O tratamento maciço das doenças infantis no planeta Kafka

Ciclos pedagógicos e projetos escolares: é fácil dizer!

*Philippe Perrenoud 

Márcio Issler

PERRENOUD, PHILIPPE. A pedagogia na escola das diferenças: fragmentos de uma sociologia do fracasso. Porto Alegre; Artmed, 2001; 2ª edição.

O prologo do livro de Philippe Perrenoud “A pedagogia na escola das diferenças: fragmentos de uma sociologia do fracasso” têm como título, “O tratamento maciço das doenças infantis no planeta Kafka”. Conta à história de um planeta habitada por uma espécie dominante e diversificada de bilhões de indivíduos, que formam sociedades diferentes, muitas vezes em conflito.

A história descreve que nas sociedades mais ricas, todas as crianças parecem nascer com uma doença, não mortal, mas que se não tratada a tempo, impede que o individuetorne-se um adulto pleno. Por isso as crianças são internadas maciçamente em hospitais.

Curiosamente a história se parece com o sistema escolar vigente em nossa sociedade, onde as crianças desde tenra idade são ”hospitalizadas” a fim de obterem a cura, ou seja, uma educação. Perrenoud ilustra que esse tipo de doença é passível de um tratamento obrigatório e que os pais que se negam muitas vezes de tratar os filhos sendo penalizados.

Esse tratamento descreve o autor é feito através de fases concebidas como eficazes e cada etapa é tida como uma cura.

Porém se vê que os médicos não sabem ao certo se realmente eles conseguem ser eficazes na aplicação de tal medicamento, para que este tenha realmente o efeito de cura. Pontua ainda algumas vezes sobre os donos dos ou chefes das clínicas como sendo partidários de alguns métodos, dizendo que as formações desses médicos estão limitadas a eles.

O fato dessas crianças mais jovens irem até o hospital e permanecerem lá seis horas por dia fazem com que estas também encontrem médicos desestimulados.

Por fim nos diz que se a cura parece possível, ou mesma certa, a sociedade consente, então, em realizar um esforço particular.

O prologo demonstra claramente que o sistema escolar precisa de uma nova guinada quanto ao método utilizado.

Nesse sentido Philippe Perrenoud no mesmo livro destina um capítulo a comentar sobre “Ciclos pedagógicos e projetos escolares: é fácil dizer!”.

Nesse capitulo encontramos algumas considerações sobre a continuidade das aprendizagens, flexibilidade na organização do ensino e coerência no âmbito de cada escola.  Para o autor a repetência não tem sentido de ser, ou razão de ser, pois cada criança progride no seu próprio ritmo. Bem como a leitura e entendimento dos textos progridem de acordo com cada leitor.

Diz-nos que “não podemos fazer nada conservando as estruturas que não foram concebidas para a diferenciação do ensino” certamente se refere ao fracasso escolar, e o entrave para ao desenvolvimento econômico. Os ciclos pedagógicos não são mais uma “ideia de esquerda”. “Nesse mundo a formação não é mais um sonho da esquerdanem um investimento da direita, mas uma necessidade para a sobrevivência”.

Certamente construir habilidades é superar os medos. Para isso pontuam-se três aspectos importantes já descritos abaixo:

Enriquecer sua caixa de ferramentas: ferramentas como objeto material, instrumentos utilizados para efetuarem um determinado trabalho. Aqui os instrumentos dão lugar a pessoas, sua compreensão de mundo, de suas finalidades, sua identidade. Para isso é necessário que essas ferramentas de observação e regulação, possam ser individualizadas, observadas de forma única, e não como descrita no tratamento maciço das doenças. Tais ferramentas de transposição e de planejamento didáticos devem ser adotas sob metida. Já as ferramentas de gestão de classes e de projeto, são necessários certos cuidados, pois existe uma dificuldade em estabelecer certa ordem ou regularidade em meio a um caos a própria escola. Contudo existem ferramentas de comunicação e de negociação, que não tem somente a função de comunicar algo, mas explicar bem, de encontrar compromissos entre seus atores, entre os limites, entre as urgências.

Aprender a trabalhar em conjunto: em alguns lugares ainda é possível dizer que existam “combatentes solitários” dentro de um ensino fundamental. Porem o próprio autor nos lembra de que “melhor que jogar pedra nos professores tentados por essa regressão seria melhor reconhecer que o trabalho em equipe é exatamente difícil e também que negociar e dar vida a um projeto escolar é desafios para as organizações escolares”.

Para isso se faz necessário viver em equipe pedagógica, entendendo que existem vários tipos de equipes, mas que estas têm funções necessárias à gestão de um ciclo pedagógico, e que é necessário aprender a superar obstáculos, e antes de tudo, a recusar-se a nega-los ou projeta-los no outro. Para isso negociar um projeto de escola, não basta apenas se entender bem em uma equipe pedagógica. Os professores só se comprometem se tal projeto foi devidamente negociado entre eles e levou em conta suas aspirações e seus temores.

Trabalhar consigo mesmo: “A mudança tecnológica reflete-se na pessoa do professor.Pontua Perrenoud que “ trabalhar consigo mesmo não equivale a se fechar, a trabalhar na solidão”. Trabalhar seus medos,  quem nunca sentiu medo nessa profissão? Ora os ciclos reforçam esses medos, pois constituem um “novo início”  a carreira docente. O tabu enfrentado em relação aos prazeres é tão grande quanto os do medo. Trabalhar seus prazeres, é necessário, pois só assim é possível indagar-se de que satisfações podem ser obtidas com essa profissão e se há outras. E como não ser possuídos por duvidas? Trabalhar suas duvidas e certezas, confessar-se duvidoso por vezes é demonstrar um sinal de fraqueza. E só é possível acabar com isso nas escolas, instalando fortes reciprocidade ao assumir riscos, trabalhando suas atrações e rejeições, recordando que em uma profissão humanista, relacionamo-nos com crianças, adolescentes e adultos que não escolhemos.

Tendo em vista os ciclos pedagógicos e o tratamento maciço das doenças infantis no planeta Kafka, é possível entender que são uma oportunidade para combater o fracasso escolar, bem como acelerar a profissionalização do oficio de professor e as mutações da escola.

É sabido segundo Perrenoud que a NPE não descrita neste texto acima, mas pontuada pelo autor como sendo o produto imperfeito de uma sociedade democrática, uma criação da esquerda que a direita retomou na falta de algo melhor.

“atualmente as pessoas ligadas ao ensino não tem senso de relativismo”.