Você certamente se surpreenderá com este texto: "É questão emblemática, no iniciar do novo milênio, ressignificarmos a educação municipal, redimensionando o atual paradigma educacional, buscando uma construção coletiva de ações para oportunizar a gestão democrática, efetivamente, não permitindo que fatores dicotômicos (sempre presentes em nosso cotidiano enquanto educadores e educadoras) venham a obstaculizar nossas culminâncias de metas.

Cabe aqui otimizar as relações interpessoais dentro da unidade de ensino no sentido de legitimar o que sempre relatamos em nossa falação: a participação comunitária. Para isso, a gente tem que promover a realização mesma de uma sondagem a nível de diagnose do entorno escolar, no sentido de elencar problemáticas inerentes aos segmentos mesmos que participam da comunidade escolar."

E o texto poderia seguir por aí adiante.

O que importa é que você, leitor, acaba de digerir um prato lingüístico de sabor muito (mas muito, mesmo!) indigesto, pois, além do preciosismo no uso das palavras, há a obscuridade da mensagem transmitida e ainda o exagero dos neologismos (palavras inventadas). Isso para não mencionar ─ já mencionando ─ o vazio de idéias, a banalidade expressa num linguajar visivelmente mascarador do despreparo retórico e de conteúdo por parte do autor do texto em questão, que, na verdade, é apenas ilustrativo e, portanto, hipotético.

O vocábulo 'erudicional' faz parte do jogo da ironia, só isso. Para de fato ser original, é bom não se deixar levar pela catastrófica mania pelos modismos, sejam eles falados ou escritos. E para ser compreendido claramente, não use de rebuscamentos ocos, vazios de sentido. "Explique, não complique." Neste caso, o chavão éválido e eficaz.

Exponha seu pensamento de forma simples, com clareza, com objetividade. Seja coerente e coeso no que diz. Não é tão difícil assim. Sobretudo, senão tiver nada significativo a dizer, deixe para outro momento. Assim, você não se arriscará a cair na redundância, treexplicando o que já foi reexplicado.

O vazio 'erudicional' II ou Para sair-se bem numa reunião do tipo 'xaropada'

Numa reunião da-que-las, para que todos prestem atenção no que você diz, faça uso de palavras, expressões e frases de efeito, seja para impressionar, seja por medida de economia de palavras e tempo, seja para ser original, enfim, caso deseje produzir um inchaço na bolsa escrotal dos que lhe ouvem, existindo tal bolsa de fato, no caso de ouvintes do sexo masculino, ou existindo apenas retoricamente, no caso de ouvintes do sexo feminino.

As estratégias para sair-se bem como na situação já supracitada são muitas e das mais variadas. Apresentaremos aqui as nossas sugestões. Então, delicie-se com a receita abaixo;

1.Comece chegando atrasado e dê uma desculpa furada.

2.Ganhe tempo se apresentando: nome, endereço, currículo, time predileto, nome dos pais, corrente filosófico-política da qual é adepto, religião, etc. Em seguida, faça uma análise concisa (de pelo menos umas 2h) do contexto socioeconômico, político, histórico, cultural, etc., enfim, fale das causas primeiras e dos efeitos últimos relacionados à área da educação. Nesse momento, olhe fixamente nos olhos de seus ouvintes-discípulos e extasie-se com seu olhar de contentamento. Estufe o peito e sinta-se orgulhoso (a).

3.Use/abuse das seguintes frases/expressões (que são consideradas hoje frases-feitas, clichês, chavões... enfim, cacoetes hiperinteressantíssimos) para obter o efeito desejado de empatia com os interlocutores, que decerto adorarão ouvi-lo (a):

...legitimar/legitimação/legitimização(!)...

...(des)obstaculizar/(des)obstaculização/(des)obstaculizando...

...novo paradigma educacional...

...olhar interno...

...questão emblemática...

...totalidades do conhecimento...

...ressignificar/ressignificação/ressignificando...

...redimensionar/redimensionando/redimensionamento...

...redimensionando o dimensionamento das dimensões...

...entorno escolar...

...construção coletiva...

...coletivo dos agentes transformadores...

Nossa falação enquanto agentes transformadores...

...oportunizar/oportunização...

...radicalizar/radicalização...

...normatizar/normatização...

...problematizar/problematização...

....dicotomizar/dicotômico/dicotomizante...

...salas-ambientes...

...descentralização do poder/da gestão...

...elenco de problemáticas...

...construir nossa autonomia...

Ora, alguém, em se utilizando tão eruditíssimo (para não dizer exótico, extravagante, esdrúxulo) repertório de palavras, provavelmente já traçou que finalidades teria sua "falação". Levantemos algumas delas:

a)Para impressionar seus OUVINTES

b)Para economizar palavras e tempo

c)Para bancar o erudito-e-meio (mais meio do que erudito)

d)Para enfim demonstrar ser um(a) babaca "praticante e juramentado(a)", que não sai dos "entretantos" e, portanto, nunca chega aos "finalmentes", como diria Odorico Paraguaçu, personagem de Dias Gomes que se usava tanto de neologismos exóticos que, em dados momentos, parecia falar um dialeto qualquer mesclado ao nosso idioma.

Mas, para não obstaculizar o olhar interno de meu ilustre leitor com minha falação enquanto agente transformador da ressignificação do coletivo legitimando o discurso mesmo de velhos paradigmas que causam um errôneo redimensionamento emblemático das problemáticas dicotomizantes da construção das totalidades do conhecimento epistemológico e holístico, precisamos oportunizar a construção coletiva mesma de nossa autonomia...

Que bobagem! Deus me acuda! Até eu? Acho que isso é contagioso...