Quando se pensa em leitura e no ensino de literatura inúmeras perguntas aparecem. A primeira delas é: Qual a importância da literatura para o ser humano? Se questionarmos a respeito de toda a história da literatura observaremos que desde quando esta era apenas oral já tinha sua importância para a humanidade. Até mesmo porque todo o ser humano tem a necessidade de fantasia e de ficção, como nos afirma Candido (1972, p. 2-3) ao abordar a função psicológica da literatura:

 

Um certo tipo de função psicológica e talvez a primeira coisa que nos ocorre quando pensamos no papel da literatura. A produção e fruição desta se baseiam numa espécie de necessidade universal de ficção e fantasia, que de certo é coexistensível ao homem, pois aparece invariavelmente em sua vida, como indivíduo e como grupo, ao lado da satisfação das necessidades mais elementares. E isto ocorre no primitivo e no civilizado, na criança e no adulto, no instruído e no analfabeto. A literatura propriamente dita é uma das modalidades que funcionam como resposta a essa necessidade universal, cujas formas mais humildes e espontâneas de satisfação talvez sejam coisas como a anedota, a adivinha, o trocadilho o rifão. Em nível complexo surgem as narrativas populares, os cantos folclóricos, as lendas, os mitos.

 

A literatura tem a capacidade de confirmar a humanidade do homem e também de satisfazer a necessidade de fantasia que é intrínseca ao mesmo. Desta maneira, tanto sentados em roda contando histórias, isto é, através da literatura oral, quanto com os olhos atentos nas páginas de um livro, a literatura satisfaz tal necessidade humana.

Podemos citar como exemplo a importância da literatura oral na vida de um ser humano, como as histórias contadas ainda na infância têm enorme relevância ainda em sua vida adulta. Quem não se lembra de uma narrativa sobre seres fantásticos contadas quando ainda pequeno? E quantas vezes essas histórias não são repassadas de geração em geração perpetuando a teia da tradição oral?

E os livros? Essa mágica que eles nos impões quando tantas vezes nos identificamos com uma personagem, seus devaneios e problemas? Notamos claramente com esses indícios que a literatura exprime o homem e depois atua na própria formação do homem (Candido: 1972, p. 2). Essa força humanizadora e também fonte de satisfação de desejos nos ajuda a responder uma segunda questão: Por que incentivar a leitura literária na escola? Justamente porque tal leitura pode auxiliar na formação das crianças e adolescentes, ativando seu imaginário, ajudando a responder perguntas através da analogia entre o mundo real e o mundo fictício, da comparação dos problemas das personagens e do próprio leitor. Conforme Zilberman, (1990, p. 19) a leitura do texto literário constitui uma atividade sintetizadora e completa:

 

A leitura do texto literário constitui uma atividade sintetizadora, na medida em que permite ao indivíduo penetrar o âmbito da alteridade, sem perder de vista sua subjetividade e história. O leitor não esquece suas próprias dimensões, mas expande as fronteiras do conhecido, que absorve através da imaginação mas decifra por meio do intelecto. Por isso trata-se também de uma atividade bastante completa, raramente substituída por outra, mesmo as de ordem existencial. Essas têm seu sentido aumentado quando contrapostas às vivências transmitidas pelo texto, de modo que o leitor tende a se enriquecer graças ao seu consumo.

 

Torna-se evidente a importância da leitura literária, na medida em que essa além de humanizar ajuda a decifrar e compreender a própria vida, auxilia a dar mais segurança no que se refere às experiências de cada leitor, além, é claro, de ser educativa, tanto no sentido esperado na escola, quanto, como já vimos, na vida de cada leitor.

Então surge mais uma pergunta. Como fazer crianças e adolescentes sentirem prazer com a leitura? Ezequiel Theodoro da Silva (1990, p. 20) nos dá uma pista importante: Literatura: palavra em liberdade, de infinitos caminhos e direções, puxando o interlocutor para a prática da participação e do prazer. Infelizmente não se verifica a participação dos alunos, o que realmente se observa são professores proferindo conhecimentos adquiridos e fechados sobre as obras, sem darem a oportunidade para um diálogo onde os alunos possam expor sua leitura, aquela primeira leitura, subjetiva, sem preocupações com a teoria literária propriamente dita e menos ainda com as intenções do autor. Aquela leitura prazerosa...

Mas não, a realidade escolar é obrigar tal leitura para que o aluno preencha uma ficha de leitura, a qual exige respostas exatas ou ainda através do texto literário, utilizado apenas como pretexto, impor regras gramaticais. Os professores se esquecem da fruição subjetiva da leitura de cada aluno, esquecem-se que ouvir ou ler ficção é participar produzindo fatos do nosso jeito. ( Silva, 1990, p.27). E então temos uma leitura somente utilitarista a nada, nada doce, ao passo que ela deveria ser útil e doce, ensinar mas também deleitar.

Perroti (1990, p.16) dá definições muito claras para diferenciar a Cultura Literária da Fruição Literária: Cultura Literária é conhecimento de bases prioritariamente racionais, é domínio de referências intelectuais de obras, autores, períodos, etc., fruição literária, ao contrário, é experiência prioritariamente sensível, emotiva, afetiva.

É evidente que tanto a Cultura Literária quanto a Fruição Literária têm sua importância. No entanto, grande parte dos professores , atualmente, estão preocupadíssimos com a Cultura Literária, esquecendo-se que a fruição também se faz necessária. Sem ela os alunos estarão saltando uma etapa importante do caminho que os tornariam realmente leitores.

Erivany Fantinati, em sua mini-antologia de textos teóricos sobre o ensino da literatura, expõe um gráfico de Hans Kügler, onde demonstra três níveis de leitura, sendo eles: 1- Leitura primária; 2- Constituição Coletiva do Significado e 3- Modos de ler secundários. O primeiro nível seria justamente a fruição literária que, como foi exposto anteriormente por Perroti, seria o momento exclusivo do leitor com o texto, onde poderiam haver ilusões, afetividade e sentimentalismo.

Após este primeiro nível, paulatinamente, viriam os próximos, onde os alunos leitores perceberiam outros significados do texto e, então, estariam preparados para uma leitura mais crítica e reflexiva, ou seja, chegariam à cultura literária.

Como se pode perceber o ato de leitura, para a formação de leitores literários, segue um percurso. Se uma das fases deste percurso forem puladas, poderão haver sérias conseqüências e, como se observa nas escolas, notar-se-ão professores reclamando de alunos que não se interessam pela leitura.

Constata-se, desta forma, a falta da fruição literária, ponto que poderia ser o desencadeador do prazer pela leitura literária. A fruição é preterida pela Cultura Literária, onde a racionalidade e a intelectualidade são os pontos principais. Porém, é necessário destacar que esses dois processos se completam, se ajudam, se comentam. (Perroti: 1990, p. 16). São processos que devem estar presentes no ato da leitura e não um trocado pelo outro. A escola também tem sua parcela de culpa nestes acontecimentos, uma vez que a escola tem feito do professor um mero repetidor de conteúdos, infelizmente, sem a estatura do educador. (Perroti: 1990, p. 17)

Torna-se indispensável o professor retomar seu papel de educador e inevitável que se trate de um educador apaixonado pelo que faz, no caso aqui exposto, um apaixonado pela Literatura, já que a paixão do professor pela literatura é com certeza dado inicial indispensável rumo a um diálogo possível entre duas sensibilidades: a do aluno e a do escritor. E isso apesar da escola. ( Perroti: 1990, p. 17)

Um professor apaixonado pela Literatura e que respeitasse o momento de fruição literária certamente estaria contribuindo para a formação de leitores e não teriam apenas alunos que lêem por obrigação, ou que nem lêem, mas buscam resumos da internet para preencherem fichas de leitura para adquirirem notas. O distanciamento que existe entre os professores, os alunos e os textos precisa ser excluído da escola, para que tanto as aulas quanto os textos façam algum sentido para os alunos.

Lajolo (1997, p. 15) ainda avisa: Ou o texto dá um sentido ao mundo, ou ele não tem sentido nenhum. E o mesmo se pode dizer de nossas aulas. É hora já passada de dar um basta nesta distância que se impõe entre o professor e os alunos e também entre a leitura de ambos. Estabelecer um diálogo e dar vida ao texto. É o momento oportuno para permitir que o imaginário de cada aluno recrie o texto literário fazendo com que ele dê um sentido ao mundo, deixar que a interação leitor-livro realmente exista, pois é nisso afinal que realmente consiste a leitura.

É pertinente evidenciar que deixar que a interação leitor-livro exista não é sinônimo de diminuir a importância do professor em sala de aula. O professor é o intermediário entre o emissor e o destinatário. Ainda lhe cabem as funções de manusear os procedimentos didáticos, conhecer o universo de expectativas dos alunos, instigar seus interesses, aprofundar seus conhecimentos, etc.

Ensinar literatura não se reduz a obrigar a leitura de livros já canonizados e aplicar testes e provas. Os professores precisam se conscientizar que seus alunos também são elementos ativos no processo de comunicação literária, tendo em vista que suas mudanças em relação às obras alteram o curso de produção das mesmas. (Aguiar: 1996, p. 23). Além disso, precisam ter noção de que, além de transmitirem seus conhecimentos, precisam ensinar a ler, ou seja, precisam formar leitores literários competentes.

Volta-se, então, à discussão anterior. Para a formação de leitores é preciso estimular o gosto pela leitura, é necessário que haja a fruição literária. Para que isso aconteça torna-se essencial que se parta do interesse doa alunos-leitores.

E uma última pergunta dentre as várias que poderiam ser feitas: Que livros escolher pensando no pressuposto de partir do interesse dos alunos? Para responder tal indagação podemos recorrer ao Método Recepcional de Ensino proposto por Bordini e Aguiar. Tal método surgiu através da Estética da Recepção que é:

 

...a teoria delineada pela Escola de Constança, sob a liderança de Hans Robert Jauss, que concebe a recepção como uma concretização pertinente a estrutura da obra, tanto no momento de sua produção como de sua leitura, que pode ser estudada esteticamente. Desse modo, desloca-se o foco de atenção para o lugar do leitor no processo de comunicação literária, salientando-se que ele passa a ser visto como uma das posições textuais marcadas. (Aguiar: 1996, p. 27)

 

Segundo Bordini e Aguiar (1988, p. 86):  O método recepcional de ensino da literatura enfatiza a comparação entre o familiar e o novo, entre o próximo e o distante no tempo e no espaço. No método dessas autoras são propostas cinco fases: 1) Levantamento do horizonte de expectativas; 2) Atendimento do horizonte de expectativas; 3) Ruptura do horizonte de expectativas; 4) Questionamento do horizonte de expectativas); e 5) Ampliação do horizonte de expectativas.

Assim sendo, o professor partiria do que é conhecido por seus alunos, daquilo que desperta o interesse, para, passo a passo, atender, romper, questionar e ampliar seus horizontes. Ainda é pertinente evidenciar que partir do interesse dos aluno já é um grande incentivo à leitura e depois, através do diálogo, todo o processo se daria de forma natural. Ler seria deleite e a construção de conhecimento seria uma conseqüência, não haveria mais a obrigação, e o útil e o doce estariam interligados.

 

 

 

 

 

Referências Bibliográficas

 

AGUIAR, Vera Teixeira de. O leitor competente à luz da teoria da literatura. Revista Tempo Brasileiro. N º 124. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro, ed trimestral, 1996. 

 

AGUIAR, Vera Teixeira de, BORDINI, Maria da Glória. Literatura: a formação do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Livre, 1988

 

CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. Ciência e cultura. São Paulo v. 24, n 9, p. 3 – 9, 1972.

 

FANTINATI, Erivany. Mini-antologia de textos teóricos sobre o ensino de Literatura.

 

JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1980.

 

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática,1997.

 

PERROTI, Edimir. Literatura e Escola: diálogo difícil. Difícil? Páginas Abertas. Revista de Letras. Bibliografia de Edição Paulinas. N.º 64, 1990.

 

ZILBERMAN, Regina, SILVA, Ezequiel Theodoro da. Literatura e pedagogia. Ponto e contraponto. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990. (Série Contrapontos)