para as empresas que instalam filiais ali. Em outras palavras, o empresariado chinês e o multinacional só ganha tanto porque economiza o que deveria ser pago para seus trabalhadores em salários melhores e outros benefícios.

d) A exploração animal na China é a pior de todo o planeta. "Fur farms" (campos de concentração de animais que serão mortos para extração de pele); maus tratos contra animais mais freqüentes do que em qualquer lugar do mundo; uma cultura superonívora que, em termos um pouco exagerados, come quase tudo o que se move pela frente, incluindo animais em extinção e tendo humanos como exceção; etc. fazem dali um país que nenhum ativista defensor dos bichos gostaria de visitar.

e) É de praxe a opressão de minorias étnicas e nacionais no território daquele país. Em 2008, ganhou destaque absoluto a repressão infligida aos tibetanos. Com repressões sangrentas contra protestos muitas vezes pacíficos, o regime totalitário chinês escancarou que não quer conversa com as questões dos direitos humanos e da legitimação da autonomia do Tibete. Sustentar a prosperidade predatória da China tem como uma das conseqüências a inflação do ego do regime pós-comunista, que se sentirá cada vez mais poderoso, temível e moralizado de modo que reprimirá e sufocará com maior vigor nacionalista os sonhos de autonomia das minorias dali de dentro.

f) Sustentabilidade ambiental é quase um palavrão para o capitalismo de Estado chinês. Muitas áreas naturais são arrasadas a cada ano para alimentar o caldeirão do "progresso", deixando no chinelo o desenvolvimentismo predatório promovido na ditadura brasileira.

g) Os produtos chineses costumam ser de muito baixa qualidade e quebrar fácil. Se são baratos, é porque o material utilizado é medíocre, a mão-de-obra é mal paga e falta controle de qualidade. Comprar um produto nacional ou de outros países que zelam pela qualidade compensa mais do que adquirir um chinês. É mais caro, certamente, mas bem mais durável, resistente e de qualidade superior em comparação ao chinês, até porque a maioria dos itens não-chineses costuma durar unitariamente o mesmo que três chineses.

Diante de todos esses motivos, torna-se enfática a sugestão de evitar produtos chineses. Ou melhor, torna-se uma obrigação moral. Você acha um absurdo comprar produtos feitos por mão-de-obra semi-escrava e de matéria-prima vinda de destruição ambiental? Evite itens fabricados na China. Uma vez que é atualmente muito difícil evitar absolutamente tudo que venha de lá, dada a sua abundância, a medida recomendada é tentar ao menos evitar todos aqueles que você puder. Se possível, priorize a indústria brasileira em suas compras.

 

4. Seja vegano.

O veganismo consiste em evitar todas as formas de exploração animal que puderem ser evitadas. Sendo vegano, você evita permanentemente carne, leite, ovos, mel, couro, seda, lã, gelatina (exceto as com base vegetal da alga ágar-ágar) e todos os produtos, alimentícios ou não, que contenham ingredientes de origem animal, em que se incluem substâncias como cálcio de ostra, glicerina não-vegetal e lanolina. Também evita produtos quaisquer de empresas que lançam mão de testes em animais para averiguar a segurança, qualidade e eficácia de seus produtos. Se não a única, é a corrente ética mais importante e recomendável no combate total à exploração e matança industrial de bichos. Se você tem uma compaixão legítima por eles, considera que explorá-los e matá-los para sempre não é compatível com o caráter racional, civilizado e constantemente evolutivo do humano, reconhece que já há alternativas livres de crueldade aplicáveis em todas as áreas da indústria de bens de consumo, o que está esperando para rever seus hábitos de consumo e adotar a atitude vegana?

Há, no entanto, duas observações a serem feitas: primeiro, os princípios ativos da maioria dos remédios atuais é proveniente de pesquisas com animais, sendo uma área muito difícil de ser boicotada – e impossível quando a pessoa é dependente de medicação controlada ou tratamentos medicamentosos prolongados e indispensáveis. Segundo, os produtos livres de testes em animais são relativamente raros em comparação aos produzidos por empresas testadoras. Assim sendo, o veganismo, que muito dificilmente poderá ser adotado em absoluto, deve vir acompanhado de disposição para participar de ações ativistas contra testes cruéis, como protestos e atos de conscientização maciça. Com o boicote vegano mais o ativismo, as empresas serão pressionadas a abandonarem os experimentos em animais, e isso já aconteceu com muitas delas. Como não cabe a este artigo divulgar o nome das corporações que não prezam pela vida animal, recomendo que você busque listas contendo as que testam e as que não testam em animais. Outro ponto importante de ser vegano é a tendência à abertura natural da consciência para outras causas de boicote (vide mandamento nº 2).

 

5. Animais não são produtos nem bens de consumo.

Complementar à ética vegana de zelo à vida animal, existe a filosofia de rejeitar o rebaixamento desta ao atributo de bem de consumo. Devemos considerar enfaticamente que o regime de comercialização de animais que ainda existe hoje é muito semelhante àquele de tráfico de escravos que vigorou até o século 19, diferindo apenas nas espécies exploradas. Note que todo aquele paradigma de predestinar o ser, desde seu nascimento, a servir de mera mão-de-obra, de mero equipamento utilitário, é totalmente repetido. Se no passado o senhor de engenho comprava força de trabalho "em forma de gente", hoje os que se arrogam como "donos" dos animais compram afeto e carinho "em forma de bichos". Em outras palavras, uma pessoa que compra um animal intenciona comprar sentimentos. Se eu falasse em comprar o amor de uma mulher (como comprar uma garota que mora a três quarteirões de casa para que seja minha namorada), seria execrado e condenado pelas pessoas ao meu redor e provavelmente pela própria Lei também. Mas, se falo em comprar um cachorro para tê-lo como provedor de carinho e amizade, tudo o que vou receber do próximo são falas do tipo "que bom!" e conselhos sobre qual seria a "melhor" raça para mim.

A pessoa consciente de acordo com a ética dos Direitos dos Animais encara tudo isso como absurdo e antiético, mas nossa sociedade o considera como a coisa mais normal do mundo, devido à predominância do sistema de preconceito chamado especismo, o paradigma de inferiorização dos animais não-humanos em relação aos humanos, tão crônico e pernicioso como o racismo, a homofobia e o sexismo – até porque, assim como o supremacismo racial humano, gera a mentalidade de que "como sendo ‘superiores’, podemos fazer o que quiser com os ‘inferiores’, inclusive descarregar toda a nossa maldade neles".

Consumidor ético não é consumidor de animais, não os inclui no setor de "bens de consumo", mas sim no de vidas sencientes e dignas de respeito. Assim, nunca compra bichos, e sim os adota, sem pretensões utilitárias ou seletividade de raças (no máximo há a escolha por tamanho, de acordo com as condições do futuro lar do animal tutelado), mas com a missão de salvá-los do abandono e da morte prometida pelos centros de controle de zoonoses e prover-lhe amor sem esperar nada em troca, sabendo que esse sentimento não tem preço. Quanto à venda de animais de gado, enfatizo que quem é ético não dá cabimento para a pecuária e passa tão longe de suas perversas atividades e procedimentos quanto um centro metropolitano é das fazendas mais distantes.

 

6. Não compre nada vendido por crianças.

Antes de ler aqui, esqueça aquelas cenas de crianças bonitinhas vendendo limonada em barracas ou revistas em quadrinhos de segunda mão na porta de casa. Estou falando aqui daquele trabalho diretamente ligado à miséria e, muitas vezes, à falta de escrúpulos dos pais que obrigam os filhos pequenos a trabalharem. O trabalho infantil é uma das vergonhas sociais do Brasil (e de muitos outros países), mas a maioria dos consumidores, numa vergonha de iguais dimensões, aceita torná-lo lucrativo e não hesita em comprar um jornal, um pacote de balinhas, um saquinho de amendoim... Mal sabem que estão ocupando o tempo que aquele(a) menino(a) teria para estudar, conhecer amigos e brincar. Tudo bem que a escola pública de hoje ensina muito mal, mas isso não é pretexto para contribuirmos para a criança evitá-la.

Trabalhando na obrigação, ela não tem nenhuma perspectiva de ter um futuro decente. Será sempre uma pessoa necessitada, não aprenderá valores positivos que a levarão a crescer, amadurecer e sonhar e estará fadada a uma juventude condenada à perpetuação da vida em favelas, subempregos e, provavelmente, delinqüência. Em contrapartida, na escola, mesmo que esta não lhe dê as melhores condições, terá oportunidades de se tornar uma pessoa lutadora e vencedora por iniciativa de professores e amigos. Ou, para dizer o mínimo do aceitável, será um trabalhador humilde, honesto e respeitado em sua comunidade. Que caminho você quer que esses garotos sigam? Não, não responda verbalmente para mim. A sua resposta mais verdadeira será dada e vista no ato de pagar ou recusar um produto comercializado por eles.

 

7. Se desconfiar ou souber que a pessoa está vendendo o objeto contra a família, não compre dela.

Essa questão é muito pouco lembrada no dia-a-dia, mas para ela deve ser chamada a atenção, uma vez que muitos sofrem por sua causa. Muitas vezes, em comunidades pobres, um homem que entrou em dissensão contra sua família ou está dominado pelo alcoolismo ou outro vício perde a cabeça e passa a vender objetos de sua casa. Nestes, podem estar desde a TV que diverte a família até a máquina de costura que é o ganha-pão de sua esposa ou mãe. De vez em quando, o sujeito forma um verdadeiro "bazar do mal" para se desfazer de diversos objetos contra a vontade das pessoas de seu lar.

Quando o(s) objeto(s) é(são) vendido(s) para algum comprador que não sabe ou não liga para os motivos de ele(s) estar(em) à venda, sobrevém o desespero naquela casa. "Como ele pôde fazer uma coisa dessas?" é uma das frases mais comuns ditas por uma dona-de-casa inconsolável que acabou de perder a televisão que era sua única distração ou aquele carro popular de que tanto precisava para utilidades diversas. É uma situação com a qual ninguém deseja compactuar, mas alguns não levam em consideração quando compram o que não deveriam.

Portanto, fica a recomendação: Se você suspeitar que aquele objeto de valor está sendo vendido contra as necessidades da família e que seu "vendedor" está querendo na verdade causar um impacto catastrófico no lar em que está brigado ou comprar drogas legais ou ilegais, não compre por hipótese alguma. Procure um vendedor ético e de bem, que está vendendo seus objetos em paz e apoiado por sua família.

 

8. Prefira produtos de material reciclado.

Reduzir, reutilizar e reciclar é o lema do consumidor ambientalmente consciente. Reduzir o seu consumo alimentar e doméstico para apenas aquilo que as necessidades exigem (vide os mandamentos nº 1 e 14), reutilizar o máximo possível do que estaria destinado ao lixo mas tem componente material reaproveitável, reciclar o máximo possível de matéria-prima. Todos são valorizados por todo aquele que quer reduzir sua Pegada Ecológica, mas dou aqui ênfase à reciclagem.

As opções ambientalmente corretas estão crescendo por todo lugar. Resmas de papel reciclado, tintas com resina à base de plástico PET de garrafas, material de construção alternativo feito a partir de materiais que escaparam de ser convertidos em lixo, são várias, e cada vez mais abundantes e diversificadas, as saídas para aqueles que querem evitar aqueles produtos convencionais tão onerosos ao meio ambiente. E o preço, em grande parte dos casos, é muito camarada, aproximando-se dos materiais convencionais ou sendo ainda mais baratos.

 

9. Prefira comprar de empresas dotadas de responsabilidade social e ambiental.

Essas corporações são a contraparte daquelas boicotáveis cujo comportamentos empresariais estão descritos no mandamento nº 2. Em vez de dedicar seus investimentos e energias para promover devastação ambiental para fins de obtenção predatória de matérias-primas ou a exploração abusiva de seus empregados com propósitos de aumento da produtividade, preferem o lado do bem, respeitando seus trabalhadores, destinando fundos para obras de cunho social e promovendo a caminhada rumo ao desenvolvimento sustentável do seu país. Buscam a excelência pela obtenção de certificados como a ISO14001 (para gestão e responsabilidade ambientais) e SA8000 (para responsabilidade social). Entre empresas comuns ou abusivas, que não possuem essa visão de harmonia empresarial e industrial com a sociedade e o meio ambiente, e as certificadas, que têm a honra de adotá-la, prefira a segunda opção se quiser consolidar sua postura de consumidor ético e consciente.

Mas, antes de abraçar determinada instituição, saiba que, em boa parte das ocasiões, a tal responsabilidade é apenas uma fachada institucional para atrair mais simpatia dos clientes e conseqüentemente mais lucro, ou para encobrir abusos ocorrentes nos bastidores, e não tem fundamentos sólidos ou obras que comprovem essa boa índole empresarial. Assim, é de bom grado que o consumidor responsável tome ciência das boas ações concluídas ou em andamento por parte daquela empresa e também ponha na balança essas ações em um prato e o lado mais pernicioso dos procedimentos empresariais dela no outro. Se o lado positivo da corporação valer muito mais que o negativo, pode ir até abraçar o prédio de sua filial ou matriz. Se a diferença for pouca para o lado bom ou os pratos da balança estiverem equilibrados, é ocasião para pensar duas vezes antes de procurar um produto ou serviço dela. Se o lado ruim pesar mais e estiver caracterizada uma falsa responsabilidade sócio-ambiental, corra e alerte as pessoas ao seu redor.

 

10. Madeira, apenas certificada.

A maioria da madeira comercializada nas madeireiras brasileiras vem de desmatamento ilegal. Assim é muito fácil manter uma venda fácil de madeiras, afinal a fonte – a Amazônia, na grande maioria dos casos – parece inesgotável porque, segundo alguns, "ainda tem muita mata sobrando". Um consumidor consciente e responsável não pensa assim nem tolera esse oba-oba predatório. Antes de comprar madeira para sua casa na madeireira tal, certifique-se de que a origem dela é de extração legal, proveniente de plantações arbóreas ou manejo florestal, e verifique se há certificado atestando essa legalidade. Se houver, tudo bem. Mas se for madeira de origem suja, evite a todo custo, nem que tenha que perambular todos os municípios circunvizinhos em busca de uma madeireira ética. Se houver objeção quanto a ir de lá para cá pelas madeireiras com seu carro, pergunte a si mesmo ou a quem objetou: o que é menos mal, gastar um pouco mais de combustível ou ser cúmplice no crime da destruição de nossas florestas? E, falando em combustível...

 

11. Prefira álcool ou gás natural (até porque não há combustível melhor que esses no momento).

Apesar de o álcool vir de canaviais surgidos de um processo secular de desmatamento sistemático descontrolado contra a Mata Atlântica e concentração fundiária e o gás natural ser tão não-renovável quanto o petróleo, os dois combustíveis ainda são os menos maus disponíveis. Poluem menos que a gasolina e seus preços também são menos salgados. Entretanto, no caso do álcool, há o contrapeso de estimular o desmatamento, o não-reflorestamento da Mata Atlântica, a glória latifundiária e também o esmagamento da agricultura alimentícia, uma das mais prováveis razões especuladas para a atual crise dos alimentos. Mas ainda assim, entre a gasolina, o álcool e o gás natural, prefiro indicar os dois últimos. Mas quando as células de hidrogênio e, talvez, as de água eletrolisada chegarem, vou poder respirar mais aliviado.

 

12. Feche o bolso (e, se puder, os ouvidos) para músicos envolvidos em más influências à juventude e crueldades.

Quando pensamos ou temos vontade de pensar que, com o passar dos anos e a multiplicação da informação de fácil acesso, a preocupação dos músicos com sua integridade, dignidade, reputação e saúde amadureceu a ponto de passarem a prezar pela boa influência e inspiração de seus fãs, batemos forte com a cara na parede. Continuam abundantes os cantores e integrantes de bandas ora envolvidos com drogas e adeptos do showbiz bizarro de exibir-se consumindo-as e minando sua vitalidade e saúde, ora incentivadores da crueldade contra animais, ora praticantes de apologias à irresponsabilidade juvenil.

Gentalha como Amy Winehouse, vulgo Já Morreu, um dos dois únicos nomes que faço questão de dedurar neste artigo, parece querer induzir seus fãs a adotarem um caminho perverso, autodestrutivo e até criminoso com suas peripécias mórbidas de envolvimento com drogas pesadas, brigas e arruaças. Terminam, voluntária ou involuntariamente, passando a mensagem "façam m..., é muito cool e divertido!" e sendo ainda piores e mais perigosos que as mais sofisticadas propagandas de cigarro. Ela não é o único mau exemplo de artista, a música pop tem muitos outros casos contemporâneos de suicidas graduais sobre os quais convido você a saber mais pela internet e por livros.

Os segundos exemplos, os quais incluem muitos artistas brasileiríssimos, são de artistas e bandas que, assim como as empresas praticantes da letra B do mandamento nº 2, exaltam e aproveitam-se da falta de compaixão com os animais. O exemplo estrangeiro mais famoso é Jennifer Lopez, o segundo nome dedurado por aqui, e seus muitos casacos de pele. Sempre ignorou e desdenhou os apelos de entidades defensoras dos animais como o PETA e, em alguns clipes, faz questão de ostentar casacos feitos a partir da morte de dezenas de bichos torturados e esfolados vivos. Já no Brasil, galopam as bandas e músicos, em sua maioria de rock, country, sertanejo e daquilo que chamam de "forró estilizado", que tocam em rodeios e vaquejadas. Falta de alertas não é pretexto, uma vez que a única atitude tomada pela maioria em resposta a apelos de ativistas de direitos não-humanos é ignorá-los e até fechar seus canais de comunicação para eles. Aproveitam-se da lotação desses shows de horrores para vomitar suas músicas perante um público visivelmente alienado e ignorante das atrocidades ocorridas na arena próxima.

E falando em "aquilo que chamam de ‘forró estilizado’", esse estilo, na maioria das músicas (han-han...), faz um caso típico de apologia à irresponsabilidade juvenil. Pegue uma amostra de cinco canções das bandas mais famosas do que eu chamo de Ritmo Nordestino Estilizado Imundo e verá temas deploráveis: alcoolismo, pornografia explícita (com o agravante de que muitos fãs desse estilo musical são menores de idade), sexo irresponsável, infidelidade e traição conjugal, misoginia, prostituição sem controle, apologia às vaquejadas... O incentivo à adoção desses comportamentos é franco e explícito.

Paras essas turminhas, vale também responder com a linguagem do boicote. Feche o bolso para elas, evite comprar seus CDs e DVDs e ir aos seus shows. E não vou sugerir que baixe MP3 como alternativa, uma vez que há no mesmo os potenciais da continuidade da audiência e divulgação. Em vez disso, faço outra recomendação enfática, pegando carona na baixíssima qualidade do som tocado por todos esses músicos: feche seus ouvidos também! Consumidor ético e consciente também não dá ibope para gentalhas provedoras de más influências e que não respeitam os animais. Enfatizo aquela velha frase transmitida em jogos antigos de videogame: "Vencedores não usam drogas". E lanço minha versão: "Vencedores não OUVEM drogas".

 

13. Prefira produtos agrícolas orgânicos.

Estes vêm, mais asseguradamente, de plantações mais corretas em seus procedimentos, as quais não estimulam a concentração fundiária nem costumam fazer uso de agrotóxicos que terminam envenenando os alimentos e promovendo uma lenta sabotagem bioquímica no corpo de quem os compra. É um pouco mais caro, mas compensa muito quando se fala de boa saúde e longevidade. Aparece, porém, a objeção de que o preço a mais que se daria em feiras orgânicas é "a mais demais" para se conceber sem chiar, ainda mais numa época de inflação alimentícia. Recomendo então que pense como um consumidor consciente e considere que sê-lo integralmente tem muitos obstáculos, incluindo o preço em muitas ocasiões. Você não vai conseguir imediatamente adotar todos os mandamentos, mas pode muito bem fazê-lo gradualmente. E isso inclui fazer uma feira com uma porcentagem crescente de produtos orgânicos e decrescente de "agrotoxicados".

 

14. Não seja guloso.

Uma vez que o consumidor consciente "reduz, reutiliza e recicla", podemos considerar que "reduzir" também implica ser mais moderado na alimentação. Se você hoje come muito para matar a fome, recomendo uma reeducação alimentar. Uma pessoa gulosa costuma comer, sem exagero meu, cerca de 4 mil calorias por dia – para dizer a média, uma vez que certas pessoas podem passar das 5 mil. Normalmente são até 4 quilos de alimento por dia ingeridos por ele. Dez mil gulosos desse porte geram uma demanda diária de até 40 toneladas. Caso essa mesma quantidade faça simultaneamente uma reeducação que diminua essa necessidade pela metade, tal demanda vai cair na mesma proporção e sua pressão em cima da natureza, a parte alimentar da Pegada Ecológica, será 50% menor. Virão ganhos para o meio ambiente, o qual será menos esmagado pela pressão agrícola, e para você, que emagrecerá muito e melhorará extraordinariamente sua saúde. Neste mandamento, a consciência de consumo tanto é voltada à natureza como à saúde.

 

15. Conscientize.

Um consumidor ético e consciente deseja muito expandir sua ética e consciência para o máximo possível de pessoas. Por isso, vem o mandamento enfático: conscientize quem você puder explicando e pregando os 14 mandamentos anteriores. Uma vez que nem todos possuirão a mesma receptividade para a mensagem que você irá passar, recomendo que aprenda técnicas de relação humana e influência interpessoal com alguns livros de autores como Dale Carnegie e Lair Ribeiro, mestres da arte de cativar e convencer pessoas sem deixar espaço para discórdias e objeções fatais para sua mensagem.

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Executando o máximo que puder desses 15 mandamentos, você salvará muitas vidas animais, poupará muitos metros quadrados de floresta, abrandará o impacto de sua vida na atmosfera (poluição e efeito estufa), contribuirá para um sistema econômico mais ético e comprometido com a harmonia, a paz e o bem-estar geral, tornará o mundo musical mais decente e menos desmiolado, verá benefícios em sua saúde e vivenciará ainda muitos outros benefícios para o planeta e a humanidade. É claro que você sozinho não é capaz de consertar o mundo, mas estará ajudando a fazê-lo. É como no conto do jovem que jogava da praia estrelas-do-mar de volta ao oceano evitando que morressem ressecadas: parece não fazer tanta diferença globalmente, mas para aqueles bichos salvos a diferença será imensa. E assim é para os metros quadrados de ecossistemas poupados, os animais salvos da exploração e da morte, os chineses que poderão sonhar com uma ditadura fragilizada a ponto de não resistir mais às pressões... Se você quiser ser um dos heróis, e não um dos vilões, no mundo atual movido pelo consumo, seja um consumidor responsável, ético e consciente.