Introdução



O suicídio vem sendo definido como o acto de dar morte a si mesmo. Desde os tempos mais remotos, este tema polémico tem sido objecto de estudo em diferentes áreas do saber como é o caso da Filosofia, Psicologia e Sociologia. Um dos trabalhos mais notáveis sobre o assunto foi sem sombra de dúvidas a obra "O suicídio" escrita pelo sociólogo francês Émile Durkheim, que se destacou por ser o primeiro exemplo de como uma monografia sociológica deveria ser escrita.

Longe de ser um tema banal, o suicídio também atravessou a área das artes, área esta que em suas diferentes manifestações procura intervir na sociedade por forma a chamar atenção em relação à diversos assuntos que podem contribuir positiva ou negativamente para a sua integração. Na música, em particular, este tema também foi objecto de abordagem. No Hip-Hop Moçambicano, ou simplesmente Hip-Hop Moz, que pela sua evidente evolução tem merecido particular destaque neste blog, o suicídio já foi cantado, em diferentes vertentes, por váris rappers ou mc?s incluindo Azagaia, Coldman, Flash e Yazalde-Yazalde.

Embora seja do domínio de muitos, importa lembrar que o Hip-Hop é uma cultura artística que iniciou-se no início da décado de 1970 nas áreas centrais das comunidades jamaicanas, latinas e afro-americanas da cidade de Nova Iorque, que inclui quatro pilares essenciais: o Rap, o DJing, a Breakdance e o Grafite. Actualmente custuma se usar a expressão Hip-Hop para se referir apenas ao Rap (ou emceeing), que é o pilar do Hip-Hop referente ao discurso rítmico com rimas e poesias.

O objectivo deste artigo é, de uma forma resumida, descrever a visão dos rappers em relação ao suicídio e, na medida do possível, enquadrá-la segundo a classificação proposta por Durkheim. Espera-se desta forma mostrar até que ponto o Hip-Hop Moz cumpre com o seu papel de música de intervenção social e, ainda que de uma maneira informal, mostrar a possiblidade e a nacessidade de se fazer uma abordagem académica em relação ao Hip-Hop Moz.

Para análise, serão considerados excertos de letras musicais dos rappers Azagaia, Coldman, Flash e Yazalde-Yazalde, onde se aborde o suicídio, isto é, onde ocorra a palavra suicídio ou outras palavras relacionadas, tais como morte, vida ou kamikaze e, a seguir, conforme já foi referenciado, enquadrá-los segundo a classificação proposta por Durkheim.

Desenvolvimento

Para levar a cabo esta reflexão foi inevitável fazer uma rápida revisão bilbliográfica e das obras consultadas abordando esta questão, para além da própria obra de Durkheim, a mais útil foi a resenha feita por Amanda Noronha Fernandes. Portanto, alguns dos conceitos abaixo transcritos, serão baseados nesse artigo.

Durkheim, cuja obra servirá de base para classificar as visões dos rappers já anteriormente citados, estudou as causas do suicídio classificando-as, de acordo com as características, em três tipos: egoísta, altruísta e anômico.

Egoísta: Para Durkheim, o estado de egoísmo consiste em uma falha na integração, uma individualização excessiva com o meio social: o que há de social em nós fica desprovido de qualquer fundamento objectivo. Para o homem que se encontra nessa situação nada mais resta para justificar seus esforços e pouco importa o fim de sua vida, já que ele está pouco integrado com seu meio social. Por outras palavras, existem poucos laços socias para impedir que o indivíduo se mate.

Altruísta: É o oposto do egoísta. Neste tipo de suicídio os indivíduos encontram-se tão fortemente integrados que são sobrepostos pelo colectivo e por vezes sentem que têm o dever de se matar. Para o indivíduo que se sente coagido a tomar tal atitude, há certo heroísmo que a sociedade espera dele. Há, dentro dessa classificação, três outras menores: suicídio altruísta obrigatório (a sociedade impõe ao indivíduo), suicídio altruísta facultativo (não tão expressamente exigido), suicídio altruísta agudo (o indivíduo se sacrifica pelo prazer de fazê-lo).

Anômico: Difere-se dos dois tipos anteriores por acontecer quando o indivíduo não encontra razão nem em si mesmo nem em algo exterior a ele e a sociedade, por algum motivo, não está em condições de controlá-lo. É chamado de anômico porque ocorre em um estado excepcional que só se dá quando há uma crise doentia, seja dolorosa ou não, mas demasiado súbita, tornando a sociedade incapaz, provisoriamente, de exercer seu papel de reguladora.

Vistos os conceitos, vejamos agora de que maneira os rappers Azagaia, Coldman, Flash e Yazalde-Yazalde abordam a questão do suicídio nas suas músicas.

1. Azagaia, provavelmente, o mais proeminente dos rappers nacionais, não chega a abordar o tema de forma específica em nenhuma de suas músicas. Porém considera-se a si mesmo, passe a redundância, um kamikaze (suicida) pois em 'Babalaze', seu polémico álbum de estreia, o rapper faz duras críticas especialmente dirigidas, de forma explícita, ao governo de dia, que pela sua intensidade podem ser consideradas um verdadeiro suicídio. Este facto confirma-se nos seguintes versos extraídos da faixa ?Eu não paro?: "O nome do álbum é Babalaze/ Mas podem chamar Kamikaze/ Porque aqui comprometer-se com a verdade/ É suicidar-se. (...) Mas eu não estou sozinho/ Tenho o povo do meu lado/ Pronto p?ra marchar e derrubar a Frelimigrado".

2. Coldman, por sua vez, em ?Quando eu morrer?, faixa do álbum ?O vento sopra do Norte?, retrata a história de um homem que decide preparar-se para a morte uma vez que, diante de tanta miséria, falta de solidariedade e desigualdades socias, a sua vida aqui na terra não fazia mais sentido, deixando para trás a seguinte mensagem: "Recordem-me apenas como um sonhador/ Que morreu porque não conseguiu ver amor", e ainda um pedido: "Quando eu morrer/ Não chorem por mim/ Podem crer/ Doutro lado estarei feliz".

3. Flash Enciclopédia, um liricista por excelência, vai mais longe e em ?Episódio específico de loucura? , faixa da mixtape ?Mais Hip-Hop no teu ouvido Vol. 1?, descreve várias situações que levam uma pessoa ao suicídio: "O homem mata-se facilmente/ Quando está desligado da sociedade/ Mas também mata-se/ Se estiver demasiado integrado nela". E apresenta algumas possíveis soluções para que tal acto se evite: "Uma assistência moral mútua/ Que faz com que um indivíduo/ Em vez de estar reduzido às suas únicas forças/ Participe na energia colectiva/ E nela venha procurar alento... ". No entanto frisa que face à frustração não resta outra saída a não ser o suicídio: "Não vejo outra saída/ Tendência suicida/ Pego no revólver/ E divorcio-me desta vida"

4. Yazalde-Yazalde: No tema ?Eu vou me suicidar?, no qual conta com a cuplicidade do rapper Izlo H, o controverso Yazalde-Yazalde aliás Y-Not mostra-se bastante agastado pelo facto do seu optimismo não ter surtido efeito. Diz ter chegado ao limite da esperança e por isso decide se matar: "Eu vou me suicidar/ Eu vou me matar/ Eu quero um pouco de paz/ Vou procurar noutro lugar/ Cansei-me desta terra/ Avisem vossa gente/ Que agora vou morrer/ Para viver algo diferente". No entanto no fim da música pela voz de Izlo, mostra que a solução não é fugir dos problemas mas sim enfrentá-los e, por isso decide não se suicidar.


Conclusão

A linguagem usada nos textos musicais considerados é poética e, portanto, subjectiva. Por ser subjectiva, as conlusões a que se pode chegar através da sua leitura acabam sendo discutíves pois a subjectividade abre espaço para cada um tirar a conclusão que lhe parecer conveniente. Pese embora esse facto, não seria conveniente deixar o assunto em aberto portanto, vemo-nos obrigados a arriscar a concluir, esperando, no entanto, não estarmos muito longe da conclusão a que muitos irão chegar.

A insatisfação perante a maneira como a sociedade encontra-se organizada, é comum para todos os quatro intervenientes acima considerados. E é também comum a ideia de que pôr fim à própria vida é a única válvula de escape em uma sociedade onde os níveis de injustiça, desigualdades sociais, pobreza e outras irregualridades estão cada vez mais crescentes. Verifica-se portanto, um estado onde existe uma fraca regulação social entre as normas da sociedade e o indivíduo e essa fraca regulação faz com que o indivíduo se isole cada vez mais da sociedade e se sinta cada vez menos necessário para tal sociedade. Isto remete-nos a um efeito combinado dos suicídios dos tipos anômico e egoísta, principalmente em Coldman, Flash e Yazalde-Yazalde. Em Azagaia o tipo de suicídio predominante é o altruísta, uma vez que este se sente de tal forma compromentido em levar a verdade à tona mesmo sabendo que tal acção põe em perigo a sua vida.

Fica deste modo comprovado que Hip-Hop Moz cumpriu, uma vez mais, com o seu papel de música de intervenção social e que merece consideração e destaque nos diferentes círculos do saber, em especial nas área das Ciências Sociais.

Bibliografia:

1. DURKHEIM, Émile. O suicídio.
2. O Suicídio, Émile Durkheim publicado 14/09/2009 por Amanda Noronha Fernandes em http://www.webartigosos.com/

Outras fontes:

1. http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Suicídio


2. http://pt.wikipedia.org/wiki/Hip-hop

3. http://pt.wikipedia.org/wiki/Rap