Ôa! ôa! Molhe-se

    Nada mais que um dia chuvoso. No tempo do inverno isso é normal. Muita chuva o dia inteiro. Sem trégua nem mesmo para o sol, o qual perece nem existir. Com tanta chuva assim, resta pouca coisa a fazer ou, se preferir, muita coisa. Até porque, chuva o tempo todo pode possibilitar muitas coisas. Aquelas de sempre, como: ler, escrever, ver filme, escutar música, rezar... Algo que não pode deixar da falar: dormir. Sim dormir parece ser sinónimo de muita chuva. Mas que tal fazer algo totalmente diferente! Já pensou? Enquanto chove também é bom “molhar”. Claro se isto for para uma boa causa: cuidar de vacas ou de si mesmo!
    No período da chuva as vacas ficam todas molhadas. Mas o curioso mesmo é que elas não procuram um abrigo para se esconder como um grande arbusto para ficarem de baixo. Elas gostam mesmo da chuva! No entanto, pensando bem, elas gostam também do sol. Ficam pastando e andando de um lado ao outro.
    Os bezerros mostram-se incomodados com a chuva. Eles procuram se refugiarem entre o gado maior. Todos se colocam de cabeça baixa esperando a chuva passar. Mas quando a chuva dura o dia inteiro!? O jeito mesmo é se encolherem e andarem bem devagar.
    Em meio a tanto chuva ainda se pode escutar os pássaros cantando. Eles põem no peito o que está sentindo com a chuva e solta ao ar seu sentimento: cantam e cantam. Quem bom! Ouvir cantoria das passaradas enquanto a chuva cai. Isso parece bem deferente de outras peripécias costumeiras.
    Até mesmo se pode ouvir pingos d`água que caiem do telhado. Com tanta chuva, resta mesmo é cuidar de vacas. Ou, querer molhar! Desleitar é muito bom, porém precisa-se de muita paciência. Desleitar, o que é isso mesmo? Depois que a vaca produz sua cria, ela fica com o ubre cheio de sangue com leite e alguma inflamação. Nem sempre o bezerro consegue mamar tudo, pois é um leite muito concentrado, o qual muitas das vezes causa caganeira no bezerro. Às vezes quando vai desleitar a vaca e os peitos dela estão muito cheio, eles racham a saem sangue. Para isso não acontecer é preciso colocar o bezerro para mamar e somente depois desleitar. Não tendo esta alternativa tem que banhar os peitos da vaca com água morna. Neste início de ordenha a vaca que ainda não está acostumada com a peia pode dar coices. Deste modo, laçando-a e amarando-a em um tronco ele fica quieta e permite a desleita, a qual não serve para ser consumida pelos homens, mas cachorro e porco gostam muito.
    Assim que a vaca dar cria, fica muita ciumenta com o bezerro. Qualquer aproximação do seu filhote faz com que ela fica brava. Muge muito. Quando isso acontece se precisa conversar com a vaca com alguns balbucios, como por exemplo: ôa! ôa! Vem! vem! É oportuno que cada vaca tenha um nome, pois na hora de ordenhar é só chamá-la pelo nome que ela fica quieta. Pode ser nomes simples: bananinha, mancinha, boneca, coração, fartura, lagartixa, gruvata, chatinha etc. Para o boi pode chamá-lo de morin, barbante, diamante, trovão, dengoso ou qualquer outro nome de acordo com a cor do próprio boi.
    Esta é uma das formas mais engraçadas para viver quando a chuva está muito forte e não tem previsão de parar: refletir sobre coisas que poucos refletem, ou seja, ter a coragem de trilhar outros caminhos. Molhar com ideias novas! Tudo tem um sentido e um por que, basta desvelá-lo. Por isso pode se perguntar: porque chover um dia inteiro sem parar um só instante? No momento foi oportuno para a produção deste texto! Mas pode significar muito mais, a partir do momento que para tudo rotineiro e reflete sobre coisas que “estão aí”, mas nem sempre são percebidas. Assim sendo, é necessária dizer não somente à vaca: “ôa! ôa!”, mas também falar a si mesmo. Você precisa parar um instante sua vida agitada e deixar se “molhar” pela chuva que não passa: a possibilidade de refletir sobre tudo.

Joacir Soares d’Abadia, padre, filósofo autor de 5 livros