ORAÇÃO AOS MOÇOS – NOTAS E ASSERÇÕES SOBRE A OBRA DE RUI BARBOSA

Diógenes de Paula e Monteiro e Kênnia Suelen da Silva[1]

A obra de Rui Barbosa marca a interseção de uma vida já em seus fins com a ascensão de jovens carreiras. A linguagem um tanto paternal apela para o coração da juventude que a lê, para que esta se aproxime prontamente da voz distante do autor. Desfaz-se, então, a grandeza de tal distância, pois o coração tem “(…) a preexcelência (sic) de ver, ouvir e palpar o que os olhos não divisam, os ouvidos não escutam, e o tato não sente” (p.29).

     Em honras de pai e paraninfo, Rui Barbosa compartilha suas experiências em meio aos cinquenta anos laboriosos na política e no direito.

Diz da importância da ira, útil se tomada por bom senso e por repúdio à “negligência dos maus”. O teor religioso de suas palavras impõe o pecado àqueles que se cobrem de inteira mansidão, e não de uma “cólera santa”. Ensina-nos também sobre as necessárias “vicissitudes crueis da existência”, sem as quais o homem não poderia purificar e regenerar o próprio ser. As adversidades o impulsionam, trazem um bem maior que o mal anterior intencionado pelos desafetos.

O leitor é convidado a deixar o saber dos livros de ciências, para adentrar no saber das experiências. “Este (…) um saber vulgar, um saber rasteiro, ‘um saber só de experiência feito’” (p.37). A partir daí, a autor contempla a brevidade da vida e, sobretudo, a imensa variedade do universo. Para ele, tudo o que existe é único. De forma a contestar o tratamento de igualdade dado aos desiguais. Pois o homem erroneamente olha a todos como se tivessem o mesmo merecimento. “(…) é a filosofia da miséria (…) e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria” (p.39).

Rui Barbosa é categórico ao enfatizar a essência do agir. Como sendo essa a única maneira de compensar as faltas naturais de cada um. O que não deu a natureza, dará o trabalho perseverante. E o teor religioso da escrita se infla novamente na ideia de mescla entre trabalho e oração. Porque juntos, “(…) são os recursos mais poderosos na criação moral do homem” (p.40). Orar e trabalhar, o autor busca impedir a dissociação dessas ações, uma vez que uma legitima a outra.

A perseverança também é uma ideia bastante pregada pelo autor em seus aconselhamentos.

Ele define inclusive os horários ideais para se trabalhar. Para ele, isso deve ocorrer o mais cedo possível, na aurora dos dias. Também instrui brevemente sobre o bom funcionamento do organismo, no qual a autodisciplina deve equilibrar a labuta e o descanso, o dia e a noite. “A natureza nos está mostrando com exemplos a verdade” (p.42). Obedecendo tais dizeres, o leitor poderá estimular outros a fazerem o mesmo.

Ainda que os tenha defendido com eloquência, Rui Barbosa questiona-se quanto ao crédito que será dado a tais ensinamentos. Nisso busca reforçar as ideias com suas próprias vivências. Homem que sabe estudar, sabe como estudar, e sabe o que estuda. Desmente estórias sobre seus excessos nos tempos de trabalho. E reconhece em seus esforços a razão de seus progressos e conquistas, da infância à velhice. Rui Barbosa, o “madrugador impenitente”.

O autor atenta para a necessidade de se somar leitura à reflexão. Orienta-nos pela busca de um saber próprio, interior, e não alheio. Instiga não a assimilação, mas a transformação de conhecimentos. De forma a questionar a veracidade de toda ciência, sendo esta a procura pelo “saber de realidade”. “Haveis de conhecer (…) países, onde quanto menos ciência se apurar, mais sábios florescem” (p.44). Pois estes verdadeiros possuidores do conhecimento estão aptos a resolver quaisquer problemas, cuidar de quaisquer negócios. Para Rui, são “empreiteiros de todas as empreitadas”.

Em seguida trata sobre as leis naquele Brasil das oligarquias, “(…) as que mandam, e desmandam em tudo (…)” (p.48). Elucida as dificuldades dos executores do direito naquele contexto, no que se diz de retidão e justiça. Para o autor, a aplicação das leis deve se amparar no equilíbrio, na moderação, pois assim se corrigem os “abusos”, as “durezas”. A justiça é, pois, a mão forte e “sustentadora das leis”. A medida certa entre os poderes democráticos, a garantia de seus funcionamentos. Rui Barbosa delimita tais responsabilidades à magistratura e à advocacia: “Meus amigos, é para colaborardes em dar existência a essas duas instituições que hoje saís daqui habilitados” (p.50).

O autor se isenta de idealismos e utopias; baseia-se em sua própria história. Diz da experiência do observar e guardar, não somente do ver. Pede a dedicação máxima dos “moços” quando estes se sentarem à cadeira de juízes. Pede, sobretudo, a boa-fé na realização do trabalho. “Não sejais (…) desses magistrados, nas mãos de quem os autos penam como as almas do purgatório (…)” (p.53).

Em palavras de “pai espiritual”, aconselha a benevolência e a sensatez por parte dos jovens magistrados. “Magistrados futuros, não vos deixeis contagiar de contágio tão maligno” (p.54). E, sobretudo, para com os mais miseráveis, aqueles mais injustiçados por suas condições. Mas que por isso não se resignem de firmeza e coragem, essenciais nos enfrentamentos jurídicos.

Num breve comentário, Rui Barbosa condena a “peste das parentelas” no governo de seu tempo. Busca apoio nas lições de justiça dos antigos bárbaros para criticar o nosso modelo político; Para ele, é preciso barbarizar a “justiça ao parentesco”. De forma a se fazer “a forca mais alta” aos aproveitadores, mais ainda se forem nossos parentes.

Rui Barbosa também se preserva ao tirar grande parte de seus ensinamentos de literaturas religiosas. De modo a injetar em sua última lição um forte elemento divino: “Não há justiça, onde não haja Deus” (p.59).

Advogado, jurista, político, estudante e “pai”, Rui Barbosa se despede de seus “moços” como historiador daquela recém-nascida República do Brasil. Afirma a grande ascensão do país dentre tantos eventos ocorridos no mundo. “O Brasil (…) plantou sua bandeira entre as da civilização nos mares da Europa” (p.62). Em um curto manifesto, clama pela “mocidade viril”, pela “inteligência brasileira”, para que essas tomem os bons rumos para a nação. Os rumos da liberdade, da reconstrução, da verdade e do trabalho.              

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

OLIVEIRA, Rui Barbosa de. Oração aos moços. São Paulo: Editora Martin Claret, 2006.



[1] Acadêmicos do curso de Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), em Minas Gerais.