INTRODUTÓRIA

Seja como for, nenhum nome

é dado ao acaso.

Cada nome é uma mensagem

[César Cumbe[1]]

 

O valor cultural e simbólico dos nomes próprios e tradicionais de pessoas e apelidos em Moçambique e o seu contributo na educação, através do currículo local, assim como na preservação do património cultural e material constitui o foco da presente dissertação. Dentro deste tema, dedicamos especial atenção à reflexão em torno dos nomes próprios e tradicionais de pessoas e apelidos em Moçambique. No trabalho, não se aborda a categoria nome na perspectiva gramatical e nem da linguística de ‟gabinete”, porém na linguística do terreno ou aplicada, Sociolinguística associada à etnolinguística[2] e antropologia da linguagem. Com efeito, direccionamos este estudo à onomástica, uma vez que abordamos o nome e o uso de apelidos associado/relacionado à cultura e valores da sociedade moçambicana, procurando ver a sua etimologia, a essência da sua atribuição às pessoas e a sua valorização na educação a partir do currículo local. Aliás, se para BERNARDI (2007:38) os valores culturais são elementos existentes numa cultura e que contribuem para a sua unidade, para a sua integridade e constituem um bem e, que devem ser valorizados, então apresentamos nesta dissertação um elemento (nome tradicional dado à moda africana), um bem cultural que merece ser conservado para, de facto, contribuir para o enriquecimento da ciência africana. BERNARDI op cit. (p.38), alerta ainda que qualquer elemento constitutivo da cultura se transforma num valor. Também, partimos para esta abordagem com os pressupostos defendidos por BERNARDI op cit. (2007:39), de que o sentimento de identidade com uma determinada cultura, a certeza de pertencer às suas instituições sociais, dá-nos consciência dos valores culturais como um património que, embora enriqueça pelos benefícios que comporta, força à sua manutenção e à sua renovação e de que a relatividade dos valores culturais é uma conclusão de profunda importância para a antropologia da linguagem que se propõe avaliar os valores da cultura humana em todas as suas manifestações e têm por fim fazê-los conhecer e conservar.

Outrossim, o nome que aqui estudamos não é o que JULIASSE THOMO (2011) estudou na sua dissertação, ligado à história, à política etc.; o nome que CUMBE (2010) estudou, o dos cães e muito menos tratamos o nome numa perspectiva da linguística estrutural. Porém, o nome que às vezes sobrevive até a idade jovem ou adolescente e depois é normalmente substituído pelo nome do registo ou ‟oficial”. No mesmo diapasão, falámos dos apelidos, onde verificamos a sua dimensão na configuração social e nos contextos em que eles são usados em detrimento dos nomes tradicionais. Também, dos tais nomes, reflectimos sobre o valor simbólico (espiritual), cultural e o uso destes na comunidade de Mexixine - Zambézia e Marara em Tete.

Portanto, prestamos atenção, neste tipo de nomes e apelidos, ao aspectos extra-linguísticos que estes itens lexicais transportam na sociedade, visto que a comunidade atribui nome às pessoas consciente desse aspecto. Por exemplo, em Marara nasce uma criança e a família decide atribuí-la o nome de Mpeni. Em termos morfológicos, a palavra Mpeni é forma verbal do verbo matar em cinyungue, no modo imperativo. Neste caso e, à luz da semântica e intenção do imperativo, o nome Mpeni corresponde a ‟matem”! Portanto, é uma ordem dada a receptores, obrigando-os a matar o recém-nascido. Entretanto, nesta situação, não é verdade que os pais queiram que a criança passe por tal tragédia. Porém, atribuem este nome de forma irónica, com intuito de proteger a criança dos malfeitores, os tais que matam. Com base nisso, podemos dizer que o nome em Moçambique, para além de ser uma identidade, é revelador de sentimentos ligados às vicissitudes da vida e cenas do dia-a-dia e a atribuição é consciente e intencional.

Outro facto não menos importante e, que merece realce é de que, neste trabalho, o termo tradicional não se aborda numa perspectiva pejorativa, ou melhor, não abordamos o nome tradicional como sendo aquele coroado de males, que não serve e outros adjectivos negativos. Porém, vemos como tradicional, neste trabalho, na visão de MARTINS (2005). Pois, op cit. (2005:14) considera algo tradicional como causas da permanência e repetição de elementos identificadores e particulares nas práticas de uma comunidade ou popular. Também, concebemos o termo tradicional, na perspectiva de MARTINS op cit. (p.14), como elemento específico da originalidade de factos culturais, pode ser oral - transmitida de boca em boca, ou ainda de forma mais primitiva, por imitação. Com base nesta visão, abordamos a expressão nome tradicional, referindo-nos aos nomes que traduzem a originalidade e peculiaridade de uma comunidade, neste caso, aos nomes dados às pessoas em Mixixine e Marara. Aliás, para o mesmo autor, a função da tradição é tornar social a experiência individual por intermédio do homem que tem o poder de ligar o passado ao presente por meio da linguagem.