O testemunho, apesar de ser uma fonte de conhecimento bastante importante, é marginalizado ironicamente pelos epistemólogos. E tal desvalorização se deve ao fato que Locke e Hume reduziram o testemunho como uma fonte não confiável de conhecimento. O objetivo desse texto é demonstrar a importância que o testemunho tem como fonte de conhecimento.

Locke afirmava que as informações advindas das pessoas, são informações duvidosas e mesmo que possuam alguma verdade, não podemos fazer das palavras dos outros, uma fonte de conhecimento. Esta é a parte irônica e contraditória, porque os epistemólogos, que não aceitavam o testemunho pelo o fato que não se deve credibilizar a obtenção de conhecimento através das palavras alheias, credibilizaram e se apoiaram no testemunho de Locke, e por causa disto, marginalizaram a importância do testemunho. Mas a tese de não aceitabilidade de Lock no que concerne ao testemunho, é auto-refutante, pois, se levarmos em conta o pensamento de Locke, então não devíamos apoiar o pensamento dele, logo, não temos motivos para aceitar a tese da não credibilidade do testemunho.

David Hume observa o testemunho como uma forma de evidência indutiva, e estabelece princípios básicos da evidência indutiva, incluindo aí a evidência testemunhal: a probabilidade que se deve dar no que concerne ao acontecimento de um fato, é proporcional a quantidade das vezes que esse fato ocorreu. Por exemplo, há milhões de anos que todas às vezes que alguém solta uma pedra da mão, essa mesma pedra cai, então, existe uma grande probabilidade que essa pedra venha a cair novamente. Por tanto, para Hume, só devemos acreditar em um testemunho, se formos capazes de checar a ocorrência dos fatos no passado. Hume, de fato, só aceita o testemunho de alguém somente através do verificacionismo positivista. O que seria um problema, pois, teríamos que verificar empíricamente se aquele conhecimento de alguém, é verdadeiro ou não, e depois teríamos que verificar as causas que nos fizeram acreditar na veracidade do testemunho de alguém, e depois teríamos que verificar as causas das causas que nos fizeram aceitar que alguma idéia é verdadeiras ou não, levando assim a uma redução ao infinito. Em resumo, para aceitarmos um conhecimento testemunhal A teríamos que verificar A, verificando A, aceitamos A por causa de B, então temos que verificar B, verificando B, acharemos C, e assim vai sucessivamente a uma redução ao infinito. Este verificacionismo, que leva à redução ao infinito, foi muito bem relatado por Lewis Carroll no texto “O que a tartaruga disse a Aquiles”1.

É válido ressaltar que a idéia não é se alguém vai verficar ou não, idéia essa defendia por C.A.J. Coady, mas sim, que se alguém somente acredita em algo através do verificacionismo, essa pessoa está sujeito a ir a uma redução ao infinito.

C.A.J. Coady, critica a tese de Hume, afirmando que existe uma falha lógica, pois, o que garante que uma pessoa tenha realmente observado se tal fato tenha acontecido no passado? Com isso, Coady afirma que teremos de aceitar o testemunho do sujeito, quando ela afirma que observou o acontecimento dos fatos no passado. O que é difícil Coady aceitar, pois para ele, nem todas as pessoas irão verificar a veracidade da maioria dos relato que ouvimos dos outros. Essa tese de Coady também é refutada pelo o mesmo princípio da refutação da tese de Hume no que concerne ao verificacionismo.

Thomas Reid refuta a idéia de Hume afirmando que é possível obter conhecimento através do testemunho, com dois argumentos. O primeiro argumento, afirma Reid, que o fato do homem dizer a verdade, se deve ao fato de que essa atitude, é uma atitude inata de cada homem. A segunda é a tendência que nós temos de acreditar, primeiramente, no que os outros dizem. De fato, Thomas Reid possui uma visão Rousseauniana que o homem nasce “bonzinho” pois é inato desse homem “bonzinho” falar a verdade e acreditar na verdade. E se o homem, de acordo com Thomas Hobbes, nasce mau? Será que ele teria essa mesma tendência de falar e acreditar na verdade primeiramente?

Conclui-se então que se realmente fosse possível a não credibilidade do conhecimento através do testemunho, com certeza, não teríamos motivos de termos faculdades, escolas e universidades, por exemplo, pois não acreditaríamos nos professores e etc. Sendo assim, a credibilidade do testemunho, principalmente quando advindo das ciências, tende a ser aceita, não por que devemos aceitá-la forçosamente, mas sim por que as ciências, as instituições de ensino, entre outras, ou possuem melhores explicações se comparado às explicações religiosas, por exemplo, ou suas explicações têm uma maior probabilidade de serem verdades se comparada com a credibilidade que poderíamos dar aos religiosos, por exemplo.

 

REFERÊNCIA

 

  • HUEMER, M., Epistemology Contemporary Readings, Edited by Michael Huemer, with an introductio n by Robert Audi, London and New York: Routledge, 2002.

1Neste texto sobre “Aquiles e a tartaruga”, Carrol demonstrou inferêncialmente, que em todo sistema dedutivo, há uma premissa implícita não demonstrada e que leva a redução ao infinito.