Palavras-chaves: Literatura ? poesia ? o texto ? ser humano ? universo

Muitos tentam estudá-la, descrevê-la, e sempre se questionam: O que é Literatura? Alguns dão respostas vagas ao falarem que é a arte que usa a linguagem fora do cotidiano. Mas, será que ela é somente isso, códigos, leitores, linguagens sem "sentido"?
Sem ao menos saber o que é Literatura surgem os críticos literários, que assim se definem. E eu aqui fico a questionar-me: será que a literatura é tão pouco ao ponto de ser estudada à luz de um formalismo, de um estruturalismo, ou de uma hermenêutica? Talvez ainda não descobrimos o seu valor. Não nos encontramos dentro do mundo literário, talvez porque ainda não quebramos os limites da nossa própria visão, como diz Frei Betto, "onde estão as fronteiras senão nos limites da nossa própria visão".
Na Literatura, a poesia e o poema encontram seu lugar, não num lugar permanente, pois deseja também ser mundo habitando outros mundos. E o que é o poema? A poesia? Alguns, como os formalistas dizem que é apenas forma, sem idéia. Por outro lado, Octávio Paz nos diz:

A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. A poesia revela este mundo, cria outro. (...)
O poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal.


Percebemos que cada poema traz um mundo dentro de si, a poesia. E este universo não pode ser fragmentado em códigos, leitores, signo, estrutura, forma.
A literatura, portanto, é um universo em que é difícil conceituá-la, defini-la. Mas, sobretudo é fácil de sentir quando desenvolvemos a capacidade de enxergar o mundo de outra forma. Aqui não cabe uma explicação da teoria literária, ou crítica literária. O texto literário não é tão pobre para ser estudado, definido como cientistas em um laboratório. Assim, afirma Terry Eagleton:

A crítica literária é como um laboratório no qual parte do pessoal esta sentado com aventais brancos em painéis de controle, ao passo que outros jogam palitinhos ou moedas para o alto.


A Literatura não é para ser descrita, definida, mas, sobretudo sentida. Assim, como sentimos a água que cai sobre nós na hora do banho, ou na chuva; como sentimos a areia tocar os nossos pés, o vento acarinhar o nosso rosto, como sentimos uma palavra machucar o nosso peito transcorrer a alma e chegar à nossa consciência.
A Literatura é um mundo tão simples e ao mesmo tempo tão complexo. E espanta-me saber que há algumas correntes que a definem tão facilmente, vejamos:
O formalismo russo acredita que o texto deve ser analisado como uma "máquina", estudando as estruturas que a forma. O texto para eles era feito de palavras, de meras palavras, não de objetos ou sentimos, sendo um erro considerá-lo como a expressão do pensamento do autor.
Realmente o texto não é uma expressão do pensamento do autor, ele vai muito mais além. Como diz Octávio Paz:


A palavra poética é a revelação de nossa condição original porque por ela o homem, na realidade, se nomeia outro, e assim ele é ao mesmo tempo este e aquele, ele mesmo e o outro.

A Literatura não é a expressão fiel do pensamento do homem, pois este evolui, muda, se transforma e acaba se esvaziando de forma a mostrar outros eus, outros mundos. Pois a linguagem que eu uso não é minha "veio atravessando este mundo e passou por dentro de mim".
Há ainda quem separa o conteúdo real da história e se concentra totalmente na forma, isso quem faz é o estruturalismo. Isso significa que os personagens podem mudar, e as estruturas vão continuar sempre as mesmas. O ato de escrever não é somente forma, como diz Octávio Paz: "ato de escrever, encerra um desligar do mundo, algo como lançar-se no vazio".
A fenomenologia, por sua vez, visa uma leitura totalmente "imanente" do texto, absolutamente imune a qualquer coisa fora dele. O próprio texto é reduzido a uma pura materialização da consciência do autor; deve-se levar em consideração tão somente aos aspectos de sua consciência que se manifestam na obra.
O significado é na realidade produzido pela linguagem e não como a fenomenologia descreve. Só podemos ter os significados e as experiências porque temos uma linguagem na qual eles se processam. Octávio Paz já nos alertava:

A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são nossa única realidade ou, pelo menos, o único testemunho de nossa realidade.


A Literatura então é feita por linguagem, seja ela oral ou não, pois até o silêncio fala. Até o contemplar de uma flor, de uma imagem é linguagem, é literatura, é poesia. Cecília no capítulo Compensação vem nos alertar para isso, ao esvaziar-se dizendo:

Hoje eu queria apenas ver uma flor abrir-se, desmanchar-se, ver sua existência autêntica, integral, do nascimento à morte, muito breve, sem abelhas de permeio. Uma existência total, no seu mistério (sem me preocupar com o antes ou o depois da flor).

Para a hermenêutica o texto está preso ao tempo histórico. Assim, uma obra literária pode significar uma coisa na segunda e outra na sexta. O texto para a hermenêutica pode ter múltiplas interpretações, mas dentro do sentido que o autor permitir. O texto não deve ser visto à luz da hermenêutica, pois ele não é para ter significações, meras interpretações, ele é para ser, ser e revelar.
A teoria da recepção é uma manifestação da hermenêutica, porém não se concentra em obras do passado, mas estende uma preocupação com o autor, uma exclusiva com o texto e uma acentuada transferência da atenção para o leitor.
O leitor, para a teoria da recepção, concretiza a obra literária, que em si mesma não passa de uma cadeia de marcas negras organizadas numa página. Essa idéia, porém, não procede, pois a leitura não é um movimento linear progressivo, uma questão meramente cumulativa. Lemos simultaneamente para trás e para frente, prevendo e recordando. Lemos vidas, não somente palavras, mas se lemos palavras, lemos as próprias vidas que não são lineares, nem imutáveis.
Parece que as correntes que mais se aproximam do que é o texto é o Pós-estruturalismo e a Psicanálise.
O Pós-estruturalismo nos diz que: "não apreendemos o sentido de uma frase apenas amontoando mecanicamente uma palavra sobre outra. O texto para eles é um jogo irredutivelmente pluralístico, interminável, de significantes que jamais podem ser finalmente apreendidos em torno de um único centro, uma essência ou significações únicas". A linguagem, o texto é o esvaziamento do próprio eu, a revelação do meu eu e da minha outridade. Como confirma Cecília Meireles:

A revelação de nossa condição é igualmente criação de nós mesmos. Como já se viu, essa revelação pode se dar de muitas formas, inclusive não recebendo formulação verbal alguma. Mas envolve ainda uma criação daquilo que revela: o homem.


A Psicanálise bem semelhante ao Pós-estruturalismo, ou melhor, não digo semelhante, mas que se completam. Ela diz que a linguagem é aquilo que esvazia o ser no desejo, esvaziar-se por meio da linguagem. Isso é literatura.
Se ficarmos aqui discutindo o que é Literatura, talvez não cheguemos a senti-la e nem a defini-la, se é que podemos chegar a uma definição à sua altura! Umberto Eco vem confirmar essa idéia ao pronunciar que:

...é correto dizer que os estudiosos da literatura não deveriam se dar ao trabalho de tentar compreender como a literatura funciona, mas deveriam apenas desfrutá-la ou tê-la com a esperança de encontrar um livcro que mude sua vida. (p.142)


Acredito que a verdadeira literatura é o texto em suas múltiplas revelações, quando falo texto não quero dizer somente o texto escrito, mas o texto que somos nós. Eu, você, o ser humano, o universo, todos somos literatura. Como diz Frei Betto:

Ninguém é apenas a pessoa que vemos. É muito mais: um ser que carrega uma história de vida e traz em sua subjetividade marcas, sentimentos e emoções, conhecimentos e anseios, que o fazem transcender qualquer juízo que dele possamos fazer.


Formamo-nos pela linguagem e esta acaba por transformar o nosso eu, o nosso ser. A vida que é literatura é feita de momentos, de muitos momentos. Alguns alegres, felizes, parece estarmos flutuando de tanta leveza e felicidade.
Há alguns momentos em que uma força vulcânica toma conta do nosso ser, e como a larva que sai do vulcão, as lágrimas brotam dos meus olhos e caem. Esses são os momentos mais tristes, atormentador, angustiante, doloroso, perturbante... que podemos quem sabe um dia enfrentar.
Tudo que disse foi insuficiente para exprimir realmente o que sinto, pois as palavras não conseguem alcançar a imensidão do meu ser, mas talvez o sangue que corre em minhas veias conseguisse dizer alguma coisa. Essa pulsação que sinto dentro de mim é a própria poesia querendo sair, e espalhar-se por outros espaços, contagiar outros mundos, revelar o universo e seus enigmas.
Perceba que o jovem Werther também na sua intimidade diz que as palavras não revelam tudo:

... então, meu amigo, é quando o meu olhar escurece, e o mundo em redor e o céu infinito repousam em minha alma como a imagem da mulher amada. Então, freqüentemente suspiro e digo a mim mesmo: Ah, se você pudesse exprimir tudo isso! Se pudesse passar para o papel o que palpita de você como tanto calor e plenitude, de modo que essa obra se tornasse o espelho de sua alma, como sua alma é o espelho de Deus! (p.15)


As palavras podem até revelar mundos, mas não em sua totalidade, a maior poesia somos nós, eu e você, o universo. E agora, eu que sou poesia sinto-me desfalecida por não conseguir exprimir tudo que quero.
Sei que a idade para ser feliz é o agora, é o presente; que é no presente que é possível sonhar, recriar a vida, não desistir e ir à luta. Mas é difícil viver inteiramente desfrutando o presente, pois vivo agora no passado lembrando o momento que passou e desesperado com o futuro que pode vir, e assim acabo por não viver o presente.
Realmente, vivo igualmente à medusa esperando pelo tempo. O tempo que possa devolver aos meus olhos o brilho da alegria, ao meu rosto um semblante de esperança e aos meus lábios o sorriso da vitória.
Quando falo em vitória, não significa que busco realizar sonhos materiais. Eu já escolhi o meu sonho. Quero contemplar o amanhecer, o pôr-do-sol, as flores, a natureza, quero contemplá-los e sentir o amor entrar em mim. Perceber na solidão da natureza oi sentido para a minha vida, assim também pensava Werther:

No mais, encontro-me aqui perfeitamente bem. A solidão neste verdadeiro paraíso é um bálsamo para o meu coração sempre fremente, cada arbusto forma um ramo de flores, e temos vontade de nos transformar em abelha para pairar neste mar de perfumes e deles sugar o alimento.(p.14)


Eu estou no texto, o texto está em mim, eu venho do universo, o universo está em mim, eu estou no outro, o outro está em mim. Estou em muitos lugares, e por onde passo vou deixando as minhas marcas. Reconheço que sou feita de palavras, como todos os são, e por isso deixo marcas. São exatamente essas palavras que me atormentam agora. Palavras que revelam, que transformam, que recriam, que angustiam, que nos alegram. Mas escrever sobre isso não é fácil, como diz Clarice Lispector em A Hora da Estrela: "Não, não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados"(p.19)
Sinto-me perdida e ao mesmo tempo me encontro ao contemplar a vida, a natureza, a passear nas vagas do próprio eu, em busca de uma resposta. Resposta que alegre a minha vida, pois uma palavra dita transforma qualquer vida, qualquer poesia. Mas, percebo que ao olhar para o pôr-do-sol, para o olho do universo noto que eles emitem uma luz central, assim acredito que sempre há uma esperança. Que o passado e até mesmo o presente pode mudar em função do futuro que há de vir e tornar-se presente.E como acredito na esperança ela existe. Assim também inferia Clarice Lispector: "Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam."(p.39)
Ao contemplar, ao vislumbrar a beleza de uma flor vejo que mesmo tendo espinhos ela é capaz de proporcionar alegria para os olhos, para as vidas que as lêem. Pois olhar para uma flor, também é leitura quando conseguimos enxergar o que ela nos revela, quando conseguimos ultrapassar os limites de sua película, quando enxergamos aquilo que é insignificante para outros.

O apartamento térreo ficava na esquina de um beco e entre as pedras do chão crescia capim ? ela notou o porque sempre notava o que era pequeno e insiganificante. (p.71-72)


Tudo que escrevi não foi mero acaso. Nem sei o que realmente escrevi, mas tenha a certeza de que é um exemplo vivo de literatura, pois me esvaziei, ou não totalmente. Se fosse para eu me revelar inteiramente a este papel onde agora me esvazio, o tempo se esgotaria, as folhas seriam insuficientes e eu ainda assim não iria esvaziar-me plenamente, pois o que sinto é mais profundo que um oceano, mais perfurante que um espinho, mais ardente que as larvas de um vulcão, tão único como uma ilha no oceano, tão verdadeiro como o vento que agora sinto, como o céu que ao olhar percebemos que existe.
Talvez a revelação mais clara não seja nem o próprio texto que é fruto do esvaziamento do meu próprio eu, mas os meus olhos, os quais se enchem de lágrimas a cada segundo que me lembro dos momentos que passaram. Não deixei de viver, mas sei que não estou feliz em plenitude. Talvez eu venha a ser feliz quando o tempo chegar para me dar as respostas, ou talvez, eu fique vazia, nua, com as respostas que se me apresentarem.
Tudo isso, portanto, é poesia, pois Octávio Paz nos diz:

A primeira virtude da poesia tanto para o poeta como para o leitor é a revelação. Consciência das palavras leva à consciência de si: a conhecer-se e reconhecer-se.

Penso e não sei o que mais dizer, mas sabe de uma coisa? A linguagem também é vazio. É silêncio. É o vento que bate no meu rosto carinhosamente. É tudo que sou e o que me cerca.
Literatura, poesia, não são textos organizados em códigos, pontos ou vírgulas. Mas é a própria vida. O próprio ser, o próprio universo. E como sou único. O meu texto também é único. Então não cabe aqui definirmos o que é Literatura, mas quebrar os limites da nossa própria visão e olhar o mundo e a nós mesmos com os olhos da literatura, buscar a terceira margem do rio. Senti-la, nos unir com ela. E perceber que o mundo, o universo guarda o invisível, o qual descoberto nos possibilitará enxergar as respostas que tanto ansiávamos. E descobrindo, eu também me descubro e então percebo que "nunca vou chegar ao fim nos meus modos de existir"(Clarice) e até porque "Eu, simbolicamente morro várias vezes só para experimentar a ressurreição (Clarice ? p.83). Posso recriar a vida, alcançar os meus sonhos, para que os meus brinquedos não sejam incendiados, como espero que não tenha sido, até porque, como diz Cecília Meireles, "a vida só é possível se for reinventada".
Sabe, estou tentando finalizar essa produção mostrando o que venha ser poesia, literatura e só agora descubro que elas, como eu já disse, não têm definições, mas digo que é a própria vida. Mas o que é a vida? Somos nós! Pois o que escrevi é a revelação do meu próprio eu.
Olha, se eu continuar assim não vou acabar jamais. Mas existe o começo ou o fim? Como diz Rilke: "viva as perguntas, quem sabe em um dia longínquo você viverá as respostas".
O que é Literatura? É tudo. E o que é o tudo? É a vida. E o que é a vida? É você. E o que eu sou? Não sei. É que vivo a procura de mim mesmo.

REFERÊNCIAS

BETTO, Frei. A obra do artista: uma visão holística do universo. São Paulo: Ática, 1997.
EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. São Paulo: Martins, 2002
ECO, Umberto. Interpretação e Superinterpretação.
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela.Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
GOETHE. Os sofrimentos do jovem Werther. São Paulo: Martin Claret, 2000
MEIRELLES, Cecília. Escolha o seu sonho.Rio de Janeiro: Record, 1998.
PAZ, Octávio. Módulo construído pelo professor Jaldemir.
RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. São Paulo: Globo, 2000
ROSA, Guimarães. A terceira margem do rio.