O túmulo vazio e a historicidade das aparições do Ressuscitado

Geraldo Barboza de Carvalho

A partir da encarnação do Verbo, passamos a olhar a realidade com olhar "kairológico", não cronológico. A realidade espaço-temporal torna-se sinal, sacramento da realidade kairológica, para a qual nosso olhar se dirige. A humanidade pecadora, nosso corpo de pecado é o imenso túmulo em que o ser humano está morto e sepultado. "A mão de Javé me conduziu a um vale cheio de ossos secos. Ele me disse: Filho do homem, porventura voltarão a viver estes ossos? Ao que respondi: Senhor Javé, tu o sabes. Então ele me disse: Profetiza a respeito desses ossos e dize-lhes: Ossos secos, ouvi a palavra de Javé. Eis que vou fazer com que sejais penetrados pelo espírito e vivereis. Cobrir-vos-ei de tendões e de carne e vos revestrei de pele. Porei em vós o meu espírito e vivereis. Filho do homem, esses ossos representam toda a casa de Israel, que está a dizer: nossos ossos estão secos, a nossa esperança está desfeita. Para nós está tudo acabado. Assim diz o Senhor Javé: Eis que vou abrir os vossos túmulos e vos farei subir dos vossos túmulos. Porei o meu espírito dentro de vós e haveis de reviver". Jesus assumiu vicariamente pela encarnação nosso corpo de pecado, túmulo da humanidade cheio de ossos secos, sem carne, sem vida, mortos, fazendo-se pecado e maldição (morte) por solidariedade conosco - em nosso lugar e a nosso favor, recriando-o pela ressurreição e infusão do Espírito de santidade nele. De fato, desde que tomou em Maria um corpo semelhante ao nosso corpo de pecado, Jesus está morto, sepultado e ressuscitado por nós. Mas, sendo o Santo por antonomásia e, ao mesmo tempo, o Goel (redentor) da humanidade pecadora, sua santidade implodiu o mundo do pecadodesde a kênosis encarnatória, ratificada pela morte de cruz e sepultamento, e o "abduziu" consigo para dentro da SS Trindade pela ressurreição imediata da carne, que consiste na elevação da criação da sua condição espaço-temporal à condição kairológica . A encarnação já é a morte, o sepultamento, o túmulo vazio e a ressurreição, vida nova da humanidade com Cristo à direita do Pai e à esquerda de Deus Mãe.   Jesus Cristo é uma figura corporativa. Tudo que faz e diz concerne àqueles que ele incorporou no pecado e na morte, no esvaziamento do túmulo e na ressurreição. "Se um (se encarnou e) morreu por todos, todos (se encarnaram e) com ele morreram". Se um ressuscitou por todos, todos ressuscitamos com ele. Jesus mesmo o diz: "Quando eu for elevado na cruz" e na glória, "quando eu for estabelecido Filho de Deus, com poder, pela ressurreição dos mortos, atrairei todas as coisas a mim. Deus, que é rico em misericórdia  ...., quando estávamos mortos em nossos delitos, juntamente com nos Cristo vivificou (na encarnação), e com ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos céus, em Cristo Jesus (como membros do seu Corpo Místico). A pedra rolada da boca do sepulcro desde que "o Verbo se fez carne e habitou entre nós" e na madrugada da ressurreição significa a remoção da pedra dos corações fechados, mortos e sepultados sem fé, sem esperança, sem amor, sem Deus, seguida do arrebatamento, abdução da nova humanidade com o Ressuscitado para junto de Deus. "Tirarei do vosso peito o coração de pedra e colocarei nele um coração de carne, misericordioso, sensível. Infundirei nele meu Espírito. Sereis meu povo e eu serei vosso Deus". O túmulo vazio de cadáveres e ossadas  significa, pois, que a humanidade velha acabou, foi esvaziada. A humanidade pecadora tornou-se túmulo vazio e aberto, nada absoluto, que deu lugar ao tudo absoluto criado pela ressurreição de Jesus Cristo, que foi "abduzido", arrebatado com a nova criação para junto do Pai e Deus Mâe, onde ganhou identidade kairológica. "Eis que eu faço novas todas as coisas. As coisas velhas passaram. Enxugarei toda lágrima dos vossos olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, nem dor haverá mais". A encarnação, ratificada pela ressurreição, fez novas todas as coisas, criou a nova terra e o novo céu. Novo céu e nova terra formam uma unidade interativa única. Jesus Cristo, "no qual habita corporalmente toda a plenitude da Divindade", é Deus-Conosco. "O Unigênito se fez o Primogênito da nova criação no ventre de Maria, nela assumiu um corpo semelhante ao nosso corpo de pecado, condenou o pecado na carne e armou sua tenda entre nós e foi estabelecido Filho de Deus por sua ressurreição dos mortos". O Corpo de Cristo é a morada de Deus com seu povo. "Ele habitará com eles; eles serão o seu povo e ele, Deus-com-eles, será o seu Deus".   A implosão do pecado aconteceu, portanto, já na encarnação, e a nova humanidade foi arrebatada para junto de Deus com o Cordeiro Goel imolado e de pé, deixando para o túmulo vazio (o corpo de pecado destruído). A encarnação já é, pois, ressurreição da carne pela entrada da santidadede Deus no mundo pecador. Santidade e pecado não convivem no mesmo espaço. A geração do Unigênito em Maria foi pelo mesmo processo da sua geração ab eterno. Só que a geração kairológica do Filho aconteceu no chrônos, na história. O Divino e o humano, por Jesus Cristo, formam agora uma unidade hipostática indissolúvel, sem nenhuma das duas hipóstasis perder a identidade por absorção da outra, sem emborago da interação mútua. A ressurreição ratifica a encarnação, só que tudo agora se passa no Kairós, pois a humanidade pecadora assumida por Cristo, que se fez maldição, pecado, vítima de expiação, bode expiatório, o Cordeiro de Deus por nós, foi implodida e abduzida, atraída com ele para dentro da SS Trindade. A ressurreição é eventoabsolutamente kairológico (no âmbito de Deus), assim como a encarnação é evento kairológico ocorrido no chrônos (na história). Aressurreição, não obstante, é, de algum modo, também evento histórico, no sentido que  o Ressuscitado, o Crucificado e o Encarnado são a mesma Pessoa, cujos sinais e palavras permanecem no mundo, embora ele não esteja mais visível aos olhos carnais. O corpo pneumático do Ressuscitado não pode ser percebido por corpos psíquicos. A menos que ele se deixe ver. O mesmo se diga das aparições de N Senhora. Não são exibições coletivas, mas ela se deixa ver por alguns, como o fez Jesus. Aos discípulos de Emaús e a Tomé, o Resuscitado mostrou que é o mesmo Encarnado e Crucificado: "Põe teu dedo aqui (oudição e tato) e vê minhas mãos (visão). Estende tua mão e põe-na no meu lado. ... Vede minhas mãos e meus pés. Apalpai-me e entendeu que um espírito não tem carne nem ossos como vede que tenho. Tendes o que comer?Apresentaram-lhe um pedaço de peixe assado. Ele o tomou e comeu na frente deles"? (paladar). Estes palavras e fatos são históricos, foram realizados e ditas pelo Ressuscitado, para avivar a fé dos discípulos amedrontados com o escândalo da cruz, e registrados por higiógrafos fidedignos. Os evangelhos e todos os escritos vétero e neotestamentários são registros históricos como o são as obras de Homero, Platão, Agostinho, Ariano Suassuna. A encarnação da Palavra de Deus gerou o Pontífice supremo da humanidade e da nova criação, o Mediador único e universal entre o céu e a terra, entre a terra e o céu. Nele, com ele e por ele, tudo que se passa no céu diz respeito à terra; tudo que se passa na terra diz respeito ao céu. O Divino manifesta-se no humano, o humano tem valor divino. Porque nosso Deus é Emanuel, se fez carne da nossa carne e mora conosco, partilha nossa vida e nosso destino até no que têm de mais sórdido, para nos tirar do túmulo da morte e nos dar a condição filial.