Pode ser curioso o debate sobre a “arte de apreciar a arte”. Uma gama de preconceitos, temores e desculpas inocentes abarca possíveis consumidores das artes plásticas, afastando-os da deliciosa prática de convívio e posse das “belas artes”.

A apreciação das manifestações artísticas e das obras deve ser um assunto para todos, e não uma iniciativa de um grupo exclusivo de especialistas. Ao analisarmos uma situação no cotidiano é possível perceber que a rua, o bar, a fila do banco, ou de ônibus está repleta de gente arriscando suas opiniões sobre o futebol, a política, a culinária, a novela e alguns eventos de cunho artístico. Uma postura, até certo ponto, arrojada. Por outro lado o homem busca um especialista em determinados campos, como na medicina, no direito e outras áreas colocando-se submisso à opinião de um profissional da área. Na esfera das artes a sociedade se permite a reconhecer e manter seus especialistas, com os quais, os investimentos de dinheiro público e privado são consideráveis. Muitas vezes o homem comum, por sua vez, não considera os especialistas como os críticos, donos de galerias, antiquários, curadores, museólogos, colecionadores e professores, profissionais habilitados para impor o juízo estético ao leigo. Nessa conjuntura quando se vêem diante de uma obra de arte expressam, confiantes: “não sou especialista, mas acho que..”. ou ainda, “não entendo nada de arte, mas...”. Nossa atitude diante de uma beleza natural já é diferente (nesse campo não se pressupõe especialização e, tampouco, existem peritos).

A questão passa pelo debate da subjetividade do conceito de belo e do bom e do mau gosto. As pessoas acreditam em referenciais, oficiais, de padrões de bom gosto e não há peritos em gosto. Até acredito que gosto se discute, sim, porém em outra esfera de abordagem.

Com a evolução da tecnologia na reprodução de imagens, impressões de livros de arte, as mídias digitais e outros veículos que permitem a divulgação iconográfica, a imagens atingiram várias camadas da sociedade, o que tornaria a ação dos especialistas mais oportunas. Ao se colocar diante de uma obra de arte, o homem ainda se mostra inseguro, comprovando que a expansão da exposição e veiculação desses ícones não atenuou a confusa reflexão dos leitores que consumiram tais publicações (muitas vezes, ainda, de alto custo). Fica evidente que o consumo destas apreciações pelos mais eficientes condutores de conhecimento impresso, ou virtual, por si só, não bastam para o refinamento da apreciação da obra de arte, pois isso não é um ramo do conhecimento teórico (simplesmente), tampouco uma satisfação do emocional, mas uma competência adquirida através do desenvolvimento de habilidades de “leitura” e reflexão. Uma aptidão que pode ser cultivada e, conseqüentemente, refinada. Se não for exercida, tal habilidade, pode se atrofiar e bloquear o prazer de apreciar uma obra de arte. O impulso de desenvolver essas competências e habilidades  –  tanto comentadas nos processos de ensino aprendizagem, através dos Parâmetros Curriculares Nacionais  - varia muito em  cada pessoa. A criteriosa construção desses mecanismos poderá levar o apreciador a encarar a arte como  criação de uma forma expressiva, um algo novo no universo, por ser fruto da criação, resultado de uma produção humana, arrancando o ser do não ser. Ela, a arte, é expressiva por trazer um fim em si e comunica alguma coisa, contendo uma mensagem, o que a torna uma linguagem. A partir daí, podemos, tranqüilamente, nos preparar para a apreciação, crítica, reflexiva e dialogada de uma obra de arte.  A obra é contextualizada e sua leitura passa, necessariamente, pelo entendimento do contexto histórico. Não precisamos nos obrigar a definir, efetivamente, o que é arte ou obra de arte, mas é necessário perceber que esse debate passa pela questão do HOMEM, vivendo em SOCIEDADE, produzindo cultura e em busca do BELO. Por outro lado, hoje, a obra de arte não mais está presa à questão do bom, ou mau gosto. Desde o Dadaismo (movimento do início do século XX), com Marcel Duchamp, o que importa é a “significação”. Para melhor dialogar com essas novas leituras sobre o desdobramento da arte, podemos acompanhar as publicações e livros do crítico Arthur Danto, Arnold Hauser, Anne Cauquelin, entre outros. Será nesse universo que os conceitos, sejam do tradicional classicismo europeu, dos manifestos de movimentos culturais da modernidade, dos ensaios de teóricos da arte, dos pontuais discursos e reflexões - do passado, ou da atualidade - sobre o belo, a estética e a arte (como Platão, Kant, Gombrich ...), nos levarão à compreensão da dinamicidade da mentalidade e da interpretação dos processos desenvolvidos ao longo dos tempos. De qualquer maneira é um tópico que, também, pode (e deve) ser trabalhado na prática, no exercício de visitas aos espaços de artes, na observação das obras e debates com profissionais e, mais importante, com a bagagem cultural e emocional de cada um, nas suas invariáveis concepções e transformações de vida na trajetória histórica pessoal e social em conexão com os instrumentos e critérios apropriados para esse universo. As especificidades dos debates produtivos se darão na medida em que as políticas de aproximação do espectador, com as obras, espaços e artistas, se constituírem como proposta de enriquecimento de construção de conhecimento, de formação do intelecto, das percepções íntimas e da própria alma em parceria, afinada, com o processo cultural de cada grupo social, trabalhado com responsabilidade e paixão.

Odiar, ou amar, Leonardo da Vinci não pode ser, apenas, uma questão de juízo estético pelos suspeitos critérios, imprecisos e subjetivos do gosto, ou do belo. A reflexão deverá ir além. Precisamos contextualizar o artista, o momento da sua produção e o próprio percurso na aquisição da bagagem cultural, que envolveu e envolve o espectador. Esse exercício de observação, leitura e reflexão é que vai me permitir o direito, ou não, de “gostar” da obra de Leonardo da Vinci. Sendo assim, é preciso lembrar que o impacto visual de uma obra, produzido sobre o apreciador (de indiscutível importância e significado), merece um desdobramento, no caso de buscar um critério mais apurado para o exercício da apreciação da obra de arte, permitindo uma “crítica” muito mais refinada e, efetivamente, um prazer muito maior no consumo das artes.

Enfim, desta maneira, mais seguro, posso afirmar, com mais tranqüilidade e desembaraço que “eu não odeio Leonardo da Vinci”.