Aprimeira etapa da operação de securitização é a cessão de créditos, um tipo de transferência de ativos; um contrato apto a transferir segura e efetivamente os bens que servirão de lastro à operação para a securitizadora.

A cessão tem papel fundamental na fase inicial da securitização, é através dela que, normalmente, é segregado o patrimônio daquela determinada operação. Realizada sempre do originador do crédito (cedente) a quem vai emití-los, ou seja, a securtizadora (cessionária).

A transferência desses ativos é o cerne da securitização, sendo assim o seu diferencial em relação a emissões simples de valores mobiliários. A segregação é o elemento delimitador do patrimônio que garante o crédito dos adquirentes dos títulos emitidos na securitização.

É na transferência que vai se restringir os créditos que respondem pelo pagamento da remuneração e resgate dos títulos, feito aos investidores. E ainda, vai separar tais créditos do patrimônio geral do originador, de forma a protegê-lo de eventuais credores.

Para que a segurança da operação seja reforçada, os créditos devem, realmente, sair do domínio do originador e então passá-los, efetivamente, ao emissor. Essa completa transferência é o que se chama no Direito Norte-Americano de operações “True Sale”.

A não ser em casos extremamente especiais que são previstos em Lei, a simples segregação do ativo no balanço do originador não é suficiente para dar à operação a segurança que lhe é peculiar. É necessário que a cessão desses ativos seja de forma efetiva, para que deixem de integrar o patrimônio do originador e passem a integrar o patrimônio daquele que é responsável por emitir títulos ou valores mobiliários lastreados nestes crédiros, no caso, a securitizadora.

Em alguns sistemas europeus, como o português, esse tipo de securitização é exigida para que se cumpram fielmente as disposições legais a seu respeito.

"True sale" é toda cessão de créditos considerada final e definitiva no caso de, em uma securitização, sobrevir a falência da cedente. Se a cessão dos créditos é uma "true sale", em caso de tal falência os créditos não são arrecadados à massa falida, e os investidores que adquiriram títulos lastreados nesses créditos não são afetados. Caso contrário, a operação é considerada meramente um empréstimo para a cessionária e, como consequência, os direitos creditórios são tidos como ainda de propriedade da cedente. Quem determina se a cessão configura uma "true sale" é o juiz da falência, com base na lei, nos costumes e nas características do caso concreto. Tal decisão, nos Estados Unidos, tem relevante componente de subjetividade, sendo muito influenciada por fatores econômicos.

1.1      Segregação Patrimonial

A cessão de créditos, contrato inicial de qualquer operação de securitização, implica a segregação dos créditos do originador de seu patrimônio, assim não permitindo que tais créditos sejam utilizados futuramente para pagamento de dívidas que não envolvam a operação. Reduz os riscos de inadimplência em face dos investidores que adquirem títulos ou valores mobiliários atrelados aos referidos créditos.

Essa característica de segregação, além de ser muito vantajosa ao investidor, ainda é vista como vantagem ao originador, isto porque segregando seu patrimônio com o da operação, em princípio, não será este registrado em suas demonstrações financeiras e desta maneira, não incorporando os riscos de uma empresa operacional, poderá ter melhor classificação de risco.

No tocante a segregação do ativo, podem-se classificar operações de securitizações de duas maneiras: as operação com segregação interna e as operações com segregação externa.[1]

No primeiro caso, da segregação interna, a emissão é feita pelo próprio originador, vinculando-se ao ativo que lhe serve de lastro mediante instrumentos contratuais, como no caso da constituição de garantias.

Enquanto na segregação externa, a cessão se faz a outra pessoa jurídica, apartando-se, de modo efetivo, o lastro da securitização do patrimônio do cedente, e a emissão é feita, portanto, pela securitizadora. Este tipo de segregação caracteriza-se como operação com típica estrutura da operação estudada, criando um patrimônio separado próprio para o lastro daquela operação; já a segregação feita internamente, pode ser considerada como uma “simples emissão de títulos com garantia determinada”. (CAMINHA, 2007, p. 109)

Mesmo assim, a operação com segregação interna ainda é considerada uma verdadeira operação de securitização, pois apresenta todos os requisitos materiais, mesmo faltando o elemento estrutural. Tal operação, mesmo que seja constituída de garantia (real ou fidejussória), não reduz os riscos de inadimplemento como no caso da outra espécie; isto porque, numa eventual falência daquela originadora emitente, os créditos que serviriam de garantia aos títulos emitidos poderiam ser desvinculados destes para, no procedimento concursal, satisfazer aos credores com prioridade legal sobre os investidores, como no caso dos credores trabalhistas.

Por conta desta falta de segurança jurídica, os investidores estariam sujeitos a não receberm da originadora o valor decorrente do resgate dos seus títulos ou valores mobiliários.

A segregação dos créditos da originadora por meio de sua cessão a uma entidade securitizadora é reforçada pela Lei 11.101/2005, diposto no artigo 136, § 1º que “na securitização de créditos do devedor, não será declarada a ineficácia ou revogado o ato de cessão em prejuízo dos direitos dos portadores de valores mobiliários emitidos pelo securitizador”.

Essa Lei veio instituída como uma medida inovadora no âmbito de securitização de créditos e, certamente, deu novo impulso a este tipo de operação. Não havendo, na securitização, a possibilidade de propositura de ação revocatória da cessão de créditos, este contrato passa, então, a se revestir de maior e muito melhor segurança jurídica e, por consequencia desta segurança, cada vez mais investidores estarão dispostos a investir na aquisição de títulos securitizados.

Apesar da Lei supracitada, mencionar em seu artigo 136 que fica afastado o direito de revogação do ato de cessão, afastando os riscos de propositura de eventual ação revocatória, o que traz ventos favoráveis a este tipo de investimento, não impede que haja uma anulação da cessão de créditos, caso tenha sido exercída com o fito de fraudar credores da cedente, atráves do exercício da ação pauliana.

Resta ainda necessário, analisar os limites de responsabilidade da originadora na cessão de créditos e as repercussões sobre os investidores.

1.2      Limites de Responsabilidade da Originadora

 

O código Civil de 2002 preconiza em seus artigos 295 e 296 que a cedente não se resposabiliza pela solvência do devedor, salvo cláusula em sentido contrário ao disposto. Porém, apesar de não responder pela solvência, na cessão onerosa, como é o caso das operações de securitização, a cedente deve responder pela existência do crédito ao tempo da realização do negócio jurídico, independentemente de ter procedido de má-fé.

Ao ceder seus créditos, a originadora não mais se responsabiliza pela solvência dos devedores, salvo se houver cláusula de coobrigação ou caso, as inadimplências quanto aos pagamentos dos créditos sejam em virtude de vícios que existiam ao tempo em que foi realizada a cessão.

A responsabilidade da originadora perante estes créditos e ao pagamento à securitizadora pode ser de duas diferentes espécies: a subsidiária e a solidária. Sendo ela subsidiária, esta pagará somente à securitizadora o valor devido, após constada a inadimplência do devedor e excutidos os seus bens. Já no caso da responsabilidade solidária, a cedente concorrerá com o devedor no pagamento da dívida, podendo a cessionária cobrá-la diretamente, antes mesmo de serem esgotados os meios de cobrança em face do devedor original.

Importante destacar que na eventualidade de haver responsabilidade da cedente pela solvência de devedores, esta não pagará mais do que recebeu, acrescido dos respectivos juros e de eventuais despesas que a entidade cessionária tenha tido com a cessão e a cobrança dos créditos ao devedor.

Quando se analiza a securitização sob a visão da originadora, nota-se que o ideal é que não se responsabilize pelo pagamento dos créditos cedidos, tendo em vista que ao final, acabaria assumindo um risco que caso não houvesse a responsabilidade, seria completamente transferido à securitizadora. Deste modo, a resposabilidade adquirida pela cedente acabaria alterando o objetivo da securitização, a saber, a captação de recursos para a sociedade originadora.

Todavia, para aumentar a segurança jurídica da operação de securitização e consequentemente aumentar o seu rating e número de interessados no investimento, a securitizadora, no momento de pactuação do contrato de cessão dos créditos, lastro da operação, estipula cláusulas em que a originadora se responsabiliza por eventuais inadimplências, deste modo, evitando a geração de prejuízos para os investidores.

A cláusula de coobrigação é aquela na qual a cedente, apesar de já ter transferido a propriedade dos créditos à cessionária, ainda se responsabilizará por dívidas não adimplidas pelos mutuários, principais responsáveis por elas, garantindo a boa liquidação da obrigação no vencimento.

Equivale à captação de recursos financeiros com lastro em títulos e valores mobiliários, com o compromisso de recomprá-los na data de seu vencimento, caso não venham a ser quitados pelo devedor. O cessionário possui o direito de regresso do crédito ao cedente, isto se e somente se o devedore deste mesmo crédito torna-se inadimplente.

O cedente, além de responder pela existência do crédito, ainda oferece uma garantia em face a esse risco de inadimplemento, de maneira que os crédidos vencidos e não pagos podem ser devolvidos a este cedente que pode oferecer novos créditos em substituição aos devolvidos ou mesmo arcar com o pagamento dos valores neles representados.

Nas operação de securitização em que se utiliza a cessão de créditos sem coobrigação da cedente, ocorre o que os doutrinadores chamam de “real securitização”; a cessão completa, perfeita e acabada, sem nenhum resquício de responsabilidade à cedente deste crédito, eximindo-a de qualquer tipo de pagamento direto por conta da inadimplência, não havendo, posteriormente, nenhum crédito a ser contabilizado no balanço da cedente.

Essa responsabilidade é transferida por inteiro à cessionária, havendo a desvinculação total da originadora em relação aos créditos cedidos.


[1]           BORGES, Luís Ferreira Xavier. Securitização como parte da segregação do risco empresarial. Revista do Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo, v. 10, p. 257-267, out/dez. 2000.