Desde a instituição do Estado de Rondônia, da constituição do seu funcionalismo público, em especial, os ligados a educação, jamais houve um governante tão determinado em domesticá-los, submetê-los, animalizá-los e humilhá-los como o atual governador Ivo Cassol. Neste sentido ele veio mesmo "fazer a diferença" pelo o menos na vida dos servidores público. As medidas administrativas, no que diz respeito à gestão dos recursos humanos disponíveis do e no Estado, que seu governo vem executando ao longo deste seu mandato, vem causando não só um enorme desconforto, como também, uma enorme insatisfação, infelicidade, desencanto e até desespero de muitos que enxergaram no trabalho, dentro do serviço público, uma forma de realização pessoal. Não se trata apenas da questão dos baixos salários pagos, mas das péssimas condições de trabalho que lhes são oferecidas. Nenhum governante anterior conseguiu chegar ao extremo que este está chegando; de causar tanto mal-estar a tantos funcionários públicos em tão pouco tempo a ponto de até integrantes da polícia militar, proibidos por lei de serem cidadãos [paradoxal não é?], estão externando sua insatisfação crescente em conversa na fila de banco por exemplo. Os reflexos de tal situação se agravarão e, mais cedo ou mais tarde, terão suas conseqüências políticas e sociais. É só uma questão de tempo. Mas, entre todos os efeitos nefastos desse jeito draco-cassolista de gerir o Estado que os funcionários públicos estão constatando a duras penas, existe um outro lado, muito mais duro ainda de ser constatado pelos trabalhadores da educação em especial. É a constatação de sua responsabilidade nesta história; da sua cumplicidade por tudo de ruim que lhe vem acontecendo; do que há de "cassolismo" no seu jeito de ser e de pensar que corrobora com sua maldita situação. Como é difícil sermos críticos de nós mesmos e como é fácil olharmos para os outros através das traves que temos em nossos olhos! Como é simples culpar só os outros por todos os nossos fracassos. A filosofia existencialista de Sartre chama isso de má-fé. Isto é, nem tudo que encaramos como um mal é resultado das escolhas alheias, dos outros, mas nossa. Sendo assim, oferecerei, logo abaixo, uma leitura possível de algumas razões que fizeram os que tentam viver e ser feliz como professor da rede pública de ensino de Rondônia chegar a esta atual situação. .

1. O TIPO PREDOMINANTE DE PROFESSOR EXISTENTE.

Um número significativo dos que atuam na sala de aula entraram no serviço público por falta de uma alternativa melhor e por excesso de confiança no mito da estabilidade no emprego oferecida pelo Estado. Tal informação se baseia no fato de que o critério de seleção, através do concurso público, ser de nível médio. Um estudante que tenha feito um Ensino Médio, minimamente razoável, é capaz de passar nas provas aplicadas pelo o governo. Em história, por exemplo, na época do governo Raupp, não foi cobrado nada alusivo a teoria da história; nada relativo à prática do seu ensino; apenas questões estudadas durante o Ensino Médio. Já em relação à falta de outra opção melhor, isto é fruto da própria situação de desemprego estrutural do País e deste Estado. Muitos vieram para Ca por falta de emprego lá, de onde veio. A profissão "professor", resguardada as devidas proporções, se assemelha em muito a de pedreiro da construção civil. Dele não se é exigido muita qualificação e tem muitos na fila do desemprego. Logo, por isso, se remunera pouco. Este, apesar disso, entra no serviço público, satisfeito apenas com a estabilidade que acredita ter. Mas, se esquecendo que isso não é eterno e, que por outro lado, não lhes garante condições reais de lutar por aumento salarial como as recentes greves têm demonstrado.

Como esperar uma boa qualidade de ensino de quem não tem boas qualidades necessárias para poder ensinar? Quer seja ganhando bem ou mal? Como preparar um trabalhador para nova realidade do mercado de trabalho que o mundo globalizado está criando, se quem foi concursado para prepará-lo, perdendo este emprego público, não tem preparo algum para se integrar, ele mesmo, nele? De buscar novas alternativas? De se fazer a si mesmo? Como ensinar aquilo que não serve para nada, nem mesmo para quem ensina? Como politizar os alunos se eu sou o primeiro a ser um alienado? Se apoio quem me oprime estando num cargo de direção escolar? Só voto em representantes da classe dominante? Deixo que me conduzam como ovelhinha nas assembléias do meu sindicato? Que moral eu tenho, junto aos meus alunos, para falar da importância da igualdade social, se me aproveito de um carguinho temporário no governo ou na direção sindical para oprimir os meus desafetos ou para ostentar, mesmo que de fachada, um padrão de vida incompatível com a renda geral dos seus companheiros de categoria? Como condenar um governo conservador se eu sou também conservador? Se eu pratico e defendo formatos tradicionais de avaliação dos alunos? Utilizo como cartilha as apostilas do próprio governo? Participo sem questionar da hipocrisia pedagógica do mesmo? Não reajo aos seus abusos, só me adapto ou dou um jeitinho? Como posso acusar um governo de tirar meus direitos, se eu não respeito os direitos dos meus alunos? Se aceito dar aulas em salas superlotadas? Como posso falar mal dos alunos que tenho se eu sou aquele que o ensina a ser assim?

Essas são alguma das questões que podemos constatar quando paramos para fazer uma autocrítica. Se radicalizarmos nossa reflexão, poderemos compreender a razão da nossa categoria não conseguir ter a solidariedade e o apoio da própria sociedade civil as nossas reivindicações. A escola pública que ajudamos a fazer, como professores, só tem alunos porque são obrigados por lei a freqüentarem e são levados a acreditarem que sem ela, não serão nada. Mas, que apesar disso, conseguem sobreviver por outros meios, independentes dela. Logo, para que defender este tipo de professor?

2. O MODELO DE SINDICALISMO VENCIDO DO SINTERO.

Além da nossa má-fé individual, há também a má-fé sindical que permite ao governo a fazer tanto mal vem nos fazendo. O SINTERO, sindicato dos trabalhadores em educação de Rondônia, já não é mais o mesmo de outrora. É inegável que o grupo que o dirige há 21 anos tem inúmeros méritos ao ajudar a categoria a realizar as conquistas que realizou neste tempo. Mas isto não o torna imune a questionamentos. A categoria não pode viver somente da memória das suas conquistas do passado. Principalmente quando o atual governo vem, aos poucos, acabando uma a uma com elas, que bem ou mal, de uma maneira certa ou errada, foram duramente obtidas com muita luta e sofrimento, deixando apenas as lembranças de pé.

De 1989 até 2010 não houve apenas mudanças de governo, também houve mudanças na categoria e isto afetou o SINTERO também. Aquela incrível e fantástica capacidade de mobilizar e de organizar a categoria; de fazê-la se mexer ou reagir do passado, da era sindical "robertista" foi, paulatinamente, se esvaecendo. Aquele outrora chamado sindicalismo de luta foi se transformando numa outra coisa de difícil denominação. Suas reivindicações tornaram-se, exclusivamente, economicistas; os demais discursos, como por exemplo, o da melhoria de ensino virou um mero apêndice. O único desejo de fato foi sempre ganhar um salário maior e nada mais, o resto viria por osmose. Paralelo a isso, o grupo dirigente foi desenvolvendo um projeto político sindical que possibilitou um inchaço sindical que eles insistem em chamar de crescimento. O SINTERO nesses 21 anos inchou como nenhum outro sindicato. "Cresceu" o número de suas "sedes regionais"; o número da sua frota de carro; de viagens de membros da direção para eventos fora do Estado; gastou dinheiro numa sede social-recreativa esquisita e pequena para a categoria; estimula banalidades de forma alienante como o bloco carnavalesco e outras coisinhas a mais. O comodismo, o marasmo e a mesmice foram tomando conta da vida sindical e da sua categoria. Os delegados de base deixaram de ser eleitos na base, passando a serem indicados pela direção do sindicato; a organização no local de trabalho nunca se consolidou; os cursos de formação se tornaram mera doutrinação ou catequese dos anos 70 sem nenhum efeito prático, não existe renovação de fato da liderança sindical; o mesmo grupo e modelo de atuação se eternizaram no poder. Mudando-se somente as personagens. As estratégias de lutas são antigas, previsíveis e sem graça. As greves, por sua vez, se tornaram as únicas formas de luta. O bloco carnavalesco do $INTERO junta mais trabalhadores da educação que suas assembléias regulares e ensaiadas, sempre cheias  das mesmas pessoas conhecidas para dizer sempre “AMÉM’ para os cardeais deste sindicato. Apesar de todas essas mudanças [para pior] conseguíamos manter o pouco que havíamos conquistado ao longo dos anos, mesmo sem conseguir mais nenhuma outra conquista significativa. Talvez seja a memória dessas conquistas de outrora e de suas constantes lembranças que sustenta o grupo que até agora dirige este sindicato. Mas, agora, a história está sendo diferente. A velha e desgastada memória só enche barriga ultimamente do pessoal que está na direção do sindicato, não na sua base esfacelada.

Desde que a maioria dos bem escolados rondonienses com ou sem nenhum coração elegeram Ivo cassol ao governo do Estado essa história começou a mudar. Começamos a colher tudo o que foi plantado antes. Isto porque nós sempre o tratamos como se ele fosse igual aos outros; como se nossa categoria fosse à mesma ainda e como se nenhuma mudança na conjuntura tivesse ocorrido. Ficamos a margem da história vendo-a passar. A categoria foi intensamente domesticada a acreditar que, assusta facilmente qualquer governo por causa do seu grande tamanho; esquecendo que é um sindicato apenas inchado, gordo, pançudo e lerdo que não agüenta mais tanta porrada por muito tempo e não tem mais força de espécie alguma para impedir isso. Muito menos obter alguma vitória. Como obeso e fraco que está, relaxou, baixou sua guarda e muitos dos seus integrantes passaram a se preocupar apenas consigo mesmo, em galgar funções no Estado que lhes rendessem um dinheirinho a mais no final do mês e outros se acostumaram com o que conquistaram. O individualismo predador tomou conta do pedaço.

Este governo, a propósito, cheio de professores colaboracionistas, oriundos do próprio SINTERO e do PT percebeu essas nossas fragilidades e soube como nenhum outro que o antecedeu a se aproveitar disso, tirando até as velhas conquistas que todos pensavam que jamais perderiam. Movido pelo ódio profundo que nutre diariamente pelos funcionários públicos em especial os barnabés, ou seja, a sub-raça [para ele] formada por professores; o governo passou então a desenvolver uma política nazista para o seu extermínio paulatino desde seu primeiro mandato até agora com um êxito indubitável. Sua intenção é nos desumanizar, nos animalizar até que nos tornemos “subespécie” definitivamente extinta do aparelho estatal, substituídos por outra mais facilmente descartável, os denominados “EMERGENCIAIS”. O arrocho salarial é apenas um dos sinais desse processo diluidor. Isso tudo, ironicamente, com a nossa ajuda direta ou indireta. Exemplos não faltam para corroborar com esta afirmação. É incrível como professores comem professores! Como se tornaram cínicos e lutam mortalmente entre si dentro do sistema, dentro das escolas e do próprio sindicato para se dar bem a despeito do restante da própria categoria profissional! Como é assustador vermos companheiros vendendo o que lhes resta de alma ao o diabo para conseguir, inclusive, sobreviver!

Por fim, não podemos negar os méritos do passado deste sindicalismo praticado pelo o grupo que dirige até hoje o SINTERO. Não podemos deixar de reconhecer o que as já aposentadas gerações, que foram na conversa dele, conquistaram. Mas esse reconhecimento não pode impedir de vermos que essas conquistas pertencem somente a eles; não a nós! Precisamos com urgência rever tudo, o sindicato e a nós mesmos! Precisamos reavaliar se queremos ou não continuar sendo professores e sindicalizados do jeito como sempre fomos nesse ou em qualquer outro lugar. Porque não tem dado certo viver desta maldita profissão e com este sindicato desse jeito. Só para começar, poderíamos mudar de atitude para com a sociedade e cobrarmos dela igual postura. Deveríamos deixar de sermos cínicos ao falar que lutamos para ela, quando de fato, lutamos para nós mesmo. A sociedade, por sua vez também deveria parar de afirmar que valoriza uma educação que não existe e assumir claramente que a educação que ela prestigia mesmo é a que ela se serve no momento. Uma vez assumindo o cinismo que há em nós, professores [SINTERO] e sociedade o próximo passo seria avaliarmos o quanto queremos mudar ou não esta situação. Pois todo o resto depende disso. Ou nos salvamos ou nos perdemos de vez.