OPERAÇÕES BUILT TO SUIT: implicações da possibilidade de 
rescisão de contrato pela usuária-locatária
Bruno Coqueiro
José Mauro dos Santos Carvalho Filho
Humberto Oliveira

RESUMO

O artigo em tela versa sobre as operações built to suit, modalidade de contrato de locação urbana não residencial. Desse modo, sopesa o contrato built to suit, bem como sua figura atípica no ordenamento pátrio, e suas vantagens e desvantagens, a partir da tipologia da nova modalidade de contrato encontrada na lei 12.744/12. Analisa a compreensão conceitual do contrato e seus tipos. Estabelece distinções entre as operações built to suit e os demais contratos de locação imobiliária para fins empresariais. Aprofunda os efeitos jurídicos da possibilidade de rescisão contratual pela usuária-locatária nos contratos built to suit, bem como aborda as modificações introduzidas pela lei 12.744/2012, que altera o art. 4o e acrescenta o art. 54-A à lei no 8.245/91 (de locações). Para tanto, adotam-se como metodologias do trabalho pesquisas bibliográficas, fichamentos, discussão, aprofundamento dos conceitos e produção textual.

Palavras-chave: Contratos. Operações built to suit. Rescisão contratual. Usuária-locatária Consequências.

1 INTRODUÇÃO

A dinamicidade social é refletida também no Direito. E não poderia ser diferente, pois um Direito que não seja capaz de atender e acompanhar as necessidades dos membros da sociedade, que constantemente celebram negócios jurídicos entre si e/ou com instituições, não é considerado eficaz.
Daí decorre que o Direito precisa seguir também as tendências de cada tempo. Em tempos modernos, faz-se necessário que as relações sociais e jurídicas sejam estabelecidas de forma a satisfazer aqueles que nelas estão envolvidos.
Nesse contexto de mudanças, encontram-se os negócios jurídicos que são provenientes dos contratos. As operações contratuais built to suit, objeto de estudo desta pesquisa, são compreendidas nesse prisma. Elegemos como foco central o estudo das implicações da possibilidade de rescisão de contrato pela usuária-locatária nas operações built to suit.
Destarte, serão tecidas algumas considerações acerca da noção de Contratos. Nesse contexto, analisaremos os contratos conhecidos como típicos e os atípicos. Em seguida, nossos esforços voltar-se-ão para explicar os contratos de locação e suas peculiaridades. Por fim, as operações built to suit serão analisadas, com atenção especial para as modificações apresentadas pela lei 12.744/12 e as implicações da possibilidade de rescisão de contrato pela usuária-locatária.
Faz-se necessário ressalvar que o presente trabalho visa ao acréscimo da reflexão teórica sobre a temática versada, afastando-se da pretensão em esgotar os estudos sobre a mesma.

2 CONTRATOS

A História do Direito mostra que as relações contratuais surgem com a origem da humanidade. Obviamente, os contratos tomaram roupagens novas com o intuito de se adaptarem às diversas relações sociais enquadradas em tempos específicos.
As compreensões atuais acerca dos contratos serão esboçadas nas linhas seguintes. Parte do ordenamento jurídico macro que rege os contratos no Brasil é o Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406/2002, artigos 421 a 839. De sua análise inicial, é possível entender que Contratos referem-se a acordo de vontades, cuja finalidade é criar, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.

2.1 Noções de Contrato

Primeiramente, é de bom grado ter-se uma noção breve a respeito de Contratos e a sua classificação. Nesse item, buscar-se-á esclarecer o aspecto conceitual do Contrato.
De acordo com Silva (2003. p. 217), a etimologia define que contrato é derivado do latim “contractus, de contrahere”, possui a acepção de ajuste, acordo, combinação, transação. Significa o ajuste, “firmado ou acordado entre duas ou mais pessoas para um fim qualquer, ou seja, adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos”.
Nessa linha de pensamento, Carlos Roberto Gonçalves salienta que:
O contrato é a mais comum e a mais importante fonte de obrigação, devido às suas múltiplas formas e inúmeras repercussões no mundo jurídico. Fonte de obrigação é o fato que lhe dá origem. Os fatos humanos que o Código Civil brasileiro considera geradores de obrigação são: a) os contratos; b) as declarações unilaterais de vontade; e c) os atos ilícitos, dolosos e culposos (GONÇALVES, 2012, p. 21).

Não obstante ao que foi dito, o art. 421 do CC afirma: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
Reforçando o entendimento sobre os contratos, Tartuce (2011, p. 34) alude: “os contratos são, em suma, todos os tipos de convenções ou estipulações que possam ser criadas pelo acordo de vontades e por outros fatores acessórios”. Essas compreensões remontam ao Código Civil Italiano e estabelecem a visão clássica de contrato, que, no cenário de transformações, há esforço permanente para a construção de um novo conceito.
Do exposto acima, entende-se que os contratos são regidos pelos princípios da autonomia privada, observância das normas de ordem pública, obrigatoriedade, relatividade dos efeitos, boa-fé objetiva e função social do contrato.

2.2 Contratos típicos e atípicos

Nesta seção explicaremos, de forma específica, os tipos de contratos, que são denominados de típicos e atípicos.
Os contratos denominados típicos são aqueles em que há texto expresso, demonstrando sua existência e as normas que o determinam, logo, entendem-se como aqueles que são regulados por lei (têm nome), podendo ser através do Código Civil (atualmente com vinte e três) ou lei extravagante (tem vigor, porém de caráter suplementar).
Estes contratos típicos ou nominados, de acordo com Maria Helena Diniz (2003, p. 97) são “as espécies contratuais que têm nomen iuris e servem de base à fixação dos esquemas, modelos ou tipos de regulamentação específica da lei”.
Os atípicos, por sua vez, ao contrário dos típicos, não há texto expresso, no entanto, são permitidos, decorrente da vida no dia a dia. Os contratos atípicos são aqueles em que o legislador não os contemplou, mas proveu sua licitude, constando 23 em nosso Código Civil.
O art. 425 do CC assegura sua existência: “É lícito às partes estipular contratos atípicos observados as normas gerais fixadas neste Código”, estes (inominados) que não indo de encontro às normas do ordenamento jurídico e aos bons costumes, nada hão de “recear”.
Nessa perspectiva, Maria Helena Diniz (2003, p. 97-98), ao referir-se aos contratos atípicos, ressalta: “Regem-se não só pelas normas aplicáveis a todos os contratos, mas também pela estipulação das partes, pelas disposições atinentes ao contrato nominado com o qual venham a oferecer maior analogia e pelos princípios das modalidades contratuais que os compõem”. 
É nítido observar que Diniz sustenta seu enunciado no princípio da autonomia da vontade das partes, não devendo contrariar as regras contratuais em vigor no ordenamento jurídico.
Ainda em complemento, Maria Helena Diniz dispõe: 
Os contratos inominados ou atípicos afastam-se dos modelos legais, pois não são disciplinados ou regulados expressamente pelo Código Civil ou por lei extravagante. Porém, são permitidos juridicamente, desde que não contrariem a Lei e os bons costumes, ante o princípio da autonomia da vontade e a doutrina do número apertus, em que se desenvolvem as relações contratuais. Os particulares poderão criar figuras que necessitem no mundo jurídico (DINIZ, 2005, p. 100).

Portanto, não obstante aos tipos de contratos supracitados, Silvio Venosa explicita:
Em se tratando de normas não cogentes, se em um contrato típico pretenderem as partes dispor diferentemente, poderão fazê-lo, mas isso deverá ficar expresso. Na ausência de manifestação de vontade acerca de particularidades de um contrato típico, aplicamos as disposições da lei. Se o contrato é atípico, devem as partes tecer maiores minúcias na contratação, porque a interpretação subjacente será mais custosa e problemática numa omissão, justamente porque não existe um molde legal (VENOSA, 2003, 408).

Venosa chama a atenção para as consequências do contrato tanto de natureza típica – aqui é mais fácil resolver possíveis problemas, haja vista que os típicos são regulados expressamente por lei; quanto de natureza atípica – aqui são as cláusulas do próprio contrato que devem orientar no sentido de dirimir quaisquer conflitos, há que se primar pela minuciosidade e afastar o campo hermenêutico.
Aproximando essa reflexão aos contratos built to suit (objeto de análise do presente trabalho) é valido ressaltar havia doutrinadores que, a partir da lei 8.245/91, definiam as características nas operações built to suit como contrato típico. Por outro lado, com a edição da lei 12.744/12, afirmam que o contrato built to suit rege-se pelos contratos atípicos. O tópico 4 desse trabalho abordará as especificidades dessa categoria contratual.

3 CONTRATO DE LOCAÇÃO

Flávio Tartuce, ao fazer menção ao contrato de locação, leciona:
A locação de coisas pode ser conceituada como sendo o contrato pelo qual uma das partes (locador ou senhorio) se obriga a ceder à outra (locatário ou inquilino), por exemplo, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa remuneração, denominado aluguel (TARTUCE, 2012, p. 669).
Este contrato é um dos mais comuns nas relações contratuais. As pessoas, de forma geral, denominam-no de “aluguel”, onde uma parte paga para outra pela ocupação, por tempo determinado, de um determinado espaço ou coisa (casa, salas, prédios, lojas, automóveis etc.). Nesse sentido, podemos afirmar que a visão de Tartuce aproxima-se da definição extraída do art. 565 do Código Civil: “uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição”.
Apresentam-se como características da locação: a bilateralidade contratual, pois gera obrigações recíprocas; a onerosidade, uma vez tem remuneração; a comutatividade, haja vista que as partes, no princípio, hão de saber seus deveres; a consensualidade, já que o contrato de locação se molda com os desejos de mudanças; a executabilidade, já que o cumprimento se protrai com o tempo; por fim, a não solenidade e informalidade.
No contrato de locação, o objeto (fim) é o gozo, uma vez que sua utilização se dá de forma temporária da coisa mediante pagamento. Este tem como requisito principal dos contratos, em sua maioria, sobretudo, do objeto da locação ser lícito. É importante ressaltar que, na locação, não se transfere o domínio do imóvel ao locatário, mas sim a posse, permitindo apenas que o locatário tenha o gozo da coisa locada.
Vale ressalvar que a lei 8.425/91 se dirige sobre a locação do bem imóvel urbano, este que é destinado à indústria, comércio ou prestação de serviços, tendo como os demais contratos de locação imperados pelo Código Civil. A lei supracitada trata de contrato por locação residencial, por temporada, não residencial e comercial.
Os contratos por locação residencial têm por objetivo a moradia de pessoas, tendo um prazo sugerido pela lei 8.425/91 de 30 meses de vigência, oferecendo uma maior estabilidade ao locatário. Este tipo de contrato tem como característica, o fato de que o locador a qualquer momento pode reaver o imóvel (com o contrato ainda em vigência), porém se o mesmo decidir rescindir o contrato previamente, antes do estipulado, este terá que pagar uma multa previamente estabelecida.
Já o contrato de locação não residencial tem como objetivo a execução de alguma atividade comercial ou profissional, permitindo o locatário ser uma pessoa jurídica, e não somente física como no contrato por locação residencial. Estas características hão de ser observadas nos art. 51 e 57 da lei 8.425/91, Neste tipo de contrato, o locador poderá retomar o imóvel se assim queira denunciando por escrito, “demandando” ao locatário o prazo de desocupação no período máximo de 30 dias.
O contrato por temporada tem por objetivo a sua realização por, no máximo 90 dias, sendo uma residência provisória para aquela determinada atividade. Caso o locatário passe o prazo de 90 dias sem oposição do locador, o contrato é prorrogado automaticamente.

4 CONTRATO BUILT TO SUIT 

A expressão built to suit tem origem na língua inglesa, é conhecida dessa forma e também por termos de contrato como: “construído para servir". Daí, a ideia inicial de que essa tipologia de relação contratual esteja embasada no ajuste, na adequação, uma vez que o contrato built to suit firma-se a partir do acordo do locador em satisfazer a necessidade/vontade da locatária-usuária.
Mateus Leandro de Oliveira explicita:
A locação built to suit é uma modalidade de locação bastante utilizada nos Estados Unidos da América, a qual tem como principal característica o fato de que o imóvel objeto do contrato de locação ainda não foi construído. Além disso, o locatário tem a prerrogativa de definir o projeto e todas as características do imóvel, de acordo com as necessidades das atividades a serem desenvolvidas. Por outro lado, para que o locador tenha interesse em construir um imóvel especialmente desenvolvido para uma empresa específica, e ter como remuneração apenas o valor do aluguel mensal, é necessário que a locatária comprometa-se a permanecer no imóvel durante um período mínimo (OLIVEIRA, 2012, p. 300).

Da acepção de Oliveira é possível compreender que a origem das operações built to suit é norte-americana e mesmo que a tradução da expressão favoreça compreensão do referido contrato e suas implicações, prevalece o nome original (built to suit). O autor esclarece uma característica comum nesse tipo de operação: quem decide como será o projeto e suas características é o locatário, que o alugará mediante suas necessidades e especificidades; e não o locador, a quem o imóvel pertence e colherá como fruto da empreitada o aluguel, em longo prazo e com valor ajustado pelo contrato, até que o investimento seja suficientemente reconstituído. Por isso é importante que este contrato seja rigorosamente cumprido. Quando, por exemplo, há rescisão contratual por parte do locatário, o locador não pode ficar simplesmente no prejuízo. E para que as garantias sejam efetivadas, há implicações, nesse caso, para a locatária-usuária – este é o objeto central de análise desse trabalho e que será esmiuçado na seção 4.2, abaixo.
A fim de esclarecer o que seja a operação built to suit, Rodrigo Gasparetto alude:
Esse tipo negocial encerra em si diversos tipos contratuais, abrangendo a identificação de imóvel, a construção ou empreitada por encomenda e, ainda, a própria locação. Tem-se, então, modalidade atípica de contrato complexo que abrange características de diversos tipos de negócios jurídicos típicos, pelo qual o contrato built to suit não pode ser analisado sob a ótica dos negócios jurídicos por ele englobados, tais como locação ou empreitada (GASPARETTO, 2014, p. 58-59).

A primeira lição que se extrai das palavras de Gasparetto é que não se podem analisar as operações built to suit restritamente a partir dos contratos locatícios por terem natureza complexa, constituídas por empreitada e locação, por exemplo. Pode-se, desse modo, inferir que a operação built to suit funciona como contrato “guarda-chuva”, sendo, portanto, um gênero que comporta em si outras espécies de contratos, algumas já mencionadas.
O mesmo autor complementa:
[...] o usuário, e futuro locatário, busca no mercado imobiliário empreendedores, possíveis locadores, que tenham interesse em formatar e implantar um empreendimento com características específicas. Basicamente, o empreendedor escolhido adquire um terreno e constrói uma edificação no imóvel de acordo com as especificações contratadas pelo futuro usuário-locatário (GASPARETTO, 2009, p. 58).

Destarte, Gasparetto e Oliveira traçam aspectos conceituais e caracterizadores do contrato built to suit que se assemelham – ora se complementam, ora se repetem.
É importante perceber que essa modalidade de contrato traz implicações a mais para as partes, já que se estabelece a partir de “adequações”. A parte que investe precisa garantir que a locatária arque com suas responsabilidades de modo que aquela consiga extrair desse tipo de relação contratual o mínimo investido.
A operação built to suit não poderia ter natureza diferente do contrato por sê-la um. A sua análise preliminar permite-nos compará-la a uma pista de mão dupla em formato de círculo, onde dois carros precisam estar em movimento constante. Ousaremos explicar. A pista é uma só, serve tanto para ir quanto para vir. A pista em formato de círculo representa o “contrato”. Os carros representam os sujeitos da relação contratual built to suit (o locador e o locatário). Mesmo que os carros se movimentem em sentido contrário, estarão eles se cruzando em determinado momento, pois estão presos às cláusulas contratuais. O ponto que os converge é a satisfação tanto de uma parte quanto da outra (faz-se presente a harmonia contratual). Porém, quando um dos carros sai da pista (e aqui nos interessa sopesar aquele que representa o locatário), estar-se-ia diante da rescisão ou quebra de contrato, obviamente que isso representa danos/prejuízos à parte que ficara só na pista.
Tais considerações acerca das operações buit to suit são importantes para uma compreensão inicial do tema. Entretanto, acreditamos ser necessário evidenciar como esse fenômeno contratual é assegurado legislativamente de forma específica/direta ou não no Brasil. É nesse contexto legislativo de natureza contratual built to suit que o próximo tópico se debruçará, em especial com as modificações que a lei 12.744/12 apresenta e que podem nortear essa modalidade de contrato no país. 

4.1 Alterações apresentadas pela lei 12.744/12 

As operações built to suit, de acordo com Gasparetto (2009), não possuem disciplinamento jurídico específico no Brasil. Não podem ser compreendidas apenas como um contrato de locação, cuja regulação se dá pela Lei nº 8.245/91. Contudo, por se tratar de um contrato de natureza atípica, sua celebração é autorizada pelo artigo 425 do Código Civil, que dispõe o seguinte: “é lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”. A celebração de contratos atípicos é possível graças ao princípio da autonomia da vontade. Vale ressaltar que a natureza atípica dos contratos (também chamados de contratos inominados) fora também analisada no item 2.2 do presente trabalho. 
É importante mencionar as modificações que a lei nº 12.744/12 trouxe para este tipo de contrato, haja vista que a referida lei “altera o art. 4o e acrescenta o art. 54-A à lei no 8.245/91, de 18 de outubro de 1991, que “dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes”, para dispor sobre a locação nos contratos de construção ajustada (BRASIL, 2012).
Mediante o exposto, algumas considerações fazem-se necessárias. O artigo 4° da lei 8.241/91 sofrera alteração anterior pela lei 12.112/2009, cuja ementa é: “altera a Lei no 8.245, de 18 de outubro de 1991, para aperfeiçoar as regras e procedimentos sobre locação de imóvel urbano”. Mais tarde, em 2012, uma nova lei (12.744/2012) é editada, imprimindo alteração e acrescentando artigo à lei 8.241/91. Esse fato revela dois aspectos interessantes: o primeiro diz respeito à lacuna temporal e os entraves que o processo legislativo brasileiro enfrenta quando se pretende modificar ou aprovar determinada matéria no Congresso Nacional. Os motivos são os mais variáveis possíveis, mas citam-se alguns: jogo de interesses e negociação política. O segundo aspecto revela o caráter de necessidade de modificação e/ou adequação das leis para atender as expectativas de um novo tempo e de uma nova sociedade.
Feitas tais considerações, é oportuno traçar um paralelo entre o dispositivo alterado e o que vigora. A primeira parte do artigo 4° não sofreu variação, permanecendo assim expressa: “durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado”.
Porém, no que tange à parte final do artigo, a redação fora modificada. A lei 8.241/91 dispunha assim: “o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcionalmente ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada”.  A redação dada pela lei 12.744/2012 é a seguinte: “com exceção ao que estipula o § 2o do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada”. A nova redação apresenta, destarte, uma exceção à situação em que o locatário poderá devolver o imóvel. Acrescenta: “com exceção ao que estipula o § 2o do art. 54-A” – este, por sua vez, é o parágrafo que a nova lei (12.744/2012) adiciona à lei 8.241/91, cuja análise far-se-á mais abaixo.
Passemos ao estudo do art. 54-A, caput e parágrafos, introduzidos pela lei 12.744/2012 à lei 8.241/91. A fim de ilustrá-lo melhor, optamos por transcrevê-lo completamente:
Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.
§ 1o Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação.
§ 2o Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação (BRASIL, 2012).

Conforme afirmamos ao longo do trabalho, as operações built to suit não têm, ainda no Brasil, legislação própria, específica. Dissemos também que elas decorrem do princípio da autonomia da vontade dos sujeitos envolvidos na relação contratual, sendo respaldadas como legítimas pelo art. 425 do CC. Sendo assim, percebemos que a natureza conceitual, bem como os elementos caracterizadores do contrato built to suit encontram-se aludidos no caput do art. 54-A, supracitado: a) locação não residencial de imóvel urbano; b) construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação; c) locado por prazo determinado.
Parece, então, que nossa visão é paradoxal mediante análise atenta do art. 54-A. O que ocorre, na verdade, é que o dispositivo não faz menção à expressão built to suit nem à sua tradução livre “construído para servir”, o que exige, acreditamos nós, uma leitura hermenêutica e analógica, cujo objetivo é aplicar às operações built to suit o que rege o artigo. Isso é perfeitamente possível.
Nesse diapasão, o professor Adriano Ferriani leciona:
A lei passou a regular o contrato built to suit, estabelecendo, diferentemente dos princípios protetivos ao locatário, maior amplitude à autonomia da vontade. Ou seja, as cláusulas livremente pactuadas são válidas e não padecerão de nulidade, porque o pressuposto das locações convencionais (vulnerabilidade do locatário) não está presente nos contratos built to suit (FERRIANI, 2013, s/p.).

De acordo com Ferriani, é a lei 12.744/2012 que regula o contrato built to suit. O autor destaca ainda que a autonomia da vontade é estabelecida pela lei. Evidenciamos também que as partes poderão, de forma livre, pactuar as condições contratuais em locações built to suit. Tartuce (2012) complementa esse entendimento ao afirmar que, “em tese, as normas materiais da lei 8.245/1991 ficariam afastadas para os negócios de built to suit”.
O § 1° do art. 54-A preceitua que a revisão contratual é tida como disponível pelas partes. Nessa perspectiva, Ferriani conclama:
O texto de lei é feliz e foi acertado porque o valor da locação não corresponde necessariamente ao valor de mercado de ocupação, uma vez que nele costuma estar embutido também o investimento feito (construção ou reforma) para atender ao locatário (FERRIANI, 2013, s/p.).

Por questões didáticas, o § 2° do art. 54-A será sopesado apenas na próxima seção.

4.2 Implicações da possibilidade de rescisão de contrato pela usuária-locatária

Com o intuito de direcionar a pesquisa para seu eixo central, observa-se que, em relação à possível rescisão contratual por parte da locatária-usuária, há de se entender que a natureza das operações built to suit é complexa, o que implica que tal contrato não abrange apenas o pagamento do aluguel pela utilização do imóvel locado. Outras obrigações estão necessariamente vinculadas, devendo refletir toda a operação econômica, uma vez que o empreendedor-locador disponibilizará recursos para atender às necessidades do usuário-locatário.
Nesse sentido, é pertinente observar que determina a redação do artigo 2° da lei 12.744/12:
Art. 2o O caput do art. 4o da Lei no 8.245, de 1991, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 4o Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2o do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada (BRASIL, 2012, grifo nosso).

A segunda parte do art. 4°, como já sabemos, foi a que sofreu alteração. Desse modo, é possível perceber que a usuária-locatária até pode rescindir o contrato, porém, pagará multa ou sofrerá outros tipos de punição juridicamente estipuladas. Vale ressaltar que, na locação convencional, os alugueis vincendos não podem ser cobrados pelo locador, estando este limitado a cobrar apenas a multa. No contrato built to suit, dada a natureza contratual desse tipo de operação, o locador pode, sim, cobrar os alugueis que ainda vencerão.
O parágrafo seguinte do mesmo artigo estabelece expressamente o que ousamos chamar de normas constituintes das operações built to suit, interessando-nos aqui as implicações ao locatário:
Art. 3o A Lei no 8.245, de 1991, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 54-A:
Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.
§ 1o Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação.
§ 2o Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação. (BRASIL, 2012, grifo nosso).

Na seção anterior, tanto o caput quando o § 1o do art. 54-A receberam comentários devidos. Optamos por deixar a análise do § 2o nesta seção por entender que ele apresenta implicações à locatária nos casos em que ela rescindir o contrato. O dispositivo apresenta uma exceção como novidade (“em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário”), que implica ao locatário o dever de pagar integralmente a multa, não sendo possível sua redução. Isso se deve à natureza do contrato built to suit, pois, ao passo que impõe dever ao locatário, garante ao locador segurança. Entretanto, Fernando Tartuce ressalta:
De toda sorte, apesar da alteração desse último comando, acredita-se sempre na possibilidade de redução da multa ou cláusula penal nos termos do art. 413 do Código Civil. Trata-se de norma de ordem pública com relação direta com o princípio da função social do contrato (art. 421 do CC/2002), devendo sempre prevalecer, notadamente quando a multa for exagerada ou traduzir onerosidade excessiva à parte (TARTUCE, 2012, s/p.).

Caberá, primeiramente, ao juiz determinar a redução da multa, se observadas as exigências do art. 413 do CC. O autor observa também que é interessante situar as operações built to suit dentro dos limites da função social do contrato, a fim de se evitar abusos ou onerosidade excessiva.
Acreditamos que o fato da lei aumentar a segurança na relação contratual representa avanço, sendo, portanto, sua ideia central positiva.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo estudo constatamos que as operações built to suit inicialmente parecem causar estranheza a começar pela maneira como são designadas, exigindo uma maior atenção e esforço para que sejam compreendidas como formas de contratos que perpassam o mundo dos negócios imobiliários e, que, desse, precisam ser analisadas à luz do direito.
A tradução livre para a expressão built to suit pode ser “construído para servir”, ou "construído para ajustar". Ou seja, trata-se de uma modalidade de contrato de locação de bens imóveis urbanos, no qual o locador realiza investimento em dinheiro no imóvel, seja para construir ou para efetivar reformas no estabelecimento com o objetivo primeiro de adequar o empreendimento às necessidades exigidas pelo locatário. Não se trata, pois, de um contrato de locação qualquer, haja vista que ele traz consigo uma gama de especificidades.
Mesmo diante das visões antagônicas que permearam a discussão acerca de sua natureza contratual, há de se ratificar que o contrato built to suit é entendido como pertencente à categoria atípica dos contratos. Faz-se necessário ressaltar que os contratos atípicos não têm regulamentação pelo ordenamento jurídico pátrio, sendo possível sua celebração em concordância com o art. 425 do CC. E mais: o built to suit não pode ser todo regulamentado pela lei 8.245/91 (que regula as locações de imóveis urbanos) por ser incompatível com alguns aspectos de sua natureza.
Nesse diapasão, Tartuce (2012) destaca que “as disposições procedimentais previstas na lei 8.245/91 são aplicáveis aos contratos built to suit. Assim, não serão válidas as cláusulas que afastem algumas dessas normas procedimentais”. Concordamos com o autor em parte pelo motivo exposto no parágrafo acima.
É possível inferir que a lei 12.744/2012 introduz modificações relevantes e impactantes nas operações built to suit. A referida lei apresenta duas alterações à lei 8.245/91, sendo a primeira modificação no art. 4º da Lei de Locação, ao introduzir a exceção a respeito de tais locações, no tocante à redução da multa compensatória. A segunda alteração consiste no acréscimo do art. 54-A da Lei 8.245/1991. O caput deste dispositivo expõe o cerne do contrato built to suit, uma vez que passa a definir tais operações como “locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado” (BRASIL, 2012).
Reafirmamos que o § 2o do art. 54-A fornece o que chamamos de “implicações à locatária” quando esta rescindir o contrato. O entendimento que se lhe apresenta é a obrigação que o locatário assume de pagar a multa de forma integral, sem a possibilidade de sua redução. Acreditamos ser esta uma norma de segurança do contrato built to suit, uma garantia ao locador quando locatário decidir rescindir o contrato sem que aquele tenha percebido o investimento realizado no empreendimento. Em outras palavras, significa dizer que o locatário tem o direito de rescindir o contrato, mas incumbe-se em reparar, através da multa, o investimento que o locador realizou – algo, a nosso ver, justo.
Espera-se que o referido trabalho contribua para aqueles que estudam a temática, pois este não pretende encerrar a compreensão do conteúdo, mas, acima de tudo, servir de suporte para que novos entendimentos sejam possíveis e compartilhados.


REFERÊNCIAS 

BRASIL. Lei nº 8.245/1991. Presidência da República, Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2014.

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