O velho caminhava trôpego. Cabeça baixa, olhos apertados pelo Sol fustigante. À frente um prédio branco. Fórum. Em sua mão dois papeis: pedido de revisão de aposentadoria; laudo médico. Câncer, metástase. Nada mais importava. Só mais alguns passos.

 

No pequeno cubículo reservado ao público, apoiou-se na bancada de fórmica. Esperou. Alguns minutos passaram. Na sua mente, transcorreram dias. Ou melhor, anos. Desde que aquela tortura começara. Só desejava aumentar sua aposentadoria. A doença estava com fome, pedia mais dinheiro. Em troca ofertava-lhe mais algum tempo. O dinheiro acabou. O tempo também.

 

No fundo do cartório alguns funcionários riam. Em sua mente isso soava como deboche. Esperaria um pouco mais. Passos arrastados se aproximaram. Um funcionário passou pelo velho como se este já estivesse morto. Pousou uma folha sobre a máquina copiadora e saiu rancoroso com o irmão gêmeo do documento, retornando para sua letargia em uma mesa empoeirada no canto de sua sala.

 

O velho persistiu. Outras vezes tinha sido ignorado. Desta vez não. Afinal, era sua última. Mais alguns instantes. Outras incontáveis eternidades. Não esperaria mais. Resignado pela derrota, virou-se e caminhou até a saída. Seus dedos sem sensibilidade tocaram a maçaneta no mesmo instante em que seus ouvidos captaram um chamado. Uma Senhora. Voz doce. Marcas no rosto. Voltou-se para o balcão.

 

Sua mão transmitiu para ela os dois documentos. Ela fitou robótica o primeiro. Ela enxergou, humana, o segundo. A Senhora levantou o olhar. O velho endireitou dolorosamente a postura. Não desejava piedade. Queria somente o que era seu.

 

Minutos mais tarde, retornou ela com o olhar distante. Procurava algo. Desejava evitar o velho.

 

– Sinto muito! Seu pedido foi julgado improcedente. – Esticou a mão e devolveu os dois papeis.

 

O velho retirou os papeis da Senhora, segurou firme sua mão. Todas as profundas marcas em seus dedos eram sentidas por ela. Resistiu por alguns instantes, mas, ao final, seus olhos foram tragados para o olhar dele.

 

– Obrigado! – Disse o velho. Olhos ardendo com as lágrimas que teimavam não sair. Tentou engolir a saliva três vezes. Não conseguiu.

 

– Mas... senhor, seu pedido foi negado.

 

– Minha jovem, vivi bastante para saber o significado de improcedência. Não agradeço porque perdi o processo. Tampouco estou feliz por isso. Agora não faz mais diferença. Agradeço porque hoje alguém olhou para mim. Hoje sou uma pessoa. Vim aqui dezenas de vezes, em todas eu era apenas papel e como tal fui deixado em um lugar mofado desse lugar estéril. Hoje não. Desta vez, eu fui mais. Fui um rosto. Fui alguém. A resposta me foi dada e eu a aceito. Ao menos, essa resposta foi concedida a um homem, não a uma pilha de celulose que, mais tarde, será reciclada. Obrigado.

 

Saiu. Passos penosamente lentos. Cabeça erguida. Olhos mareados. Orgulho restaurado. Os dois papeis que repousavam em sua mão não interessavam mais. Deixou-os no lixo. Nunca mais pisou no Fórum.

 

No balcão, a Senhora permaneceu uns instantes. O velho se foi. A sensação áspera da mão deste e o nó em sua garganta permaneceram.

 

O processo do velho foi arquivado. Manteve-se por um tempo em uma caixa como tantos outros. Após a hibernação na reclusão, foi triturado e misturado com tantas outras vidas. Ajudou a formar novos processos. As decisões nele contidas presenciaram incontáveis destinos.

 

A Senhora permaneceu. Assim como o rosto do velho em sua memória. Mas ele não viajava sozinho em sua mente. Todos os dias era apresentado a vários outros que ansiavam apenas uma resposta. Agora, para ela, todos os processos tinham faces. E as faces respondiam agradecidas ao seu olhar atencioso.