Obstáculos à Aquisição da Posse e os Vícios Possessórios



Para que o tema possa ser desenvolvido, primeiramente, faz-se necessário um breve estudo sobre as teorias da posse de Savigny e Ihering. No assunto, existe grande dificuldade sobre o conceito do estado de fato, que se denomina detenção, e a conceituação de posse.

Na teoria subjetiva de Savigny, a posse supõe a existência de dois principais elementos: corpus e animus. O corpus é o elemento físico sem o qual a posse inexiste, compreendendo o contato direto e físico com a coisa. O que realmente caracteriza é o domínio jurídico exercido sobre a coisa, impedindo, assim, qualquer interferência de outrem. Mas para essa teoria, com efeito, apenas a retenção do corpus não é suficiente, sendo necessário que o possuidor tenha a intenção de ter a coisa para si, ou seja, de possuí-la. Cuida-se, na espécie, do elemento subjetivo. Se alguém detém a coisa sabendo pertencer a outrem, não há animus, inexistindo posse. Ainda na teoria de Savigny, é o animus, elemento volitivo, que distingue o possuidor do simples detentor. O elemento objetivo, o corpus, não permite tal distinção, pois aos olhos de qualquer pessoa, tanto o possuidor quanto o detentor tem relação aparentemente idêntica com a coisa.

Contrária à posição de Savigny é a teoria objetiva de Ihering, que foi adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro com o advento do Código Civil de 2002. Para ele, o conceito de animus não é nem a apreensão física, nem a possibilidade material de apreensão. O que a caracteriza a posse é o destino econômico da coisa. O possuidor comporta-se tal como faria o proprietário, daí porque o jurista diz que posse é conduta de dono. Aqui o animus está dentro do conceito de corpus. Após a teoria de Ihering, um ponto ficou claro para a matéria civilista "posse", qual seja, de que a distinção entre esta e a detenção não depende exclusivamente do arbítrio do sujeito.

A posse deve ser a regra. Sempre que uma pessoa tiver uma coisa sobre seu poder, deve ter direito à proteção. Assim, em cada caso, será observada a conduta pessoal, verificando se existe um comportamento de dono, ou seja, corpus e animus.

Quando não existir proteção do ordenamento jurídico sobre a coisa, o que ocorrerá será mera detenção, visto que somente por exceção o direito priva a defesa. É válido assinalar que há casos em que o sujeito não é considerado possuidor, mesmo exercendo poderes de fato sobre a coisa. Tais fatos ocorrem quando a lei desqualifica a relação para mera detenção, como o faz no art. 1.198, verbis:

Art. 1.198 - Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.
Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário.

A detenção, com efeito, vai além do aludido art. 1198, uma vez que existem mais dispositivos do Código Civil Brasileiro que abordam a temática, em que o exercício de fato não constitui posse, configurando apenas a detenção.

Considera-se como obstáculo à aquisição da posse, tudo aquilo que impede o detentor da coisa exercer em seu próprio nome todos os poderes da propriedade como se dono fosse.

Diz a primeira parte do art. 1.208 que "não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância". Neste ponto, válido anotar a distinção entre permissão e tolerância, quais sejam:
1- Na permissão existe o consentimento do possuidor. Na tolerância não há o consentimento, existindo a passividade;
2- Na permissão há uma manifestação de vontade, mas sem natureza negocial. Enquanto na tolerância não há a vontade de quem tolera, considerando o simples comportamento a que o ordenamento atribui conseqüências jurídicas;
3- A permissão diz respeito a atividade que ainda será realizada. A tolerância concerne em atividade que se desenvolveu ou que já se exauriu.

Da mesma forma, a segunda parte do art. 1.208 que "não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade".

Para melhor compreensão do tema, necessário estabelecer distinção entre posse justa e injusta.

Conforme preceitua o art. 1.200 do Código Civil, posse justa é aquela que não for adquirida por violência, clandestinidade ou precariedade. Em outras palavras, justa é a posse adquirida sem vícios, com legitimidade, ou a ocorrência de quaisquer vícios externos.

Contrário à posse justa, é a posse injusta, que se caracteriza por ter sido adquirida viciosamente, isto é, por violência, clandestinidade ou precariedade.

É violenta a posse que foi adquirida com o uso da força física ou moral.

A posse clandestina é aquela praticada furtivamente, que se estabelece de modo oculto, às escondidas da pessoa que possui o justo título da coisa.

Precária, por seu turno, é a posse do agente que se nega a devolver o bem ao fim do contrato.

Assim, referidos institutos, quando configurados, impedem o surgimento da posse, sendo que, aquele que os praticou é considerado mero detentor da coisa. Cessando a violência, a clandestinidade ou a precariedade, continuam tais atos reproduzindo o efeito de qualificar a posse como injusta.

Haverá, portanto, uma conciliação do art. 1.208 do Código Civil, que admite a cessação dos vícios da posse, com o dispositivo do art. 1.203 do mesmo diploma, o qual faz a presunção de que esta possuirá as mesmas características com que foi adquirida. É que, por vezes, ainda que o agente exerça poderes de fato sobre a coisa, poderá ser considerado mero detentor, nos casos previsto em lei.

Desse modo, embora a pessoa tenha a posse, nunca será titular da posse, posto que exerce é viciada (violência, clandestinidade ou precariedade) ou com obstáculos (atos de mera permissão ou tolerância).




Bibliografia
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume V: Direito das Coisas. 4ª Edição revista. São Paulo. Editora Saraiva. 2009.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. Volume V. 10ª Edição. São Paulo. Editora Atlas. 2010.