O VERBO SE FEZ CARNE E VIMOS A SUA GLÓRIA
Geraldo Barboza de Carvalho
Jesus Cristo é Deus visível num corpo de homem. "Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade". O Deus todo-poderoso, incomensurável, maior que o qual não existe outro, movido por amor de entranhas, por misericórdia sem limite, um dia decidiu rebaixar-se até suas criaturas e fazer-se uma delas, dando ao Filho único um corpo igual ao de qualquer ser humano, para partilhar nosso destino, experimentar no próprio corpo a fragilidade, os limites e fraquezas da condição humana, da carne, até o pecado, pois sem ter pecado, "Deus o fez pecado, maldição, vítima de expiação, bode expiatório", para cancelar a maldição, apagar o pecado do mundo e de cada ser humano, pela fé no sacrifício único e irrepetível de Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus. Este evento inaudito encheu de admiração o apóstolo e evangelista João, quando diz, extasiado : "O Verbo se fez carne e habitou entre nós, vimos a sua glória, glória que o Filho único tem, ab eterno, junto do Pai e Deus Mãe, cheio de graça e verdade" (1). A carne é a fragilidade da condição criatural, "feita do barro, do pó do chão". Fazer-se carne significa assumir a fragilidade criatural, em especial do ser humano. Jesus se fez em tudo igual a nós, pois assumiu nosso corpo de pecado e nele experimentou a kênose da condição humana. "Convinha, de fato, que aquele por quem e para quem todas as coisas existem, querendo levar muitos filhos à glória, levasse à perfeição, por meio de sofrimentos, o Autor da salvação deles. Pois, tanto o Santificador quanto os santificados, todos descendem de um só; razão porque ele não se envergonha de os chamar irmãos, dizendo: Anunciarei teu nome aos meus irmãos. Eis-me aqui com os filhos que Deus me deu. Uma vez que os filhos têm em comum carne e sangue, por isto, também Jesus participa da mesma condição (de fragilidade), para destruir pela morte o senhor da morte, isto é, Satanás; e libertar os que passaram toda a vida em estado de servidão, pelo temor da morte. Ele não veio ocupar-se com anjos, mas com a descendência de Adão e Eva. Convinha, por isto, que se tornasse semelhante aos irmãos em tudo, para ser, em relação a Deus, um sumo sacerdote misericordioso e fiel, pra expiar assim os pecados do povo. Pois, tendo ele mesmo sofrido tentação, é capaz de socorrer os que são tentados" (2).
Mas, que glória há na humilhação do Criador e Senhor do céu e da terra, que, "tendo condição divina, não considerou o ser igual a Deus como algo a que ciosamente se apegar. Mas, esvaziou-se a si mesmo, assumiu a condição de servo, assemelhando-se ao ser humano. E, achando-se em figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte e morte de cruz"? (3). Chocante paradoxo, loucura para o mundo, em que a glória está na aparência do poder, na pompa, no prestígio. Mas, a entrada de Deus no mundo se deu sem ostentação de poder e sem glória. A encarnação do Filho eterno se deu no anonimato de uma humilde casa do insignificante lugarejo de Israel chamado Nazaré, que nem constava dos mapas geográficos da época. Que glória há em nascer entre animais e ser depositado num cocho com sobras de capim, "porque não havia lugar para mãe parir seu filho e o pai colocá-lo num berço decente, porque Jesus veio para o que era seu e os seus não o receberam"? Que glória há em ser carpinteiro até a idade de 30 anos, depois abandonar a família para viver com gente mal afamada, ignorante, sem prestígio social nem poder político: paralíticos, cegos, mudos, surdos, prostitutas, e no fim da vida ser desmoralizado como impostor, sofrer a humilhação suprema: ser preso, zombado, cuspido, flagelado, crucificado? "Multidões ficaram pasmadas à vista dele, tão desfigurado o seu aspecto estava e sua forma não parecia a de um ser humano. Ele não tinha beleza nem esplendor que pudesse atrair o nosso olhar nem formosura que pudesse deleitar-nos. Era desprezado e abandonado pelos homens, homem sujeito à dor, familiarizado com a enfermidade, como uma pessoa de quem todos escondem o rosto; desprezado, não fazíamos caso dele. E, no entanto, eram nossas enfermidades que ele levava sobre si, as nossas dores que ele carregava" (4). Como o discípulo amado pôde ver glória em tanta humilhação e desgraça que se abateu sobre Aquele que é a fonte de toda gratuidade de amor e perdão por nós?
A glória é o brilho da perfeição dos seres. A glória da rosa é o esplêndido colorido de suas pétalas oferecida gratuitamente ao deleite de suas admiradores. Deus é o ser mais perfeito porque é a origem de toda perfeição. É, portanto, o mais resplendente ser. O convertido Agostinho de Hipona, um dia exclamou em êxtase: "Beleza eterna, quão tarde te conheci"! Em que consiste, onde mais resplendece a perfeição, a glória de Deus? A perfeição, a glória de Deus é sua incomensurável bondade, sua ilimitada misericórdia com os seus filhos, até com "os maus e ingratos. Sede misericordiosos, perfeitos como vosso Pai é misericordioso, pois ele faz nascer o sol igualmente sobre
maus e bons e cair a chuva sobre justos e injustos" (5). Onde mais gloriosamente se revelou a misericórdia de Deus? A glória de Deus se revelou primeiro na encarnação do Filho único: "Palavra se fez carne e habita entre nós e nós vimos a sua glória". É algo jamais visto e ouvido o Criador fazer-se criatura, Deus eterno fazer-se efêmero, humano. A generosidade de Deus com os pecadores é algo deveras desconcertante, enaltecedor, glorioso. Os pecadores perceberam isto e foi grande sua alegria. Quando Jesus nasceu em Belém entre animais e foi posto num tosco cocho de capim, "porque não havia lugar pra mãe e filho na hospedaria", os malvistos pastores ficaram felizes e uma multidão de anjos juntou-se a eles e cantou: "Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra às mulheres e homens por ele amados". É motivo de paz e alegria para pecadores condenados pelos rigores da Lei saber-se amados por Deus. Mas, a glória de Deus atingiu o auge na humilhação, na quênose da cruz, onde, desprezado e execrado, o Primogênito dá a vida por amor aos pecadores. Falando da sua morte de cruz, Jesus diz: "quando eu for elevado na cruz, atrairei todos a mim e meu Pai será glorificado". A encarnação ratifica o sacrifício, o dom da vida do Cordeiro de Deus desde antes da criação do mundo, e se consuma na sua entrega livre à morte de cruz, segundo o desígnio do Pai e a força de Deus Mãe. A cruz é a expressão máxima da glória, do amor misericordioso das Pessoas Divinas por nós. Na extrema desgraça está a graça máxima, gloriosa expressão do amor gratuito, misericordioso da Família Divina pelos seres humanos. Nada causa mais admiração, exultação, espanto; nada é mais glorioso que o pequeno fazer-se grande, o rico fazer-se pobre, o santo fazer-se pecador, assumir as culpas dos pecadores, por amor gratuito por eles, pra salvá-los da morte inevitável. Esta é a glória revelada em Jesus Cristo, "glória que o Filho Único tem junto ao Pai e Deus Mãe, cheio de graça e verdade". A gloriosa entrega de Deus por nós existe desde antes da criação do mundo, pois de toda eternidade, Deus não ostenta poder, mas se faz pequeno para ser acessível aos pequenos. Mais do que isto, o Cordeiro de Deus, ab eterno, está imolado e de pé pra salvar da morte seus irmãos. "Nele, o Pai nos escolheu antes da criação do mundo, pra sermos irrepreensíveis e santos diante dele no amor", mediante a fé. A kênosis encarnatória e da cruz constitui o ápice da glória do Verbo, que é da mesma essência da glória do Pai e de Ruah. "Eu e o Pai somos um. Quem me vê, vê o Pai. Faço o que o vejo fazer, falo o que ouvi do meu Pai. Se assim não fosse, eu seria falsa testemunha como vós. Quando o Espírito da Verdade vier, ele vos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido. Ele me glorificará porque receberá do que é meu e vos anunciará. Tudo o que o Pai tem é meu. Por isto, vos disse: Ruah receberá do que é meu e vos anunciará. Ela testemunhará de mim, como eu testemunho do Pai" (6).
Mediante a fé, cada um é chamado é revelar a glória de Deus, levando vida santa, vivendo eticamente. Pois, "alguém pagou alto preço por vosso resgate: Glorificai a Deus em vossos corpos, oferecendo-os como hóstia viva, santa e agradável a Deus: este é vosso culto espiritual" (7); (8).
Esta forma peculiar de Deus manifestar seu poder e sua glória é escândalo para os judeus e loucura pra os gregos, mas pra os que crêem é poder e sabedoria de Deus. "Pois o que é loucura de Deus é mais sábio que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte que os homens. O que é loucura no mundo, Deus o escolheu para confundir os abios; e o que é fraqueza, Deus o escolheu para confundir o que é forte; o que no mundo é vil e desprezado, o que não é, Deus o escolheu para reduzir a nada o que é. A fim de que criatura alguma possa vangloriar-se diante de Deus; mas, quem se gloriar, glorie-se no Senhor: dando a vida pelos irmãos, como deu a sua" (9).

(1)Jo 1,14; (2) Hb 1,10-18; (3) Fl 2,6-8; (4) Is 52,15-53,2-4; (5) Mt 5,43-48; (6) Jo 16,12-15; (7) 1 Cor 6,20; (8) Rm 12,1; (9) 1 Cor 1,23-31.
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