O XADREZ NAS ESCOLAS E O DILEMA DA TENSÃO PSICOPEDAGÓGICA TRIPARTITE[1]

 

Raimunda Maria Santos da Silva

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Resumo: O objetivo deste artigo é analisar comparativamente a interação conflituosa entre linguagem, pensamento e relacionamento e o papel da psicopedagogia como elemento-chave para conciliar esta adversidade e transformar o condicionamento crítico da relação entre os três fatores supracitados em caminho para o desenvolvimento pedagógico. Os instrumentos para esta análise são o jogo de xadrez, a biografia de Robert James Fischer e obras clássicas na área da pedagogia psicológica.

 

Palavras-chave: Tensão psicopedagógica; xadrez; Bobby Fischer.

 

Abstract: The aim of this paper is to comparatively analyze the conflicting interaction between language, thought and relationship and the role of the Psychopedagogy as a key element to reconcile this adversity and transform the critical conditioning of the relationship between the three factors above in the path for the pedagogical development. The instruments for this analysis are the game of chess, the biography of Robert James Fischer and classic works in the area of ​​psychological pedagogy.

 

Keywords: Psychopedagogical stress; chess; Bobby Fischer.

 

Introdução

 

O desenvolvimento cognitivo como base para o desenvolvimento da sociedade tem sido um axioma psicopedagógico donde derivam inúmeras assertivas teóricas e práticas. O cânon histórico que converge para este fator perpassa nomes como Jean Piaget, Lev Semenovitch Vygotsky, Walter Benjamin, Ferdinand Saussurre e, de maneira mais tangencial, por tratar-se de linguagem lúdica com aplicação prática, Edgar Allan Poe, Aldous Huxley e William Shakespeare. Na área da comunicação intrínseca à linguagem destacam-se Claude Shannon e Warren Weaver com a obra que concerne à teoria matemática da comunicação e Norbert Wiener, com o clássico Cibernética e Sociedade, o uso humano de seres humanos.

No entanto, todos estes autores precisam lidar direta ou indiretamente com a tensão clássica entre linguagem, pensamento e relacionamento. Os dois primeiros fatores caminham para a solução de um problema que tem ordem  prática e direta e o último precisa lidar com o entrave natural de uma linha mecanicista, que é a subjetividade envolvente à fragilidade emocional de cada indivíduo.       O objetivo deste artigo é analisar comparativamente a interação conflituosa entre linguagem, pensamento e relacionamento e o papel da psicopedagogia como elemento-chave para conciliar esta adversidade e transformar o condicionamento crítico em caminho para o desenvolvimento pedagógico.

Para ilustrar esta relação dilemática, que protagoniza o escopo deste artigo, foi escolhido como elemento catalisador o enxadrista americano Robert James Fischer, conhecido como Bobby Fischer, o único campeão mundial americano de xadrez, considerado por alguns como o maior enxadrista de todos os tempos, que concentra em si mesmo várias características da supracitada tensão psicopedagógica tripartite. Um outro fator para esta escolha é o próprio jogo de xadrez, que tem sido apresentado como ferramenta para auxílio didático-pedagógico nas escolas do Brasil e de outros lugares do mundo.

A base teórica para o presente trabalho está nas obras, semelhantes no que concerne à formação cognitiva, The language and thought of the child e The moral judgement of the child de Jean Piaget[2] e Though and Language de Lev Semenovitch Vygotsky[3], sendo que estas primeiras abrangem o escopo psicopedagógico. Uma bibliografia auxiliar também será utilizada como instrumentalização para o tema do trabalho através de autores como Lúcia Santaella[4] e o biógrafo Frank Brady[5], que ajudará a contextualizar detalhes do desenvolvimento multifacetado de Bobby Fischer em relação com o problema apontado pelo artigo em voga.

A pesquisa começa com um breve histórico teórico sobre a relação entre pensamento, linguagem e relacionamento, além disso, há uma descrição sobre o jogo de xadrez e a sua aceitação nas escolas do Brasil e do mundo, subsequentemente é introduzido o jogador de xadrez Bobby Fischer, suas declarações, seu relacionamento com os professores e, posteriormente, a sua interação social de maneira geral até a sua morte em 17 de janeiro de 2008. A conclusão do trabalho apresenta os elementos positivos e os negativos do jogo de xadrez, sua inserção na escola e na tensão psicopedagógica tripartite.

 

Breve histórico teórico sobre a relação entre pensamento, linguagem e relacionamento

 

Jean Piaget é considerado um revolucionário quando se trata de estudo da linguagem e do pensamento infantil. “Ele desenvolveu o método clínico para explorar os pensamentos das crianças que, desde então, tem sido vastamente utilizado”[6]. O seu trabalho também merece destaque quando se trata das graduações da cognição no ser humano, no entanto, é no campo dos jogos infantis e das regras que pontuam o ambiente psicológico destas ações recreativas que este autor apresenta de maneira clara o dilema da tensão psicopedagógica tripartite, em The moral judgement of the child, Piaget apresenta de maneira intermitente um conflito que envolve respeito à autoridade e senso de justiça. Neste sentido, sintética é a afirmação de que na análise de muitos casos “o respeito pela autoridade entra em conflito com o senso de justiça. Isto pode ocorrer não apenas porque a criança deseja ser igual às outras, mas também porque em algumas circunstâncias ela deseja estar no mesmo nível dos adultos”. (2001, p.284)

Lúcia Santaella (2007, p.168) analisa um fenômeno passional que se justapõe a este conflito juvenil e nos declara que:

 

No caso de uma pessoa raivosa, o interpretante emocional é usualmente a sensação de alívio que resulta de se descarregar da raiva. É também o prazer intrínseco e gratificação imediata diante da igualdade sentida entre a injúria e a vingança. Mas esse efeito é geralmente contraditório porque há sempre um conflito entre a responsabilidade para providenciar capaz de restabelecer o senso ferido de justiça, de um lado, e a obrigação de controlar a raiva, de outro lado. É por isso que o clímax da raiva é usualmente seguido por emoções confusas, uma estranha mistura de gratificação, vergonha e, por vezes, culpa.

 

            Em um desdobramento deste tópico, Vygotsky descreve a crise da formação do pensamento infantil como “um conflito incessante entre duas formas de pensamento mutuamente antagonistas [o infantil versus o adulto], com uma série de ajustes em cada nível de desenvolvimento sucessivo, até que o pensamento adulto acaba por dominar”[7]. No entanto, Vygotsky tenta ampliar o conceito de Piaget fazendo a intersecção entre o desenvolvimento da criança e a instrução, centralizando sua abordagem na interação destes dois fatores, antes e também na escola[8].

            Fundamental para nosso estudo é a descrição feita por Vygostky do desaparecimento gradual das formas primitivas de pensamento em um adolescente e afirmação que ele faz de que “a adolescência é menos um período de consumação do desenvolvimento do que de transição e crise”[9]. A importância desta asserção se deve ao fato de que Robert James Fischer, o enxadrista que será apresentado em um ponto subsequente deste trabalho, alude através de sua biografia ao já citado espírito de desafio às autoridades, em sua maneira de interagir com as pessoas, tanto na escola, descrevendo agressivamente os professores e colegas, como em sua fase adulta, desafiando de maneira aberta o governo dos Estados Unidos e permanecendo como um refugiado da década de 70 até o fim de sua vida.

 

 

O jogo de xadrez: a sua origem e a sua aceitação nas escolas do Brasil e do mundo

 

            Entre as fontes históricas que descrevem a origem do jogo de xadrez uma palavra que se repete é chaturanga, este nome vem da derivação indiana do jogo e significa “quatro exércitos”.  O chaturanga também passou pelas culturas grega e romana, e que chegou à Europa através da Pérsia em meados do século VI A.D. No início a partida era para quatro pessoas, sendo que cada jogador tinha cinco tipos de peças[10], a partir do século XV a competição adquire a conformação atual, com dois jogadores e regras similares às de hoje[11], se tornando o jogo de xadrez.

            Desde a sua formação, o jogo de xadrez esteve intimamente ligado à guerra, a compleição das peças, o andamento da partida e o golpe final, com a palavra xeque-mate, que quer dizer “morte ao rei”, trazem em si imagens de conflito. Napoleão Bonaparte, um dos maiores estrategistas militares da história, tinha grande simpatia pelo jogo de xadrez, sendo que há registros de jogos praticados por ele[12] e o mesmo chegou a disputar uma partida com o falso autômato[13], conhecido na Europa como O Jogador de Xadrez de Maelzel.[14]

            Desde dezembro de 2006, a Secretaria de Ensino a Distância do Ministério da Educação (SEED/MEC), juntamente com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) tem desenvolvido um projeto que provê meios para o ensino do jogo de xadrez nas escolas brasileiras[15]. Escolas em vários lugares do mundo como França, Rússia, Hungria, Cuba e Alemanha, através do governo de seus respectivos países, também incentivam o jogo de xadrez.[16]

 

O enxadrista americano Robert James Fischer

 

            Robert James Fischer nasceu no Hospital Michael Reese, localizado às margens do Lago Michigan, em Chicago, Illinois. Ele nasceu no dia 9 de março de 1943, exatamente às 2:39 da tarde, war time, e após nove horas de trabalho de parto, Regina Fischer teve o seu primeiro filho. De acordo com a lei do Talmude, a religião de uma criança é determinada pela fé da mãe. Regina  nasceu judia, e embora não fosse praticante da religião, Fischer foi considerado um judeu.[17]

            Regina Fischer não tinha onde morar quando o seu filho nasceu, sendo assim, foi enviada para um abrigo de mães de onde foi expulsa um pouco de tempo depois porque queria abrigar ali também o seu filho mais velho.[18] Os interessados em psicologia pessoal destacam o detalhe de que Fischer nunca conheceu a seu pai.[19]

            Bobby Fischer, como foi posteriormente cognominado, cresceu no Brooklyn, Nova Iorque, e conheceu o jogo de xadrez aos seis anos de idade, tornando-se um jogador competitivo aos oito anos. Fischer venceu tanto os torneios americanos de nível júnior como os campeonatos nacionais deste mesmo país entre 1956 e 1959 e em 1972, durante a Guerra Fria, ele venceu o campeonato mundial de xadrez, frente a um oponente russo, Bóris Spassky mas em 1975 perdeu o título mundial por recusar-se a jogar contra Anatoly Karpov, que se tornou, em decorrência disto, o campeão mundial. Subsequentemente, Fischer se tornou recluso.[20]

            Em 1992, ele ofereceu uma revanche para Spassky e venceu. O match ocorreu na Iugoslávia, o que foi uma violação às sanções das Nações Unidas contra a Iugoslávia. Em decorrência disto, ele fugiu para o Japão, que estava prestes a extraditá-lo para os Estados Unidos quando a Islândia, em 2004, lhe proveu refúgio. Temendo a prisão, Fischer foi para aquele país e renunciou sua cidadania americana.[21] Robert James Fischer morreu em 2008, aos 64 anos.

 

A Vida Escolar de Bobby Fischer

 

            A vida escolar de Fischer foi muito problemática. Ele vivia isolado e invariavelmente separado das outras crianças. No fourth grade, ano equivalente à quinta série do ensino fundamental brasileiro, ele trocou de escola seis vezes, em determinadas ocasiões por não ir bem nos estudos e em outras por não suportar os professores e os colegas de sala ou mesmo por não gostar da localização da escola.[22]

            A sua mãe o ajudava em seus deveres escolares, mas ele dava pouca atenção as tarefas, impaciente para voltar a jogar xadrez, para ele era mais importante estudar a maneira de vencer com a torre e o peão do que aprender a respeito das casas decimais de uma longa divisão ou sobre os três poderes governamentais[23]. Um de seus professores declarara que ele nunca estava atento às aulas, mas sempre estava pensando em xadrez[24], outro professor disse que a coisa que Bobby Fischer mais gostava na escola era do sino que apontava para o fim da aula.[25]

            Ao chegar a adolescência, Fischer sentia que a escola não tinha mais nada a lhe oferecer, ele não via a hora de abandoná-la, mas sabia que era muito novo e não obteria permissão para isso. Então ele começou a se rebelar contra todo o tipo de autoridade[26]. Aos dezesseis anos de idade, Fischer abandonaria a escola para nunca mais voltar, mas isto não resolveria a sua controvérsia psicológica no que concerne ao “respeito pela autoridade”. Esta crise se prolongaria até o fim de sua vida, através de conflitos que envolveriam os dirigentes da FIDE (Federação Internacional de Xadrez), a ONU, os EUA e até mesmo o seu próprio povo, já que, no fim de sua vida, Fischer sendo judeu se comportava como um antissemita.

 

Metodologia

 

Esta pesquisa está classificada nos critérios de pesquisa bibliográfica para o embasamento teórico.

Partindo da pesquisa realizada, os dados foram analisados a partir de leitura crítica e redação dialógica a partir dos autores apresentados.

 

Considerações finais

           

            Bobby Fischer é um dos gênios excêntricos que compuseram o time daqueles que utilizaram o recurso pedagógico, mas muitas vezes controverso, do jogo de xadrez. Algumas histórias dramáticas como esta tecem a trama de outros campeões mundiais como Mikhail Tal, que morreu de falência renal em decorrência de consumo inveterado de álcool, cigarro e morfina, ao 55 anos, José Raul Capablanca que sofreu uma hemorragia cerebral, também aos 55 anos, enquanto estudava um glossário enxadrístico no Clube de Xadrez de Manhattan, em Nova Iorque e Wilhelm Steinitz que morreu em um manicômio, ao 64 anos.

            Muitos são os recursos pedagógicos fornecidos pelo jogo de xadrez, dentre eles são incluídos raciocínio lógico-matemático, concentração e desenvolvimento tático e estratégico. Porém, em muitos casos, como o de Bobby Fischer e outros enxadristas há uma inclinação para a monomania, ou seja, o xadrez se torna um centro obsessivo que absorve o tempo e os relacionamentos e finalmente, alija-se o último vértice da tensão psicopedagógica tripartite. Para Fischer o xadrez era a vida, ele mesmo assim o declarou[27], e assim foi que ele morreu, aos 64 anos de idade, exatamente o número de casas do tabuleiro de xadrez.

 

 

 

 

Referencias bibliográficas

 

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BRADY, Frank. Endgame: the spectacular rise and fall of Bobby Fischer. New York: Crown, 2010.

 

“C3SL - Centro de Computação Científica e Software Livre”. Disponível em: http://www.c3sl.ufpr.br/page/project/id/5,1. Acesso em set. de 2011 .

 

DANIEL, Herbert. Tabuleiro da vida: o xadrez na história. Histórias do xadrez. São Paulo: Ed. Senac, 2003.

 

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KAUFMAN, Burton. The A to Z of the Eisenhower era . Lanham Md.: Scarecrow Press, 2009.

 

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PIAGET, Jean. The language and thought of the child, 3o ed. London & New York: Routledge, 2002).

 

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VYGOTSKY, Lev. Thought and language, 4o ed. Cambridge Mass.: The M.I.T. Pr., 1969.

 

 



[1] Artigo redigido para Conclusão de Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Psicopedagogia – Centro Universitário Adventista de São Paulo- Campus 2, na cidade de Engenheiro Coelho, 2010, sob a orientação da Profa. Dra. Marinalva Imaculada Cuzin.

[2]Lev Vygotsky, Thought and language, 4o ed. (Cambridge  Mass.: The M.I.T. Pr., 1969).

[3]Jean Piaget, The language and thought of the child, 3o ed. (London & New York: Routledge, 2002). Ver também: Jean Piaget, The moral judgment of the child, Repr. (London: Routledge, 2001).

[4]Lucia Santaella, Semiótica aplicada. São Paulo: Thomson, 2007.

[5]Frank Brady, Endgame: the spectacular rise and fall of Bobby Fischer (New York: Crown, 2010). Ver também: Frank Brady, Bobby Fischer: profile of a prodigy. New York: Dover Publications, 1989.

[6]Vygotsky, Thought and language, 12.

[7]Vygotsky, Thought and language, 155.

[8]Ibidem, 206–208.

[9]Ibidem, 141.

[10]H. E. Bird, Chess History and Reminiscences (Cirencester, GL: The Echo Library, 2005), 9 e 42. Ver também: Paulo Giusti, História ilustrada do xadrez (São Paulo: Annablume, 2002), 2.

[11]Herbert Daniel, Tabuleiro da vida: o xadrez na história. Histórias do xadrez (São Paulo: Ed. Senac, 2003), 121.

[12]Ibidem, 34.

[13]Giusti, História ilustrada do xadrez, 32.

[14]Edgar Allan Poe, Maelzel’s Chess-Player (Gloucester, Gl: Dodo Press, 2009).

[15]“C3SL - Centro de Computação Científica e Software Livre”, [s.d.], http://www.c3sl.ufpr.br/page/news/id/1.

[16]Egon C. Klein, Xadrez, a guerra mágica (Canoas, RS: ULBRA, 2003), 110.

[17]Brady, Bobby Fischer, 2.

[18]Brady, Endgame, 8.

[19]Anthony Saidy, La batalla de las ideas en ajedrez (Barcelona: Ediciones Martinez Roca, 1973), 163.

[20]Burton Kaufman, The A to Z of the Eisenhower era (Lanham  Md.: Scarecrow Press, 2009), 91.

[21]Ibidem.

[22]Brady, Endgame, 25.

[23]Ibidem, 27.

[24]Brady, Bobby Fischer, 21.

[25]Ibidem, 22.

[26]Ibidem, 25, 27.

[27]Daniel, Tabuleiro da vida, 60.