Resumo
Este trabalho como parte da disciplina de História da África ministrada pela Prof.ª Suzi Aguiar, trata de uma visita técnica ao Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, (IPN), que apresentou a oficina: "A Saga dos Pretos Novos". Mostraremos neste trabalho um pouco do Sítio Arqueológico do Cemitério dos "Pretos Novos" e assim fazer uma viagem no tempo e descobrir um pouco da cultura e da vida desse povo, que ajudou a construir o Brasil, e que sofreram por mais de quatrocentos anos e que até hoje são vistos por parte da sociedade brasileira ainda com preconceito e descriminação.

Introdução
O IPN foi criado 10 anos após a descoberta do cemitério dos Pretos Novos, (1779 a1830), e tem por finalidade propor reflexões, estimular projetos educacionais e de pesquisa, para a preservação da memória relacionada aos fatos e acontecimentos afins ao período da escravidão legal, com seus desdobramentos nos dias atuais, analisando suas conseqüências ao longo do processo civilizatório.
Em 1996, na Rua Pedro Ernesto, número 36, bairro da Gamboa, no Rio de Janeiro, foi descoberto o Cemitério dos Pretos Novos, do qual não se tinha a exata localização. Esse cemitério era destinado ao sepultamento de escravos africanos recém-chegados no porto do Rio de Janeiro, do século XVIII ao século XIX, no qual os sepultamentos eram precariamente realizados. Os corpos eram amontoados no centro do terreno e por lá permaneciam até que fossem queimados. O cemitério foi fechado em 1830, depois de varias reclamações dos moradores e, para se ter uma noção de 1824 a 1830, foram sepultados 6.122 escravos, sendo 60% de homens, 30% de mulheres e 10% de crianças e jovens. Ao determinar a cultura dos pretos novos, ficava claro avaliar o que significava para eles o enterro sem ritual, em vala comum e à flor da terra.


Relatório sobre a Oficina "A Saga dos Pretos Novos"

"A verdade consiste em evitar o esquecimento. Existe um dever de memória, principalmente em relação ao que dói e incomoda"
Jacques Le Goff.

A oficina teve início com apresentação de um trecho do filme "Amstad", que mostrou como era efetuada a captura e o comércio de escravos durante o século XVIII na África. O filme com cenas muito fortes mostra logo no início o africano escravizando uma outra tribo, o que demonstra que a escravidão já era praticada na África interna, antes da colonização. O filme mostra ainda, a negociação com o europeu, o embarque nos navios negreiros, onde eram torturados, e por vezes até jogados ao mar.
Vimos o início da grande dispersão africana que teve a origem no comércio africano de escravos onde aproximadamente 10 milhões de escravos foram trazidos para o continente americano, num período de aproximadamente 400 anos, e desses, cerca de 6 milhões para o Brasil onde trabalhavam na produção de cana de açúcar na mineração, nas lavouras de café, onde cerca de 3 milhões e 600 mil foram enviados para o sudeste do Brasil, grande parte desses grupos eram do grupo lingüístico banto.
Durante o tráfico de escravos para o Brasil, negros de quatro principais grupos foram trazidos: os sudaneses (especialmente dos yoruba e dahomeanos), povos que viviam no Sael (território de savana ao sul do Saara) ou Sudão (Bilad al-Sudão que em árabe significa terra dos negros), os islâmicos (especialmente Peuhls, Mandingas e Haúças), os Bantos de Angola e Congo e, finalmente os Bantos de Moçambique. No período que corresponde a 1580 a 1690 Luanda foi o porto pelo qual os portugueses mais comercializavam escravos.
A chegada dos navios negreiros à África apresentava vários significados: para os mercadores era o momento de ganhar dinheiro, e o final de uma longa viagem; para os escravos, que eram colocados em barracões de bambu, presos, em dupla, pelo tornozelo quando homem, e quando mulheres e crianças pelo pescoço, observavam o navio como se fosse um "tumbeiro", um tipo de transporte que eles não conheciam e que na sua imaginação os levariam para o mundo dos mortos. Esses navios chegavam a transportar aproximadamente 400 escravos, em condições precárias, mais carga e mantimentos para a tripulação. Não eram separados doentes dos sãos, e por isso a varíola e o escorbuto causavam dezenas de mortes.
A ilha de Villegagnon que pertencia à época aos Jesuítas era cedida para servir de quarentena aos navios negreiros, e na época ficou conhecida como "degredo das bexigas". Durante o século XVIII o Rio de Janeiro se tornou o maior mercado de escravos do Brasil, devido à exploração de ouro em Minas Gerais que utilizava a mão de obra escrava. Os recém chegados cativos não amansados eram chamados de pretos novos, depois de adaptados passavam a se chamar ladinos, e os nascidos no Brasil crioulos.
Logo que chegavam à alfândega eram levados aos depósitos da Rua Direita (atual Primeiro de Março) e eram expostos à venda nas calçadas. Nessa época o cemitério dos Pretos Novos ficava localizado em frente à Igreja de Santa Rita, centro do Rio. O Marques do Lavradio transferiu o mercado e o cemitério para o valongo e ali se manteve até o fim do tráfico. O atracadouro era localizado onde fica hoje o obelisco que demarca o local onde foi o cais da Imperatriz, na atual Avenida Barão de Tefé.
Os sepultamentos de escravos no Rio de Janeiro começaram por volta do século XVII num pequeno cemitério localizado perto do morro do Castelo, nos fundos da Santa Casa da Misericórdia. Eram enterrados ali escravos africanos, seus descendentes, indigentes e os brancos pobres. A partir de 1700 este cemitério não comportava mais o número de enterros, devido ao aumento do tráfico negreiro. Assim o governador mandou criar um cemitério somente para escravos no Largo da Igreja de Santa Rita. O cemitério foi instalado no antigo caminho do cemitério na Rua da Harmonia e atual Rua Pedro Ernesto.
Em 1996 a casa situada na Rua Pedro Ernesto, n° 36, na Gamboa, encontrava-se em obra. Os donos, o casal Petrúcio Guimarães dos Anjos e Ana Maria De La Merced Guimarães G. G. dos Anjos estavam reformando o imóvel, pois iram morar nele. Entretanto, para espanto de todos, os pedreiros perceberam que vários ossos se misturavam a terra, e depois de várias conjecturas sobre o que se tratava, foi acionado o órgão competente da prefeitura. Assim foi descoberto que ali estava localizado o cemitério dos Pretos Novos onde se havia perdido a localização exata. Este cemitério tinha sido criado em 1722 no largo de Santa Rita e transferido para o valongo em 1769 onde permaneceu até 1830. Somente no período de 1824 até 1830 foram enterrados ali 6.000 corpos. Os registros foram arrolados no livro de óbitos da freguesia de Santa Rita.
Várias pesquisas foram feitas na tentativa de se descobrir, um pouco sobre esses antepassados. Foram encontrados vários artefatos de ferro, pontas de lança, argolas, colares, o que comprova a capacidade dos africanos. Foram achados ainda artefatos de barro, cachimbos, cerâmicas e conchas, muitos dos corpos foram encontrados enterrados com contas no pescoço.
Não só os aspectos da vida material foram revelados, mas os próprios ossos foram analisados por arqueólogos a fim de descobrir a verdadeira origem. Vinte e oito ossadas foram salvas e foi descoberto que pertenciam a jovens do sexo masculino com idades entre 18 e 25 anos e de adolescentes entre 12 e 18 anos e ainda crianças entre 3 e 10 anos. Muitos ossos apresentavam marcas de queimação. Outra característica interessante foi descoberta através da análise da arcada dentária de ossos salvos, e verificou-se que nessa arcada apresentava evidências de que pertenceria a um grupo tribal pertencente aos angolas, pois esses marcas eram comuns entre várias tribos a fim de definirem os ritos de passagem e a diferenciação de alguns grupos sociais. A maioria dos enterrados no cemitério dos Pretos Novos era de origem Banto.
O palestrante mostrou ainda a importância dos ritos de passagem entre a cultura Banto. Ao chegarem ao Brasil, emprestavam uns aos outros crenças e ritos religiosos, conhecimentos práticos a sobrevivência, promovendo-se, assim, uma nova identidade cultural, diferente da que existia na áfrica, pois misturavam elementos de varias delas. O mais comum eram buscarem se aproximar dos que lhes eram mais familiares, vindo das mesmas regiões, praticantes de tradições parecidas. Iorubas se agrupavam a Iorubas e Bantos aos Bantos, criando formas de solidariedades e estabelecendo novas normas de condutas, sendo os conhecimentos trazidos da terra natal os alicerces possíveis.
Mostrou a importância do enterro digno, dos rituais de separação entre os vivos e os mortos, a idéia de que as almas dos falecidos reuniam-se à grande família espiritual dos ancestrais no outro lado do oceano. Esse cuidado de render aos mortos o culto que se lhes devia, a fim de que não se vingassem, para que não viessem perturbar seus filhos com doenças ou pesadelos, explica a importância que o cerimonial de enterramento conservou entre todos os africanos.
Foi feito ainda um breve comentário sobre as irmandades de ?homens pretos?, era Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Benedito. Além de cuidar do culto do santo elas faziam o enterro dos irmãos mortos, mandavam rezar missas pelas suas almas e amparavam suas famílias caso não tivessem nenhum recurso. Portanto, os africanos recorriam às irmandades religiosas como forma de garantir um destino digno aos seus corpos depois da morte, uma vez que, diante do sistema escravista, muitos cativos acabavam não recebendo um sepultamento, pois dependiam da boa vontade e das condições financeiras do proprietário, sendo muitas vezes, abandonados na rua. Para garantir o sepultamento dos mortos, introduziu em seus costumes, o enterro no interior das igrejas católicas, únicas oficialmente existentes no período. Apropriaran-se do costume cristão de ter o ?beneficio? do acompanhamento de padres, e missas, assim como, adotaram santos e rezas católicas, incorporando-as ao seu panteão de representações e ritos religiosos. A tradição religiosa que predominou nas primeiras organizações pós escravatura foi a banto, que conhecia uma série de divindades ou espíritos, bons e maus. Nela se confirmou a influência católica, e juntamente com a identificação entre orixás e santos católicos foi também assumida outra influência religiosa.
Conclusão
De acordo com Julio Cesar Medeiros, em seu livro "À Flor da Terra", escrito originalmente como dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foram bem estudadas e são bem conhecidas as violências contra os escravos vivos. Mas pouco se sabe sobre as violências contra os mortos, praticadas em locais como o Cemitério dos Pretos Novos do Valongo e em cemitérios semelhantes que devem ter existido em outros portos de grandes desembarques de cativos, antes e depois de 1830.
. O resgate da memória desse povo é um dever de todo cidadão, vários africanos morreram na construção do Brasil e não tiveram um enterro digno, portanto, nos resta agora tentar entender e repensar o preconceito racial e a liberdade de expressão.


Referências
ANJOS, Ana Maria De La Merced G.G.G dos; PEREIRA, Júlio César Medeiros da Silva. A Saga dos Pretos Novos. Rio de Janeiro ? Secretaria de Assistência Social e do Direito do Negro; Rio Zumbi 2008; ACE Digital Ltda. 2008; 24p; tiragem 2.000.
PEREIRA, Júlio César Medeiros da Silva. À flor da terra: o cemitério dos pretos novos no Rio de Janeiro: Editora Garamond: IPHAN, 2007. 208p; 14x21cm
PRANDI, Reginaldo. Referências sociais das religiões afro-brasileiras. In: CAROSO, Bacelar e BACELAR, Jéferson (org.). Faces da tradição afro-brasileira: religiosidade, sincretismo, anti-sincretismo, reafricanização, práticas terapêuticas, etnobotânica e comida. Rio de Janeiro/Salvador: Pallas/CEAO, 1999.