O SÓCIO-INTERACIONISMO VYGOTSKIANO

Fausto Paes da Silva*

Elbes Adriano de Oliveira Lima**

Marcos César dos Santos Silva***[*]

RESUMO

O presente estudo visa analisar como se processa o desenvolvimento da criança e sua relação como o meio na visão sócio-interacionista criada por Vygotski, perpassando pelo processo de internalização, mediação e aquisição da linguagem como instrumento principal de sua interação com o meio social. Nessa abordagem não poderiam ficar de fora as etapas do desenvolvimento da linguagem e sua significação enquanto critério indispensável da palavra. Por meio desse estudo predende-se ainda provocar uma discussão acerca de sua utilização na educação enquanto instrumento norteador e extremamente relavante para o debate.

PALAVRAS CHAVE: Desenvolvimento, Aprendizagem, Linguagem, Interacionismo.

 

 

  1. INTRODUÇÃO

            Ao longo da história da Psicologia muitos estudiosos tentaram compreender como se processa a aprendizagem. Varias foram as teorias criadas a partir de pesquisas e de reflexões sobre o desenvolvimento humano. Entre as teorias da aprendizagem destacam-se:

  • A teoria Ambientalista quem tem em Skinner e Waston seus principais representantes. Segundo ela, as crianças nascem como um livro em branco, e que vão aprendendo tudo a partir do ambiente por processos de imitação e reforço;
  •  A teoria Inatista, defendida por Chomsky diz que a criança nasce como tudo de que precisa biologicamente para se desenvolver, e que o ambiente apenas dispara seu desenvolvimento, não influenciando em nada no seu aprendizado;
  • A teoria Construcionista de Piaget diz que todo o desenvolvimento da criança é construído a partir de sua interação com o meio em que vive e que seu aprendizado vem deste ambiente por meio das relações estabelecidas;
  • A teoria Sociointeracionista desenvolvida por Vygotsky, afirma que o desenvolvimento humano dá-se por meio de relações sociais entre indivíduos de um mesmo grupo cultural através de processos de interação e mediação (RABELLO e PASSOS, 20__).

Neste caso nos deteremos na teoria Sociointeracionista de Vygotsky, por considerar sua teoria um marco não só para a psicologia, mas também para a educação. Não obstante pode-se considerar que esse estudo é apenas um apanhado geral dado a complexidade do tema.

A aprendizagem é um fenômeno extremamente complexo, o qual envolve aspectos cognitivos, emocionais, orgânicos, psicossociais e culturais. Ela é resultante do desenvolvimento de aptidões de conhecimentos, bem como da transferência destes para uma nova situação (RESENDE, 2010).

  1. 2.   DESENVOLVIMENTO

 

As relações interacionistas humanas partem das experiências vividas pelo individuo com o meio. Partindo desse principio pode-se afirmar que o individuo só desenvolve-se culturalmente, socialmente e intelectualmente se estiver inserido em um meio que possibilite relacionar-se com outros. Foi este o pensamento de Vygotsky, quando de seus estudos ele analisou o processo de desenvolvimento das relações humanas e sua relação com o meio.

Para Vygotsky, o processo de aprendizagem e assimilação ocorre de fora pra dentro, ou seja, a criança ao nascer começa a perceber tudo em sua volta e com o passar do tempo ela busca internalizar tudo o que vê, ouve ou sente. Nesse processo de internalização a criança, por meio da imitação, começa a reproduzir mentalmente e em seguida através de ações tudo que seus sentidos lhes permitem entrar em contato, criando assim uma relação com os elementos constituidores do meio em que está inserida. Um dos exemplos dessa internalização é a seleção de sons que seu cérebro fará para dar origem a linguagem verbal, meio pelo qual toda a assimilação da cultura humana ocorre. Essa assimilação se dá inicialmente por meio de imagens através do sentido da visão, e do som capitado pelo sentido da audição e gradativamente se transforma em resposta ao estimulo externo criando assim uma interação.

A relação estabelecida entre o homem e o meio sócio-cultural, constitui-se num dos principais fundamentos explicativos do processo de desenvolvimento humano na perspectiva sócio interacionista de Vygotsky merecendo destaque especialmente quando relacionamos ao contexto educacional visto que inúmeros problemas relativos aos processos de aprendizagem podem ser explicados a partir dessa ótica, merecendo ser considerado por educadores como de suma importância o seu esclarecimento, e a apropriação desses conhecimentos(...) (RIBEIRO e MENDES, 2001).

            Nessa concepção, não há como dissociar-se do principio de mediação, visto que “o individuo ao estabelecer relações, necessariamente precisa contar com um elemento intermediário” (RIBEIRO e MENDES, 2001). Neste caso deve-se levar em consideração dois tipos de atividades mediadoras:

Os instrumentos, que são considerados como atividade externa, a partir do momento em que o indivíduo se apropria exercendo o controle da natureza; e os signos, considerados como atividade interna, por isso adotados por Vygotsky como instrumentos psicológicos porque exercem o poder de controlar as ações psicológicas dos indivíduos (RIBEIRO e MENDES, 2001).

            Nesse processo de mediação citado por Vygotsky observa-se que “o homem, gradativamente adquire a capacidade de substituir o real por representações simbólicas” (REGO apud RIBEIRO e MENDES, 2001), e assim ele consegue relacionar-se com o mundo e com o que está em sua volta. Tal capacidade é vista por Vygotsky como sendo uma característica exclusiva do homem que ele chama de “processo superior”, e é esse processo que possibilita a interação entre o pensamento e a realidade concreta.

            Mas toda essa interação e capacidade de representação da realidade só são possíveis por meio de um elemento característico do homem, a linguagem, pois é através dela que toda a relação social humana se estabelece. Para Vygotsky a linguagem tem a função social de intercâmbio e é por meio dela que a criança recebe toda a experiência vivida pelo grupo construindo assim a sua cultura. É também a linguagem responsável pela mediação na medida em que ela possibilita a internalização de conceitos e a expressão dos signos adquiridos por meio da transmissão da cultura.

Nesse sentido, a linguagem é o principal mediador na formação e no desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Ela constitui um sistema simbólico, elaborado no curso da história social do homem, que organiza os signos em estruturas complexas permitindo, por exemplo, nomear objetos, destacar suas qualidades e estabelecer relações entre os próprios objetos. (LUCCI, 2006)

Assim sendo o processo de interação da criança com o meio se dá principalmente pela linguagem seja ela gestual, verbal ou escrita.

Mas como se processa a aquisição da linguagem?

O surgimento da linguagem, (...) representa um salto qualitativo no psiquismo, originando três grandes mudanças. A primeira está relacionada ao fato de que ela permite lidar com objetos externos não presentes. A segunda permite abstrair, analisar e generalizar características dos objetos, situações e eventos. Já a terceira se refere a sua função comunicativa; em outras palavras, “a preservação, transmissão e assimilação de informações e experiências acumuladas pela humanidade ao longo da história”. (LUCCI, 2006)

            São duas vertentes que, para a psicologia, explicam a aquisição da linguagem: a primeira, proposta inatista, que tem em Chomsk seu principal defensor, defende que a linguagem é uma função biológica que nasce com o ser humano e que o meio é responsável por despertá-la; a segunda, proposta interacionista, defendida por Piaget e Vygotsky entre outros, diz que a linguagem é aprendida com o meio em que a criança está inserida. O que justificaria, por exemplo, o fato de uma criança nascida em um país e levada ainda bebê a outro de língua completamente diferente aprender a língua do país em que foi criada e não do país de origem.

            No entanto nos deteremos neste estudo sobre aquisição da linguagem na proposta interacionista mais precisamente na visão de Vygotsky.

Para Vygotsky, a aquisição da linguagem passa por três fases: a linguagem social, que seria esta que tem por função denominar e comunicar, e seria a primeira linguagem que surge. Depois teríamos a linguagem egocêntrica e a linguagem interior, intimamente ligada ao pensamento (RABELLO e PASSOS, 20__ ).

           

                        Na primeira fase, a da linguagem social, a criança tá buscando comunicar-se, é nessa fase que ela amplia seu vocabulário e passa a denominar coisas e objetos.

            Na segunda fase ela passa pela linguagem egocêntrica, quando ela emite a fala para si mesmo, nessa fase ela começa a organizar seus pensamentos e planejar ações, e é necessário ouvir a si própria, já que ainda não é capaz de resolver seus problemas apenas no campo do pensamento assim como fazem os adultos. Essa fase “é marcada pela curiosidade da criança pelas palavras, por perguntas acerca de todas as coisas novas ( “o que é isso?”) e pelo enriquecimento do vocabulário” (RABELLO e PASSOS, 20__).

            Já na terceira e ultima fase ela começa a pensar as palavras sem necessariamente verbalizá-las, esta etapa é a fase do discurso interior, onde a criança pensa em palavras. Ainda não é o pensamento propriamente dito, pois este “é um plano mais profundo do discurso interior” já que o pensamento é feito de ideias que muitas vezes é preciso um vocabulário extenso para externa-lo. No entanto a criança nessa fase começa a adentrar no plano das ideias e no pensamento.

            Passado as três fases de aquisição da linguagem a criança começa a representar a realidade segundo os conceitos culturais aprendidos com o grupo social a que pertence. Mas a importância da linguagem vai mais alem, e as necessidades de comunicação aumentam a medida que aumentam as relações com a natureza.

A importância da comunicação, aumenta na medida em que o homem transforma a natureza em seu benefício, e essa transformação denominada de trabalho, pressupõe informações especificas que compartilhadas contribuirão para o desenvolvimento da espécie humana ( RIBEIRO e MENDES, 2001).

            O fato é que para o homem, enquanto ser social, a linguagem torna-se cada vez mais importante, pois que sem ela não há como estabelecer relações sociais concretas. A linguagem torna-se indispensável à medida que o homem está sujeito à socialização visto que surgem oportunidades de comunicação por meio da ação coletiva e de sua interação no meio em que vive.

            A linguagem então passa a ser um instrumento fundamental no processo de desenvolvimento da criança, posto que ela materializa e dá forma as aptidões humanas. No entanto como instrumento ela é produzida socialmente e historicamente podendo variar conforme o grupo social ao qual a criança está inserida.

            A vista de que a significação das palavras “é um fenômeno do pensamento” que “parte de generalizações e conceitos ocorridos no pensar e não na fala” (RIBEIRO e MENDES, 2001) pode-se então afirmar que esse significado é portanto critério indispensável da palavra capaz de aproximar a criança dos conceitos culturais do seu grupo social.

            Para Vygotsky o processo de transformação dos significados é algo continuo e que, a medida em que vão se vivenciando experiências novas, tende a diminuir, porém ele difere o significado  do sentido, ao afirmar que o significado “é a compreensão das palavras de forma objetiva” enquanto que o sentido é resultante das experiências vivenciadas por cada individuo.

Partindo desse pressuposto, Vygotsky enfatiza o papel do educador no sentido de contribuir, intervindo na formação da estrutura conceitual através das diversas disciplinas científicas, e no que se refere a apropriação dos conceitos científicos na informação mediante a Educação Infantil ( RIBEIRO e MENDES, 2001).

            Vygotsky afirma que “embora os conceitos não sejam absorvidos já completamente formados, a instrução e a aprendizagem desempenham um papel predominante na sua aquisição” ( VYGOTSKY, 19__, p.55).

            Assim sendo, a educação tem um papel importante no desenvolvimento dos conceitos e portanto cabe a educação a sistematização destes para uma melhor assimilação garantindo assim a transformação dos significados e elaboração dos sentido antes empíricos em conceitos científicos.

A instrução escolar induz o tipo de percepção generalizante, desempenhando assim um papel decisivo na conscientização do processo mental por parte da criança. Os conceitos científicos, com o seu sistema hierárquico de inter-relações, parecem ser o meio em que primeiro se desenvolvem a consciência e o domínio do objeto, sendo mais tarde transmitidos para outros conceitos e outras áreas do pensamento. A consciência reflexiva chega à criança através dos portais dos conceitos científicos. ( VYGOTSKY, 19__, p.58).

            Para Vygotsky, a aprendizagem ocorre a partir das relações do individuo com outro e que sua relação com o mundo é também mediada pelo outro. Assim sendo, “não há como aprender e apreender o mundo se não tivermos o outro, aquele que nos fornece os significados que permitem pensar o mundo a nossa volta” (BOCK et al, 2001). Nessa afirmativa Vygotsky diz que não nascemos prontos, mas nos desenvolvemos na medida em que o tempo passa através de nossas experiências e de nosso contato com o meio social.

Nessa perspectiva, “A escola surgirá, então, como lugar privilegiado para este desenvolvimento, pois é o espaço em que o contato com a cultura é feito de forma sistemática, intencional e planejada” (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 2001). Em suma é no espaço da escola que as interações se consolidam, pois o professor e os colegas cumprem o papel de mediadores da cultura e dos conceitos a serem adquiridos pela criança possibilitando assim, o seu desenvolvimento.

  1. 3.   CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Falar das teorias de Vygotaky, não é algo fácil, dada a complexidade de seus intentos. Porém, não se pode deixar de lado sua genialidade e contribuição para ciências psicológicas e para a educação. O fato é que ele tornou-se um ícone da Psicologia e é referência importante no estudo da aprendizagem e da educação no mundo todo.

Suas ideias tem norteado estudos de diversos cientistas das mais variadas áreas, alem de contribuir veementemente para a melhoria da qualidade de ensino, haja visto que, ao se compreender melhor o processo percorrido para aquisição e assimilação da aprendizagem e como se processa o desenvolvimento da criança, torna-se mais fácil encontrar saídas para os problemas decorrentes das dificuldades de aprendizagem.

Visto por esse âmbito, as teorias de Vygotsky tornam-se extremamente relevantes, posto que ela nos permite uma reflexão mais profunda sobre o como e quando se aprende, alem de nos colocar nas mãos a responsabilidade de ir adiante no processo facilitador  dessa aprendizagem.

  1. 4.    REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

LUCCI, Marcos Antonio. A Proposta de Vygotsky: a psicologia sócio-histórica. Revista de currículum y formación del porofesorado, v.10, n.2, p.1-11, Dezembro, 2006. Disponível em <http://www.ugr.es/local/recfpro/Rev102COL2

port.pdf> Acesso em 04 de maio de 2013. Online.

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 492. Disponível na Internet http://groups.google.com/group/digitalsource Acesso em 18 de abril de 2013. Online.

RABELLO, E.T. e PASSOS, J. S. Vygotsky e o desenvolvimento humano. Disponível em <http://www.josesilveira.com> Acesso em 03 de maio de 2013. Online.

RESENDE, M. L. M. Vygotsky: Um olhar sócio-interacionista do desenvolvimento da língua escrita. Disponível na Internet http://www.profala.

com/artpsico108.htm.  Acesso em 03 de maio de 2013. Online.

RIBEIRO, C.; MENDES, P. R. As Contribuições de Piaget e Vygotsky para a

Formação do Professor (a) da Educação Infantil de 0 a 6 anos. Belém, 2001. 62 p. Monografia (Graduação em Pedagogia) – Universidade da Amazônia.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. eBooksBrasil.com. Disponível na Internet http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/vigo.html Acesso em 22 de maio de 2012. Online



*Professor  da rede municipal de ensino da cidade de Venturosa-PE, tendo sido licenciado em História pela AESA/CESA, com especialização  “Lato Senso” em Programação do Ensino de História pela UPE e Mestrando “Strictu Senso” em Ciências da Educação e Multidisciplinaridade pela FACNORTE (Faculdade do Norte do Paraná). Atuou também como conselheiro do FUNDEB da cidade de Buíque-PE.

**Professor da rede particular de ensino da cidade de Arcoverde-PE e professor contratado pelo Estado de Pernambuco, tendo sido licenciado em Língua Portuguesa pela AESA/CESA, com especialização  “Lato Senso” em Língua Portuguesa pela UPE e Mestrando “Strictu Senso” em Ciências da Educação e Multidisciplinaridade pela FACNORTE (Faculdade do Norte do Paraná).

***Professor da redepública do Estado da Bahia, tendo sido licenciado em História pela AESA/CESA, Mestrando “Strictu Senso” em Ciências da Educação e Multidisciplinaridade pela FACNORTE (Faculdade do Norte do Paraná). Atuou também como gestor nas Escolas Antonio Francisco de Souza (1987 - 2005) e Dr. Antonio Sérgio Carneiro (2010 – 2012) ambas em Itiruçu-BA.