O VENDEDOR
Publicado em 29 de maio de 2009 por Romano Dazzi
O VENDEDOR
de Romano Dazzi
Foi rápido: um infarto fulminante, que não deu tempo de fazer nada. Ainda bem.
José apresentou-se na porta do céu e aguardou o chamado com a senha na mão. Logo teve que encarar um velho ranzinza, que folheava o livro da vida.
Conforme ia lendo, o velho ficava mais e mais aborrecido.
Por fim, sentenciou:- “Para o Inferno, já!”
José era muito bom de conversa; tinha passado a vida vendendo coleções de livros, planos de saúde, seguros de carros, enfim, era calejado no trato de produtos difíceis.
Reclamou logo e não arredou pé, nem quando uma tropa de choque de anjos procurou levá-lo daí.
- “Inferno, por quê?” - gritava ele desesperado, mas espiando, com o rabo dos olhos a reação da pequena platéia que se formara.
- “Porque você é um pecador da pior espécie, um herege, um apóstata, um excomungado!!!” bradava o velho ranzinza, mais ranzinza que nunca.
Mas o que está escrito nesse livro, afinal?
Enquanto brigava, José tentava pôr ordem em seus pensamentos e principalmente, analisar o que teria feito de tão errado ao longo da vida.
Lembrou-se que uma vez, por aposta, tinha conseguido vender um lote de geladeiras a uma tribo de esquimós , no Alaska.
Mas fora puro truque de venda: mostrara que era mais fácil tirar as garrafas de cerveja da geladeira, do que abrir um buraco no lago gelado, amarrar as garrafas e tirá-las duas horas depois, uma a uma,
Vender geladeira a esquimó era imoral; uma infração, mas não um pecado mortal
Para ele, entretanto, tinha sido uma ação comercial perfeitamente honesta.
Menos honesta fora a venda de um carro velho, com motor fundido, a um coitado que andava com dinheiro demais. Foi uma maldade.
Depois do pagamento, o carro andou um quilômetro e parou, morto,.definitivamente; com o que gastou no conserto, o comprador teria comprado um carro novo.
E houve também o lote de escovas de dentes com cerdas de porco selvagem.
Não tinham nada de porco, nem de selvagem.
Eram de plástico e desmanchavam com uma semana de uso. Quanta embromação....
Mas os culpados eram os clientes, dispostos a comprar de tudo.
E quanto mais caro, mais interessados. O barato só atrai pobres...
Mas nenhuma dessas ações fora um grande, um imenso, um imperdoável pecado.
Senhor, ehm,.... eminência, digo... santidade.... eu não acho que tenha feito nada para merecer o inferno. Dê uma olhada melhor no meu curriculum, por favor....
Como se atreve, infiel mentiroso ! – bradava o velhinho.
Está aqui: durante a sua longa vida, você teve quatro empregos; e sessenta esposas!!! Sessenta !!! Você cometeu o maior dos pecados!:
José suspirou, aliviado, ao perceber a razão de tanta zanga; e falou com toda a calma: -“Erro de classificação contábil, meu Senhor: foram sessenta empregos e quatro esposas!....E veja: a primeira fugiu com meu primo; a segunda, com um policial; a terceira foi tentar a sorte na América e nunca mais voltou; e a quarta é esta, que está - digo, estava – comigo até agora.
“I-na-cre-di-tá-vel !!” exclamou o velhinho que não prestava a menor atenção ao José; “é a primeira vez em quatro milhões de anos, que uma coisa dessas acontece!
Aceite nossas sinceras e humildes desculpas, caro José; em virtude deste contratempo, em lugar de ir a pé para a sua nuvem – que demoraria uns três meses – já encomendei o Bentley do patrão; assim você chega lá em perfeito estilo....e bem mais rápido.
Quando o carrão chegou, José deu uma volta ao redor dele e sem precisar pensar duas vezes, perguntou:- ” Vende?”