Certo dia, estava observando a conversa das pessoas em um restaurante enquanto aguardava um amigo. Coisa feia eu sei, mas não pude evitar, tantos assuntos diferentes para ouvir,que o tempo foi passando e  pude me distrair enquanto esperava.

Foi então que percebi uma coisa muito distinta, o paulista comeu o ésse. É comeu mesmo, você deve estar pensando que é um prato especial servido pelo restaurante, mas já adianto que não é isso . O que eu quero dizer é que o paulista, não em sua totalidade,  não está usando o plural .

Depois de observar as pessoas conversando, pude perceber este pequeno detalhe, que para a Língua Portuguesa deve ser sofrível ouvir conversas como as quais descrevo a seguir:

Começavam  mais ou menos assim:

- Nós vamo ao Masp hoje ou não?

- Espera um pouco, vou ver quantos real eu tenho.

Esse pequeno diálogo foi o ponto de partida para a minha investigação, seria uma conversa normal se logo a seguir não viessem outras. Foi então que resolvi partir para uma investigação mais substancial, que me trouxesse mais evidências e provas concretas de que minha contestação estava correta.

Ali mesmo, naquele restaurante, espichei minha orelha e coloquei minha boa audição de curiosa para funcionar. Notei então, que minhas suspeitas tinham fundamento e que acima de tudo ela tinha um fato verídico que a comprovasse: as pessoas, observe mais esta conversa.

- Oi, tudo bem ?

- Tudo bom ?

- Faz tempo que você está esperando?

- Não, cheguei agorinha.

- Então vamos pedir uns aperitivo para começar ?

Essa chegou a doer nos ouvidos. Minha atenção então se voltou para todas as conversas de todas as mesas. Não importavam quais eram  os assuntos, todos eles não tinham ésse .

Não entenda mal, esta minha investigação, que em nenhum momento  foi uma diversão , mas sim uma constatação triste e grave, porque para uma pessoa que como eu trabalha na área de educação, um erro grave como esse representa uma punhalada na Língua Portuguesa.

E assim foram passando as conversas, uma atrás da outra, cada qual sem o seu ésse.

- Vamo embora, ainda tenho os  dois carro para lavar antes de viajar.

- Espera um pouco vou comer mais alguns salgadinho.

Eu espero ardentemente, que você que esteja lendo este texto agora  tenha percebido os erros de  plural. Isso seria um sinal de  salvação.

Comecei então a me perguntar: Onde estão os professores de português que não perceberam isso? Será que eles também falam assim? Ou será que já virou um vício?

Neste momento, muitas perguntas pairavam sobre minha cabeça, e estava tão mergulhada em minha investigação que não percebi meu amigo chegando. Ele me cumprimentou  e já foi soltando uma :

- Vamos sentar naquelas mesa ali, são bem melhor.

Confesso que meu queixo caiu, porém não deixei que ele percebesse a minha cara de desapontamento. Percebi então que eu já havia passado da fase de investigação para a de inquisição. Queria saber quem era o culpado por este fenômeno . Então em meu momento de reflexão, concluí :

Quando era jovem, ouvia Bossa Nova, e outros gêneros da MPB,os quais transmitiam uma cultura e uma opinião aos jovens da época. E agora, o que os jovens ouvem?

Posso responder que são coisas absurdas, sem letras, com dois ou no máximo três versos, um refrão estúpido que as pessoas repetem por que está na moda.

Os programas de televisão tinham um conteúdo mais cultural, o lado comercial somente existia nas propagandas, que na época tinham esse nome e não comercial de televisão.

Definitivamente, este encontro com o trabalho investigativo, abriu uma porta da qual não consigo mais sair, e desde então meu vício é perceber a falta de plural em tudo o que ouço. Sim em tudo, são poucas as pessoas que aplicam o s quando necessário. Outra pergunta me ocorreu em um certo momento de minha investigação solitária a qual você pode me ajudar a responder:

- Esse erro é geral ou depende de classe social?

Pude constatar que a classe social não tem nada a ver com isso. Para mim, isso se tornou um assunto de estudo, porque as crianças que estão aprendendo a se comunicar, os jovens que tentam se comunicar e os velhos que pensam que se comunicam, todos sem exceção engolem os ésses.

Todos os brasileiros sabem que o português é a língua oficial do Brasil, e muitos sabem que ele é derivado do latim.

A Língua Portuguesa sofreu e sofre uma evolução natural ao decorrer do tempo. As mudanças, porém, se deram de maneira distinta em seu país de origem, Portugal. Paul Teyssier, em Histoire de la langue portugugaise, conta que no final do século XVIII, o brasileiro já aparece no teatro português como um personagem com peculiaridades em sua fala. Um exemplo que ele apresenta em seu livro é generalização do uso da forma de tratamento que até hoje se mantém no Brasil, mas que em Portugal era empregada apenas familiarmente: o "você", redução de "voismicê", que por sua vez deriva de "vossa mercê". Hoje em São Paulo os pronomes tu e vós não são mais usados. Estaríamos então passando por mais uma evolução natural?

Não tenho a resposta para esta pergunta ainda,certamente será preciso muito tempo para uma investigação maior e mais completa.

Porém, com toda essa engolição de sque pude perceber, ainda foi possível deduzir que  deve haver uma pessoa feliz com esta situação: o endocrinologista. Porque de tanto estarem engolindo o plural, a população do estado de São Paulo está engordando, o que aumentará o número de pacientes.

E você  já comeu o seu hoje?