Por Laércio Becker, de Curitiba-PR 

“A perpetuidade da memória de um homem na terra é como um reflexo da eternidade no céu.” (Joaquim Manuel de Macedo)

 

Pessoalmente, considero a ausência de uma edição da obra completa de Joaquim Manuel de Macedo uma lacuna editorial injustificável. Na realidade, mais uma injustiça entre as tantas que se fez ao autor, tanto em vida quanto depois – embora, aos poucos, a crítica esteja redescobrindo o valor de sua obra.

Segundo a Professora Tania Serra, o projeto das obras semi-completas chegou a ser contemplado pelo dono de uma determinada editora. Contudo, não se sabe por quê, ele não foi adiante.

Alguém dirá: mas Macedo não é um autor genial, como Machado de Assis. Poderia esse alguém até citar João Ribeiro, que criticou muito a “ressurreição” da obra de Francisco Otaviano porque “ela veio revelar, não a diminuição do seu talento, mas a mesquinhez do ambiente intelectual do seu tempo”. Para o crítico, “a admiração póstuma dos míseros mortais é um milagre que se deve conservar inédito e embalsamado para a eternidade das recordações indefinidas” (RIBEIRO, João. Crítica: clássicos e românticos brasileiros. Rio de Janeiro: ABL, 1952. v. 1, p. 187).

Sim, a obra de Macedo tem lá seus defeitos. Mas isso não é suficiente para negar a necessidade de publicação das obras completas, por dois motivos básicos.

Em primeiro lugar, para preservação da memória da literatura brasileira, para o resgate de textos raros. Basta lembrar que alguns livros de Macedo só tiveram uma edição (p.ex., O culto do dever, 1865), ou a última edição tem mais de 100 anos (p.ex., O forasteiro, 1872).

Em segundo lugar, porque o conjunto da obra é um bom retrato de uma época, seus costumes, sua cultura. Nesse sentido, vejamos o que diz Afrânio Coutinho, em seu livro Impertinências (Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. p. 117):

 “Por isso é que se impõe a publicação das produções de um grande escritor que estiver perdida nos periódicos e esquecida ou desconhecida. Sem o conhecimento global das obras que deixaram os escritores, mesmo com a aparência de desimportantes ou secundárias, não é possível estabelecer o cânon de uma literatura. Inclusive dos escritores menores, como o demonstrou Daniel Mornet, que soube apontar a importância das obras menores, freqüentemente mais reveladoras do sentido de uma época ou de um estilo do que as grandes. Estas são produto do gênio, e o gênio é inclassificável na maioria dos casos. Um escritor menor está no nível comum e a sua obra é um índice seguro.”

No caso de Macedo, que não é um escritor menor, seria um trabalho hercúleo, seja porque foi um autor extremamente prolífico, seja porque demandaria pesquisa em periódicos antigos, talvez ao amparo de um projeto acadêmico de pesquisa.

A seguir, propomos um plano de obra. Quanto aos volumes abaixo, alguns poderiam subdivididos em tomos, devido à extensão, p.ex., “Macedo romancista” e “Macedo biógrafo”:

 

1.      “A Moreninha” – 1844 – edição crítica

  • Íntegra do texto do romance e com anotações das edições críticas anteriores (Tania Serra e J. Galante de Souza)
  • comentários de Affonso Romano de Sant'Anna (na sua ed. “Romances para estudo”)
  • prefácios: Tania Serra, Dutra e Mello, Raquel de Queiroz, Antonio Candido, J. Galante de Souza, Jackson de Figueiredo, Octavio de Faria
  • gravuras de Tarsila, Noêmia, das edições de 1845, 1860 e da ed. Azevedo & Costa

2.      “Macedo romancista” – com todos os romances, menos “A Moreninha”, que merece um volume próprio:

  • O moço loiro – 1845 (prefácio de Cavalcanti Proença)
  • Os dois amores – 1848 (prefácio de Cavalcanti Proença)
  • Rosa – 1849
  • Vicentina – 1853
  • O forasteiro – 1855
  • O culto do dever – 1865
  • A luneta mágica – 1869 (prefácio de Galante de Sousa)
  • O rio do Quarto – 1869
  • Nina – 1869
  • As mulheres de mantilha – 1870 (prefácios de Cavalcanti Proença, Maria Cristina Franco Ferraz e Ana Lúcia Machado de Oliveira)
  • A namoradeira – 1870
  • Um noivo a duas noivas – 1871
  • Os quatro pontos cardeais – 1872
  • A misteriosa – 1872
  • A baronesa de Amor – 1896
  • Amores de um médico – 1933 (póstuma)

3.      “Macedo novelista e contista”

  • Romances da semana – 1861 (prefácio de Flora Süssekind)
  • Mazelas da atualidade: Voragem – 1867
  • As vítimas-algozes – 1869 (prefácios de Flora Süssekind e Rachel Valença; texto de Evaristo de Moraes)
  • Voragem e Panfílio – 1904 (póstumas) (alertando que a autoria destas é discutível; permitirá ao leitor comparar os textos e fazer seu próprio juízo)

4.      “Macedo satírico”

  • A carteira do meu tio – 1855 (prefácios de Leo Schlafman, Leandro Thomaz de Almeida e Fabio Pinto Bortolazzo)
  • Memórias do sobrinho do meu tio – 1868 (prefácio de Flora Süssekind)

5.      “Macedo dramaturgo” – contendo as peças do Teatro Completo, somadas às que foram publicadas na Revista de Teatro SBAT:

  • O cego (Funarte) – 1849
  • Cobé (Funarte) – 1854-5
  • O fantasma branco (Funarte) – 1856
  • O primo da Califórnia (Funarte) – 1858
  • O sacrifício de Isaac (Funarte) – 1859
  • Amor e pátria (Funarte) – 1860
  • Luxo e vaidade (Funarte) – 1860
  • Lusbela (Funarte) – 1863
  • O novo Otelo (Funarte e SBAT) – 1863
  • A torre em concurso (Funarte) – 1863
  • Remissão de pecados (Funarte e SBAT) – 1870
  • O romance de uma velha (Funarte) – 1870
  • Uma pupila rica (SBAT e BN) – 1870
  • Cincinato Quebra-Louças (Funarte) – 1873
  • A Moreninha (SBAT) – 1877
  • Pai Cuco, o feiticeiro (SBAT) – 1879
  • Antonica da Silva (Funarte) – 1880
  • O macaco da vizinha (SBAT) – 1885 (póstuma)
  • menção às peças não localizadas: “Vingança por vingança”, “Os dois mineiros na corte” e “O livro” – ver nosso artigo “Obras perdidas de Joaquim Manuel de Macedo”

6.      “Macedo poeta” – com “A nebulosa” (1857) e outros textos em versos, à exceção de “Cobé”, “O sacrifício de Isaac” e “Voragem”, que estão em seus volumes

7.      “Macedo cronista” (especialmente com as crônicas ainda não publicadas em livro; textos de Michelle Strzoda e Jefferson Cano)

8.      “Macedo carioca”

  • Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro – 1862 (prefácios de Astrojildo Pereira, Wilson Bueno e Hariberto Jordão Filho; notas de Gastão Penalva)
  • Memórias da rua do Ouvidor – 1878 (prefácios de Jamil Almansur Haddad e Cavalcanti Proença)

9.      “Macedo político” – prefácio de José Murilo de Carvalho

  • com os discursos e intervenções que constam nos Anais da Câmara dos Deputados, relacionados na 1ª ed. de “Joaquim Manuel de Macedo ou os dois Macedos”, de Tania Serra
  • Discurso na Assembléia Provincial – 1859
  • Crônica política – 1863
  • Questão Janrard – 1864
  • textos publicados no jornal A Nação
  • texto de Dalmo Barreto: “Macedo panfletário político”, em que propôs a publicação das obras completas, inclusive os discursos parlamentares

10.  “Macedo no IHGB” – concretização da edição da Revista do IHGB consagrada a ele, proposta por Max Fleiuss em 1920, reiterada por Plínio Doyle em 1970, mas que nunca saiu.

  • Hino “O amor da glória” – 1848
  • Relatórios de 1º Secretário – de 1852 a 1856
  • Discursos de Orador – de 1857 a 1869, 1871, 1873 a 1875, 1877 a 1879
  • Discurso de Presidente – 1876
  • Dúvidas sobre alguns pontos da história pátria – 1862
  • outros textos publicados na RIHGB, p.ex., “Parecer da Comissão de História”, 1851
  • material inédito que se encontra no arquivo do IHGB, p.ex., “Memorial sobre os negócios...”, 1868
  • índice onomástico, devido ao grande número de necrológios
  • textos de Max Fleiuss, Plínio Doyle, Nanci Leonzo e outros sobre Macedo no IHGB

11.  “Macedo médico”

  • Considerações sobre a nostalgia – 1844
  • Discurso de formatura – 1844
  • Estudo e parecer sobre o introdutor da vacina no Brasil, em coautoria com Joaquim Norberto – 1859
  •  textos de Berardinelli, Josué Montello, Rodrigo Chagas Brasil, Myriam Lopes e Ronaldo Polito, Moacyr Scliar

12.   “Macedo professor”

  • Lições de história do Brasil – 1861
  • Noções de corografia do Brasil – 1873 (sob o título Lições de corografia do Brasil – 1877)
  • Terceira exposição brasileira – 1873
  • Discursos de inauguração da Escola Municipal e da Biblioteca Popular de Itaboraí – 1874
  • Efemérida histórica do Brasil – 1877 (incluir as efemérides publicadas no jornal e não reunidas em livro)
  • trechos biográficos, p.ex., de Salvador de Mendonça, e trechos de Escragnole Doria, Fernando Segismundo e Vera Lucia Cabana Andrade, sobre ele no colégio D. Pedro II
  • textos de Tania Serra, Antônio Soares Amora, Selma Rinaldi de Mattos

13.   “Macedo biógrafo”

  • Discurso por ocasião do sepultamento de Álvares de Azevedo – 1852
  • Ano biográfico – 1876
  • Suplemento ao Ano biográfico – 1880
  • Mulheres célebres – 1878
  • índice onomástico por José Marcelo Moreira (prefácios de Hélio Vianna e Cybelle Moreira de Ipanema)
  • as biografias feitas nos discursos do IHGB permanecem no volume próprio, mas podem constar também no índice onomástico deste

14.   “Biobibliografia de Macedo” – Tania Serra, Israel Souza Lima, Sacramento Blake, Innocêncio Francisco da Silva, José Antônio Pereira Ribeiro. Iconografia. Menção a outras obras de autoria duvidosa. Ver nossos artigos “Bibliografia sobre Joaquim Manuel de Macedo” e “Obras perdidas de Joaquim Manuel de Macedo”.

15.  “Fortuna crítica” – artigos, trechos de livros e de trabalhos acadêmicos. Só ficariam neste volume em separado as que fazem uma abordagem mais panorâmica da obra do autor. As demais, juntamente com os prefácios, seriam distribuídas com as obras que analisam.

 

Um bom ano para o lançamento – ou conclusão – de uma edição das obras completas seria 2020, a título de comemoração do bicentenário do nascimento.