O TRABALHO PEDAGÓGICO COM SURDOS USUÁRIOS DE IMPLANTE COCLEAR

DUANNE ANTUNES BOMFIM[1]

 

“Os problemas da surdez são mais profundos e complexos, mais importantes talvez, dos que os da cegueira. A surdez é um infortúnio muito maior. Representa a perda do estímulo mais vital - o som da voz - que veicula a linguagem, agita os pensamentos e nos mantém na companhia intelectual do homem”. Hellen Keller

 

Quando plantamos alguma semente, em um solo preparado e fértil, já sabemos de antemão o que vai ocorrer: ela vai brotar, crescer com as características próprias de sua origem, e brotar sejam flores ou folhas, consequentemente produzir frutos onde encontraremos posteriores sementes semelhantes a sua forma inicial. A consequência de todo este processo se dá em conformidade à estrutura previa básica das plantas e também dos seres vivos, a qual é determinada pelo DNA.

No caso dos seres humanos, pode-se concluir que já se sabe o que vai ocorrer a partir de seu nascimento. Pois ao nascer um bebê, o mesmo atingirá estágios que o levarão a ter um padrão rumo à vida adulta, seja homem ou mulher, fazendo parte desta “metamorfose ambulante”, no que se refere às características e costumes desta raça.

Em casos de padrão típico, ou seja, uma criança com limiares comuns a todos, estas mudanças ocorrem intrinsecamente horizontais, mas quando falamos de pessoas com deficiência, elas fogem a estes no que se refere ao desenvolvimento típico comum. Assim há necessidade de discussões contínuas acerca do desenvolvimento das pessoas com perda auditiva, pois todo seu desenvolvimento seja motor, comunicacional, intelectual ou mesmo emocional, estão relacionados a linguagem, sendo a mesma responsável por moldar e estruturar estes aspectos, e todos são totalmente dependentes um do outro, criando uma rede interligada. Assim;

“...as relações de desenvolvimento estão inteiramente ligadas, ou seja, “o homem é o ser que anda ereto, usa uma linguagem codificada e elabora idéias, isto é, o ser que pensa". (STEINER , 1981)

Inicialmente é necessário compreender que a linguagem humana não se restringe apenas à palavra oral ou escrita, como é comumente conhecido, mas esta engloba as possibilidades comunicativas que remetam a compreensão. Assim entende-se formas de linguagem que possibilitam a comunicação; a gesticulação, pintura, escrita, musica, sons, expressões e tantas outras.

Percebe-se a importância da linguagem, nas expressões do filósofo grego Aristóteles que há mais de 2000 anos, quando o mesmo percebeu que quando uma abelha solitária descobre uma fonte de néctar, logo seguida ela é acompanhada por uma quantidade expressiva de outras abelhas. E segundo o experimento de Karl Von Frisch, este fato ocorre por estas estabelecerem um meio de transmitir sua mensagem;

"...abelhas escoteiras ou exploradoras recrutam outras forrageiras dentro da colméia para a coleta de recursos, por meio de uma dança conspícua. A dança codifica informação espacial e temporal, indicando a direção e a distância do recurso em relação à colméia. Geralmente, a posição do sol é transposta na dança, mas se o sol está encoberto, a abelha utiliza a luz solar polarizada ou a memória de pontos de referência para saber em que posição o sol estaria" (DYER, 2002)

Assim, entende-se que a comunicação é tão importante a todos os seres vivos, pois os mesmos convencionam uma forma de estruturar sua linguagem para viabilizar o ir e vir de suas relações comunicativas. No caso dos serem humanos, através de inúmeros estudos, concluiu-se que os mesmos não nascem com uma linguagem estruturada, ou seja, a teoria do inatismo referente à linguagem é nula neste caso. Pois todos seres humanos nascem com predisposição linguística a adquirir qualquer língua a qual forem expostos e estimulados, a partir de então é que a mente humana explorará as regras, convenções, variações e outros aspectos da língua em questão. Mas este uso e aquisição e variará de acordo com as capacidades físicas, intelectuais e ambientais deste ser em formação. Pois neste processo e sua estruturação perceptiva e receptiva, sua linguagem passará por vários estágios até se formar uma estrutura padrão convencionada pelo meio em que vive.

Então, com este processo vivenciado, é que a criança passará a relacionar conceitos, construindo significados a partir dos signos. De acordo com Vygotsky, o processo pelo qual a criança adquire a linguagem segue o sentido do exterior para o interior, do meio social para o indivíduo, sendo assim, “a linguagem possui, além da função comunicativa, a função de construir o pensamento” (BOMFIM, 2010)

Bakhtin conclui: “a linguagem e os signos são os mediadores entre a ideologia e a consciência, pois ‘o pensamento não é simplesmente expresso em palavras, é por meio delas que ele passa a existir.’” (BAKHTIN, 1990)

 

A LINGUAGEM PARA PESSOAS COM PERDA AUDITIVA E OS ENTREVES LINGUÍSTICOS

 

Dentro de todo este estudo e experiência vivenciada, o que chama a atenção para os espectadores do assunto, é que a comunicação inicial de todo bebê compreende o uso do próprio corpo; expressões faciais, choro e gestos. Este meio de se expressar pode ser compreendido como linguagem estruturada, pois há interação com o meio exterior pelo que se recebeu e percebeu entre os interlocutores. De acordo com Boadella, "mesmo o silêncio absoluto nos diz algo da pessoa. É impossível o indivíduo não se comunicar".(BOADELLA, 1992),

Embasando-se neste conceito, há um leque de interrogações sobre as relações comunicativas postuladas na linguagem inicial. Uma vez que discute-se a linguagem como processo primordial e imprescindível para todas as outras relações, desde emocional à social, há o que pensar no caso das pessoas com perda auditiva. Tendo o processo linguístico sofrido alterações ao padrão comum às pessoas que ouvem, é necessário, há necessidade de haver estratégias diferenciadas para o desenvolvimento e estimulo em função da aquisição da linguagem visual, ou seja, a língua de sinais.

Mas por opção[2], muitos não se adaptam ao desenvolvimento linguístico visual amplamente conhecido, a língua de sinais. Assim estabelecem como ponte da sua comunicação outras estratégias de processamento para recepção ou expressão da linguagem, o qual denominamos comumente, método oral auditivo. Nestes casos de acordo com o tipo perda auditiva estes adaptam-se ao uso de AASI[3] (próteses auditivas), Implante Coclear[4] ou Baha[5], tecnologias amplamente difundidas.

Estas opções hoje tem sido melhor aceitas por familiares de pessoas com perda auditiva pois os mesmos temem que o déficit sensorial auditivo possa comprometer a aprendizagem e desenvolvimento dos indivíduos cometidos, ou mesmo que pessoas com perda auditiva terão sempre comprometimentos graves se permanecerem afastados do mundo dos sons.

Mas diferente deste pensamento, pode-se afirmar que apenas se não forem feitas intervenções devidas no tempo de desenvolvimento apropriado, é que haverá prejuízos que comprometerão compreensão a expressão linguística do indivíduo e outras particularidades psico-sociais. Assim é necessário focar a intervenção precoce, pois de acordo com o Dr. Arthur Boothroud em seu livro Deficiência Auditivaem Crianças Pequenas, “a perda auditiva pode causar, dificuldades na percepção, fala (oral) comunicação, cognitivos, sociais, emocionais, educacionais, intelectuais”. (BOOTHROUD, 1982)

Havendo então alternativas frente a surdez, dois conceitos vem sido construídos, a visão clinico terapêutica, ou seja, uma visão que tenta levar aos surdos a reabilitação ao mundo dos sons, e a visão sócio antropológica, que mostra que a surdez não é apenas uma deficiência, mas uma diferença que coloca os surdos num patamar de estrangeiros no país que nasceram, pois a diferença marcante entre eles e os outros habitantes de um mesmo espaço é a língua e cultura.

Dentro da visão clinico terapêutica, o enfoque é a reabilitação da qualidade de vida auditiva para estas pessoas. Assim nesta intenção, buscam na tecnologia avanços para promover a oportunidade destes vivenciarem o som de uma forma mais completa. Hoje há uma tecnologia chamada “implante coclear”, esta traz o acesso sonoro a muitas pessoas com perda auditiva neuro-sensorial, sejam pré-linguais[6] ou pós-linguais[7], e em muitos casos a reabilitação é imperceptível.

Mas há muito que se pensar ainda do alcance que o mesmo tem e até onde pode levar as expectativas dos surdos e seus familiares rumo ao “sucesso”, ou seja, o patamar de igualdade às pessoas que ouvem, esperados por estes espectadores e usuários desta tecnologia. Mas para comparar estas possibilidades e seus alcances, é necessário compreender o funcionamento típico do processo de linguagem, tanto receptivo, como expressivo. Com a visão formada do padrão de linguagem especificado do DNA, pode-se ter uma base ao compreender a função e funcionamento da estrutura do Implante Coclear na substituição do aparelho receptivo da linguagem. Uma vez que o implante leva o som leva o som onde lhe é devido, e as funções cerebrais são que fazem o som cumprir seu papel.

A COMUNICAÇÃO HUMANA E O DESENVOLVIMENTO TÍPICO DA LINGUAGEM

 

A linguagem humana passa por três estruturas, recepção, processamento e expressão, sendo que o caminho da mesma procede linearmente não alterando esta contínua. Assim a linguagem receptiva está ligada a audição, e diferente do que muitos pensam, não se dá apenas pelas vias auditivas aérea ou óssea, mas sim por meio de todo um processo mecânico, elétrico e mental processual, simultâneo e linear, que faz ponte com a compreensão por meio das capacidades cerebrais superiores. E a linguagem expressiva, como parte final, é processada por meio do som, voz e fala, onde estes três processos conjuntados levam a expressão da língua oral. Esta estrutura pode ser comparada assim com um processo piramidal dos três pontos máximo da linguagem, conforme diagrama abaixo:

 

PROCESSAMENTO

 

RECONHECIMENTO

 

 

DISCRIMINAÇÃO

MOTOR (som/voz)

DETECÇÃO

EXPRESSÃO (fala)

Assim, como já citado, o processo de comunicação expressiva requer a transição da linguagem do plano interior para o plano exterior, sendo que para que isso se conclua, é necessário anteceder a compreensão, sendo esta o movimento principal e primordial. Mas para que a compreensão seja processada pela sinapses cerebrais, é necessário que a pessoa detecte nitidamente o som, ou seja, perceber a ausência ou presença de ondas sonoras no ambiente, para que se siga com a discriminação deste som detectado, a qual terá a função de diferenciar dois ou mais estímulos (sonoros ou surdos), levando a criança a classificar mentalmente os fonemas, palavras compostas/simples e frases.

No entanto, a detecção e discriminação não conseguem conjuntadas promover todo o processamento auditivo central, ápice da linguagem. Pois a pessoa reconhecerá os sons por identificar, classificar e nomeá-los em suas diversas nuanças para que atravesse da recepção para a percepção. Este é um grande passo, pois a barreira que pode haver não é mais sonora, algo ligado a sistema auditivo físico (orelha externa, média e interna), mas sim a capacidade das áreas cerebrais ligadas a linguagem.Mesmo com a linguagem sonora percebida, seja pelo aparelho auditivo ou Implante Coclear, o processamento da linguagem é que promoverá a compreensão da mesma, pois é neste campo que são promovidas as ligações significativas de todos os recursos da linguagem que denominamos engrama linguístico.

Neste fim as relações contextuais do signo, significado e significante, são armazenadas e percorrem a memória linguística, auditiva, verbal e visual. De acordo com Freud, este “engrama”, é realmente composto por variações e repetições em vários símbolos para o armazenamento da memória. Como no caso dos computadores, o processador grava mensagens eletrônicas por primeiro “ler” os dados e por “repeti-los” em espaços específicos seja “memória virtual ou disco de armazenamento”, já nos seres humanos as conexões neuronais que realizam esta tarefa árdua. (DRAAISMA, 2005)

Portanto, nesta fase a área de Wernicke, que tem a função principal deste processamento e compreensão da linguagem, passa a atuar para que estes contextos se liguem. Pois a função da mesma é fazer a junção da imagem, som, o contexto e uma forma de registro, para que a linguagem se desenvolva de forma gradativa numa perspectiva típica[8]. Assim esta área cerebral cumpre a função de processar fonemas, analisar e reconhecer as palavras, para que possa haver conhecimento, interpretação e associação das informações recebidas.

Havendo então a possibilidade de “sucesso” nesta questão da recepção da linguagem, é que haverá a possiblidade de sucesso conjunto com a expressão da linguagem na modalidade oral. Contudo a área de broca processará a linguagem expressiva apenas se a área de wernick der seguimento normal, para que assim haja a articulação dos órgãos fono-articulatórios em consonância com a produção da fala. Finalizando com a emissão oral por meio dos sons da fala articulados dados pelos comandos cerebrais para a parte motora.

Há de se entender ainda que tanto o processo de linguagem receptiva como expressiva estabelecem-se de acordo com a idade cronológica específica da vida oral auditiva que é comum a todos seres humanos. Desde a fase do reconhecimento da voz dos pais, compreensão de ordens simples e compostas à expressão do choro, emissão das primeiras vogais e a formulação de frases completas, há para a criança um limiar de tempo para este desenvolvimento, como que em uma espécie de cronograma a ser atingido paulatinamente, conforme a ordem natural de sua idade cronológica.

A título de comparação, para uma criança de 2 anos de idade é esperado compreender oralmente ordens com até 2 conceitos, reconhecimento de partes do corpo e objetos solicitados e que sua expressão oral compreenda uma média de 150 palavras com várias associações. Mas se a mesma ainda não o faz, mesmo que esteja em idade correspondente a esta expectativa, é necessário iniciar intervenções que antecedam este atraso evitando assim prejuízos no seu desenvolvimento linguístico. Por o cérebro estar pronto para a recepção da linguagem, e as áreas de desenvolvimento linguístico ainda estarem em formação para este fim, a intervenção precoce é que oportunizará outros horizontes. Caso contrário o atraso no recebimento dos estímulos auditivos fará com que a plasticidade cerebral não seja a mesma posterior a idade cronológica ideal, provocando assim falhas na formação da memória linguística oral, conforme o modelo do engrama.

Por não haver então a intervenção precoce, a criança terá defasagem e atraso na aquisição da modalidade oral de uma língua. E se a intervenção foi muito tardia, a idade auditiva desta criança será diferente da sua idade cronológica, nos casos crianças pré-linguais de perda severa/profunda bilateral. Assim este atraso de intervenção com a oralidade ou escolha do modelo Bilíngue, estimulará nesta outros problemas que estão ligados à linguagem, como as relações psico-sociais e outras.

Sendo assim, é necessário haver intervenções mediante o diagnóstico precoce o mais cedo possível na vida da criança. Não sendo observadas esta questão do trabalho precoce, ou havendo intervenção tardia, seu desenvolvimento poderá ficar aquém de outras crianças, lembrando que cada situação sofre alterações de modelos em vista das diversas condições ambientais e físicas vivenciadas por cada família.

MÉTODOS ALTERNATIVOS: IMPLANTE COCLEAR E TECNOLOGIAS ASSOCIADAS

 

Para que esta intervenção possa se concretizar, muitos optam pelo uso do “implante coclear”, como substitutivo aos mecanismos não funcionais do aparelho auditivo, promovendo ganho na detecção e discriminação do som, uma vez que as outras fases da recepção, com isto, não estão ligadas ao “implante”, mas sim ao cérebro.

É necessário então compreender que apenas a cirurgia e uso do implante coclear não promoverão à pessoa implantada o pleno acesso a comunicação oral e compreensão, pois os mesmos por si só não ensinam a pessoa com perda auditiva a ouvir e nem a entender o que começa a escutar. Pois aprender a ouvir é  entender os sons e seus significados.

Sendo assim o implante terá sempre a função básica de levar o som ao ouvido interno de uma forma mais plena. Mas para que o processo piramidal da linguagem se concretize, se faz necessário que o passo a passo até o processamento da linguagem se dê, com um trabalho associado, pelos profissionais da área clínica e pedagógica. Contando assim com o segredo do sucesso, o diagnóstico, as oportunidades e o envolvimento de todos os profissionais e principalmente a família.

O TRABALHO PEDAGÓGICO COM SURDOS USUÁRIOS DE IMPLANTE COCLEAR

 

Inicialmente há de estabelecer a diferença marcante entre pessoas com perda auditiva pré-lingual e pós-lingual, pois no caso dos pós-linguais o trabalho para adaptarão ao implante coclear e a vida auditiva anterior à perda da audição, se faz mais presente nos atendimentos clínicos de acordo com a idade cronológica do mesmo.

Já para as crianças pré-linguais, o paradigma é outro, pois além do acesso a língua oral por meio do implante coclear, estruturação da audição e da fala por meio dos atendimentos fonoaudiológicos, esta necessitará de um intenso trabalho focado nas diferentes formas de aprendizagem promovidas pedagogicamente. Assim ao receber uma criança usuária de implante coclear, o primeiro passo é diagnosticar se sua idade cronológica condiz a seu desenvolvimento do processamento auditivo e fala de acordo com o modelo típico usual. Assim poderão ser traçados planos de trabalho ligados à fala, audição, desenvolvimento inter-pessoal, motor e cognitivo para sua idade especificada.

“Se uma criança não pode aprender da maneira que é ensinada, é melhor ensiná-la da maneira que ela pode aprender.” (WELCHMANN, 1995).

Este trabalho realizado pelo professor no atendimento especializado, terá a função de focar dentro de um plano de atendimento as dificuldades/necessidades, objetivos a serem atingidos, atividades/estratégias a serem adotadas, bem como todos os recursos a serem usados, para assim alcançar o esperado. Pois sem a linguagem o mundo para a criança passa a ser sem forma e sentido, como vídeos desconexos sem cores, áudio ou legenda.

Como observado inicialmente, a memória linguística da criança começa a se formar desde o seu nascimento, quando a mesma passa a enxergar e ouvir sons que no momento desconhece, a mesma inicia o armazenamento de quadros visuais, filmes e depois anexa aos mesmos o som, alguma combinação/ligação ao mesmo e então se processa a significação. Assim as pesquisas comprovam que inicialmente a criança começa a se comunicar por meio de gestos à imagem que deseja expressar, no caso das que ouvem, os gestos passam a ser substituídos por palavras e automaticamente inicia-se o processo de comunicação oral.

No caso dos surdos, grande partes destes, mesmo fazendo a cirurgia do implante coclear, continuam com o acesso mais presente da memória visual tátil, ou seja, as imagens recolhidas pelo cérebro como seu acesso receptivo, e o apontamento q sua expressão marcante. Por isso a compreensão de crianças com perda auditiva ficará ligada a visão concreta, por ausência do complemento auditivo de compreensão e organização nos primeiros meses de vida, fazendo o cérebro se adaptar sem o mesmo.

Por isso na maioria dos casos de crianças usuárias de implante coclear, pré-linguais, implantadas tardiamente, ou seja, depois do período crítico da linguagem, o método bilíngue tem trazido melhores resultados, ou resultados mais rápidos, pois seu desenvolvimento cognitivo já se processa visualmente. Assim a associação da modalidade oral aos sinais, gestos e significações facilitarão o acesso a linguagem, dando ao mesmo uma espécie de legenda oculta interna, cumprindo a função da escola que é levar a criança a aprendizagem, compreensão e conhecimentos.

O método visual combinado pode ser composto por diversas atividades comuns realizadas costumeiramente na escola na fase inicial de desenvolvimento das crianças na educação infantil. O uso de gravuras, vídeos, gestos, sinais entre outros com significação, para atingir a fala e compreensão leva a criança a se desenvolver de forma natural a esta expectativa à 2 mundos, que na maior parte do tempo se divideculturalmente e nas relações.

Mas algo que precisa ser desmistificado é a relação que as pessoas fazem com a resultante no aprendizado da língua de sinais para crianças com perda auditiva, pois ainda é observado os familiares serem orientados que “o uso desta língua torna as crianças mais preguiçosas e desestimuladas ao uso da oralidade e implante coclear/resíduo auditivo”. Mas esta premissa é falsa, pois a relação que incentiva ou desincentiva a criança a se comunicar com uma língua, seja de sinais ou oral, é não percepção da função desta, pois os fatores ambientais que levar-na-ão a se desenvolver e ser fluente em uma língua ou em ambas. Por isso a corrente; família, escola, comunidade e o trabalho fonoaudiológico é o que fortalecerá esta estruturação linguística dupla, ou seja, a aquisição e aprendizagem da oralidade e sinais.

Em casos de famílias onde a comunicação contínua não se faz presente, a criança não se sente a vontade e envolvida ao uso da mesma. Por isso é incentivada a comunicação significativa a todo o tempo em casa. Esta estratégia é possível ao mostrar um objeto, relatar toda ligação contextual do mesmo e manter diálogo simples, mas contínuo, e ampliação do mesmo aos poucos.

E a comunidade que esta criança está inserida precisa vê-la e apóia-la como alguém diferente, mas com potencialidades iguais, pois “com implante ou não, esta criança sempre será surda”. Nesta corrente, há necessidade de haver um trabalho fonoaudiológico significativo e prazeroso para esta criança, sempre focando o lúdico e a associação da vivência desta criança.

A escola que não tem um trabalho direcionado em sala de aula para interação desta criança com os colegas que ouvem, nem mesmo promove o atendimento educacional especializado no contra-turno, faz com que a mesma não se sinta parte deste ambiente, pois passa a ser para a mesma apenas um lugar estranho e insignificante, e muitas vezes motivos de bullying. Pois como se sabe, a linguagem é a resultante de todas interações significativas, assim há necessidade de estratégias diferenciadas em todos estes espaços a serem oferecidos no ambiente escolar.

Sugere-se então para um trabalho funcional em uma escola de inclusão com alunos usuários de implante coclear, a interligação de passos primordiais, (1) compreensão e aceitação da família por um método, (2) orientação aos professores do trabalho e atenção diferenciada em sala de aula, (3) formação e conscientização de toda escola, colegas de sala sobre a diferença do outro e respeito à mesma e o (4) enfoque do trabalho no atendimento especializado no contra-turno como suporte de complementação e suplementação das necessidades deste aluno.

Refletindo que a pessoa usuária de implante coclear, é alguém potencialmente bilíngue, as formas ensino são semelhantes às usados no trabalho com pessoas estrangeiras, fazendo uso de recursos visuais e remetendo grande parte do tempo as estruturas alicerçadas cognitivamente da primeira língua estabelecida cognitivamente, para que seja assim por meio das tecnologias existentes serem inseridas no mundo dos sons. Com isso o método bilíngue é algo funcional necessário para que estes possam atingir o objetivo postulado nos casos observados e trabalhados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim vem a grande pergunta; o implante coclear veio em substituição às comunidades surdas, sua cultura e língua?! De forma alguma, a pessoa usuária do implante continuará sempre sendo “surda” e em muitos casos ainda participante da comunidade e usuária de um sistema linguístico visual, como fazem as pessoas que ouvem.

Da mesma forma que o preto é sempre preto, e o branco sempre branco, não podemos concluir que o cinza é simplesmente a mistura de duas cores, mas sim uma nova cor com características próprias. Não podemos concluir que o cinza é a única possibilidade de termos ambas cores em um mesmo espaço. Pois os seres humanos sempre tentaram rotular o desconhecido, ou criar novos grupos para ajuntar o que lhes é diferente. Assim afirmar que o usuário de implante coclear é um novo ser, ou alguém transformado em ouvinte, é o mesmo que dizer, “cinza é a única resultante de combinar o preto ou branco”, ou que estas cores podem assumir a forma da outra. Mas o contínuo de tais cores existe, quando pintamos quadros usando o preto e branco, podemos observar belas obras de arte, tendo cada cor seu respectivo lugar, sem perder sua essência e beleza. Da mesma forma, as pessoas com perda auditiva usuárias de Implante Coclear, estão apenas acrescentando mais uma cor em sua vida, para poderem com a mesma pintar sua história de forma diferenciada.

Assim duas coisas diferentes podem coexistir, por integrar-se nesta dicotomia. Da mesma forma, pessoas que optam pelo uso do implante coclear e os que continuam assumindo o “ser surdo”, podem coexistir em um mesmo meio completando para o outro um pouco do que lhe é necessário. A diversidade e a inclusão significam dividir, compartilhar e vivenciar o mundo ao lado de todos, sem diferenciar ou mesmo classificar como diferentes ou iguais. Assim a partir do  nosso conceito de mundo, construiremos nosso conceito de vida.

 

BIBLIOGRAFIA

 

BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec,1990.

BOMFIM, D. ; ROSA, E. ; MORAIS, E. ; BENTO . Coleção Aprendendo a Entender - Aline no Mundo dos Tons. 1. Ed. Governador Valadares: ASAS, 2010. V. 5. 58 p.

BOADELLA,  D.  Correntes  da  vida:  uma introdução  à biossíntese. São Paulo, Summus Editorial, São Paulo, 1992.

BOOTHROUD, A.: “Hearing Impairment in Young Children.” Prentice & Hall Inc., Englewood Chiffs, NY, 1982.

DRAAISMA, Douwe. Metáforas da memória – uma história das idéias sobre a mente (Tradução: Jussara Simões). Bauru: EDUSC, 2005.

DYER, F. C. (2002) "The biology of the dance language" IN Annual Review of Entomology, v. 47, p. 917-949

STEINER,  R.  Andar,  falar  e  pensar.  São Paulo,  Editora  Antroposófica, 1981.

VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

WELCHMAN, Marion. Dislexia: suas dúvidas respondidas. Tradução de Maria Angela N. Nico e Eliane M. R. Colorni. São Paulo, ABD, 1995.



[1] Pedagogo, Intérprete, Professor de AEE – Atendimento Educacional Especializado. Especialista em LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais e Atendimento Educacional Especializado.

Contato: [email protected] - (33) 8863-0783.

[2] Na maioria dos casos a opção pelo método de comunicação oral auditivo é concretizado pelas famílias sem consulta aos filhos se o aceitaram, mas a responsabilidade da vida de um bebe ou criança é total de seus pais ou responsáveis legais, de acordo com a Contituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e Adolescente de 1990.

[3] AASI – aparelho de amplificação sonora individual, é tipo de prótese auditiva que tem a função de ampliar o som receptivo ao canal auditivo para que possa ser detectado e reconhecido pela parte sensorial do aparelho auditivo.

[4] Implante Coclear - O implante coclear é um dispositivo eletrônico de alta tecnologia, também conhecido como ouvido biônico, que estimula eletricamente as fibras nervosas remanescentes, permitindo a transmissão do sinal elétrico para o nervo auditivo, afim de ser decodificado pelo córtex cerebral.

[5] Baha - é um dispositivo eletônico indicado  principalmente em pessoas que nascem com agenesia (ausência) da orelha externa, infecções crônicas dos ouvidos que não é possível adapatação de aparelhos auditivos convencionais e também para pessoas que tem surdez sensorioneural unilateral. O BAHA é uma prótese auditiva de vibração óssea que é fixada no crânio através de um pequeno parafuso de titânio. O som atinge o microfone do BAHA o qual converte o som em vibrações amplificas permitindo que os sons alcance o ouvido interno através da vibração das células ósseas do crânio.

[6] A perda auditiva pré-lingual está relacionada ao estágio de desenvolvimento linguístico presenciado pela pessoa no momento que perdeu a audição, ou seja, teve uma perda auditiva antes de aprender ouvir e falar.

[7] A perda auditiva pó-lingual se relaciona às pessoas que perderam a audição depois de terem adquirido a linguagem, ou seja, já falava e compreendia sons e ordens.

[8] Típica: termo que se refere a algo comum o normal. Termo aplicado neste artigo para substituir o termo “normal” em relação às pessoas sem deficiência.