O trem desgovernado (Luz no fundo do poço? 4)

Existem dois tipos de países: uns que se forjaram para dominar e outros que foram criados para a subserviência.

No primeiro grupo estão aquelas nações que despontam mundo afora para exercer o domínio sobre o planeta. A partir de seu modelo escolar selecionam os intelectos mais brilhantes para produzir inovações que serão usadas na geração de lucro. E quando essas mentes brilhantes surgem em “países periféricos” são pescados para os centros de excelência. Prova isso o fato de que não são todos os países que produzem pesquisas inovadoras; que revolucionam o mundo.

Do outro lado existem aqueles países em que o sistema escolar se assemelha a um trem desgovernado. E isso ocorre num país chamado Brasil. O discurso diz que sempre se está lutando: para melhorar a qualidade do ensino e da escola; pela ampliação e democratização do acesso e gestão da escola; pela universalização do acesso; procurando assegurar a permanência e a gestão democrática... e por muitas outras afirmações que se perdem no vazio.

Perdem-se porque a prática e o cotidiano escolar as desmentem. Nem sempre, em nosso país, foi democratizado o acesso ao sistema escolar. Durante séculos a escola no Brasil foi um luxo para poucos. Mesmo porque, se dizia em tempo idos: quem vai “usar a caneta seca não precisa de leitura”. Essa era a fala de chefes de família – uma fala ideológica – justificando o porquê de não se universalizar a escolarização: o trabalhador braçal, por ser braçal, não tinha que ser escolarizado. Hoje, mesmo sabendo que tudo mudou, essa tese ainda tem defensores.

Os tempos mudaram. A legislação atual (Constituição Federal, LDB, etc.) prevê, entre outros, acesso obrigatório e a universal à escola. E isso vem ocorrendo, mas com um problema: o que se ganhou em universalização, se perdeu em qualidade, que também é um preceito da lei, onde está previsto: ensino público, gratuito e de qualidade.

Por que se perdeu qualidade quando se universalizou o acesso? Poque a escola de qualidade não é uma necessidade para a população, mas para uns pouco que se sentarão à mesa do comando. E esses terão ensino de qualidade fora do ambiente formal e público. Além disso, o caos mantém o sistema, pois não produz gente pensante!

(Notemos que a rebeldia e indisciplina presentes nas escolas não é demonstração de inteligência, mas uma confirmação de que o sistema está conseguindo manter a “rédea na cabeça do burro”. Fosse inteligência, a rebeldia seria em nome da melhoria e não pela mediocridade)

O acesso universal à escola é assegurado por lei. O passo seguinte, deveria ser a permanência no ambiente escolar – caso esse ambiente fosse de qualidade. Mas o estudante não se interessa em permanecer ai. O que explica essa aversão? Caso fosse um ambiente interessante e agradável ao estudante; que efetivamente abrisse oportunidades para o estudante... Caso assim fosse, será que o estudante o abandonria? (perguntemo-nos: quem de nós não gosta de permanecer em ambiente agradável? E por que temos pressa em sair de um ambiente desagradável? O estudante não é diferente!)

O problema da permanência, portanto não está no estudante, mas no sistema. Por que o estudante não se interessa em permanecer na escola? Por que o poder público precisou criar leis (ECA, etc) para obrigar o estudante a permanecer na escola, mesmo contra sua vontade? Porque a escola não se destina à ampliação do saber, mas à manutenção da ignorância.

E com isso entramos na questão da gestão que a letra da lei afirma: deve ser democrática. Entretanto, e talvez aqui, é que se encontra um dos principais agravantes da situação. Primeiro porque não está definido o que é o “democrático” da gestão. Depois porque mesmo em instituições escolares que elegeram seus gestores os mesmos estão atados pelas exigência – que não são democráticas – do sistema (secretarias e ministério da educação). Além disso, uma das partes interessadas – a família – não está engajada no processo. Pior de tudo é que o poder público mantém constante ingerência produzindo descontinuidade nos processos.

Exemplo típico está sendo essa guinada no ensino médio efetivada sem participação popular e sem a opinião dos interessados. É inegável que são necessárias melhorias no sistema. Mas quem sabe das dores do processo não são aqueles que ficam “atrás da mesa com o cu na mão” como disse a Legião Urbana no “Faroeste caboclo”. Os estudantes e os professores não são consultados quando se pretende impor novas determinações. Elas simplesmente saem dos gabinetes e caem nas escolas com um nefasto: cumpra-se! E assim, como o gestor não tem alternativas, não consegue ser democrático.

E aqui entra a indagação: por que se acena para a universalização do acesso, decreta-se a necessidade de permanência e mata-se a democratização da gestão, matando a democratização da educação?

Pista para uma resposta vem do texto base do CONAPE 2017. Nas primeiras linhas do eixo IV vem a afirmação de que a “democratização da educação, o acesso, permanência e gestão” são aspectos de problemas que “não foram suficientemente resolvidos ou plenamente assumidos, apesar dos esforços já realizados”. Realizados pelos setores envolvidos no processo do ensino, mas estrangulados por aqueles que representam o modelo social vigente.

Então por que não foram assumidos nem resolvidas esses problemas? Porque os envolvidos no processo não defendem os mesmos interesses. O sistema público, em que pese dizer que defende os interesses da nação, da sociedade e dos estudantes, na realidade defende os interesses de um grupo socioeconômico. Isso é dito taxativamente pelo texto base do CONAPE 2017: “Reiterando o que já fora destacado nas conferências de 2010 e 2014, os aspectos intrínsecos à democratização da educação se vinculam ao conjunto das relações sociais que se constroem no Estado Democrático de Direito ou Estado Social, portanto, estão em permanente disputa, dentro de um projeto de sociedade e de concepção de educação.” Se os projetos são antagônicos, prevalece o de quem manda! E normalmente contra os interesses populares.

Então voltemos à nossa questão titular: Tem luz no fundo do poço? (e não no fim do túnel, pois não estamos atravessando um túnel, mas caindo no abismo). Haverá luz quando chegarmos ao fundo e, estatelados olharmos para o ponto de onde caímos. Então nos daremos conta de necessidade de começarmos a subir. Só então veremos luz... não mais no fundo, que continuará cada vez mais escuro, mas na saída que, seguramente, passa pela mobilização e participação popular!

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO