Eduardo Veronese da Silva

Durante aproximadamente três décadas, o povo brasileiro conviveu com a Lei 6.368/76, denominada Lei de Tóxicos ou Entorpecentes. Vale lembrar, que esse diploma penal era revestido de grande rigor quanto sua aplicação. Rigor este influenciado pelo ordenamento jurídico norte-americano. Seu texto continha pouca flexibilidade em relação ao usuário de drogas, tratando-o de forma similar a pessoa do traficante, isto é, classificando ambos como criminosos.
É imperioso acentuar, que no ordenamento jurídico brasileiro, para que alguém seja responsabilizado penalmente por um ato tipificado como transgressão, são necessárias três condições básicas: Ter praticado o delito; Na época do fato, ter o entendimento do caráter criminoso de sua ação e Ter tido a liberdade para escolher entre praticar ou não o ato delituoso.
O doutrinador Fernando Capez, apresentou quatro causas de exclusão dessa responsabilidade penal: a) doença mental; b) desenvolvimento mental incompleto; c) desenvolvimento mental retardado e, d) embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior.
Sobre a matéria em comento, Rogério Greco escreveu que: "para que determinado resultado possa ser atribuído ao agente é preciso que a sua conduta tenha sido dolosa (com intenção de produzir o resultado) ou culposa (sem intenção de produzir o resultado). Se não houve dolo ou culpa, é sinal de que não houve conduta; se não houve conduta, não se pode falar em fato típico; e não existindo o fato típico, como consequência lógica, não haverá crime".
Diante de algumas divergências e erros jurídicos apresentados na legislação de entorpecentes em vigor (Lei 6.368/76), houve uma primeira tentativa de corrigi-los com a elaboração da Lei nº 10.409/02, apresentando significativa distinção entre a pessoa do usuário e do traficante de drogas. Esse novo diploma penal pretendia substituir integralmente a Lei nº 6.368/76. No entanto, foi vetado quase em sua totalidade pelo Presidente da República, antes mesmo de entrar em vigor.
Assim, em agosto de 2006, entrou em vigor a Lei Federal nº. 11.343/06, a nova lei de drogas no Brasil. Desta forma, revogou-se ambas as legislações anteriores (6.368/76 e 10.409/02). A Lei nº 11.343/2006 trouxe inovações importantes sobre as figuras típicas do usuário e do traficante de drogas. Quanto ao primeiro, prescreve em seu art. 28:

Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, será submetido às seguintes penas:
I ? advertência sobre os efeitos das drogas;
II ? prestação de serviços à comunidade;
III ? medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Samuel Miranda Arruda assinala que: "A norma contida no art. 28 substituiu o art. 16 da Lei nº 6.368/76, como a principal descrição típica relacionada ao uso indevido de drogas. Aqui houve expressiva e importante alteração, [...], que passou a albergar outras condutas que se relacionam ao consumo de drogas. [...], de há muito se reclamava uma reformulação legislativa que alterasse o tratamento penal voltado [...] aos usuários".
Sergio Luiz Queiroz Sampaio registra que: "A nova legislação pretende que o porte de drogas para uso pessoal sequer passe pela polícia [...], procurando tratar os usuários e os dependentes como vítimas, não como criminosos".
Nota-se, dos argumentos apresentados pelos nobres doutrinadores, que o usuário de drogas não deve carregar mais a pecha de criminoso, amoldando-se a uma pessoa doente que precisa de tratamento. Portanto, não está sujeito a pena privativa de liberdade (Reclusão ou Detenção), mas, sim, as penas restritivas de direitos (medidas socioeducativas ou voltadas para o tratamento e reabilitação).
Quanto à pessoa do traficante, a nova lei de entorpecentes tornou-se mais severa, conforme o dispositivo do art. 33:

Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Pena: Reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (hum mil e quinhentos) dias-multa.

Esse artigo substituiu o art. 12, da Lei 6.368/76, aumentando consideravelmente a pena aplicada ao agenciador da droga.
Desta forma, parabenizam-se nossos legisladores pátrios, que atuaram de forma acertada quanto à elaboração dessa nova lei, tratando o usuário/dependente de drogas como um doente que precisa de tratamento (ambulatorial ou em regime de internação) e não ser jogado no cárcere. Vale lembrar que a Convenção de Viena de 1971, já defendia que o problema alusivo ao uso de drogas psicotrópicas (ou psicoativas) diz respeito à saúde pública e não a esfera policial.
Quanto à pessoa do traficante, ele foi enquadrado como um criminoso de alta periculosidade, tendo em vista que passa auferir grande lucratividade com a atividade ilícita, ultrapassando qualquer obstáculo para conseguir comercializar sua mercadoria, inclusive, sendo um dos responsáveis pelo número elevado de homicídios que são praticados na atualidade (guerra urbana pela disputa e controle de bocas de fumo).
Conclui-se, portanto, pela urgência e necessidade por parte de nossas autoridades constituídas, promoverem políticas públicas para o enfrentamento desse grande problema social, jurídico e de saúde pública. Estima-se que para a obtenção de resultados eficazes e eficientes frente ao combate desse câncer social (uso e comercialização de drogas), devem ser planejadas ações coordenadas e de forma integralizada com todos os organismos e instituições sociais, procurando envolver toda a sociedade, haja vista que a segurança pública (saúde pública, educação etc.) é um dever do Estado, mas a responsabilidade é de todos nós (art. 144, da Constituição Federal).

EDUARDO VERONESE DA SILVA
Licenciatura em Educação Física ? UFES
Bacharel em Direito ? FABAVI/ES
Especialista em Direito Militar ? UCB/RJ
Subtenente da PMES
Email. [email protected]