Coautores: Marcelo Gomes de Lima e Breno Vitorino de Menezes

Ofendículos (ou ofendiculum, offensacula, ofendículas, offendicula) são empecilhos, obstáculos que tem por finalidade repelir ou dificultar a invasão ilícita a um bem que geralmente é o patrimônio.

Segundo Fernando Capez, ofendículos: 

São aparatos facilmente perceptíveis destinados à defesa da propriedade e de qualquer outro bem jurídico. Exemplo: cacos de vidro ou pontas de lança em muros e portões, telas elétricas, cães bravios. Como trata-se de dispositivos que podem ser visualizados sem dificuldade, passam a constituir exercício regular do direito de defesa da propriedade, já que a lei permite até mesmo o desforço físico para a preservação da posse (novo CC, § 1º do art. 1.210). Há quem os classifique como legítima defesa preordenada, uma vez que, embora preparados com antecedência, só atuam no momento da agressão (nesse sentido: Damásio E. de Jesus, Direito penal, 23. ed., São Paulo, Saraiva, v. 1, p. 395). De uma forma ou de outra, em regra, os ofendículos constituem causa de exclusão de ilicitude. (CAPEZ, 2003, p. 264)

 

Urge salientar que parte da doutrina entende que ofendículos e defesas mecânicas predispostas são sinônimas. Contudo, Bitencourt esclarece de forma clara a distinção entre os institutos, vejamos: 

Os ofendículos seriam percebidos com facilidade pelo agressor, como fragmentos de vidros sobre o muro, pontas de lanças, grades, fossos, etc., que representam uma resistência normal, natural, prevenindo quem tentar violar o direito protegido. As defesas mecânicas predispostas, por sua vez, encontrar-se-iam ocultas, ignoradas pelo suposto agressor, como, por exemplo, armas automáticas predispostas, cercas eletrificadas ou qualquer tipo de armadilhas prontas para disparar no momento da agressão (BITENCOURT, 2008, p.325).

 

Dessa forma, temos que ofendículos são mecanismos de defesa visíveis a qualquer pessoa, já as defesas mecânicas estão ocultas, ou seja, não são perceptíveis ao olho humano.

Quanto a natureza jurídica dos ofendículos, há uma interessante divergência na doutrina, no que concerne ao enquadramento desta nas excludentes de ilicitude. Uma parte da doutrina assegura que os ofendículos são legítima defesa antecipada, já outra parte afirma ser exercício regular de direito e existe, ainda, uma posição híbrida, garantindo que o uso de ofendículo, dependendo do momento da instalação ou do efetivo funcionamento, poderá ser exercício regular de direito ou legítima defesa antecipada.

Os defensores que o ofendículo é exercício regular de direito mantém enfoque na instalação dos ofendículos, afirmando que os empecilhos ou obstáculos instalados tratam-se de uso legítimo de um direito. Para Guilherme de Souza Nucci: 

Exercício regular de direito, sob a ótica de que os obstáculos instalados na propriedade constituem o uso legítimo de um direito. Enfoca-se, com isso, o momento de instalação do ofendículo e não de seu funcionamento, que é sempre futuro. Aliás, como alerta Marcello Jardim Linhares, quando a armadilha entra em ação, não mais está funcionando o homem, motivo pelo qual não se pode admitir esteja ocorrendo uma situação de legítima defesa, mas sim de exercício de direito. E mesmo quando atinja um inocente, como uma criança que se fira em pontas de lança de um muro, atua o exercício de direito, pois não se pode considerar uma reação contra quem não está agredindo (NUCCI, 2006, p.251)

 

Dessa forma, entendem que instalar mecanismos de defesa são uma forma de prevenção a uma agressão futura e incerta, visto que não é possível prever se o ofendículo um dia será efetivamente usado. Assim, defenda parte da doutrina que estão ausentes os requisitos da legítima defesa.

Entretanto, uma parcela da doutrina entende que os ofendículos têm natureza jurídica de legítima defesa preordenada. Para entender melhor esse posicionamento se faz necessário compreender o instituto da legítima defesa.

Pode-se extrair do conceito de legitima defesa seis elementos objetivos e subjetivos que são essenciais para que se identifique a legítima defesa, são eles: agressão injusta; atual ou iminente; a direito próprio ou a terceiro; repulsa com meios necessários; uso moderado de tais meios; conhecimento da situação justificante. A falta de um desses elementos acarreta a não configuração da legítima defesa.

Como visto, para existir legítima defesa é necessário uma agressão injusta, atual ou iminente. A agressão atual é aquela que está acontecendo e agressão iminente é aquela que está prestes a acontecer. Portanto, é inadmissível a agressão passada nem a futura, em observância da norma legal. Por isso o uso de cacos de vidro ou pregos nos muros das casas ou qualquer coisa que sirva de obstáculo para a entrada de alguém indesejável está se protegendo de agressões futuras, ações estas que nunca podem ocorrer e, assim, a agressão futura não é atual nem iminente. 

Questão interessante no estudo desta causa de justificação é a questão das offendiculas, que são aquelas defesas predispostas que visam dificultar a agressão, quer seja ao domicílio, quer seja ao patrimônio, ou qualquer outro bem jurídico. Para alguns, as offendiculas constituir-se-iam uma legítima defesa, todavia, para nós, essa argumentação não pode ser acolhida. Para que exista legítima defesa é imprescindível a existência de uma agressão atual ou iminente, e a offendicula dirige-se a uma agressão futura, que poderá acontecer ou não. Assim, as offendiculas não se adequam a este requisito da legítima defesa. O que justifica essa ação é o exercício regular do direito, porque nela há um legítimo direito de defender o patrimônio ou outro bem jurídico, contra agressões susceptíveis de acontecer. (BRANDÃO, 2003, p. 126) 

 

Corrobora Fernando Capez: “Se a agressão é futura, inexiste legítima defesa. Não pode, portanto, argüir a excludente aquele que mata a vítima porque esta ameaçou-lhe de morte (mal futuro)”.(CAPEZ, 2003, p. 255).

Analisando apenas dois dos requisitos da legítima defesa já é perceptível que os ofendículos não tem essa natureza jurídica, sendo a correta natureza o exercício regular de direito.

Há ainda, parte da doutrina que defenda uma natureza híbrida aos ofendículos, para eles, quando da instalação dos ofendículos constitui exercício regular de direito e quando do efetivo uso do ofendículo possui natureza de legítima defesa. 

Na verdade, a decisão de instalar os ofendículos constitui exercício regular de direito, isto é, exercício do direito de autoproteger-se. No entanto, quando se reage ao ataque esperado, inegavelmente, constitui legítima defesa preordenada. (BITENCOURT, 2002, p. 88)

 Contudo a posição mais acertada é de que os ofendículos são exercíco regular de direito, pois como já explicado falta o requisito da agressão atual ou iminente expresso no artigo 25 do Decreto Lei n° 2.848, de 7 de Dezembro de 1940 vejamos: 

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem (BRASIL, 1940). 

Quanto a instalação e atuação do ofendículo, temos que instalação é o momento da colocação da coisa no local, é, por exemplo, quando a cerca elétrica é colocada no muro. Já a atuação do ofendículo ocorre quando do instante da invasão, é quando a cerca elétrica dá choque no invasor ou quando o cachorro morde o invasor.

Essa atuação do ofendículo deve ser de forma moderada, obedecendo aos limites das excludentes de antijuridicidade. O uso não moderado faz surgir o que chamamos de excesso, e isso traz como consequência a eliminação da causa que antes excluiria a ilicitude.

Vários exemplos podem ser citados como excesso, um desses exemplos é a cerca elétrica que possui alta voltagem e se um invasor levar um choque certamente virá a óbito.

Diante disso, nota-se havendo ponderação temos que o direito a vida prevalece diante do direito a propriedade, o art.5º, caput, da Constituição Federal de 1988 preceitua que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade…” porém como dito anteriormente, ponderando esses direitos, o direito a vida é mais importante que o direito a propriedade.