Rio na Sombra

Som
frio.

Rio
Sombrio.

O longo som
do rio
frio.

O frio
bom
do longo rio.

Tão longe,
tão bom,
tão frio
o claro som
do rio
sombrio!

Cecília Meireles

A arquitetura do poema compõe-se por um valor sugestivo pautado, predominantemente, na musicalidade. Cecília Meireles se vale da melopéia na construção do sentido; joga com a sonoridade dos referentes, com a qual dita o tom do poema.

A estrutura paratática, sem ligação lógica entre os versos, principalmente, devido à falta de conectivos e verbos, é feita por um processo de montagem; no qual o leitor vai relacionando os versos de forma analógica, sendo um construtor do sentido, escutando, buscando e rebuscando a todoo momento uma clareira que o deixe visualizar o sentido desse rio sombrio.

A entrada do leitor no poema se dá com:

SOM

FRIO

Nesses dois versos iniciais, tem-se um jogo, pois na palavra frio encontra-se a palavra Rio. Então, a leitura também desses versos de maneira sugestiva pode ser : "O som frio do rio". Isso acontece porque o rio está presente em todo poema, ele se incorpora nas outras palavras, ou seja, se materializa.

RIO

SOMBRIO

Nos versos acima, a palavra rio se presencia novamente em outro vocábulo: somBRIO. Contudo, outra palavra está presente a palavra SOM. Nesse sentido, surge uma cópula sígnica, a palavra sombrio leva em si mais do que seu próprio sentido, carrega outras palavras, dá a luz a outros signos.

Cecília joga com o leitor, fazendo-o entrar no rio sombrio,que é o próprio poema,com sua correnteza, de forma plástica. O sentido estrutura-se na escuta do tom, porque as palavras estão arranjadas em símile notas musicais; o leitor tem ler o compasso, o ritmo. Para isso, ele precisa desautomatizar os ouvidos, perceber a leveza da música que dá um tom de calma, melancolia e solidão.

A autora pactua com o leitor da sensação do longo somdo longo rio na sombra. Paralelismo evidenciado na terceira e na quarta estrofe:

O longo som
do rio
frio.

O frio
bom
do longo rio.

Uma experiência estética que envolve uma educação dos sentidos: um novo sentir para o mundo desgastado pela visão. A imagem agora se dá pela música.O som tem plasticidade, torna-se claro e rico de mensagem,estabelecendo um encontro semiótico que vai além do esperado. As rimas não são junções apenas de sons iguais, mas o encadeamento do sentido pelo procedimento de analogia sonora: Rio, Frio, Sombrio. As rimas no poema revelam o sentido profundo: o correr do riosombrio por todas as palavras.

Ao final do poema, verifica-se a beleza, a contemplação de se escutar o som do longo rio, cuja distância não retira seu valor estético. Isso vale também para o corpus poema, pois a dificuldade de encontrar o sentido, não retira seu valor. Ao contrário, desperta o leitor para a busca semiótica.

Tão longe,
tão bom,
tão frio
o claro som
do rio
sombrio!


Vicente Alves Batista.
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