UNIVERSIDADE GAMA FILHO

CENTRAL DE CURSOS DE EXTENSÃO E

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

CURSO DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

 

 

 

 

 

 

 

 OFENDÍCULOS E SUA NATUREZA JURÍDICA

 

 

 

 

ALEXANDRO NAPOLEÃO SANT’ANA

 

 

 

 

 

 

ITAITUBA

2013

 

 

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ALEXANDRO NAPOLEÃO SANT’ANA

 

 

 

 

 

OFENDÍCULOS E SUA NATUREZA JURÍDICA

 

 

 

 

 

 

Monografia apresentada à Central de Cursos de Extensão e Pós-Graduação Latu Sensu como requisito parcial para conclusão do Curso de Especialização em ­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­Direito Penal e Processual Penal.

 

Professor orientador

César Bocuhy Bonilha

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ITAITUBA

2013

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ALEXANDRO NAPOLEÃO SANT’ANA

 

OFENDÍCULOS E SUA NATUREZA JURÍDICA

 

Monografia apresentada à Central de Cursos de Extensão e Pós-Graduação Lato Sensu da Universidade Gama Filho como requisito parcial para a conclusão do Curso de Pós- Graduação em Direito Penal e Processual Penal.

 

AVALIAÇÃO

 

1. CONTEÚDO

    Grau: ___________

 

2. FORMA

    Grau: ___________

 

3. NOTA FINAL: ____________

 

AVALIADO POR

 

(Titulação e Nome completo, por extenso) _______________________________________

                                                                                                (Assinatura)

 

(Titulação e Nome completo, por extenso) _______________________________________                                        

                                                                                                (Assinatura)

 

 

(                ), ______ de fevereiro de 2013.

 

 

________________________________________________________

Arthur Migliari Junior

 

 

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RESUMO

 

O presente trabalho de conclusão de curso (TCC), elaborado na forma de monografia, tem por finalidade analisar a utilização dos ofendículos ou instrumentos de autodefesa à luz do direito penal pátrio. A análise proposta tem por objetivo estabelecer a devida classificação de tais instrumentos, diante da controvérsia existente nesta matéria. Assim, através da literatura especializada, promoveu-se um estudo inicial sobre o conceito de crime através da tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade, como forma de melhor abordar o tema sobre as excludentes da ilicitude previstas no Código Penal brasileiro, sobretudo em relação aos institutos da legítima defesa e do exercício regular de direito, os quais suscitam os maiores debates. Paralelamente, o estudo também identificou e abordou no Código Civil brasileiro mandamentos inerentes ao direito de defesa da propriedade, trançando o devido modelo comparativo com a legislação penal em vigor. Desta feita, a pesquisa visa proporcionar aos profissionais da Segurança Pública, bem como aos demais operadores do direito penal, condições de se posicionar diante do emprego destes instrumentos cada vez mais presentes no dia a dia da população brasileira.

 

 

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SUMÁRIO

 

  1. 1.    INTRODUÇÃO.....................................................................................................

05

2. CONCEITOS DE CRIME.....................................................................................

07

       2.1.  Fato Típico...................................................................................................

08

       2.1.1. Conduta...........................................................................................

09

       2.1.2. Resultado.........................................................................................

15

       2.1.3. Nexo causal....................................................................................

16

       2.1.4. Tipicidade........................................................................................

20

       2.1.5. Princípio da insignificância (Bagatela)...........................................

21

       2.2. Antijuridicidade..........................................................................................

22

       2.3. Culpabilidade..............................................................................................

24

3. EXCLUSÃO DA ANTIJURIDICIDADE (ILICITUDE).....................................

30

       3.1. As Excludentes da Ilicitude........................................................................

31

       3.2. Estado de Necessidade.................................................................................

34

       3.3. Legítima Defesa............................................................................................

37

       3.4. Estrito Cumprimento de Dever Legal.........................................................

38

       3.5. Exercício Regular de Direito.......................................................................

39

4. OFENDÍCULOS....................................................................................................

42

5. CONCLUSÃO........................................................................................................

45

6. REFERÊNCIAS.....................................................................................................

47

7. APÊNDICE.............................................................................................................

48

 

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

A crescente onda de violência que tem sido experimentada em todo o território nacional fez com que um número cada vez maior de cidadãos buscasse meios próprios de garantir a sua segurança, de seus familiares e de seu patrimônio. Assim sendo, a utilização de meios de autodefesa, os chamados ofendículos, em residências, condomínios, prédios comerciais, centros empresariais, entre outros imóveis, tem se tornado uma comum realidade. A despeito do dever estatal, constitucionalmente previsto, de prover a segurança pública, o enfrentamento à criminalidade não tem alcançado os resultados esperados pelo governo e pela sociedade. Este cenário explica a proliferação de empresas de segurança particular e o desenvolvimento cada vez mais acelerado de novas tecnologias voltadas para a segurança através de câmeras, cercas elétricas, rastreadores, entre outros produtos com a mesma finalidade.

O objetivo geral desta pesquisa é a análise das excludentes da ilicitude previstas no Código Penal, sobretudo a legítima defesa e o exercício regular de direito. Este estudo, dentro do contexto do uso dos instrumentos de autodefesa, nos conduzirá irremediavelmente ao entendimento da natureza jurídica de sua utilização no dia a dia da população. A análise sobre as excludentes da ilicitude é extremamente salutar, pois até mesmo os operadores do direito encontram dificuldades ao enfrentar o tema, relutando quando da classificação das mesmas diante de determinados casos concretos. Neste diapasão, assevera-se que a utilização das offendiculas sempre despertou grande e acalorado debate entre os autores nacionais, ainda mais no momento da determinação de sua natureza jurídica.

Especificamente, ao se abordar este tema, verificou-se a necessidade de estudar detidamente todas as excludentes de ilicitude previstas na parte geral do Código Penal nacional em razão das discordâncias que este tema traz Brasil afora. Assim sendo, afigurou-se de bom alvitre o estudo do crime e seus elementos formadores: fato típico e antijuridicidade, como forma de melhor sedimentar o entendimento de todo o contexto da maneira mais ampla possível. Ademais, tendo em vista que inúmeros autores nacionais e estrangeiros adotam a teoria tripartida do delito, segundo a qual seus elementos formadores seriam, na verdade, o fato típico, a antijuridicidade e também a culpabilidade, cumpre aqui analisar também esta última. Salientamos, contudo, que esta classificação (tripartida) não nos parece a mais acertada, mas nos sentimos inspirados a tratar da culpabilidade, neste trabalho, a fim de melhor orientar o leitor no entendimento deste conceito jurídico tão importante. Assinalamos que a legislação brasileira ainda contempla outras circunstâncias que fazem menção à exclusão da ilicitude, a despeito disto, focaremos nosso estudo apenas sobre as excludentes da ilicitude constantes do artigo 23 do Código Penal.

Outrossim, a fim de atingir o objetivo proposto, lançou-se mão de conceituada pesquisa bibliográfica buscando-se orientar a atuação de estudantes, policiais, advogados e outros profissionais que atuam em matéria penal.

Este trabalho foi desenvolvido com a finalidade de buscar, à luz da literatura penal, a correta classificação sobre a utilização dos instrumentos de autodefesa, os ofendículos. Tal estudo tem como escopo embasar a atuação dos profissionais operadores do direito e, subsidiariamente, outros profissionais. Iniciaremos estes estudos com uma abordagem sobre o conceito de crime através da análise da tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade. Posteriormente, cada uma das excludentes da ilicitude será analisada buscando-se traçar um paralelo com a previsão legal de defesa do patrimônio prevista no Código Civil brasileiro. Num próximo momento, os instrumentos de autodefesa serão nosso tema de avaliação. E por fim, concluir-se-á o presente trabalho com o respectivo posicionamento acerca do principal tema proposto.

Saliente-se, todavia, que não se pretende exaurir o assunto com este estudo, mas apenas contribuir com a discussão, tendo em vista a acirrada divergência existente entre diversos autores, sobretudo no que tange à natureza jurídica dos ofendículos. Ressalvando-se, inclusive, as várias controvérsias sobre a própria definição de crime que podemos encontrar ao contemplarmos a vasta literatura penal brasileira.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2. CONCEITO DE CRIME

 

Ao compulsarmos o Código Penal brasileiro, não se encontra neste uma definição de crime, a qual somente é fornecida pela doutrina. Desta feita, pode-se conceituar dogmaticamente o delito como sendo a junção entre o fato típico e a antijuridicidade (ilicitude), sendo a culpabilidade um juízo de reprovação e uma condição de punibilidade exercidos pelo Estado sobre o autor de um crime, conforme asseverado pela corrente finalista. Segundo esta corrente, que se fundamenta numa teoria bipartida do delito, o dolo e a culpa integram o fato típico e não a culpabilidade, contrariamente ao defendido pelos causalistas, os quais defendem a conceituação tripartida do delito, a qual não nos parece a mais acertada.

Por conseguinte, diante dos ensinamentos da corrente finalista, não há mais como se afirmar que o crime é um resultado de uma conduta típica, ilícita e culpável.

Bem assim, conforme a bela lição que nos é fornecida por um jovem e admirado mestre ao analisar os termos utilizados pelo Código Penal e claramente seguindo ao encontro da corrente bipartida, observamos:

Nosso Código Penal diz que: a) quando o fato é atípico, não existe crime (“Não há crime sem lei anterior que o defina” – CP, art. 1º); b) quando a ilicitude é excluída, não existe crime (“Não há crime quando o agente pratica o fato” – CP, art. 23 e incisos). Isso é claro sinal de que o fato típico e a ilicitude são seus elementos. Agora, quando a culpabilidade é excluída, nosso Código emprega terminologia diversa: “É isento de pena o agente que...” (CP, art. 26, caput). (CAPEZ, 2008, p. 115)¹.

No mesmo sentido encontramos outros defensores da corrente bipartida:

Para a existência do crime é necessária uma conduta humana positiva (ação em sentido estrito) ou negativa (omissão). É necessário, ainda, que essa conduta seja típica, que esteja descrita na lei como infração penal. Por fim, só haverá crime se o fato for antijurídico, contrário ao direito por não estar protegido por causa que exclua sua injuridicidade. Assim, são características do crime, sob o aspecto analítico: a) a tipicidade; b) a antijuridicidade. (MIRABETE e FABBRINI, 2008, p. 84)².

________________

¹CAPEZ, Fernando; Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120). 12. ed. de acordo com a Lei n. 11.466/2007. São Paulo: Saraiva, 2008.

²MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008.

 

Estes autores ainda arrematam com a definição do conceito de culpabilidade a fim de sustentar sua posição acima exposta:

A culpabilidade, tida como componente do crime pelos doutrinadores causalistas, é conceituada pela teoria finalista da ação como a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o homem a um fato típico e antijurídico. É, em última análise, a contradição entre a vontade do agente e a vontade da norma. Assim conceituada, a culpabilidade não é característica, aspecto ou elemento do crime, e sim mera condição para se impor a pena pela reprovabilidade da conduta. (MIRABETE e FABBRINI, 2008, p. 85)³.

A fim de se dar voz à corrente tripartida, bastante difundida por diversos autores, trazemos o entendimento de mais um conceituado penalista:

No transcorrer desse processo histórico-evolutivo, a ação, como primeiro requisito do delito, só apareceu com Berner (1857), sendo que a ideia de ilicitude, desenvolvida por Ihering (1867) para a área civil, foi introduzida no Direito Penal por obra de Von Liszt e Beling (1881), e a de culpabilidade, com origem em Merkel, desenvolveu-se pelos estudos de Binding (1877). Posteriormente, no início do Século XX, graças a Beling (1906), surgiu a ideia de tipicidade. Todo esse desenvolvimento culminou com a formulação atualmente adotada: conduta típica, ilícita e culpável (concepção tripartida).

Como expressão conceitual preponderante e mais correta em termos técnicos e científicos, o delito vem a ser toda ação ou omissão típica, ilícita e culpável. (PRADO, 2008, p. 232)4.|

Assevere-se que, muito embora a maioria da doutrina esteja inclinada a defender a teoria tripartida do crime, reafirmamos nossa posição filiada à corrente bipartida.

2.1. Fato Típico

Dando continuidade ao estudo do crime, podemos definir o fato típico como sendo uma conduta humana positiva ou negativa (ação ou omissão) tendente a gerar um resultado contrário à norma, uma infração penal, ou seja, uma conduta que se amolda à previsão da lei penal.

________________

³MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008.

4PRADO, Luiz Regis; Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

 

Decompondo-se o fato típico, encontramos os seguintes elementos que serão analisados de per si:

I) conduta (ação ou omissão) dolosa ou culposa;

II) resultado;

III) nexo causal ou relação de causalidade;

IV) tipicidade.

Destaque-se oportunamente que no caso da tentativa não haverá um resultado.

2.1.1. Conduta

Ao iniciarmos a análise do primeiro elemento constitutivo da tipicidade, não poderíamos deixar de analisar as teorias mais conhecidas sobre a conduta, quais sejam: a teoria causalista, a teoria finalista e a teoria social da ação.

A teoria causalista, também conhecida como naturalista, tradicional, clássica ou causal-naturalista, seria o fruto de estudos realizados no Século XIX perdurando até meados do século seguinte com fortes traços das ciências e do positivismo jurídico. Era o mais simples e absoluto cumprimento da lei sem que se buscasse a discussão ou a interpretação desta. Esta teoria nos ensina que a conduta nada mais é do que o comportamento humano voluntário exteriorizado num fazer ou não fazer. Segundo os defensores desta teoria, a finalidade da ação humana não deve ser considerada no momento em que ocorre, ficando tal avaliação adstrita ao momento da análise da culpabilidade por ser elemento desta. Portanto, se o agente atuou de maneira voluntária pouco importa qual era a sua finalidade naquele momento sem que se discuta sua ilicitude ou culpabilidade. De acordo com a teoria, a análise do dolo e da culpa estava reservada ao campo da culpabilidade, ou seja, dissociados da tipicidade bastando apenas que o resultado previsto em lei ocorresse de maneira física, naturalisticamente.

A crítica que se faz neste caso recai sobre a própria realidade, uma vez que se tenta, através desta teoria, apartar-se a ação e o seu conteúdo, o que não nos parece plausível, pois toda ação humana tem uma finalidade. Observemos o exemplo dos crimes tentados, onde há uma imperiosa necessidade de se analisar de pronto a finalidade da ação praticada, ou até mesmo nos casos em que o tipo penal traz elementos subjetivos em sua definição legal.

Já a teoria finalista defende que existe uma finalidade em todo comportamento (ação) humano, consubstanciada num fazer ou não fazer voluntário e dirigido a um fim. E o conteúdo da vontade humana sempre estará na ação integrando a conduta do indivíduo. Desta feita, os aspectos subjetivos da ação devem ser considerados a fim de se determinar a tipicidade, pois externamente uma conduta transmitirá sempre a mesma mensagem a qualquer observador, entretanto, uma análise da finalidade do agente poderá nos conduzir a caminhos diversos que deverão ser avaliados com o devido cuidado. A finalidade do agente ou a sua falta de observância a um dever objetivo de cuidado farão toda a diferença.

A fim de enriquecer as duas teorias acima abordadas, a doutrina nos brinda com o seguinte exemplo:

A causalidade é a relação de causa e efeito que enxergamos externamente: por exemplo, o toque do médico na região pélvica da paciente. A finalidade, em contrapartida, é o fim visado pelo agente em sua conduta e está em sua mente, invisível aos nossos olhos: no exemplo do toque na moça despida, a finalidade pode ser tanto a vontade de efetuar um exame clínico quanto o desejo de satisfazer a própria concupiscência. (CAPEZ, 2008, p. 125)5.

No mesmo sentido, ainda encontramos outro exemplo a embasar os finalistas:

Assim, para os finalistas, na hipótese de ter o agente premido o gatilho voluntariamente, efetuando o disparo e atingindo outra pessoa que vem a morrer, somente terá praticado um fato típico se tinha como fim esse resultado ou se assumiu conscientemente o risco de produzi-lo (homicídio doloso) ou se não tomou as cautelas necessárias ao manejar a arma para dispará-la, limpá-la etc. (homicídio culposo). Não haveria fato típico se o agente, por exemplo, com as cautelas exigíveis, estivesse praticando tiro ao alvo, vindo a atingir uma pessoa que se escondera atrás do alvo por estar sendo perseguida por um desafeto. (MIRABETE e FABBRINI, 2008, p. 90)6.

Cumpre aqui salientar a posição contida em nosso Código Penal quando este determina em seu artigo 18, I e II, que o crime será apenas doloso ou culposo, o que nos remete ao entendimento de inexistir conduta criminosa sem a presença do elemento subjetivo.

________________

5CAPEZ, Fernando; Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120). 12. ed. de acordo com a Lei n. 11.466/2007. São Paulo: Saraiva, 2008.

6MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008.

 

A teoria social da ação, também conhecida por adequação social, prega que tão somente as condutas socialmente relevantes seriam merecedoras da atenção do Direito Penal.

Assim sendo, em não havendo relevância social, não há que se falar em comportamento jurídico-penal relevante.

No dizer dos doutrinadores:

Propõe a teoria da adequação social que um fato considerado normal, correto, justo e adequado pela coletividade não pode ao mesmo tempo produzir algum dano a essa mesma coletividade, e, por essa razão, ainda que formalmente enquadrável em um tipo incriminador, não pode ser considerado típico. (CAPEZ, 2008, p. 128)7.

A teoria social da ação reúne dados característicos da orientação causal e finalista, não apresentando uma estrutura sistemática própria do delito. Visa a plasmar um conceito unitário ou geral de ação que englobe todas as formas de conduta – dolosa/culposa/omissiva. (PRADO, 2008, p. 262)8.

Portanto é necessário que haja algo além do que a fria letra da lei para se enquadrar um comportamento como criminoso. É preciso que se verifique uma repercussão coletiva negativa sobre aquela conduta praticada. Ou seja, uma conduta voluntária, ainda que prevista na legislação penal e provoque um resultado típico, somente será de interesse do Direito Penal se tiver relevância social.

O exemplo do boxer que lesiona fisicamente seu oponente é o que mais se amolda a esta teoria, uma vez que nesta conduta, a priori típica (art. 129, CP), resta ao agente a compreensão social de sua ação como a prática de um desporto, portanto atípico.

Entretanto há que se considerar que esta teoria deve ser encarada de acordo com o entendimento histórico-social de uma determinada sociedade, tendo em vista que num dado momento aquela coletividade poderá deixar de entender a mesma conduta como socialmente aceitável. É uma questão por demais melindrosa na medida em que poderia haver uma confusão com o princípio da insignificância, todavia nesta o que temos é uma atipicidade operada pela mínima lesividade causada, ao passo que na adequação social a sociedade é que não considera a conduta como injusta.

________________

7CAPEZ, Fernando; Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120). 12. ed. de acordo com a Lei n. 11.466/2007. São Paulo: Saraiva, 2008.

8PRADO, Luiz Regis; Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

 

A crítica feita a esta teoria recai no fato de que o campo para conceituá-la é tão vasto que poderia criar inúmeras distorções com variadas interpretações sobre um mesmo fato.

Ademais, já se encontram na legislação penal figuras como o exercício regular de direito e o estrito cumprimento do dever legal, os quais já têm o condão de assegurar a atipicidade da conduta. Também se deve ter em mente que o costume não revoga lei, e sim o legislador. Neste diapasão, podemos tomar como exemplo o antigo crime de adultério (art. 240, CP), já revogado pelo legislador diante do desuso e da evolução da sociedade, o que já não se observa no caso da contravenção do “jogo do bicho”, que apesar de socialmente aceita não é entendida pelo legislador como merecedora de revogação e, portanto ainda vigora no campo das infrações penais.

Tomando-se a teoria finalista como a mais acertada das teorias até hoje formuladas pela doutrina, podemos listar e avaliar os elementos da conduta, quais sejam: vontade, finalidade, exteriorização e consciência.

Deve ser sempre uma conduta humana, até mesmo pelo fato de que somente o ser humano possui vontade e consciência visando uma finalidade. Neste norte, temos o caso dos atos reflexos, que não constituem conduta porquanto não possuem finalidade nem vontade. Também não são considerados os fenômenos da natureza, do mundo animal ou os atos de pessoas jurídicas, neste caso sempre responderão penalmente seus diretores ou prepostos, não obstante também poder sofrer a pessoa jurídica determinadas sanções como previsto na Lei 9.605/98 (Crimes Ambientais).

Deverá sempre haver uma exteriorização da vontade humana, não se podendo punir o simples pensamento, a mera cogitação de se praticar um crime. Portanto, somente será penalmente alcançável a partir do momento em que houver uma junção entre o aspecto intelectual e o neuromuscular, o qual poderá ser um fazer ou não fazer.

A voluntariedade deve estar presente na conduta, salientando-se que a mesma pode não ser livre, mas ainda assim subsistir. Cumpre destacar que, no que tange à vontade humana, a voluntariedade dolosa vai até o resultado, enquanto que na culposa o seu alcance é até a causa do resultado. No caso da vis compulsiva, ou coação moral irresistível, ainda resta ao agente alguma vontade, razão pela qual a infração penal continua caracterizada embora em sede de culpabilidade sua ausência seja reconhecida. Por fim:

Não constituem conduta os atos em que não intervém a vontade. Exemplos de ausência de conduta: coação física irresistível (o homem que está amarrado não pode praticar uma conduta omissiva, por exemplo) e movimento ou abstenção de movimento em casos de sonho, sonambulismo, hipnose, embriaguez completa, desmaio e outros estados de inconsciência. (MIRABETE e FABBRINI, 2008, p. 92)9.

Não se poderia deixar de analisar as formas de conduta que, conforme dito acima, pode ser comissiva ou omissiva. Resumidamente podemos definir a primeira como a violação de uma norma proibitiva, enquanto que a segunda é o descumprimento de uma norma imperativa prevista em lei. Não há muito que se explorar em relação à ação em sentido estrito, a comissão, que nada mais é do que um movimento corpóreo tendente a produzir um resultado. Todavia, em relação à omissão, algumas considerações devem ser aqui tratadas:

A conduta omissiva poderá ser própria (pura) ou imprópria (comissivo por omissão). O Código Penal traz exemplos de conduta omissiva própria como nos artigos 135 - omissão de socorro e 269 – omissão de notificação de doença. Já no caso de conduta omissiva imprópria, deverá estar presente um dever de agir não respeitado pelo agente, conforme preconizado pela chamada teoria da ação esperada, que pode ser claramente identificada no artigo 13, do Código Penal:

Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

[...]

§2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a)             Tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b)             De outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c)             Com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Desta forma, temos um dever jurídico legalmente previsto e que pode ser caracterizado por uma das hipóteses acima indicadas com a seguinte interpretação:

________________

9MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008.

 

Na alínea “a”, temos a hipótese de obrigação legal derivada de norma jurídica, a qual obriga alguém ao cuidado, proteção ou vigilância alheias. Exemplos a serem citados são o do policial em relação à sociedade, do carcereiro diante dos presos, o dos pais para com seus filhos, entre outros.

Em relação à segunda situação, o indivíduo se impõe uma condição na qual assume a responsabilidade como um garantidor ou garante que zelará pela não-ocorrência de um determinado resultado. Essa aceitação da condição de garante pode advir de um contrato em que o indivíduo responsabiliza-se como um segurança particular, salva-vidas, enfermeiro etc.

Na terceira e última hipótese, a lei referencia um comportamento anterior que criou a situação de risco, obrigando-se o seu provocador a assumir a posição de garantidor em relação aquele que se encontra em risco de sofrer o resultado. Existe certa controvérsia doutrinária em torno deste conceito dada a sua elasticidade, o que pode acarretar decisões imprecisas. Desta feita, entendemos que o melhor a se fazer é tentar enquadrar a atuação daquele que gerou o risco do resultado em algum outro instituto penal específico, ficando o raio de ação desta alínea “c” restrito aos casos omissos.

Existe ainda a figura da participação por omissão que pode ser assim definida:

 

Participação por omissão: ocorre quando o omitente, tendo o dever jurídico de evitar o resultado, concorre para ele ao quedar-se inerte. Nesse caso, o responderá como partícipe. Quando não existe o dever de agir não se fala em participação por omissão, mas em conivência (crime silenti) ou participação negativa, hipótese em que o omitente não responde pelo resultado, mas por sua mera omissão (CP, art. 135).

Assim, não fica caracterizada a participação do agente pela conduta omissiva de presenciar a prática do crime. (CAPEZ, 2008, p. 145, grifo do autor)10.

A omissão ainda possui alguns requisitos a serem considerados, uma vez ser necessário avaliar se o omitente poderia naquelas circunstâncias agir da forma como dele se exige. Portanto:

            I) conhecimento da situação de fato;

II) consciência da condição de garante;

III) consciência do seu poder de ação para evitar o resultado e

IV) possibilidade real-física de evitar o resultado.

________________

10CAPEZ, Fernando; Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120). 12. ed. de acordo com a Lei n. 11.466/2007. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

Em relação a este último requisito, cumpre destacar que é preciso avaliar de acordo com o caso concreto se a possibilidade real-física seria mesmo capaz de evitar o resultado, cabendo ainda a validação do esforço realizado pelo garantidor no sentido de evitar o resultado, embora tenha restado inútil ao final, o que revela não ter havido dolo ou culpa do mesmo e sim, para alguns autores, caso fortuito.

Caso todas essas circunstâncias estejam presentes, é evidente que o omitente poderia ter agido executando a ação que dele exigia-se restando, portanto, caracterizada sua conduta omissiva.

A doutrina ainda contempla o estudo do caso fortuito e da força maior dentro do contexto da conduta. Neste sentido, temos o entendimento pacífico de que a ocorrência de um resultado em virtude destas duas situações não irá configurar o fato típico. Fortuito é o imprevisível, o inevitável, aquilo que surge inesperadamente e leva o indivíduo ao cometimento da conduta, que está presente, todavia desprovida de qualquer dolo ou culpa, não se podendo a ele ser atribuída, por conseguinte.

Recorrendo-se à doutrina, temos que a força maior pode ser assim definida:

Na mesma situação estão os casos de força maior. Exemplo desta, sempre citado, é o da coação física irresistível. Não há crime comissivo se o agente, por força física do coator, preme o gatilho de uma arma, causando a morte de alguém, ou, na omissão típica, quando sua inatividade decorre do fato de ter sido posto em situação de inconsciência, a sua revelia, por terceiro. (MIRABETE e FABBRINI, 2008, p. 97)11.

Em relação ao caso fortuito e à força maior, para Capez (2008, p. 145)12, “Excluem o dolo e a culpa e, consequentemente, a conduta. Não há, portanto, crime”. Por conseguinte, sem conduta, não há como existir fato típico, tendo em vista ser aquela componente deste, o que acarretará a atipicidade do fato.

2.1.2. Resultado

Dando continuidade ao estudo do crime, há que se considerar a imprescindível existência do segundo elemento do fato típico.

________________

11MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008.

12CAPEZ, Fernando; Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120). 12. ed. de acordo com a Lei n. 11.466/2007. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

 

Em uma abordagem naturalística, observamos que o comportamento humano voluntário tem o condão de provocar uma modificação no mundo exterior, tal modificação é chamada de resultado. É ele o efeito produzido pela ação natural e tipicamente relevante do ser humano tendo por ligação uma relação de causalidade. Todavia, existem situações em que não se observa uma modificação da realidade, do mundo exterior, o que contradiz a previsão legal contida no artigo 13 do Código Penal, o qual preceitua que não há crime sem resultado. Desta feita, em nova abordagem (jurídica ou normativa), teremos que entender o resultado não apenas como uma mera modificação de um status quo e sim, como uma lesão ou ameaça de lesão, pelo menos, de um bem tutelado pela norma penal. Ou seja, sem o resultado jurídico não há crime. Ainda há que se verificar a existência do chamado evento e sua distinção do resultado, uma vez que este é a consequência natural da conduta e aquele um mero acontecimento, como por exemplo, uma tempestade que provoca inundação.

Ademais, em relação ao resultado naturalístico, podemos verificar a existência de crimes materiais, formais ou de mera conduta, desta feita:

[...]

Crime material é aquele cuja consumação só ocorre com a produção do resultado naturalístico, como o homicídio que só se consuma com a morte. Crime formal é aquele em que o resultado naturalístico é até possível, mas irrelevante, uma vez que a consumação se opera antes e independentemente de sua produção. É o caso, por exemplo, da extorsão mediante sequestro (CP, art. 159), a qual se consuma no momento em que a vítima é sequestrada, sendo indiferente o recebimento ou não do resgate. Os tipos que descrevem crimes formais são denominados “tipos incongruentes”, uma vez que neles há um descompasso entre a finalidade pretendida pelo agente (quer receber o resgate) e a exigência típica (o tipo se contenta com a mera realização do sequestro com essa finalidade).  [...] Crime de mera conduta é aquele que não admite em hipótese alguma resultado naturalístico, como a desobediência, que não produz nenhuma alteração no mundo concreto (atenção: no crime formal, o resultado naturalístico é irrelevante, embora possível; no de mera conduta, não existe tal possibilidade). (CAPEZ, 2008, p. 156 e 157)13.

Assim acompanhamos o entendimento acima apontado pelo renomado doutrinador.

2.1.3. Nexo causal

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13CAPEZ, Fernando; Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120). 12. ed. de acordo com a Lei n. 11.466/2007. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

Também chamado de relação de causalidade, o nexo causal nada mais é do que um liame natural entre acontecimentos sucessivos.

Em outras palavras é conexão entre a conduta e o resultado, fato natural explicado como causa e efeito, o que independe de qualquer análise jurídica. Todavia, para a existência do crime é necessário que este nexo causal físico também seja normativo, ou seja, exista dolo ou culpa na ação praticada. Em razão disso, alguns autores entendem estar o fato típico subordinado a duas etapas de avaliação, a saber:

I) Imputação objetiva: que é a simples verificação naturalística da atuação do agente, onde se procura determinar objetivamente se este agiu de maneira tendente aquele resultado, sem aferição de dolo e culpa;

II) Imputação subjetiva: segundo a qual existindo o nexo causal, deverá haver a verificação do dolo ou da culpa do agente.

Na visão aguçada e crítica de Fernando Capez:

O resultado naturalístico não pode nem deve ser atribuído objetivamente à conduta do autor apenas em virtude de uma relação física de causa e efeito. Dizer que qualquer contribuição, por menor que seja, deve ser considerada causadora de um evento é fazer tábula rasa do conteúdo valorativo do direito. (CAPEZ, 2008, p. 179 e 180)14.

A teoria da equivalência dos antecedentes ou equivalência das condições foi a opção adotada pelo legislador penal brasileiro. De acordo com esta, a conduta que tiver concorrido, ainda que de maneira ínfima, para a ocorrência do resultado será considerada sua causa. Esta teoria é amplamente conhecida pelo termo latino conditio sine qua non. Por esta concepção, tudo aquilo que não possa ser retirado sem comprometer o resultado é considerado causa deste.  

A crítica em relação a esta teoria assenta-se na possibilidade de uma corrente de responsabilização infinita, o chamado regressus ad infinitum ou regressão até o infinito. Exemplificativamente, seria incluir na cadeia causal do homicídio, além do homicida, o vendedor da arma, o seu fornecedor, o fabricante, o fornecedor da matéria-prima utilizada na fabricação da arma e assim por diante. Contudo, entendemos descabida tal crítica porquanto só há crime com a devida conduta e esta requer o dolo ou a culpa para sua existência, por conseguinte, a ausência destas é a causa impeditiva de que a responsabilidade penal regresse até o infinito.

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14CAPEZ, Fernando; Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120). 12. ed. de acordo com a Lei n. 11.466/2007. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

Assim sendo, a teoria em análise presta-se muito melhor à exclusão de quem não concorreu para a realização da conduta típica. Finalmente, à luz do exemplo citado, somente o atirador agiu com dolo por ter desejado o resultado morte, ou no mínimo não guardou as cautelas necessárias exigidas para evitá-lo.

Além da crítica acima exposta, Fernando Capez (2008)14 também defende que o método da teoria sine qua non afigura-se muito simplista na medida em que assevera ser necessário apenas excluir uma conduta para verificar a subsistência do resultado e assim determinar-se que aquela foi a causa deste. Para o renomado autor, há que se considerar o juízo de valoração que a coletividade confere a determinadas condutas e o risco ao qual esta mesma coletividade está disposta a submeter-se, uma vez que diante desta avaliação é que o Direito Penal tomará como juridicamente relevante ou não aquela situação. E neste sentido o doutrinador arremata:

Só haverá, portanto, imputação do resultado ao autor do fato se o resultado tiver sido provocado por uma conduta criadora de um risco juridicamente proibido ou se o agente, com seu comportamento, tiver aumentado a situação de risco proibido e, com isso, gerado o resultado. Em contrapartida, se, a despeito de ter fisicamente contribuído para a produção do resultado, o autor tiver se conduzido de modo a ocasionar uma situação de risco tolerável ou permitido, o resultado não lhe poderá ser imputado. (CAPEZ, 2008, p. 181)15.

Ainda há que se considerar o nexo causal em relação aos crimes omissivos. De acordo com a legislação, a omissão também é causa do resultado, todavia não existe nexo causal entre ambos. Como salientado alhures, a omissão é normativa e, portanto desprovida de resultado naturalístico, assim o que se observa na espécie é a produção de um resultado que não foi impedido por quem tinha a obrigação de agir para tanto. Resumidamente, o omitente não causa o resultado, mas deixa de impedi-lo.

A doutrina ainda se debruça, no que se refere à relação de causalidade, sobre a figura da causa superveniente ou superveniência causal. A palavra dos doutrinadores resume bem como se caracteriza esta hipótese, senão vejamos:

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15CAPEZ, Fernando; Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120). 12. ed. de acordo com a Lei n. 11.466/2007. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

Praticada a conduta, é possível que ocorra uma segunda causa que determine a ocorrência do resultado, como, por exemplo, a queda de uma viga do teto (por caso fortuito ou por ação independente de outrem) sobre a cabeça da vítima de envenenamento enquanto esteja ela em seu lugar por não ter sentido ainda os efeitos da substância ingerida. Essa segunda causa, superveniente, sendo totalmente independente da primeira, impede o fluxo do nexo causal entre a conduta (envenenamento) e o resultado (morte por traumatismo encefálico). Diante do art. 13, caput, a conduta não sendo condição do resultado (que existiria ainda que não tivesse sido praticada a ação), implica a responsabilização pelos fatos ocorridos até a causa superveniente. Na hipótese, o autor do envenenamento responderia pela tentativa de homicídio, nos termos do art. 13, caput, pela inexistência de relação entre essas causas. (MIRABETE e FABBRINI, 2008, p. 100, grifo do autor)16.

Verificando-se a previsão contida no parágrafo 1º, do artigo 13, CP, o qual nos traz a noção de causa superveniente relativamente independente, que tem o condão de intervir na ação ou omissão após a sua prática e com isso altera as circunstâncias dos acontecimentos ou, ainda, cria outras modalidades diferentes daquelas que ocorreriam dentro do desdobramento natural que se desenhava dentro da série causal iniciada. In verbis: “A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.”

Analisando a mesma norma:

Na hipótese de causa superveniente relativamente independente, no entanto, a não imputação do resultado não se deve – como se pensa – à aplicação do critério da criação do incremento do risco, mas à ausência de dolo (entendido não como simples desejo, mas como capacidade de influir no nexo causal). (PRADO, 2008, p. 271)17.

Desta forma, tome-se, por exemplo, o caso de uma vítima de baleamento que é levada para um hospital. Caso esta morra em decorrência de um incêndio ocorrido naquele local, o que caracteriza um desdobramento fora do curso natural, o agente não poderá ser responsabilizado pelo resultado morte, e sim pela tentativa de homicídio. Todavia, no mesmo exemplo, caso a vítima venha a falecer em decorrência da aplicação de anestesia durante o procedimento cirúrgico para salvá-la, teremos uma causa sucessiva dentro do desdobramento natural resultante da primeira ação, acarretando obrigatória imputação do resultado (morte) ao seu agente.

Igualmente, a causa superveniente não possui o poder de seccionar a relação de causalidade desde que represente uma continuidade, um desdobramento obrigatório daquela ação inicialmente praticada pelo agente de maneira a formar uma corrente única. Também se exige que a causa inicial tenha correspondência lógica e relevância em relação ao resultado mais grave dela advindo.

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16MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008.

17PRADO, Luiz Regis; Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

 

2.1.4. Tipicidade

 

O último elemento constitutivo do fato típico a ser analisado possui duas características bem acentuadas, primeiramente ser uma garantia através do consagrado princípio da legalidade previsto em nossa Carta Magna. E em segundo lugar, para a doutrina mais atualizada, tem a tipicidade a função de indicar a antijuridicidade de determinado fato. Neste tocante, ressalva-se que existe uma presunção que deverá ser ratificada ou não quanto à existência da antijuridicidade diante da análise do caso concreto.

Nossa Constituição prevê, in verbis: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5º, XXXIX). E é diante deste mandamento que repousa a principal função da tipicidade, que vem definir o que é o crime e suas características. O tipo legal deverá ser sempre preciso, pois conceitos genéricos não cumpririam a função de garantir a liberdade do cidadão, demonstrando-lhe quais são as condutas socialmente inaceitáveis, ou seja, uma descrição abstrata de uma ação concreta proibida ou, em alguns casos, permitida.

Podem ocorrer momentos em que seja necessário adequar um fato ao tipo penal por meio de outras normas, o que para alguns é conhecido por tipicidade indireta, como ocorre na tentativa e no concurso de delinquentes. A doutrina ainda reconhece a existência de tipos incriminadores e permissivos ou justificadores.

O tipo incriminador é aquele que traz em seu bojo condutas proibidas, sendo, a priori, também ilícitas conforme salientado acima. Em relação ao tipo permissivo, existe uma autorização legal para cometer determinado ato que poderia ser considerado ilícito. Exemplos dessa justificação estão presentes no artigo 23 do Código Penal, onde encontramos as causas de exclusão da antijuridicidade.

Ainda temos a divisão entre tipo normal e anormal. De acordo com a descrição realizada pelo legislador quando da elaboração do tipo, se este for objetivo e descritivo, não haverá margem para interpretações diversas. Todavia, se o tipo der margem à apreciação com julgamento de valor, estaremos diante de um tipo anormal. Exemplos desta anormalidade seriam os delitos que fazem menção a termos jurídicos, extrajurídicos, ao ânimo e até mesmo à finalidade do agente.

Diante da divisão logo acima descrita, temos como formadores do tipo: elementos objetivos, normativos e subjetivos. Assim, os primeiros referem-se ao verbo contido no tipo, têm caráter concreto na descrição de tempo, lugar, instrumentos empregados no fato, exemplifique-se: matar alguém.

Já os elementos normativos dizem respeito não à descrição, mas a um juízo de valor quanto ao fato, sendo necessário recorrer a outras áreas do conhecimento humano como a social, histórica, religiosa. Neste sentido, a delimitação do tipo fica a critério do julgador. Exemplos podem ser encontrados em termos como dignidade, justa causa, ato obsceno, entre outros.

            Por derradeiro, os elementos subjetivos do tipo muitas vezes são determinantes para a configuração de determinado crime, estando presentes na estrutura dos tipos anormais, como por exemplo, nos artigos 131, 134 e 159, CP, onde somente haverá a configuração daqueles tipos se observado o especial fim de transmitir doença ou ocultar desonra própria ou ainda condição ou preço do resgate, respectivamente.

Na lição de Mirabete e Fabbrini (2008), encontramos ainda a interação entre elementos diversos, como se observa abaixo:

Há casos em que coexistem elementos normativos e subjetivos, além dos objetivos. É o que se constata, por exemplo, quando se analisa o crime de prevaricação (art. 319): retardar ou deixar de praticar, indevidamente (elemento normativo), ato de oficio, ou praticá-lo contra expressa disposição de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal (elemento subjetivo). (MIRABETE e FABBRINI, 2008, p. 105 e 106, grifo do autor)18.

Finalmente, quando se fala em atipicidade, na verdade o que se quer indicar é a total ausência de tipicidade, ou seja, uma absoluta falta de previsão legal. No entanto, embora pouco relevante, também se encontra na doutrina a figura da atipicidade específica, caracterizada pela ausência de um elemento objetivo do crime.

2.1.5. Princípio da insignificância (Bagatela)

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18MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008.

 

Criação do jurista alemão Claus Roxin, este instituto não está previsto na legislação brasileira, porém torna-se cada vez mais aceito pela doutrina e pela jurisprudência.

O princípio da insignificância ou da bagatela só irá prosperar diante de alguns requisitos a serem considerados diante do caso concreto com as cautelas necessárias. Para que um fato seja considerado passível de um juízo de tipicidade faz-se necessário que o mesmo tenha relevância quando confrontado com um bem jurídico tutelado. Portanto, as lesões consideradas insignificantes devem ser excluídas da apreciação do Direito Penal por ausência de um desvalor do dano causado.

Considere-se que pequeno valor não se confunde com insignificante valor, sendo um conceito abstrato que demanda muito cuidado do julgador para que não se contrarie a lei, além disso, deve estar presente uma escassa reprovabilidade social da conduta, observada, sobretudo em danos ao patrimônio, bem como se apresenta uma questão de política criminal referente à utilização da pena como instrumento de prevenção.

Alguns exemplos que dão maior sustentação a este princípio são o peculato por apropriação de caneta ou clipes de papel pelo servidor público, o estelionato num simples ato de não pagar a passagem de ônibus municipal, a corrupção passiva no caso de receber o servidor público uma pequena cesta de natal, o furto de um pacote de biscoitos, entre outros inúmeros exemplos que podem ser pinçados do dia a dia.

 

2.2. Antijuridicidade

 

Dando continuidade ao nosso estudo do crime sob a égide da teoria bipartida, após a análise pormenorizada do seu primeiro elemento formador (fato típico), chegamos ao momento de abordar o elemento antijurídico.

Dentro deste espectro, podemos definir a antijuridicidade como uma contradição que obrigatoriamente deverá existir entre o ordenamento jurídico e a conduta (ação ou omissão típicas), o que tornará esta ilícita. O intérprete da norma deverá certificar-se primeiramente quanto à adequação típica ou não de determinada conduta, considerando-se que todo fato típico é, a priori, antijurídico. Se eventualmente estiver o intérprete diante de um caso atípico, não há que se discutir sua ilicitude diante do princípio da reserva legal. No entanto, em se verificando que a conduta amolda-se a uma previsão legal, caberá a avaliação de sua ilicitude, lembrando-se que esta poderá ser afastada em determinados casos especificados na lei. Finalmente, havendo enquadramento típico e posterior confirmação da ilicitude da conduta, teremos crime!

Para Capez, em relação à análise da antijuridicidade:

Pode-se assim dizer que todo fato penalmente ilícito é, antes de mais nada, típico. Se não fosse, nem existiria preocupação em aferir sua ilicitude. No entanto, pode suceder que um fato típico não seja necessariamente ilícito, ante a concorrência de causas excludentes. É o caso do homicídio praticado em legítima defesa. O fato é típico, mas não ilícito, daí resultando que não há crime. (CAPEZ, 2008, p. 270)19.

Portanto, podemos afirmar que há uma análise por exclusão da antijuridicidade, contraio sensu, ou seja, deve-se verificar a ausência de causas excludentes de ilicitude, inicialmente, a fim de se considerar a existência de crime. Daí entender-se que há uma presunção de antijuridicidade na conduta típica, a qual somente será confirmada caso inexista qualquer causa descriminante.

A doutrina nos fornece também o conceito de injusto, o qual não seria o mesmo que ilícito, desta feita:

b) O injusto é a contrariedade do fato em relação ao sentimento social de justiça, ou seja, aquilo que o homem médio tem por certo, justo. Um fato pode ser ilícito, na medida em que se contrapõe ao ordenamento legal, mas considerado justo por grande parte das pessoas (p. ex., a associação secreta – LCP, art. 39 -, pequenos apostadores do jogo do bicho, conduta inconveniente etc.). O injusto, ao contrário do ilícito, tem diferentes graus, dependendo da intensidade da repulsa provocada pela conduta. Exemplo: o estupro, embora tão ilegal quanto o porte de arma, agride muito mais o sentimento de justiça da coletividade. (CAPEZ, 2008, p. 271)19.

Há ainda quem divida a antijuridicidade (ilicitude) em quatro espécies, a saber: formal, material, objetiva e subjetiva. Assim sendo, entendem os defensores desta divisão que a antijuridicidade formal é caracterizada pela contrariedade do fato sem que haja preocupação com a apreciação social que é feita sobre o mesmo, simplesmente tem-se um fato que desafia o ordenamento jurídico e pronto. Já a antijuridicidade material é um reflexo da mesma contrariedade, porém carregada de reprovação social tendo conotação também injusta pela ponderação social.

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19CAPEZ, Fernando; Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120). 12. ed. de acordo com a Lei n. 11.466/2007. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

Em relação à antijuridicidade subjetiva, segundo seus defensores, devemos realizar uma ponderação quanto à capacidade de entendimento do agente, sem que seja suficiente a mera contrariedade ao ordenamento legal sem o amparo de uma causa de justificação.

Portanto, o inimputável e o incapaz não cometeriam um fato ilícito. Por fim, a antijuridicidade objetiva é justamente o entendimento contrário, porquanto não se leva em consideração a capacidade de entendimento do agente. Filiamo-nos ao entendimento objetivo, uma vez que o dolo está inserto no tipo penal, portanto não deixa de estar presente a antijuridicidade num ato voluntário praticado por inimputável, o que não se verifica ao final é a sua culpabilidade.

2.3. Culpabilidade

 

Pode-se conceituar a culpa, socialmente, como um juízo de reprovação, de censura, diante de determinada conduta. Assim, quando alguém é responsável por um ato condenável pela coletividade, a eliminação de uma equipe dentro de uma competição, por exemplo, este alguém é tido como culpado pelo fracasso. Todavia, juridicamente, entendemos a culpabilidade como um juízo externo de valor da conduta criminosa praticada pelo agente, ou seja, a possibilidade de responsabilização deste.

Apesar de estarmos neste tópico analisando a estrutura do crime, sob o enfoque da teoria bipartida, não poderíamos abster-nos de citar e tecer algumas considerações sobre a culpabilidade, a despeito de não a considerarmos um dos elementos do delito. Desta feita, entendemos a culpabilidade como mero juízo valorativo que recai sobre a pessoa do delinquente, portanto tão somente um pressuposto para a imposição da pena.

Abordando o tema com a maestria que lhe é peculiar, o ilustre Fernando Capez19 nos ensina que:

Para censurar quem cometeu um crime, a culpabilidade deve estar necessariamente fora dele. Há, portanto, etapas sucessivas de raciocínio, de maneira que, ao se chegar à culpabilidade, já se constatou ter ocorrido um crime. Verifica-se, em primeiro lugar, se o fato é típico ou não; em seguida, em caso afirmativo, a sua ilicitude; só a partir de então, constatada a prática de um delito (fato típico e ilícito), é que se passa ao exame da possibilidade de responsabilização do agente.

Na culpabilidade afere-se apenas se o agente deve ou não responder pelo crime cometido.

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19CAPEZ, Fernando; Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120). 12. ed. de acordo com a Lei n. 11.466/2007. São Paulo: Saraiva, 2008.

 

Em hipótese alguma será possível a exclusão do dolo e da culpa ou da ilicitude nessa fase, uma vez que tais elementos já foram analisados nas precedentes. Por essa razão, culpabilidade nada tem que ver com o crime, não podendo ser qualificada como seu elemento. (CAPEZ, 2008, p. 299)20.

Para outro autor de igual conhecimento jurídico:

Em remate, a culpabilidade tem na liberdade do homem de poder atuar de modo diverso seu inarredável fundamento ontológico (estrutura lógico-objetiva), como dado real e inerente a sua própria condição de pessoa humana livre e responsável. É, pois, reprovabilidade da conduta final. (PRADO, 2008, p. 374)21.

Cumpre aqui destacar a diversidade de conceitos que a palavra culpa pode assumir a depender do sentido e da significação que se deseja exprimir quando do seu emprego. Desta feita, podemos apresentar a seguinte divisão:

a) Culpa latu sensu (em sentido amplo): é aquela empregada costumeiramente pelas pessoas, sem uma conotação jurídica. É a simples imputação pejorativa de responsabilidade a alguém por um resultado indesejado, uma censura ou reprovação.

b) Culpa strictu sensu (em sentido estrito): é a previsibilidade do resultado, neste caso temos o sentido jurídico do termo, seu emprego se dá como um elemento do fato típico, dividindo-se em imprudência, negligência e imperícia.

Em breves considerações, podemos conceituar as três modalidades de culpa (em sentido estrito) acima destacadas, da seguinte maneira:

I) Imprudência: é o agir sem o devido cuidado, ou seja, um comportamento positivo e descuidado. Caracteriza-se precipuamente pela precipitação do agente, numa ação desastrada como, por exemplo, trafegar acima do limite de velocidade permitido.

II) Negligência: caracteriza por uma conduta omissiva. É a falta de cautela antes do início de dado comportamento, portanto um comportamento negativo, um deixar de agir de acordo com os devidos cuidados que aquela ação requeria. Exemplificando, deixar de realizar a devida manutenção em itens básicos de segurança de uma motocicleta antes de viajar.

III) Imperícia: consiste na falta de habilitação técnico-profissional no exercício de determinada atividade.

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20CAPEZ, Fernando; Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120). 12. ed. de acordo com a Lei n. 11.466/2007. São Paulo: Saraiva, 2008.

21PRADO, Luiz Regis; Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

 

Característica marcante nesta modalidade de culpa é o fato de que a inaptidão técnica deve partir de alguém que, em princípio, seria capaz de realizá-la com exatidão, como no caso de um engenheiro que deixa de observar regra técnica prevista para a execução de uma obra de arte.

Se por acaso a ação for pratica por alguém que não tinha a habilitação técnica para tanto, estaremos diante de um caso de imprudência.

Ademais, a doutrina majoritária adota a teoria da culpabilidade do fato. Portanto, o juízo valorativo deve recair obrigatoriamente sobre o comportamento do agente e não sobre a sua pessoa. À vontade exteriorizada pelo agente, de acordo com o seu grau de lesividade provocado à sociedade, será considerada bem como suas circunstâncias, modo de execução e meios empregados. Bem como há que se considerar as implicações de tal conduta à vítima, em sendo tentado ou consumado o delito. Temos aí o Direito Penal do fato e não do autor. Entretanto, paradoxalmente, não se pode olvidar que em dados momentos como na dosimetria da pena, as características subjetivas do autor serão igualmente consideradas, conforme determina a lei penal em diversos artigos onde trata da reincidência, personalidade, conduta social e bons antecedentes:

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

[...]

Nosso Código Penal, dentre muitas teorias existentes, abraçou a chamada teoria limitada da culpabilidade, segundo a qual os elementos da culpabilidade são: a) imputabilidade; b) potencial consciência da ilicitude; e c) exigibilidade de conduta diversa. Passaremos à sua análise individualizada.

A imputabilidade nada mais é do que a capacidade humana de entender a ilicitude de um fato e, assim, determinar-se de acordo com esse entendimento. Ademais, o sujeito deve ter total controle sobre sua vontade, salientando-se, por conseguinte que existem dois aspectos a serem considerados, sendo um intelectivo e o outro volitivo. Ou seja, entendimento + vontade = imputabilidade. Doutrinariamente:

[...] Só é reprovável a conduta se o sujeito tem certo grau de capacidade psíquica que lhe permita compreender a antijuridicidade do fato e também a de adequar essa conduta a sua consciência. Quem não tem essa capacidade de entendimento e de determinação é inimputável, eliminando-se a culpabilidade. (MIRABETE e FABBRINI, 2008, p. 207)22.

A imputabilidade pode ser excluída por quatro causas, a saber: doença mental; desenvolvimento mental incompleto; desenvolvimento mental retardado; e embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior. Em relação aos menores de 18 anos, entende-se serem pessoas em desenvolvimento e, portanto, aí reside a sua inimputabilidade, bem como os indígenas porquanto inadaptados ao convívio social. Assim, encontramos em nossa legislação penal:

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:

[...]

§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

A potencial consciência da ilicitude consiste na interpretação da norma de acordo com o que esta realmente determina. O entendimento equivocado da norma pode levar o sujeito a encarar algo injusto como se justo fosse, o anormal como normal e assim por diante.

Muito embora, o sujeito tenha plena consciência de tudo que está ocorrendo, em seu íntimo sua conduta está de acordo com o ordenamento jurídico. Este é o chamado erro de proibição. Em se configurando esta situação fática no caso concreto, cumpre ao intérprete avaliar se a conduta praticada era inevitável (escusável) ou evitável (inescusável).

Doutrinariamente:

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22MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008.

 

É o elemento intelectual da reprovabilidade, sendo a consciência ou o conhecimento atual ou possível da ilicitude da conduta. Trata-se, então, da possibilidade de o agente poder conhecer o caráter ilícito de sua ação – consciência potencial (não real) da ilicitude. (PRADO, 2008, p. 379, grifo do autor)23.

Portanto, tomando-se por base o homem médio, caso o agente não tivesse condições de entender a antijuridicidade do fato praticado, à luz das circunstâncias concretas, inexistia a potencial consciência da ilicitude. Assim, excluir-se-á a culpabilidade e isento de pena estará o agente.

Por outro lado, se havia a mínima possibilidade de entendimento, dentro das circunstâncias, de que se estava a ofender o ordenamento legal, o agente tinha como conhecer a ilicitude do fato e por isso não será isento de pena, a qual poderá ser reduzida de acordo com a proporcionalidade legal prevista.

A exigibilidade de conduta diversa reside numa expectativa coletiva acerca de determinada conduta diante de condições normais. Por assim dizer, a sociedade entende que somente se pode punir aquilo que foi de encontro ao que se esperava do agente, que embora tenha agido com sua vontade, não tinha como agir de maneira diversa, razão pela qual fica isento de pena. A coação moral irresistível e a obediência hierárquica são as duas hipóteses consideradas pelo nosso Código Penal.

Entende-se a coação moral irresistível como sendo a imposição através do emprego de grave ameaça (vis relativa). Ressalve-se que também existe a hipótese da coação física (vis absoluta), a qual exclui por inteiro a vontade e, portanto, a conduta, diante da impossibilidade de agir do sujeito. Já na coação moral irresistível, embora diante de grave ameaça entende-se que ainda havia uma ínfima vontade no agente, o que faz com que subsista a conduta e assim o fato típico.

Todavia, não se pode considerar culpado o agente diante de tal circunstância, ou seja, inexigindo-se-lhe conduta diversa. Caso resistível a coação moral, opera-se uma atenuação da pena.

Assim pondera a doutrina:

A coação existe quando há emprego de força física ou de grave ameaça para obrigar o sujeito a praticar um crime. Pode ser assim física (vis corporalis ou vis absoluta) ou moral (vis compulsiva).

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23PRADO, Luiz Regis; Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

 

Na coação física, o coator emprega meios que impedem o agente de resistir porque seu movimento corpóreo ou sua abstenção do movimento (na omissão) estão submetidos fisicamente ao coator. (MIRABETE e FABBRINI, 2008, p. 203, grifo do autor)24.

               

E assim continua o raciocínio acerca da coação:

Existe na coação moral uma ameaça, e a vontade do coacto não é livre, embora possa decidir pelo que considere para si um mal menor; por isso, trata-se de hipótese em que se exclui não a ação, mas a culpabilidade, por não lhe ser exigível comportamento diverso. É indispensável, porém, que a coação seja irresistível, ou seja, inevitável, insuperável, inelutável, uma força de que o coacto não se pode subtrair, tudo sugerindo situação à qual ele não se pode opor, recusar-se ou fazer face, mas tão-somente sucumbir, ante o decreto do inexorável. (MIRABETE e FABBRINI, 2008, p. 204, grifo do autor)24.

Obedecer à ordem superior, não manifestamente ilegal, configura a hipótese da exclusão da culpabilidade por obediência hierárquica. Neste caso, a vontade do agente, ora subordinado, é viciada e por isso a exigência de conduta diversa é afastada. Há que se considerar os seguintes requisitos para a sua configuração: existência de um superior e um subordinado; relação hierárquica de natureza pública e não privada; ordem emanada do superior ao subordinado; ilegalidade a ordem; e enganosa aparência legal da ordem.

Observe-se, oportunamente, que caso a ordem seja legal o subordinado não praticará crime visto que ele atua sob a égide de uma excludente de ilicitude: estrito cumprimento de dever legal.

Caso a ordem seja ilegal e esta ilegalidade, manifesta, o subordinado responderá pelo crime praticado. Contudo, se possuía aparência de legal a ordem, ludibriando o entendimento do subordinado, embora subsista o crime, estará o mesmo isento de pena por falta de exigibilidade de conduta diversa. Assim:

A segunda causa excludente de culpabilidade do art. 22 refere-se à prática do crime “em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico”. Trata-se, segundo a doutrina, de um caso especial de erro de proibição. Supondo obedecer a uma ordem legítima de superior, o agente pratica o fato incriminado. (MIRABETE e FABBRINI, 2008, p. 205)24.

 

E em atenção a esta outra hipótese de exigibilidade de conduta diversa, portanto excludente da culpabilidade, finalizamos seu estudo com a conceituação acima indicada.

 

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24MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008.

 

 

 

3. EXCLUSÃO DA ANTIJURIDICIDADE (ILICITUDE)

 

O direito prevê causas que excluem a antijuridicidade do fato típico (causas excludentes da criminalidade, causas excludentes da antijuridicidade, causas justificativas, causas excludentes da ilicitude, eximentes ou descriminantes). São normas permissivas, também chamadas tipos permissivos, que excluem a antijuricidade por permitirem a prática de um fato típico.

Segundo o entendimento adotado, a exclusão da antijuridicidade não implica o desaparecimento da tipicidade e, por conseguinte, deve-se falar em “conduta típica justificada”. De acordo, porém, com a teoria dos elementos negativos do tipo, as causas de justificação eliminam a tipicidade. Segundo esta posição, se entende que o tipo constitui somente a parte positiva do tipo total de injusto, a que se deve juntar a parte negativa representada pela concorrência dos pressupostos de uma causa de justificação. Somente será típico o fato que também for antijurídico; presentes os requisitos de uma descriminante não há que se falar em conduta típica.

A lei penal brasileira dispõe que “não há crime” quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em legitima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito (art. 23). Além das normas permissivas da Parte Geral, todavia, existem algumas na Parte Especial, como por exemplo, a possibilidade de o médico praticar aborto se não há outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez resulta de estupro (art. 128); a ofensa irrogada em juízo na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador; a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica e o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever de ofício (art. 142).

Para a maioria dos doutrinadores, presentes no fato os elementos objetivos constantes da norma permissiva, deixa ele de ser antijurídico, não se indagando do conteúdo subjetivo que levou a agente a praticá-lo. Para que o agente atue juridicamente, contudo é necessário que, além de estarem presentes os elementos objetivos das descriminantes, preencha também o elemento subjetivo. A norma permissiva, ou tipo permissivo, contém elementos subjetivos paralelos aos objetivos. Deve haver também a “congruência” entre a conduta do agente e a norma que contém a causa excludente da antijuridicidade. Não estará em legítima defesa, por exemplo, quem atira em um inimigo sem saber que este está por baixo do, sobretudo com uma arma prestes a disparar e matá-lo. Embora presentes os requisitos objetivos da legítima defesa, não existem os seus elementos subjetivos. O autor, para praticar fato típico que não seja antijurídico, deve agir no conhecimento da situação de fato justificante e com fundamento em uma autorização que lhe é conferida através disso, ou seja, querer atuar juridicamente. 

Segundo Luiz Regis Prado (2008), as seguintes considerações são aduzidas:

É de notar que, da mesma forma que o fundamento do injusto radica no desvalor da ação e no desvalor do resultado, a sua exclusão deve subordinar-se a um juízo de valor sobre a ação e sobre o resultado das causas justificantes. Ao desvalor do resultado, como efeito sobre determinado bem jurídico, corresponde o valor do resultado capaz de compensá-lo. (PRADO, 2008, p. 343, grifo do autor)25.

            Tal entendimento visa ilustrar o juízo de valor que deve ser levado em conta quando se invoca a exclusão da antijuridicidade.

 

3.1. As Excludentes da Ilicitude

 

Primeiramente, cumpre destacar que o crime é tido pela doutrina como a junção de um fato típico, que é o fato descrito numa norma penal, à antijuridicidade. Portanto, sendo a conduta típica também antijurídica, configurado estará o ilícito penal. Assim:

Ilicitude, ou antijuridicidade, é a relação de antagonismo, de contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. Quando nos referimos ao ordenamento jurídico de forma ampla, estamos querendo dizer que a ilicitude não se resume a matéria penal, mas sim que pode ter natureza civil, administrativa, tributária, etc. se a conduta típica do agente colidir com o ordenamento jurídico penal, diremos ser ela penalmente ilícita (GRECO, 2008, p. 313)26.

Diversos autores já se dedicaram ao estudo das excludentes de ilicitude, portanto:

Todo fato típico é, a princípio, antijurídico. Apenas deixará de ser se presente causa excludente da antijuridicidade. As causas excludentes da antijuridicidade são legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito (MACHADO, et al., 2009, p. 80)27.

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25PRADO, Luiz Regis; Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

26GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 10. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2008.

27MACHADO, Angela C, Cangiano; DEZEM, Guilherme Madeira; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FIGUEIREDO, Maria Patrícia Vanzolini. Prática Penal. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

 

As causas excludentes da ilicitude, também conhecidas como causas excludentes da criminalidade, causas excludentes da antijuridicidade, causas justificativas, eximentes, descriminantes ou, finalmente, tipos permissivos, estão expressamente previstas no Código Penal brasileiro em número de quatro.

Novamente recorrendo à doutrina mais abalizada em termos de direito penal, temos a lição que se segue:

A antijuridicidade ou ilicitude pode ser excluída, outrossim, por determinadas causas. É dessas causas de exclusão de ilicitude que trata este art. 23, indicando-as: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito. Elas são também chamadas excludentes da antijuridicidade, descriminantes, justificativas ou tipos permissivos (DELMANTO, et al, 2007, p. 91, grifo do autor)28.

 

            Desta feita, conforme pode ser extraído do referido texto legal:

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito [...].

Assim sendo, acobertado por qualquer uma das causas acima enumeradas, todo cidadão ao cometer um fato típico terá a antijuridicidade deste ato afastada, ou seja, a ilicitude porventura aventada no caso concreto será de pronto desconsiderada. Urge salientar a previsão legal quanto ao excesso porventura praticado pelo agente, que naturalmente deverá valer-se da legislação atento a todas as implicações dela advindas.

A doutrina também faz alusão ao Código Penal Militar neste tema, assim:

O Código Penal, em seu art. 23 e o Código Penal Militar, em seu art. 42, previram expressamente quatro causas que afastam a ilicitude da conduta praticada pelo agente, fazendo, assim, com que o fato por ele cometido seja considerado lícito. (GRECO, 2009, p. 109 e 110)29.

________________

28DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; JUNIOR, Roberto Delmanto; DELMANTO, Fabio M. de Almeida. Código Penal Comentado. 7. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

29GRECO, Rogério. Atividade Policial: Aspectos Penais, Processuais Penais, Administrativos e Constitucionais. 2. ed. Niterói: Impetus, 2009.

 

É de se observar que o legislador ateve-se apenas à definição explícita dos conceitos do estado de necessidade e da legítima defesa, o que nos conduz ao entendimento de que os demais conceitos estão a cargo da doutrina e da jurisprudência.

Note-se que para cada causa existe uma série de elementos que devem ser atendidos a fim de que se configure. Nesta linha de raciocínio, chegamos aos elementos de ordem objetiva e subjetiva, sendo que os primeiros estão expressos na legislação, pelo menos em relação à legítima defesa e ao estado de necessidade, como dito acima, devidamente descritos nos artigos 24 e 25, do Código Penal. No que tange ao elemento subjetivo, temos que a principal característica é o pleno conhecimento do amparo legal, ou seja, o agente deve saber que está agindo dentro de uma das quatro causas que o excluem da ilicitude.

Outrossim, ressaltamos que o legislador também previu outras causas de exclusão da ilicitude na Parte Especial do Código Penal. Exemplificam-se tais causas diversas através dos artigos 128, que prevê não haver crime de aborto quando o médico o pratica diante de um caso em que a vida da gestante corre perigo ou que a gravidez tenha ocorrido em virtude de um estupro. Bem como quando da ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador; da opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar; do conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício; causas estas constantes do artigo 142.

Também merecem destaque em nossa legislação outras causas excludentes presentes na parte especial do nosso código, como a intervenção médica ou cirúrgica, não consentida, justificada pelo iminente perigo de vida; e a coação para impedir suicídio (art. 146, §3º, I e II). Bem assim segue a previsão do artigo 150, §3º, I e II, quando trata da inexistência do crime de violação de domicílio nas condições que indica. Outra causa constante deste rol é a que se refere ao furto de coisa comum, cristalizada no artigo 156, §2º, desde que atendidas as condições explicitadas no texto deste mandamento legal.

Segundo assinala Masson (2009)30, as causas previstas no artigo 23, do Código Penal, são consideradas causas genéricas ou gerais, ao passo que aquelas existentes na parte especial do mesmo diploma são as causas específicas ou especiais. Prosseguindo em seu raciocínio, o ilustre autor ainda enumera algumas causas extrapenais constantes da legislação extravagante, a saber:

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30MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2009.

a)             Artigo 10, da Lei 6.531/1978: exercício regular de direito, consistente na possibilidade de o serviço postal abrir carta com conteúdo suspeito;

b)             Artigo 1.210, §1º, do Código Civil: legítima defesa do domínio, pois o proprietário pode retomar o imóvel esbulhado logo em seguida à invasão; e

c)              Artigo 37, I, da Lei 9.605/1998: estado de necessidade, mediante o abatimento de um animal protegido por lei para saciar a fome do agente ou de sua família (MASSON, 2009, p. 351)31.

Não se olvide, porém, da existência das causas supralegais de exclusão da ilicitude, como ponderado pela doutrina, na medida em que alguns autores a defendem como a seguir:

Tem-se sustentado que, além das causas justificativas expressamente consignadas na lei, existem outras, supralegais, não explícitas. A doutrina das justificativas supralegais funda-se na afirmação de que o Direito do Estado, por ser estático, não esgota a totalidade do Direito e a lei não pode esgotar todas as causas de justificativas da condição humana no plano do ordenamento penal. Como a razão de ser do direito é o equilíbrio da vida social e a antijuridicidade nada mais é do que a lesão de determinado interesse vital aferido perante as normas de cultura reconhecidas pelo Estado, afirma-se que não se deve apreciar o antijurídico apenas diante do direito legislado, mas também dessas normas de cultura (MIRABETE e FABBRINI, 2010, p. 162)32.

                Seguindo este entendimento, apontamos o consentimento do ofendido como a mais clara expressão de causa supralegal existente em nosso ordenamento jurídico. Tal excludente funda-se na premissa do assentimento do ofendido, detentor do bem jurídico atacado, em relação ao agente. Todavia, é de bom alvitre anotar que somente é aplicável aos bens jurídicos disponíveis, estando fora deste contexto, por óbvio, os bens jurídicos metaindividuais, os pertencentes ao Estado e à sociedade. Não obstante esta posição consolidada na doutrina e na jurisprudência, há quem desconsidere as causas supralegais por entender que tão somente a lei pode elencar as causas que afastam a ilicitude, tendo em vista seu caráter formal.

3.2. Estado de Necessidade

 

            Já no artigo 24, o legislador definiu a primeira excludente da ilicitude, verbis:

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

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31MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2009.

32MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2010.

 

§1º. Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

§2º. Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

            Nesta excludente estão presentes interesses lícitos de ambas as partes, portanto protegidos pelo ordenamento jurídico. O conflito entre eles culminará inevitavelmente com a prevalência de um sobre o outro. Portanto, autorizado esta o indivíduo a ofender bem alheio a fim de salvar direito seu ou de terceiro desde que esteja diante de uma situação irremediável. Podemos apontar como principal característica diferenciadora em relação à legítima defesa o fato de que nesta o agente defende-se de uma agressão injusta, enquanto que no estado de necessidade ambos os bens estão aparados juridicamente.

            São requisitos do estado de necessidade de acordo com a legislação pátria:

a)      a ameaça a direito próprio ou alheio;

b)      a existência de um perigo atual e inevitável;

c)      a inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado;

d)     uma situação não provocada voluntariamente pelo agente;

e)      a inexistência de dever legal de enfrentar o perigo; e

f)       o conhecimento da situação de fato justificante.

            Sobre o dever legal de enfrentar o perigo, previsto no §1º, do artigo 24, pode-se afirmar existirem determinadas profissões onde, pela própria natureza, há que se considerar o enfrentamento direto do perigo. É o caso dos policiais, bombeiros, entre outros profissionais. Assim sendo, tais profissionais não podem valer-se do estado de necessidade para eximir-se de suas obrigações, todavia o princípio da razoabilidade deve ser invocado perante o caso concreto, como por exemplo, numa situação de incêndio não parece razoável que um bombeiro militar sacrifique-se em prol da preservação do patrimônio.

            No parágrafo 2º, observamos uma causa de diminuição da pena em virtude do estado de necessidade. Conforme a previsão legal, contrapondo-se bens jurídicos diversos, como por exemplo, vida e integridade física, assim aquele que ceifa a vida de outrem para evitar ferir-se não está sob o amparo da presente excludente. Todavia, o agente poderá ser beneficiado pela diminuição da pena de um a dois terços. Neste caso, não há que se falar em exclusão da ilicitude, mas tão somente em diminuição da pena pelo fato típico e antijurídico praticado pelo agente. Assevere-se que o agente pode buscar, a depender do caso, a exclusão da culpabilidade caso haja uma situação de inexigibilidade de conduta diversa.

            O estado de necessidade pode, ainda, ser classificado em defensivo ou agressivo. A presente classificação diz respeito à pessoa que suporta o fato típico em sede de estado de necessidade. No primeiro caso, a ação do agente é empregada contra o provocador da situação de perigo, desta feita, não se pode exigir qualquer ressarcimento por parte dos danos causados. Já no segundo caso o agente sacrifica bens de um terceiro, inocente, não provocador da situação de perigo, todavia terá a obrigação de reparar o dano, podendo ingressar com a respectiva ação regressiva em face daquele que provocou a situação de perigo causadora do prejuízo.

            Apraz-nos verificar, em uma análise comparativa com a legislação civil, a existência de previsão legal quanto aos danos causados sob a égide desta excludente de maneira a garantir os direitos daqueles hajam sido prejudicados sem terem concorrido para aquela situação de perigo. Desta feita, existem alguns esclarecimentos no Código Civil nacional.

Primeiramente, a lei civil de maneira a não confrontar a legislação penal, fez menção à não existência da ilicitude em determinados casos, a saber:

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I – [...];

II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa a fim de remover perigo iminente.

Dando continuidade a esta previsão, o legislador civil ainda adentrou a seara da indenização pelos danos advindos deste ato considerado não ilícito:

Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.

Neste tocante, a doutrina nos ensina que:

O Código Civil, como se percebe pela redação do art. 188, II, não considera ilícito o ato daquele que atua em estado de necessidade e que, por se encontrar diante de uma situação de perigo iminente, vê-se obrigado a deteriorar ou a destruir a coisa alheia ou produzir lesão a pessoa a fim de remover este perigo.

Contudo, embora o ato não seja considerado ilícito, como ambos os bens em conflito estão amparados pelo ordenamento jurídico, o Código Civil permitiu àquele que sofreu com a conduta daquele que agiu em estado de necessidade obter uma indenização deste último, correspondente aos prejuízos experimentados.

Na verdade, o legislador civil quer dizer o seguinte: Mesmo que a conduta do agente que atua em estado de necessidade não seja ilícita, porque seria uma incongruência o Código Penal considerá-la lícita, enquanto para o Código Civil seria ilícita, se o terceiro que sofreu com a conduta do agente não tiver sido o causador da situação de perigo, permanecerá a obrigação de indenizar os prejuízos causados.

Caso o perigo tenha sido criado por aquele que sofreu o dano, não lhe caberá aqui, direito a indenização. (GRECO, 2008, p. 338)33.

Esta é a posição que nos parece mais acertada por tudo que já fora acima exposto.

3.3. Legítima Defesa

 

            Na lição de Rogério Greco (2008)33, por meio de seus representantes, o Estado não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, razão pela qual permite aos cidadãos agir em sua própria defesa, entretanto, apenas em determinadas situações. Neste diapasão, há que se considerar que o cidadão somente poderá recorrer aos meios próprios quando configurada a total ausência do Estado, que é o responsável pela segurança pública.

            A fim de evitar que o conceito de legítima defesa fosse-nos fornecido pela doutrina ou pela jurisprudência, o legislador definiu tal instituto nos seguintes termos:

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Assinalamos a necessidade de três requisitos de caráter objetivo e o último, subjetivo, para a existência da legítima defesa:

a)      a moderação no emprego dos meios necessários à repulsa;

b)      a reação a uma injusta agressão atual ou iminente;

c)      a defesa de um direito próprio ou alheio; e

d)     o elemento subjetivo.

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33 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 10. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2008.

 

Note-se que a agressão somente pode ser cometida por um ser humano, assim, em casos de perigo criado pela força da natureza ou por animal, haverá o estado de necessidade, afora a situação em que o animal esteja sendo utilizado por alguém para uma agressão.

Característica importante afigura-se o tempo da reação, uma vez que esta deverá ocorrer diante da atualidade ou iminência da agressão.

Outrossim, em comparação com o estado de necessidade, a legítima defesa traz a previsão da prática de um injusto de sorte que não há a possibilidade de que as duas partes ajam sob o manto da licitude.

A legítima defesa pode ser própria ou de terceiros, ainda que estes não sejam próximos ao agente. Todavia, somente se opera a defesa de terceiros em relação a bens indisponíveis, como a vida. Podemos assinalar, ainda, que bens particulares, o interesse da coletividade e do Estado são passíveis de defesa em sede de legítima defesa de terceiros guardada a devida proporcionalidade. Para Mirabete e Fabbrini (2010, p. 170)34, “[...] a lei consagra o elevado sentimento da solidariedade humana”.

A moderação e os meios necessários devem estar sob a égide do princípio da proporcionalidade na medida em que o bem jurídico preservado esteja em nível superior ou igual aquele que será sacrificado. Se o meio empregado for desnecessário, a depender das condições do evento, o agente poderá incorrer em excesso, doloso, culposo ou exculpante. Assim sendo, podemos asseverar que os meios necessários são aqueles que o agente tem à sua disposição para repelir a agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, no momento em que é praticada.

Ademais, o elemento subjetivo deverá sempre caminhar ao lado dos requisitos objetivos previstos na lei. Portanto o agente precisa ter a consciência de agir em defesa de direito seu ou alheio, ou pelo menos acreditar que assim aja, para que se possa invocar a excludente. Esta subjetividade pode ser chamada de animus defendendi, que nada mais é do que a vontade de se defender ou a terceira pessoa.

Finalmente, em sede de Direito Civil, o artigo 188, I, do nosso Código Civil prevê que aquele que atua em legítima defesa não está obrigado a indenizar, uma vez que os danos licitamente causados foram praticados diante de injusta agressão, assim:

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito.

[...].

Tal posicionamento previsão é de grande importância diante do caso concreto.

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34MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2010.

 

3.4. Estrito Cumprimento de Dever Legal

 

            Neste caso, o legislador deixou de conceituar a excludente bem como seus elementos característicos, o que possibilitou que a doutrina e a jurisprudência moldassem o que vem a ser entendido como estrito cumprimento de dever legal. O fundamento desta excludente encontra-se alicerçado na obrigação legalmente imposta a determinadas pessoas, que por tanto não podem ser responsabilizadas. Como se depreende do instituto o agente está cumprindo um dever legal, o qual pode ser expresso, genericamente, através de decretos, regulamentos, decisões judiciais, e também por meio de atos administrativos de caráter geral. Insta salientar que se acaso o ato administrativo tiver caráter específico, o agente estará agindo sob a proteção da obediência hierárquica, que é causa de exclusão da culpabilidade.

            O executor da medida, que poderá ser um agente público, um particular em função pública ou até mesmo apenas um particular, deve ater-se totalmente aos limites legais impostos, sob pena de cometer excesso punível, podendo haver a configuração do abuso de autoridade, o que tornará o fato ilícito. Desta feita, estando evidente o excesso abusivo, o sujeito passivo da ação estará autorizado a não se ver obrigado a cumprir a ordem, além de poder invocar a legítima defesa em face do agente.

            Ilustrando a situação, Greco (2008) nos fornece o seguinte exemplo:

Assim, por exemplo, se um oficial de justiça, cumprindo um mandado de busca e apreensão de um televisor, por sua conta resolver também fazer a apreensão de um aparelho de som, já antevendo um pedido futuro, não terá agido nos limites estritos que lhe foram determinados, razão pela qual, com relação à apreensão do aparelho de som, não atuará amparado pela causa de justificação (GRECO, 2008, p.370)35.

Para Matos (2011, p. 414 e 415)36, “[...] A justificativa só existirá quando o agente estiver no exercício de uma atividade imposta pela lei, com esta intenção e no estrito limite do mandamento legal. [...]”

3.5. Exercício Regular de Direito

           

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35GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 10. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2008.

36MATOS, João Carvalho de. Prática e Teoria do Direito Penal e Processual Penal, Volume 1. 9. ed. São Paulo: Mundo Jurídico, 2011.

 

 

A exemplo da primeira parte do inciso III, do artigo 23, que se refere ao estrito cumprimento de dever legal, o exercício regular de direito, previsto na segunda parte do mesmo dispositivo, não foi objeto de conceituação por parte do legislador. Note-se que nesta excludente o agente não age regido por uma lei, mas sim motivado pelo exercício de seu livre arbítrio permitido pela lei.

Segundo a doutrina majoritária, temos a seguinte definição:

Não há também crime quando ocorre o fato no “exercício regular de direito” (art. 23, inc. III, segunda parte). Qualquer pessoa pode exercitar um direito subjetivo ou faculdade previsto na lei (penal ou extrapenal).

É disposição constitucional que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, inciso II, CF), excluindo-se a antijuridicidade nas hipóteses em que o sujeito está autorizado a esse comportamento [...] (MIRABETE e FABBRINI, 2010, p. 175)37.

Entretanto, esta excludente também tem suas limitações. O agente deve obedecer aos limites legais, uma vez que aquele que tem um direito deste não pode abusar sob pena de se afastar a excludente e assim se conferir à outra parte o direito à legítima defesa.

Há que se considerar que existem distinções a serem feitas entre este instituto e do estrito cumprimento de dever legal.

O estrito cumprimento de dever legal é compulsório, tendo sua origem na lei, enquanto que o exercício regular de direito tem um cunho facultativo porquanto o direito autoriza o agente, que irá decidir se exercita ou não este direito assegurado. Por outro lado, não se tem como origem do exercício regular apenas a lei, mas também regulamentos e, para alguns, inclusive os costumes.

Lançando-se mão da legislação civil brasileira, vislumbramos em nosso código civilista um exemplo claro de exercício regular de direito, que nos serve para melhor ilustrar esta causa de exclusão da ilicitude. Não obstante o próprio Código Civil em seu artigo 188, I, já tratar de duas excludentes, legítima defesa e exercício regular de direito, como causas que afastam a caracterização do ato ilícito, bem como podemos entender que no seu inciso II trata do estado de necessidade, mais adiante o mesmo diploma prevê:

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

§ 1o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

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37MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2010.

 

 

 

 

            Portanto, o Código Civil admite que o possuidor turbado, utilizando a sua própria força, ou seja, sem o amparo do Estado, aja contra aqueles que ferem o seu direito de propriedade, observando-se apenas o imediatismo da ação e a limitação ao objetivo de manutenção ou restituição da posse. Desta feita, o agente estará resguardado de possíveis responsabilizações penais em virtude de sua ação para impedir que seu direito de posse seja maculado por terceiros.

Como se analisou mais acima, o exercício regular de direito é uma faculdade prevista na legislação, a qual pode ou não ser invocada pelo agente, que também poderá não agir se assim achar mais apropriado.

 

4. OFENDÍCULOS

              Ofendículos, ofendículas, ofensáculas, aparelhos predispostos para defesa, estes são alguns dos termos utilizados para designar os instrumentos utilizados para impedir ou embaraçar o acesso do malfeitor ao bem protegido, seja ele o patrimônio, a vida entre outros juridicamente relevantes. A preparação da defesa é feita em momento anterior ao perigo, que ainda é incerto, ocorrendo o seu funcionamento apenas quando da agressão. Exemplos clássicos de ofendículos são os cacos de vidro sobre muros, a cerca elétrica, as pontas de lança sobre grades e portões, o arame farpado, etc. Em comum, todos estes instrumentos devem ser visíveis a quem quer que tencione violar o direito alheio.

            Na lição de Greco (2008, p. 369)38, “Além dos aparelhos e instrumentos destinados à proteção dos bens, considera-se, também, como ofendículos a utilização de cães ou de outros animais de guarda”.

            Todavia, a utilização destes meios deve ter o caráter de advertência, com as devidas precauções a fim de que o agente não responda pelo excesso. Portanto, além de visíveis os ofendículos devem apenas resguardar o direito de quem os utiliza sem, contudo, violar outros direitos mais relevantes como a vida por exemplo. Desta feita, a utilização de meios mecânicos letais será punível, afastando qualquer causa de exclusão da ilicitude. A esse respeito existem os aparelhos mecânicos ocultos, os quais por estarem escondidos, caracterizam um excesso punível, doloso ou culposo. Neste diapasão, encontramos as maçanetas de portas eletrificadas, espingarda com dispositivo ligado a porta, armadilhas, e outros mecanismos que podem acarretar a lesão de inocentes.

            A doutrina declina-se sobre o tema, uns encarando os ofendículos como legítima defesa (predisposta ou preordenada), outros considerando a sua utilização com um exercício regular de direito. Passando-se a análise de cada uma destas vertentes, temos que verificar, a priori, os requisitos da legítima defesa. Assim, parece-nos faltarem aos ofendículos a atualidade da agressão e a moderação da repulsa, que não podem ser medidos pelo sujeito instalador dos artefatos devido à antecedência da instalação.

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38GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 10. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2008.

 

 

 

Aliado a isto, há que se considerar não haver a vontade da defesa no momento em que ocorre a injusta agressão ao patrimônio alheio, por conseguinte outra característica da legítima defesa não resta configurada.

Alguns autores argumentam, entretanto, que embora a ação do sujeito ativo seja anterior, o instrumento só produz seus efeitos quando o perigo se faz atual. Finalmente, a principal característica ausente ao uso dos ofendículos, como dito acima, é a vontade de se defender, o chamado animus defendendi.

Consideram alguns autores que o elemento subjetivo reveste-se de imprescindibilidade ao se falar em excludente de ilicitude, portanto:

[...] Na doutrina, contudo, comum é assertiva de que se trata de legítima defesa predisposta ou preordenada. Para quem exige o elemento subjetivo nas justificativas, parece-nos discutível a aceitação deste último entendimento, pois a consciência da conduta deve estar presente com relação ao fato concreto. [...] (MIRABETE e FABBRINI, 2010, p. 176, grifo do autor)39.

            Na defesa do exercício regular de direito, escora-se a doutrina na faculdade do sujeito em opor defesa a qualquer tentativa de lesão aos seus bens jurídicos considerados relevantes. Neste norte, o sujeito embasa-se no direito à inviolabilidade de seu domicílio, previsto na Constituição Federal de 1988, bem como à defesa de sua propriedade, conforme é verificado em nosso Código Civil pelo que se depreende da segunda parte do inciso I, de seu artigo 188, C/C §1º, do artigo 1.210. Consequentemente, a conduta preventiva adotada pelo sujeito afigura-se como exercício regular de direito, sobretudo à propriedade, tendo em vista a anterioridade da instalação dos obstáculos muito antes do ataque. Ademais, contrario sensu, diante da ausência dos requisitos pertinentes à legítima defesa, temos a configuração do exercício regular de direito.

            Assevere-se ser cediço a todos a imprescindível moderação no uso de tais instrumentos. Invoque-se a legítima defesa ou o exercício regular de direito, não se pode jamais perder de vista a razoabilidade quando do emprego dos ofendículos visando à defesa do bem jurídico ante a possível violência da agressão. Podendo configurar-se um abuso de direito por parte daquele sujeito que emprega os instrumentos de autodefesa de forma indiscriminada e inconsequente atingindo tanto inocentes quanto malfeitores, malgrado até mesmo estes últimos não estarem desabrigados pelo ordenamento jurídico.

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39MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2010.

 

 

Cumpre salientar, como já dito alhures, que a utilização dos ofendículos não visa apenas à defesa do patrimônio, como bem observa Greco (2008, p. 369)40, e ademais: “Contudo, embora aceitos, deverá o agente tomar certas precauções na utilização desses instrumentos, sob pena de responder pelos resultados dela advindos [...]”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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40GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 10. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2008.

 

 

 

 

5. CONCLUSÃO

 

Numa análise de todo conteúdo acima exposto, em que pese a finalidade deste trabalho em delinear a natureza jurídica mais apropriada à utilização dos instrumentos de autodefesa, os chamados ofendículos, algumas considerações finais hão de ser consignadas.

A fim de atingir o objetivo proposto, foi necessário recorrer aos ensinamentos doutrinários que cercam o assunto, assim iniciamos este estudo com a análise do crime, sua tipicidade e ilicitude, bem como da culpabilidade, consoante o entendimento da doutrina mais atualizada e abalizada. Neste percurso, lançamos mão de um estudo comparativo, inclusive, com normas previstas no Código Civil brasileiro naquilo que diz respeito à ilicitude de um ato. Dando-se continuidade ao trabalho, vimos a imprescindibilidade de analisar uma a uma cada excludente de ilicitude para que fosse possível entender estes institutos numa perspectiva mais abrangente e, assim, finalmente segregar as excludentes da legítima defesa e do exercício regular de direito, que são o foco principal da discussão sobre a natureza jurídica dos ofendículos.

Diante de tudo aquilo que fora exposto, analisado e considerado, somos claramente levados ao entendimento de que a utilização dos ofendículos deve, indubitavelmente, ser encarada como um meio de exercício regular de direito, respeitadas as eminentes considerações contrárias aduzidas por grandes nomes do Direito Penal nacional. Como exposto alhures, faltam certas características imprescindíveis à caracterização da legítima defesa em relação aos instrumentos de autodefesa, afigurando-se como a principal delas a falta do elemento subjetivo, porquanto inexistente ao sujeito que faz uso dos ofendículos a vontade e a atualidade em se defender da injusta agressão sofrida. Ademais, não obstante o seu desejo de preparar os ofendículos à defesa de seus bens jurídicos considerados mais relevantes, o sujeito carece da moderação e da proporcionalidade no momento em que tais instrumentos entram em ação contra quem quer que seja.

Portanto, diante do presente estudo em que foram analisados o crime, a tipicidade, a ilicitude do fato jurídico, a culpabilidade, as excludentes de ilicitude de maneira individualizada, bem como os próprios ofendículos, concluímos esta jornada com a convicção de que os instrumentos de autodefesa, tão largamente utilizados na sociedade brasileira, estão aptos a escudar seu usuário como um exercício regular de direito, ou seja, uma faculdade de se lançar mão de meios apropriados disponíveis a fim de embaraçar ou impedir que um determinado bem jurídico seja violado por terceiros.

Esperamos, finalmente, ter colaborado com a sociedade brasileira, sobretudo com os operadores do Direito Penal, que no seu dia a dia deparam-se com toda sorte de situações, quer em juízo ou em delegacias de polícia e que, assim, necessitam estar sempre atualizados e conscientes de todas as nuances e peculiaridades da justiça criminal. Como dito anteriormente, nossa finalidade neste trabalho não é de esgotar o tema, tão largamente debatido há longa data, mas sim de colaborarmos para a discussão e a motivação de outros estudantes e operadores do direito para o progresso e o engrandecimento do direito criminal.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

6. REFERÊNCIAS

 

CAPEZ, Fernando; Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120). 12. ed. de acordo com a Lei n. 11.466/2007. São Paulo: Saraiva, 2008.

DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; JUNIOR, Roberto Delmanto; DELMANTO, Fabio M. de Almeida. Código Penal Comentado. 7. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP).  10. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2008.

GRECO, Rogério. Atividade Policial: Aspectos Penais, Processuais Penais, Administrativos e Constitucionais. 2. ed. Niterói: Impetus, 2009.

MACHADO, Angela C, Cangiano; DEZEM, Guilherme Madeira; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FIGUEIREDO, Maria Patrícia Vanzolini. Prática Penal. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2009.

MATOS, João Carvalho de. Prática e Teoria do Direito Penal e Processual Penal, Volume 1. 9. ed. São Paulo: Mundo Jurídico, 2011.

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008.

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP). 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2010.

 

 

PRADO, Luiz Regis; Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 1: Parte Geral (arts. 1º a 120 do CP).  8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

 

 

 

 

 

APÊNDICE

 

 

DECLARAÇÃO

 

 

 

 

DECLARO para todos os fins de Direito, inclusive por meio de responsabilidade civil, penal e administrativa, que o presente trabalho não foi copiado, total ou parcialmente, de qualquer outro anteriormente existente, respondendo exclusivamente o signatário pelos eventuais danos causados nessas áreas do Direito.

ALEXANDRO NAPOLEÃO SANT’ANA

Autor