Verônica do Nascimento Graeser

RESUMO: Numa mesma Instituição Federal Republicana existem dois sistemas políticos antagônicos e ao mesmo tempo paralelos. O liberalismo defende a tese da necessidade do individualismo para uma maior autonomia contratual inicialmente burguesa, e a democracia por sua vez, visando um bem comum a toda uma sociedade, formalmente igualitária. O poder popular realizado por meio de sindicatos, associações e partidos, e o poder político garantido numa maior proporção à todos aqueles que detêm efetiva participação sócio-econômica. Seria verdadeiro o conceito de liberdade que nos é posto com o crescimento desfreado do Capitalismo? Ou o conceito de liberdade e igualdade foi lapidado formalmente para atender uma autonomia econômica para o crescimento da antiga burguesia? Surgem assim, na própria Constituição normas antagônicas que por vezes são igualitárias e, outras vezes, individuais e específicas.

Palavras-chave: Liberalismo. Democracia. Brasil e os sistemas políticos. Liberdade dos indivíduos. Estado liberal e democrático.  Antagonismo.

 O liberalismo é uma criação originalmente americana, foi uma forma de se procurar a liberdade individual dos sujeitos. Conforme o livro “Liberalism, is Theory and Practice” de Theodore Meyer Greene o liberalismo envolve uma atitude liberal, dotada de autonomia. Um sistema político e econômico que formalmente funcionou para um início de um desenvolvimento de um Estado que queria se ver livre de uma Monarquia, ou mesmo de uma época feudal.

 

O filósofo John Locke, em sua obra o “Ensaio do Entendimento Humano”, escrita em 1690, passa a compreender o indivíduo de forma isolada à sociedade. Como se cada pessoa tivesse seus anseios e vontades que poderiam ser expressas de forma mais autônoma. Para Locke, era como se “cada indivíduo fosse uma folha em branco que iria recebendo as informações de acordo com o meio que viviam. Como se na folha começasse então os primeiros registros e a continuidade e as conseqüências do que seria escrito e fixado à folha”. O filósofo foi um dos ideólogos do Iiberalismo, apresentando uma posição contra o Absolutismo na Inglaterra, sistema político e social que estava relacionado à Monarquia Inglesa presente desde o século XVIII.

Segundo a Enciclopédia “Brasil 500 Anos” realizada pela redatora Mara Ziravello, a Europa no final do século XVIII, foi palco de transformações sociais, econômicas que estavam se chocando com o absolutismo. Eram contradições dispostas no próprio sistema econômico existente. Inicialmente na França, o pensamento contraditório ao absolutismo repercutiu em todo o Atlântico, era o início de uma Revolução Francesa, com os povos europeus aclamavam por liberdade.

“Com a revolução americana e a independência dos Estados Unidos da América, tem início um processo que marca o começo da derrocada de um sistema político e de uma forma de organização da sociedade. Desde então, o poder absoluto dos reis, assim como os privilégios da nobreza e do clero, passou a ser contestado de forma cada vez mais agressiva. No tocante à economia, os privilégios da nobreza e do clero embaraçavam o progresso na produção de riqueza material, pois impediam a consolidação de mercados nacionais uniformes”. (ZIRAVELLO. “BRASIL 500 ANOS”. A ERA DAS REVOLUÇÕES, 1999, p.258)

 A burguesia queria poderes políticos para o desenvolvimento econômico natural do sistema capitalista que estava surgindo. O Terceiro Estado continha também a participação dos proletariados. Segundo a Enciclopédia Novo Conhecer 2000, da Editora Nova Cultural, os proletariados eram pequenos artesãos, plebeus, e camponeses que até então não tinham ninguém que pudesse representar seus interesses, existia então uma maioria de uma população que não detinham poder econômico (apenas força de trabalho), e uma minoria intelectual daqueles que detinham grande poder econômico. Com o vencimento da burguesia, tendo seu início na Revolução Francesa, iniciou-se no final do século XVIII a Revolução Industrial.

As rebeliões americanas contra o absolutismo foram conseqüências da Revolução Francesa em que os burgueses buscavam o liberalismo econômico e político.

“Quanto mais o mundo brigava contra o chamado Antigo Regime, mais a Coroa portuguesa reforçava seus métodos seculares de colonização no Brasil. As novas idéias penetravam na Colônia apesar do rigoroso controle da administração, que buscava impedir a sua propagação.” (ZIRAVELLO. “BRASIL 500 ANOS”. Os Inconfidentes e seus ideais, 1999 p. 266)

 Num momento inicial, a partir de 1750, contra o absolutismo no Brasil se buscou o ato da liberdade política, econômica e cultural, retrato disso são os inconfidentes (dito como aqueles que traem a confiança da Monarquia Portuguesa) que conspiraram contra a corte Portuguesa em busca da liberdade. Ao mesmo tempo em que a corte e a Igreja Católica detinham o poder, num outro quadro existia a desigualdade social, cada vez mais abrangente juntamente com a imobilidade do crescimento econômico de um indivíduo que não pertencesse ao clero, ou a uma família burguesa, era o início de uma mendicância e de pessoas que se sujeitavam a um trabalho escravo não remunerado em troca da subsistência. Um dos principais confidentes relatados na história do Brasil, Tiradentes, se perguntava como poderia existir uma cultura religiosa tão bem formada e ao mesmo tempo pessoas que não tinham o que comer, passando fome e frio nas ruas em nome de uma fé que pertencia apenas aqueles que detinham poder Monárquico.

Surge então, a prática do liberalismo, numa defesa da liberdade econômica burguesa. Mas teriam liberdade o restante da população que não detinham participação ativa na sociedade econômica do Brasil?

“Referimo-nos ainda aos direitos civis garantidos pela Constituição como sendo “inalienáveis”, e inclinando-nos a crer que eles, portanto, permanecerão eternamente nossos. São, de fato, inalienáveis no sentido de que ser livre está na própria natureza do homem e em seu próprio destino. Não são, porém, inalienáveis no sentido de que todo homem, forçosamente, os possui e os desfruta. Sabemos que a maioria dos povos jamais conheceu a liberdade como a conhecemos” (GREENE. “LIBERALISM, ITS THEORY AND PRACTICE, 1957 p. 11)

Para Theodore Meyer Greene, o liberalismo não nasceu de forma democrática pela maioria, e sim, pela burguesia do século XVIII, que fomentavam grande parte da economia e que desejavam, portanto, maior autonomia, menos impostos cobrados da Monarquia e poder de crescimento funcional de seus comércios, sendo bancos, lojas e venda inclusive de serviços próprios.

“A atitude liberal é a expressão natural da fé na liberdade. Se cremos na liberdade, é, então, nosso desejo agir sem coibições; consideraremos essa liberdade como direito nosso e o defenderemos, mesmo sendo dos outros, com a mesma diligência com que defendemos o nosso. Não podemos ter liberdade, a menos que nela acreditemos, e essa crença, em si mesma, deve exprimir atitude liberal para com os outros” (GREENE, THEODORE MEYER, “LIBERALISM, ITS THEORY AND PRACTICE, 1957, p. 31).

Para Norberto Bobbio, italiano, filósofo e pensador político a existência de um sistema liberal-democrático, não é “nada linear”, pois tratam-se de sistemas conflitantes que se contradizem na própria jurisdição de um Estado.

“Um Estado liberal não é necessariamente democrático: ao contrário, realiza-se historicamente em sociedades nas quais a participação no governo é bastante restrita, limitada às classes possuidoras. Um governo democrático não dá vida necessariamente a um Estado liberal: ao contrário, o Estado liberal clássico foi posto em crise pelo progressivo processo de democratização” (BOBBIO. “LIBERALISMO E DEMOCRACIA”, 1994, p. 8).

Bobbio, em sua obra “Liberalismo e Democracia” levanta a indagação daquilo que une a doutrina dos Direitos Humanos e o contratualismo, como sendo uma concepção individualista e necessária para um sistema liberal, visando a liberdade individual. A crítica do autor é o indivíduo sendo uma figura anterior a sociedade, e para um sistema democrático essa relação não poderia coexistir.

“O contratualismo moderno representa uma verdadeira reviravolta na história do pensamento político dominado pelo organicismo na medida em que, subvertendo as relações entre indivíduo e sociedade, faz da sociedade não mais um fato natural, a existir independentemente da vontade dos indivíduos, mas um corpo artificial, criado pelos indivíduos à sua imagem e semelhança e para satisfação de seus interesses e carências e o mais amplo exercício de seus direitos” (BOBBIO. “LIBERDADE E DEMOCRACIA”, 1994, p. 15)

No sistema liberalista o Estado contém também suas limitações de intervenção, podendo existir de forma mais autônoma a criação de empresas, influências econômicas diretas ao Estado e as co-relações do poder governamental. Neste aspecto o conceito democrático da sociedade se faz contraditório à defesa da sociedade. O indivíduo passa a ser categorizado como peça fundamental para o desenvolvimento Estatal e a sociedade passar a ser uma conseqüência das atividades restritas aos indivíduos. Para Bobbio, existiria então uma democracia formal e não substancial.

“O princípio da igualdade perante a lei pode ser interpretado restritivamente como uma diversa formulação do princípio que circula em todos os tribunais: “A lei é igual para todos”. Nesse sentido significa que o juiz deve ser imparcial na aplicação da lei e, como tal, faz parte integrante dos remédios constitutivos e aplicativos do Estado de direito, sendo assim inerente ao Estado liberal.” (BOBBIO. “LIBERDADE E DEMOCRACIA”, 1994, p. 40)

 Um Estado liberal tem a tese da liberdade e do individualismo, sendo o sujeito ativo e passível de impor seus valores, desejos e almejar crescimento no meio em que vive. Para um Estado democrático se defende a tese da democracia igualitária, com a imposição de que a sociedade é vista como um todo, órgão ativo e com formulação política e econômica igualitária. Ter uma democracia formal no Brasil é como defender uma Constituição Civil forjada a um sistema Liberal que não atende as necessidades de uma sociedade igual perante a lei. São poderes políticos e econômicos formulados para atender um ideal antigo burguês, daqueles que são os possuidores do poder sócio-econômico no país e que estão longe de ser a maioria no sistema Capitalista que necessita da liberdade formal e da tirania daqueles que detém o poder.

REFERÊNCIAS

 

BOBBIO, Norberto. “Liberdade e Democracia”. Tradução Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Editora Brasiliense, 2005.

GREENE, Theodore Meyer. “Liberalism, its Theory and Practice”. Tradução de Leonidas Gontijo de Carvalho.São Paulo: Instituição Brasileira de Difusão Cultural S. A., 1963.

ENCICLOPÉDIA NOVO CONHECER 2000. “História da Idade Moderna à época Contemporânea”, Fascículo 3. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1995.

ENCICLOPÉDIA NOVO CONHECER 2000. “História Brasil”, Fascículo 6. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1995.

ENCICLOPÉDIA NOVO CONHECER 2000. “Estado e Sociedade”, Fascículo 7. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1995.

ZIRAVELLO, Mara. “Brasil 500 Anos”. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999.