INTRODUÇÃO

O presente artigo irá percorrer por alguns aspectos gerais do contrato do seguro, visando um melhor entendimento ao leitor para que no momento do cerne do trabalho possa proferir seus próprios comentários.

Pretende demonstrar o conflito existente entre as súmulas 105 do Supremo Tribunal Federal e a súmula 61 do Superior Tribunal de Justiça, em relação ao artigo 798 do Código Civil, no que diz respeito ao evento suicídio relacionado ao contrato de seguro.

Desta forma, será levado ao leitor o aspecto da carência da contratação do seguro de vida, em face do evento suicídio, bem como, a premeditação ou não do segurado no momento da contratação do mesmo.

1. ASPECTOS GERAIS DO CONTRATO DE SEGURO

O contrato de seguro esta definido no Código Civil em seu artigo 757.

Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.

Assim, o contrato de seguro pode ser definido como uma relação contratual, formada por uma parte contratante denominado segurado e por uma parte contratada denominada seguradora, em que ocorre a obrigação de um pagamento de um prêmio mediante vínculo da outra parte de posterior indenização, no caso da ocorrência de um evento coberto.

Logo seria correto afirmar que o objeto do contrato de seguro é o risco, em que mediante o pagamento de um prêmio o segurado transfere ao segurador.

Mais o que seria risco para o seguro?

O risco pode ser definido como o perigo ou possibilidade de perigo em que a pessoa ou coisa segurada estejam propensas a sofrer.

1.1 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS DE SEGURO

Os contratos de seguro são classificados em, bilateral, oneroso, aleatório, formal, adesão e boa-fé .

- Bilateral: o contrato de seguro é bilateral, já que gera obrigações a ambas as partes, ou seja, o segurado se obriga ao pagamento de um prêmio, enquanto a seguradora se obriga ao pagamento de uma indenização no caso de ocorrência de sinistro do objeto do contrato.

- Oneroso: pois o seu objetivo é trazer prestações entre as partes de caráter patrimonial, ou seja, pagamento do prêmio e pagamento de indenização.

- Aleatório: porque existe uma prestação por parte do segurado ao segurador, prêmio, sem que ambas as partes possam definir ou determinar o pagamento ou recebimento da indenização, que está condicionada a um evento futuro e incerto.

- Formal: o contrato de seguro na sua composição é tido como formal conforme transcrevemos os artigos. 758 e 759 do Código Civil.

Art. 758. O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio.

Art. 759. A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco.

- Adesão: Os contratos de seguro são classificados como contratos de adesão, visto que o segurado somente adere às clausulas já existente, onde não lhe é permitido qualquer modificação, ou seja, ele adere em sua totalidade ou o recusa.

- Boa-fé: Outro aspecto de extrema importância no contrato de seguro é a boa-fé, do qual encontramos descrito no artigo 765 do Código Civil Brasileiro, constante na Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, "O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes."

Assim, podemos interpretar a boa-fé como ato praticado pelas partes em que existe um confiança recíproca, chegando a torna-se cega, onde reside a certeza que as partes buscam somente a vantagem explicita na relação contratual, não existindo desta forma surpresas posteriores, desagradáveis.

Desta forma, seria correto afirmar que o ato de boa-fé em uma relação contratual, é sinônimo de um ato puro e cristalino como a água, de um ato de pai para filho, onde a traição ou trapaça, é repudiada e tida como imperdoável pela sociedade.

2. SUICÍDIO E CONTRATO DE SEGURO

O seguro de vida é acima de tudo uma garantia de que as pessoas que amamos tenham condições financeiras de se manter, no caso da ocorrência do óbito do segurado.

Um pai de família, por exemplo, adere a um seguro de vida para que no dia de sua morte a sua família tenha condições de se reestruturar financeiramente.

O Código Civil Brasileiro foi elaborado com uma cláusula exclusiva para os casos em que ocorra a contratação de um seguro de vida e posterior suicídio por parte do segurado.
Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros 2 (dois) anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.

Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado.

Conforme estipulado no art. 798 do Código Civil Brasileiro, o segurado que vier a suicidar-se no prazo de carência, 2 anos, contados a partir do início da contratação do seguro, os beneficiários não terão direito ao recebimento da indenização.

Em tese, essa carência de 2 anos foi criada pelo legislador visando a proteção da seguradora em face ao segurado que objetivasse a contratação do seguro para favorecer seus beneficiários mediante indenização securitária, em decorrência de suicídio premeditado.

Assim, para diversos doutrinadores, o período de carência da contratação do seguro em relação ao ato de suicido, constante no Código Civil, foi criado com o objetivo de coibir o enriquecimento dos beneficiários, mediante a contratação de um seguro e posterior suicídio premeditado por parte do segurado.

O legislador interpretava que o segurado possuidor da vontade de suicidar-se não iria esperar o prazo de 2 anos para favorecer seus beneficiários.

Desta forma, acompanhado tais pensamentos foi criada uma corrente doutrinária, que entendia que nenhuma pessoa contrata um seguro de vida com objetivo de suicidar-se após 2 anos de sua contratação.

2.1 SUICÍDIO VOLUNTÁRIO

O suicídio voluntário pode ser interpretado pelo ato consciente em que a pessoa suprime a própria vida, por razões diversas a transtornos ou doenças psicológicas, ou seja, o ato possui o nexo de casualidade com a vontade, livre de vícios.

Podemos citar o exemplo da grande diferença de renda entre as pessoas, desemprego, ou desestruturação financeira, a qual faz com que algumas pessoas encontrem a solução do seu problema no suicídio.

O pai de família que possui determinadas pessoas dependentes de sua renda, ao perder um emprego e ver as dívidas aumentarem, bem como, as necessidades pessoais de seus entes não serem supridas, busca diversas soluções muitas vezes em vão.

Contudo não são apenas as dívidas que o preocupam, logo não há mais dinheiro para os mantimentos e despesas necessárias a sobrevivência, como água e luz, fazendo com que este não encontre mais saída, optando pela contratação de um seguro de vida e posterior cometimento de suicídio, que a seu ver é a única maneira de pagar as contas e não faltar alimentos, visto que seus familiares serão beneficiados com a indenização do seguro de vida.

Não há formas de se julgar, pois no desesperado e no estresse que estes problemas nos trazem, faz com que o segurado não mais possua seu discernimento para diferenciar o certo do errado.

Para diversos doutrinadores o suicidio ocorrendo de forma voluntaria não possui amparo legal para o pagamento da indenização securitaria, já que essa forma é vista como agravamento de risco, modalidade que descaracteriza o contrato de seguro, bem como, pode ser interpretado como uma forma de incentivar a pratrica do cometimento do suicidio, fato esse punido em nossa legislação penal.
Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Pedro Alvin também cita um trecho de Clóvis Beviláqua na obra de Carvalho de Mendonça, "O suicídio para anular o seguro deve ser conscientemente deliberado, porque será igualmente um modo de procurar o risco, desnaturando o contrato."

Conforme interpretação de Pedro Alvim, no caso de sinistro ocorrido no período de carência independentemente de ocorrência voluntária ou involuntaria, somente deverá ser devolvido o prêmio acumulado, reserva técnica, não se falando de qualquer indenização.

Por fim, ele aduz que é devido o pagamento da indenização aos beneficiários, após decorrido o período de carência, mesmo quando comprovada a premeditação do suicídio, ou seja, suicídio voluntário, já que a cláusula restritiva de carência veio para encerrar a discussão do ato voluntário ou não, sendo negado o pagamento no período de carência e devido a indenização após o término da carência.

2.2 SUICÍDIO INVOLUNTÁRIO

O suicídio involuntário deve ser descrito como ato inconsciente em que a pessoa suprime a própria vida, em razões de transtornos ou doenças psicológicas.

Assim podemos citar, casos de depressivos suicidas, que perdem o controle de si próprio, saindo do seu eu e entrando em um mundo irreal que no seu inconsciente acredita existir, pois acaba vendo e ouvindo coisas que não fazem parte do mundo real, mas sim de sua imaginação confusa e deprimida, que o levam a um único fim, o suicídio, decorrente de transtornos psicológicos.

Nestes casos a indenização securitária não faz diferença em sua vida, pois o mesmo sai de seu consciente, não sendo mais dono de seus próprios atos, tornando-se um incapaz.

Tendo em vista os esclarecimentos supra citados, devemos ainda informar que grande parte doutrinaria entende que mesmo ocorrendo o suicídio do segurado no período de carência, qual seja, 2 primeiros anos a partir da contratação do seguro, é devido o pagamento da indenização securitária, desde que não comprovado o nexo causal entre a contratação do seguro e o suicídio, ou seja, desde que o ato de suicídio não seja voluntário.

2.3 ART. 798 DO NOVO CÓDIGO CIVIL X SÚMULAS 61 DO STJ E 105 DO STF

Conforme já exemplificado, não existe uma corrente doutrinaria pacifica sobre o assunto "suicídio no seguro de vida".

Contudo, pode-se dizer que existe um conflito entre as súmulas 105 do Supremo Tribunal Federal e a súmula 61 do Superior Tribunal de Justiça, em relação ao artigo 798 do Código Civil.

Ressaltamos que o conflito existe sob a ótica de conteúdo, bem como, do lapso temporal, qual seja, 1963, 1992 e 2002, respectivamente.

Súmula 105 de 13/12/1963

"Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro."

Súmula 61 de 20/10/1992

"O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado."

Código Civil Brasileiro 2002
Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.
Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado
Em primeiro momento, pode-se parecer que não existe duvidas a respeito da interpretação, já que teoricamente as súmulas seriam revogadas pelo novo dispositivo legal, constante no Código Civil.

Todavia, conforme é de conhecimento dos amantes do meio jurídico, o Direito em si não é uma ciência exata, ou seja, os dispositivos legais devem ser aplicados e interpretados conforme cada caso, bem como, deve-se ser visualizado as mudanças dos costumes socioeconômico. A prova dessas alegações podem ser verificadas na própria interpretação e aplicação das súmulas e do artigo, já relacionados, em que existe julgados favoráveis ao pagamento da indenização por suicídio em qualquer hipótese, desde que transcorridos a carência de 2 anos; ou o pagamento da indenização a qualquer tempo, desde que comprovado a involuntariedade do segurado no ato praticado; e até mesmo na interpretação em que a indenização deve-ser ser negada a qualquer tempo, caso fique comprovado que o segurado premeditou o seu ato de suicídio.

CONCLUSÃO

Em conclusão ao exposto, verificamos que o art. 798 do Código Civil, determina uma carência de dois anos da contratação do seguro de vida, para pagamento da indenização securitária, em que o segurado venha a se suicidar.

Essa carência propende à proteção da relação jurídica entre a seguradora e o segurado, visando um equilíbrio no mercado securitário, preservando a boa-fé que é caracteriza do Código Civil.

Entretanto, pode-se dizer que existe um conflito entre as súmulas 105 do Supremo Tribunal Federal e a súmula 61 do Superior Tribunal de Justiça, em relação ao artigo 798 do Código Civil, visto que as súmulas repudiam o pagamento da indenização securitária a qualquer tempo, desde que comprovado a premeditação do segurado na contratação do seguro, para posterior ato de suicídio. Enquanto o artigo 798 antecipasse a premeditação do segurado e impõe uma barreira no momento da contratação do seguro, qual seja, 2 anos de carência a partir da contratação para cobertura de eventos decorrentes de suicídio, inibindo assim a má-fé.

Contudo, após esse período de carência, a indenização torna-se devida, visto que esse artigo não mais discute se o suicídio foi decorrente de ato premeditado ou não, em relação ao seguro.

Todavia, deve-se entender que a negativa do pagamento da indenização só poderá ser utilizada quando comprovado o nexo causal entre a contratação e o suicido, protegendo assim a relação contratual, do dolo, onde o segurado contrata o seguro premeditadamente, com o objetivo de suicidar-se para garantir o pagamento da indenização securitária aos seus beneficiários.

Assim, fica evidente que tanto as súmulas quanto o artigo 798 do Código Civil, percorrem caminhos diferentes, mas com a mesma finalidade, qual seja, a proteção da relação jurídica em face ao ato de má-fé.