ORIENTAÇÃO E EDUCAÇÃO SEXUAL

RESUMO
O presente artigo tem por tema a orientação e a educação sexual como processos de fazem parte da educação geral do indivíduo desde os seus primeiros anos de escolarização e, principalmente, durante a puberdade. Desde as primeiras etapas da vida intra-uterina, possui a totalidade dos órgãos necessários para a sua existência, mas somente do nascimento em diante é que começam a atuar em suas funções vitais. Assim acontece com o aparelho digestivo, com os pulmões e com os órgãos dos sentidos. Os órgãos genitais existem bem constituídos no recém-nascido e na criança, mas funcionalmente estão apagados, pois terão de esperar vários anos para desempenhar o papel para que foram criados: a reprodução da espécie. Então, durante a primeira época da vida, a criança deve acumular energias para o seu crescimento e desenvolvimento harmônico, até chegar à verdadeira diferenciação sexual, pois o menino se distingue da menina simplesmente pelos órgãos genitais. É o despertar da vida sexual.

Palavras-chaves: Orientação Sexual, Educação Sexual, Escola, Sociedade.

INTRODUÇÃO
A puberdade representa o início de uma série de atividades orgânicas e psíquicas que, tendo permanecido latentes na criança, requerem um lento processo evolutivo, durante vários anos, para poder manifestar-se. Para que este processo não leve a anomalias da natureza é necessário que os pais e os mestres falem claramente às crianças, a fim de que estas saibam, desde a idade mais tenra, que não devem contrair certos hábitos.
No terceiro Congresso Internacional de Higiene Escolar, celebrado em 1910 em Paris, tratou-se, com a máxima atenção da "Iniciação Sexual", reconhecendo-se a necessidade de as crianças de ambos os sexos conhecerem, desde os primeiros anos, noções de tudo que se refira à sexualidade. Os congressistas se dividiram em dois grupos, o primeiro sustentava que os mestres e mestras deveriam encarregar-se dessa tarefa; o outro que essa iniciação deveria ser confiada aos pais.
A desorientação e a má informação sobre sexo geram personalidades doentias. É preciso corrigir essa distorção, alterando a escala de valores que coloca o sexo como tabu. Integrando o processo educativo total, a chamada educação sexual desenvolve-se desde que o indivíduo nasce, através das influências do meio.
Deve ser realizada paulatinamente, mediante a formação de hábitos sadios e atitudes de equilíbrio e honestidade, tendo suas primeiras raízes no lar, onde os exemplos de respeito mútuo, sinceridade, autocontrole e elevação moral deverão proporcionar clima favorável à eclosão da afetividade bem dirigida e à satisfação natural das curiosidades sexuais, de modo oportuno e esclarecido sem repressões desorientadoras e traumatizantes, capazes de provocar desvios e complexos.
Os pais e responsáveis quase nunca se atrevem a dar explicações sobre tal assunto, que lhes parece escabroso. A maioria deles, graças a sua educação piedosa, consideram a ignorância como melhor garantia de pureza. É preciso recorrer às ciências naturais para uma instrução lógica e gradual, capaz de preparar uma menina ou um rapaz para estar conforme as regras, sem se afastar das exigências de ordem moral. É no seio da família que se pode dar a educação mais fácil e eficaz. Se os pais cumprirem o seu dever, o problema da educação sexual na escola será inexistente.
Mas, como em geral não o cumprem, o problema existe nas escolas, onde a necessidade de empenharem os mestres na realização eficiente de tarefas negligenciadas nos lares de seus alunos e se não de todo negligenciadas, ao menos levadas a efeito incompletamente.

OS INSTRUMENTOS DA EDUCAÇÃO SEXUAL
Pode-se legitimamente suspeitar que o homem serve-se da educação sexual para o mesmo fim. E, vice-versa, pode-se supor que o instrumento primário da educação sexual seja a repressão. Esta educação deveria liberar da angústia de uma sexualidade frustrada e aviltada, valorizando seus conteúdos positivos. Mas eis aí a mais assombrosa mistificação. Para os educadores os aspectos positivos da sexualidade estariam na sua estabilização institucional e na constituição da família, na fidelidade perpétua, na procriação e assim por diante. Ninguém, tem claro para si que a substância da sexualidade é o desejo, e que o resto é artificioso e supra-estrutural. Não existirá jamais a liberação da angústia se não existir a liberação do desejo. Mas o desejo não consegue se libertar, ao contrário, é sufocado com muito cuidado, desfrutando-se para isso dos mais variados pretextos.
Assim, a repressão sexual parece realmente constituir a linha mestra da educação sexual. É verdade que hoje, pelo menos por parte dos mais corajosos, toca-se em argumentos considerados absolutamente indecentes até há poucos anos, como a masturbação, a homossexualidade, ou as relações pré-matrimoniais, mas se insiste sempre no fato de que os desejos que originam estes comportamentos são desejos insanos e reprováveis, que por isso devem ser dominados e possivelmente sufocados. Ceder ao desejo, ou à chamada paixão, é coisa tida como torpe e bestial. Os limites do discurso sobre a sexualidade foram alargados, mas apenas em uma dimensão ilusória. Sua rigidez não foi qualitativamente alterada. Lá onde consente-se o desejo, começa a imoralidade e a depravação.
A conseqüência lógica e inevitável da repressão do desejo é a sublimação: se o desejo sexual deve cair sob a proibição, é claro que ele deve ser transmutado em outros tipos de desejo. Não se pode impedir o adolescente de desejar alguma coisa, mas pode-se condicioná-lo a desejar coisas diferentes do que o exercício de sua sexualidade. Por exemplo: a conquista científica, a criação artística, a afirmação esportiva etc. É a uma tal mudança no curso do desejo que dá o nome de sublimação. É preciso deixar bem claro um aspecto fundamental: ninguém está querendo sustentar que a sublimação deva ser negada. Cada ser humano pode e deve exprimir-se de várias maneiras, e não apenas mediante uma simples e direta atividade sexual. O que se deve rejeitar é o império universal e constante da sublimação sobre a pura sexualidade, o desvio habitual de impulsos sexuais para objetivos não sexuais.
Desventuradamente é mesmo esta a política da educação corrente: nas escolas convencer os jovens a adiar, não se sabe até quando, a satisfação do seu erotismo, isto é, de sublimações que vão do estudo ao esporte, da arte ao bom comportamento, do serviço militar às várias ocupações recreativas. Não é necessário ser muito perspicaz para compreender que esta técnica pretende imprimir na cabeça do jovem a idéia de uma contradição, de uma fratura entre a sexualidade, de nível inferior, e a sublimação, de nível superior. Está formado o sólido dualismo: de um lado o espírito, a razão, a cultura, etc., que são coisas "puras", e de outro o instinto, a paixão, o prazer, que são coisas impuras. A alma sobre o teto, o sexo no porão. Parece patente que os educadores procuram, desta maneira, chegar a uma dessexualização dos educandos e teme-se que em muitos casos consigam. Deve-se dizer que nunca foi encontrado uma sexofobia tão intransigente e obstinada como nos jovens pertencentes a certos grupos integralistas de características absolutamente católicas. Não encontrou-se nem mesmo entre adultos mais reacionários e conservadores.
Um fenômeno um tanto quanto desconcertante, característico do momento histórico em que vive-se, é a transferência da energia vital humana para objetos sem vida. A tecnologia tornou-se uma espécie de competidora da sexualidade. Não se é capaz de gozar, mas habilitadíssimos a criar máquinas produtoras de cifras. Nesta matéria se é perfeccionista e obstinado, talvez até mestres inigualáveis. Inútil dizer que a educação sexual também se vale amplamente deste mito da perfeição tecnológica, mostrando aos jovens (e aos que não são mais jovens) como uma louvável contribuição ao progresso da humanidade, que o avanço tecnológico desancorado da energia vital, e portanto do amor, possa produzir o extermínio atômico, a guerra química e a bacteriológica, é um detalhe que se prefere negligenciar. O encantamento pela técnica é um potente fator de coesão dentro da perspectiva da conservação do atual sistema.
Mas a verdade é que não se consegue apagar os instintos. Antes, consegue-se o oposto, isto é, a repressão dos instintos. Por esse motivo a educação sexual, fundada largamente sobre a sublimação, em especial sobre a sublimação científico-tecnológica, acaba por sair da área da comunicação afetiva para entrar em uma área de "objetividade" isolada e fria, tornando-se com isso mais estéril e dessexualizante.
De qualquer forma, o motivo dominante da educação sexual permanece sendo a repressão. A repressão, mais ou menos declaradamente percorre os caminhos da sublimação, do tipo "científica", mas apoia-se sobretudo nos meios eficazes da chantagem. Em uma sociedade com fortes proibições sexuais, a autoridade consolida-se também pelo fato de ter a possibilidade, sobretudo na forma religiosa, de novamente liberar os homens de uma parte de seu complexo de culpa. O alívio que advém está necessariamente conectado a uma mais forte submissão e devoção a essa autoridade.
Em outros termos, estimula-se artificialmente no homem complexos de culpa, ligados à sexualidade, dos quais o homem pode se liberar desde que lhe submeta-se à autoridade, e logo à repressão que a autoridade lhe impõe e à própria mortificação. A morte deve ser aceita para salvar-se. "A educação para a aceitação da morte introduz na vida, desde o princípio, um elemento de capitalização e submissão". Implícita ou explicitamente, colorida com expressões confusas ou abertamente proclamada, esta é a trama envolta na ética sexual que fornece à operação educativa a matéria-prima para a reformulação de normas e preceitos. Uma ética que, na verdade, parece pouco moral. Uma ética que tem como objetivo apenas a conservação e a salvação do matrimônio institucionalizado, a garantia de propriedade recíproca dos cônjuges, a fidelidade coagida e o autoritarismo intra e extrafamiliar.

As Falsas Palavras
O terreno sobre o qual prospera a falsa educação sexual é o da hipocrisia. Em público cria-se uma imagem da própria sexualidade que não é verdadeira, e ela é apresentada como uma trama bem ordenada de relações preestabelecidas e codificadas. Mas na privacidade aceita-se tranqüilamente aquelas desordens" que oficialmente são recusadas como perversão, desvio, depravação, e assim por adiante. Um cidadão médio pode ter uma amante, mas não aceitará nunca colocar em discussão a fidelidade conjugal. A cidadã média pode ter uma libido normal e por isso procurar alguma satisfação não necessariamente ortodoxa, mas frente às pessoas representará sempre o papel da perfeita mãe de família, disciplinada e frígida.
Usa-se largamente a prostituição, pratica-se o aborto clandestino em escala nacional, sustenta-se um promissor mercado da chamada imprensa pornográfica, abusa-se do corpo feminino usando-o como meio para incrementar o consumismo, mas se mantém a fachada da mais rigorosa retidão moral. Trata-se de uma falsidade que, apesar disso, passou a fazer parte dos costumes e que é considerada absolutamente normal. Uma mentira coletiva que goza da proteção do moralismo corrente, o qual está disposto a tolerar qualquer baixeza a nível individual, mas não transige sobre a exterioridade da norma. Atos impuros são cometidos sem nenhum impedimento, mas condena-se impureza. E para manter viva e operante tal condenação, a despeito de uma realidade que a contradiz de modo evidente, recorre-se a um léxico particularmente mistificatório, feito de grandes palavras nas quais se coloca um conteúdo cômodo. Da hiprocrisia dos fatos avizinha-se das palavras.

A Moral
Muitos sustentam que existe e que deve existir uma moral sexual, isto é, que a sexualidade deve ser gerida basicamente por um código moral que lhe seja próprio e que é diferente daquele destinado a guiar outras expressões humanas, como por exemplo a ação política ou econômica. Conseqüência disso é que uma determinada operação, suponhamos a procura não finalizada do prazer, pode ser lícita e até louvável em um certo campo - e condenável no campo sexual. descobrir a solução de um problema científico ou deitar-se em um gramado para tomar sol são coisas que dão prazer, freqüentemente um prazer que é fim em si mesmo e sobre o qual ninguém tem nada a dizer. Mas todos têm muito a dizer se satisfação, desvinculada de fins procriativos, sociais ou de outro gênero, é procurada a área da sexualidade.
As normas éticas reservadas ao exercício da sexualidade são sugeridas, ou impostas, em uma perspetiva de relatividade e de aderência às necessidades de um dado contexto social. Isto pareceria lógico se o livre fluir da sexualidade, não limitada por ordenações particulares, causasse dano àquele determinado tipo de ordem comunitária e, naturalmente, se este último fosse satisfatório a ponto de ser conservado inalterado.
Eis os dois postulados sob os quais se funda a ética sexual: não há hipótese, ao menos por ora, de um sistema melhor que o atual, e tal sistema não deve deteriorar-se em contato com um costume sexual liberatório. Bem, a segunda parte do discurso é previsível, mas a primeira, o contrário, oferece muitos motivos para perplexibilidade. Para sustentar a necessidade de uma moral sexual ocorre entretanto que ambas as afirmações são reconhecidas como plenamente válidas, e é extremamente nesta direção que se movem os moralistas: as conseqüências de uma liberação da sexualidade são apresentadas como ruína, caos e regressão.
A desintegração do sistema é interpretada de maneira puramente negativa, e definida como temível em qualquer de seus aspectos. Em suma, cada solução alternativa àquelas vigentes é considerada um prejuízo, algumas vezes dramático, e afirma-se que uma sexualidade livre conduziria a esse prejuízo da condição humana. Vem daí a imposição de uma moral sexual específica e relativa, própria para o sistema existente, e portanto a negação de uma ética global e estável que considere a gestão da sexualidade no nível de qualquer outro comportamento humano, independente das exigências do próprio sistema. Fala-se então abundantemente de ética sexual e muito pouco de ética pura e simples, mesmo porque esta última opõe-se a manobras limitativas que distorçam sua essência e se traduzem em uma opressão da pessoa. A moral sexual poderia portanto, e não sem razão, ser chamada de imoral. Mas ela é apresentada como um grande sinal de civilidade e como um instrumento indispensável de progresso.

A Educação
Para a maior parte das pessoas educar quer dizer amostrar a criança para que se comporte de um modo determinado, precisamente conforme as exigências de um costume considerado médio e normal. Isto implica: que o educando e potencialidade da criança, a qual, privada do ensinamento supracitado, não chegaria nunca a elaborar tipos de comportamentos aceitáveis; que certos comportamentos, socialmente aprovados, são o objetivo da educação, bem como o seu fim último, sem o qual se reincidira na anormalidade; que o impulso de operar daquela determinada maneira deve fazeres parte da mentalidade do educando até que, em certo ponto, ele não precise mais ser educado e possa seguir o caminho sozinho, tornando-se por sua vez e um educador.
Bem educado seria, por isso, um indivíduo que age segundo as normas estabelecidas pelo costume vigente, que esteja e irreversivelmente condicionado neste sentido, e que portanto não precise de vigilância ulterior ou de outros ensinamentos. Se tudo isto é verdade, fica por esclarecer qual a diferença entre uma criança bem educada um cão bem amestrado. E qual a diferença entre educação e um banal e grosseiro condicionamento.
Na verdade, o mais elementar bom senso induz à recusa categórica de todos os pressupostos do que normalmente se chama educação. Pensar que a criança deve ser educada e o adulto não, é absolutamente ridículo. Se admite, e não vejo como negá-lo de forma razoável, que a educação é uma operação dialética na qual a pessoa é o sujeito, e não o objeto, que constitui o primeiro empurrão para todo o movimento evolutivo, não se compreende por que motivo o adulto não continua participando dessa operação. Como se a chegada da chamada maturidade coincidisse com um estado de perfeição absoluta e insuperável.
Não se compreende por que motivo a criança necessariamente tornar-se-à anti-social, selvagem e criminalóide se o adulto não providenciar reprimir-lhe o mal e ensinar-lhe o bem, por meio de uma espécie de domesticação. Não se compreende ao menos qual o valor de uma estrutura psíquica imutável, marcada por um Superego prefixado, indelevelmente marcada na mente do indivíduo e que dirige as ações deste em uma marcada na mente do indivíduo e que dirige as ações deste em uma única e sempre idêntica direção. Uma humanidade composta de gente "educada" deste modo seria bastante similar a um formigueiro. E de fato parece que o é. No entanto esta educação, condicionante e opressiva, é a predileta de quase todos.
A criança não deve ser aquilo que é, não deve realizar sua potencialidade, não deve avançar pela sua estrada, não deve desenvolver as suas qualidades. Ela tem obrigação de tornar-se igual a nós, de desenvolver-se segundo a nossa vontade, de percorre o caminho que nós escolhemos, de valorizar a qualidade que nós julgamos boa. Nós somos infalíveis e perfeitos, e deste axioma partimos para plasmar os nosso filhos. À nossa imagem e semelhança, bem entendido, assim como fez Deus.

A Responsabilidade
Eis um dos instrumentos mais caros à repressão sexual: a responsabilidade. Para exercitar a sexualidade é preciso ser responsável. E a criança, sabe-se, não pode ser responsável. Nem o jovem. A responsabilidade chega com a idade madura, quando chega. Para muitos não chega nunca, e por toda sua vida esses serão julgados irresponsáveis e inaptos para toda relação sexual. Os rebeldes, os contestadores, os anticonformistas, os originais, os livres pensadores, os não alinhados, os brincalhões, os sonhadores, os utopistas, todos são irresponsáveis. Se quer impedir alguém do exercício da sexualidade basta dizer que esse alguém não tem senso de responsabilidade. E é o que se diz de todo aquele que não respeita as regras do jogo impostas pelo sistema.
Responsável, em suma, seria aquele que exercita a própria sexualidade nas condições do costumes vigente, dado que a submissão aos costumes parece ser a única garantia considerada válida para a tutela da pessoa humana.
O discurso do moralismo sexofóbico é bastante sutil: se você faz amor com uma jovem deve esposá-la; se gasta suas energias no sexo não sobrará nenhuma para a realização dos seus deveres; se você, mulher, perde a virgindade, está privando seu companheiro de um bem a que ele tem direito; se você se une a uma pessoa fora da instituição matrimonial ficará em uma situação socialmente incômoda, e assim por diante. Discurso sutil, repito, mesmo que os argumentos sejam trágicos, pois se trata de um discurso chantagista que impõe a culpa: se você não respeita fará mal à pessoa que você diz amar. Você será portanto culpado frente ao seu(sua) companheiro(a) e apenas a obediência às regras poderá reparar o seu erro. Que dois seres humanos possam assumir a verdadeira responsabilidade de estarem juntos em uma troca recíproca de amor e prazer, e de contarem consigo mesmo e não com a aprovação social para serem felizes é coisa praticamente impensável para muitos dos chamados educadores.
Existem jovens e até crianças freqüentemente mais responsáveis que certos adultos, e existe, cidadãos humildes bem mais responsáveis que os qualificadíssimos guardiões da moral. Mas oficialmente jamais serão reconhecidos como tal: a responsabilidade mistura-se com a firma reconhecida e com a corrente do banco. Quem não está de posse de seus documentos é irresponsável, portanto inepto para o exercício da sexualidade, portanto culpado caso a exercite. Não acredito estar exagerando. Infelizmente este discurso sobre a responsabilidade é freqüente e mal acabado, com uma referência constante a uma normativa que parece nutrida mais de burocracia que de razão.

A Inocência
O trabalho do educador é quase sempre direcionado no sentido de fazer com que a criança e o jovem se comportem como adultos. Considera-se muito importante que o filho, ou o aluno, aprenda rapidamente uma quantidade notável de idéias, que desenvolva atividades integradas dentro de fora da escola, que respeite as regras da vida comunitária, que não cause distúrbios, que "racione", que execute pontualmente as ordens, que se adapte aos costumes, etc.
Faz-se de tudo para que seja mais inteligente, mais hábil, mais estudioso, mais forte, mais empreendedor, mais sociável. Mas nada se faz para que aprenda alguma coisa sobre a sexualidade e dobre o prazer-amor, ou para que aprenda a gozar o próprio corpo. A zona da sexualidade é a única zona proibida, onde a criança não deve pôr os pês. A criança deve aprender de tudo, mas nada referente ao sexo.
Como já foi dito muitas vezes, o sexo é o limite, a barreira, a linha de demarcação entre a menor e a maioridade. O sexo é o feudo do adulto. Quem não é adulto deve ser privado de sexualidade, quer dizer, deve permanecer inocente. A inocência é a conotação mais relevante que se atribui à criança. E esta total ignorância da sexualidade - ou inocência - é defendia por todos os meios. Costuma-se dizer: não é necessário perturbar a inocência da criança, não é preciso manchá-la e não se deve permitir que a criança a perca. Portanto é indispensável defender a criança da curiosidade mal direcionada, dos contatos excitantes, dos estímulos inconvenientes. É preciso fazer com que não toque em excesso nos próprios órgãos genitais e muito menos nos dos outros, que não se envolva em jogos proibidos e, naturalmente, que não se masturbe. Qualquer atividade infantil que faça referência à esfera sexual deve ser impedida a qualquer custo. Caso contrário a criança perderá, para sempre, a sua inocência.
Perde-se a inocência não só como conseqüência de más ações, mas também por conhecimentos inoportunos. A criança não deve saber tudo. Alguma coisa sim, de modo a satisfazer a sua petulante curiosidade, mas tudo certamente não. Sabendo demais a criança poderia ter maus pensamentos e desejos deploráveis, que maculariam com o lodo da malícia a limpidez da sua ingenuidade. Fala-se, nos tons mais poéticos, do óvulo materno e do sêmen paterno, das núpcias, da maturidade, das flores e das borboletas. Fala-se também, mas com cautela, do fato de que fêmea e macho não são iguais. Mas nada além.
Explicar, por exemplo, que os meninos tem um pênis e as meninas uma vagina é já arriscado porque isto atrairia a atenção do pequeno inocente sobre seus órgãos genitais, e quem sabe com que funestas conseqüências. Não faz muito tempo um semanário milânes publicou as opiniões de alguns leitores sobre um programa televisivo de educação sexual.
A ânsia em proteger a inocência das crianças logicamente leva o adulto a afastar dos pequenos tudo que poderia ofender essa inocência. Em primeiro lugar a experiência. O pensamento de que uma criança, ou um meninote, possa experimentar o prazer da masturbação, ou que tenha como ver uma pessoa nua, ou que se pare com o espetáculo efusivo de duas pessoas enamoradas, ou que ouça falar de abraços e coisas semelhantes, é intolerável para alguns educadores. E quem, ao contrário, acha tolerável acaba sendo acusada de ser um obcecado por sexo e substancialmente um corruptor.
Uma coisa é certa: a criança que sabe alguma coisa sobre sexo ou pior, que desenvolve uma atividade sexual, semeia o pânico entre adultos de um determinado tipo. Mas talvez ainda exista outra, essa também muito simples: o adulto sente-se inconscientemente perseguido pela repressão que ele mesmo exercita e mantém, e gostaria de liberar-se dela da única maneira que pode aceitar, isto é, eliminando o que deve ser reprimido, a sexualidade. O adulto em suma gostaria de libertar-se da própria sexualidade para não ter que sujeitar-se à repressão. Gostaria de ser "inocente". Para tanto criou um modelo de inocência, e este modelo é a criança.
Se a criança não fosse inocente o adulto não teria à sua disposição nenhuma referência para fundar a hipótese de uma não-sexualidade, não poderia sustentar a possibilidade concreta de uma existência separada do sexo e seria inexoravelmente condenado à repressão. O adulto, para poder tolerar o próprio moralismo sexofóbico, precisa desesperadamente da criança assexuada e inocente. Por isso a inventou e pretende que ela assim seja, ignorado o fato de que a criança não é inocente. Ou pelo menos não o é no sentido que comumente se dá a essa palavra.

A SEXUALIDADE HOJE E OS CONFLITOS DA SOCIEDADE MODERNA
A observação da realidade atual poderia levar à conclusão de que o homem, concientemente, trabalha com prodigiosa perseverança para a própria infelicidade. Não acredita-se que a maior parte da pessoas seja realmente infeliz. Certamente ninguém, mesmo com um medíocre nível de consciência, quer ser infeliz. Provavelmente o seria se não existisse o fenômeno do hábito. Mas sabemos que o hábito existe, e que aos poucos o homem se adapta a quaisquer condições - ou quase - a ponto de tolerar, e até mesmo desejar, aquilo que em um primeiro momento lhe parecia doloroso e opressivo. É o que acontece com a sexualidade: de qualquer maneira o homem habituou-se a uma repressão que, objetivamente, poderia parecer pura loucura.
Mas se é verdade que não se procura conscientemente a infelicidade - ao contrário, procura-se evitá-la - não é menos verdade que se faz de tudo também para evitar a felicidade. Esta, como o seu contrário, brota das grandes emoções. Ora, como já foi sutilmente sugerida, o nosso tipo de cultura impõe um severo autocontrole que impede que o efeito das próprias emoções ultrapasse cerros limites. No costume atual tudo é orientado para a produtividade, e a dor, o prazer, o ódio, o amor, o medo, e todas as outras emoções, violentas, não favorecem a eficiência produtiva, mas lhe impõe obstáculos. por isso a boa educação burguesa tende a neutralizá-las.
Para isto já não se vale do meio grosseiro da repressão externa, ou vale-se pouco, preferindo recorrer a um instrumento mais eficaz de autocontrole, isto é, a repressão interiorizada. Educam-se as pessoas para que afastem toda a emoção intensa. o cidadão de bem não deve nunca ser perturbado pela emoção. Em outras palavras, ela não é tanto reprimida quanto negada.
De todas as fontes de emoção sem dúvida parece que a mais importante é a sexualidade, a qual em conseqüência é também a mais tenazmente recusada. A condição humana seria portanto esta: o indivíduo aspira à máxima produção de bens de consumo e contemporaneamente ao acúmulo máximo de meios de aquisição, e de ambas as coisas espera o que acredita ser felicidade, mas que da felicidade é apenas um substitutivo decadente, geralmente chamado bem-estar. Mas para obter produção e lucro ele deve ser eficiente, e para ser eficiente deve negar a emoção. Em particular aquela de natureza sexual, que é a menos produtiva e a mais dispersiva. Com isso ele nega o amor-prazer, e portanto a própria e autêntica felicidade, e na ilusória convicção de encontrar uma alegria que considera mais verdadeira, porque foi educado para isso, entrega-se a um trabalho alienado que lhe fornece dinheiro para comprar bens que ele mesmo produz.
Não parece portanto uma procura da infelicidade, mas uma recusa da felicidade. Da felicidade profunda, inebriante, total, capaz até de dar medo. O homem tem em do desta felicidade: é uma coisa estranha frente aos seus costumes e ele não foi educado para gozá-la. O prazer que lhe e familiar, e praticamente o único que ele está em condições de apreciar, é o que a civilização industrial lhe oferece: a posse de objetos inanimados. A educação sexual é manifestamente dirigida a esta condição. A biologização e o sexo como mercadoria, unidos a uma normativa entre as mais rígidas que a sociedade jamais experimentou, estão endereçadas a um só objetivo. Relegar a sexualidade as margens da existência humana e reduzi-la a uma função secundária, programável e mediocremente atraente. Mesmo atraente do que a compra de um carro, de uma televisão a cores ou de um bilhete para a partida de futebol.

O SEXO COMO MERCADORIA
Pode parecer que a codificação do sexo constitue um fenômeno contrastante com a educação sexual, mas, ao contrário, não só este contraste não existe como o mercado sexual é um dos costumes mais diretamente ligados aos procedimentos educativos vigentes. O educador tende, como é notório, a reprimir a sexualidade e contribuir assim para a criação dos substitutivos da sexualidade reprimida: pornografia, prostituição, etc. Ele não ignora o fato, e consequentemente assume uma dupla postura: por um lado não deixa de exprimir verdadeiro repúdio e a mais severa condenação pelo mercado do sexo, mas por outro lado reconhece-lhe a irreparalidade e confessa a própria e resignada impotência.
A resignação frente ao comércio do amor está entre os elementos educativos primários oferecidos ao ser humano. O que é lógico, dado que o único modo de eliminar tal comércio é a renúncia à repressão. O que, para o repressor, é evidentemente impensável. Assim, é preciso resignar-se.
Entretanto não está tudo aqui: a educação tradicional ainda vai além. Pode parecer estranho que os moralizadores manifestem a mais obstinada intransigência com relação a um setor do mercado sexual, pornográfico, enquanto calam-se frente a outro setor, o da prostituição. Mas não é estranho. A pornografia, de fato, é fonte de excitação sexual. A primeira deve ser portanto combatida, a segunda favorecida. A resignação de que se falava é ostentada dentro dos limites de ambos os fenômenos, mas na prática trata-se de uma resignação passivamente opaca frente à prostituição.
O objeto do moralismo sexofóbico é o da deserotização do indivíduo, o que certamente não se pode conseguir através de solicitações pornográficas, mas que se pode facilmente alcançar com o trabalho das meretrizes. Consequentemente, depois dos conselhos pragmáticos, declara-se rapidamente que nada se pode fazer contra a prostituição, que ela é a profissão mais velha do mundo, etc. E ainda se vai mais longe: sustenta-se que a prostituição é a salvação do matrimônio, ou pelo menos um dos seus sustentáculos. E se isso não é dito explicitamente, deixa-se subentendido.
A educação sexual contribui de três modos para a codificação do sexo: primeiro com uma resignação suspeita; segundo, justificando-lhe a existência, especialmente a nível da prostituição; terceiro, mascarando-lhe a verdadeira face até sua institucionalização. Isto é, fazendo passar por coisa normal, incensurável e até louvável o que na verdade é desumanizante e humilhante, cobrindo com o manto da legalidade um mercado em si degradante, colocando a etiqueta do matrimônio sobre uma contratação muito distante da esfera afetiva e muito próxima da economia. Não pretendo com isso dizer, bem entendido, que o matrimônio seja sempre uma forma de prostituição. pretendo dizer que pode sê-lo, e que geralmente é. E mesmo que o seja do modo mais descarado, ainda assim é corajosamente defendido pelos educadores sexuais.
Não se pode educar para a repressão sexual se dar vida a um mercado, mais ou menos clandestino, que compense a sexualidade. E não se pode fazer vista grossa à codificação do sexo sem encorajá-la. Isto me parece fora de discussão. Mas infelizmente não se pode dizer que os nossos educadores pretendam modificar sua estratégia, nem tão pouco renunciar à sua obra de persuasão em larga escala.

CONCLUSÃO
Pode-se afirmar que destina-se a pais e mestres, a responsabilidade da organização de programas curriculares: a prática e o exemplo, ilustrados pelo comportamento e atitudes dos pais e mestres, têm mais importância que os simples preceitos; a natureza e o alcance das respostas às perguntas devem ser determinados pelo estado de desenvolvimento físico, afetivo e intelectual da criança ou do adolescente, bem assim pela própria natureza das perguntas feitas; a educação cognitiva deve enquadrar-se no meio local e nacional, cultural e religioso e harmonizar-se entre família e a escola.
Nas escolas, a educação sexual deve ser progressiva e integrada. A necessidade de constantes repetições é muito natural nas crianças. Os referidos comportamentos e atitudes dos pais e mestres devem caracterizar-se pela naturalidade: a educação sexual é tanto melhor quanto menos aparente. Deve enquadrar-se natural e discretamente na vida doméstica e escolar correntes. Só aparece demais quando é imperfeita. As respostas às perguntas formuladas exigem ajustamento constante, levando-se em conta o desenvolvimento físico e mental da criança ou adolescente e o seu condicionamento psicológico. Por isso é preciso conhecê-los, antes de lhes responder, buscar saber o que lhes ensinaram sobre o assunto, ou o que eles mesmos pensam. Tanto em casa quanto na escola a educação sexual deve ser progressiva, porque assim ocorre com todas as matérias curriculares. Sobretudo no que se refere a informações sobre anatomia e fisiologias sexuais. E deve ser integrada, exatamente porque as demais matérias do ensino também se integram, ou pelo menos, devem integrar-se.
A necessidade de repetições constantes, não procede de esquecimentos por recalque, mas deve ser considerada como conseqüência natural do crescimento e do desenvolvimento da criança. Ora, porque o ensino é ou deve ser integrado e progressivo, assim também é progressiva a assimilação de informações e o desenvolvimento das potencialidades do educando; o que hoje satisfaz amanhã é insuficiente, donde o retorno do educando à questão. Este hoje-amanhã é relativo, horas, meses ou segundos.
De modo geral, a expressão "educação sexual" resume ou contém duas coisas distintas: a informação sexual, isto é, o problema de saber-se como transmitir às crianças o conhecimento da anatomia e da fisiologia sexuais, como desvendar-lhes essas realidades que, para eles, são mistérios; a "educação sexual propriamente dita", ou seja, o processo pelo qual as crianças e os adolescentes compreenderão que o instinto sexual, como os demais instintos, deve ser sujeito ao domínio da vontade e da razão; e, de instinto puramente animal, transformar-se em instituto humano. O primeiro problema é sobretudo científico mas encerra um fim de ordem moral. Nessas condições, educação instrução são inseparáveis e não se pode conceber que se empreenda uma sem o empreendimento da outra.

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