O SER HUMANO E SUAS AÇÕES NO ÚLTIMO HORIZONTE
Luciana Aparecida Carvalho (UNEMAT)

RESUMO: A obra Último Horizonte de Ricardo Dicke está impregnada de questionamentos que levam o leitor a refletir sobre a sua existência e a dos demais. De forma metaforizada o narrador onisciente levanta questões como: "Quem sou? De onde vim? O que estou fazendo aqui? Para onde vou?" Indagações estas que estão internalizadas na mente todo ser humano.

PALAVRAS-CHAVE: leitor, questionamentos; existência; narrador.

ABSTRACT: reader, question, existence, narrator.

KEYWORDS: The being Último Horizonte of the Dicke is impregnate of the questions that batching the reader to reflection your about the existence and at the others. Form of metaphorical the omniscient narrator get up how questions: I am who? Where coming? The that I here haveing? Where for going? Questions that is internalisadas of the today humanity brain.

Na obra Último Horizonte do autor matogrossense Ricardo Guilherme Dicke, temos um enredo que se passa numa única noite, em que o narrador personagem Jerombal Thauutes irá perpassar toda a existência humana através das reflexões durante essa madrugada enquanto folheia um livro e outro dentre os muitos que se encontram a sua volta. O ambiente ou espaço é precisamente a biblioteca da casa dele. Na companhia do gato Tebas o poeta recordará a festa à beira da piscina na casa de uma parente de sua esposa, na qual ele teve a oportunidade de conhecer a jovem Kabira Astharte Flox que assim como ele é uma poeta. Enquanto todos os outros membros da família dormem, ele se põe a recordar a visita a casa dessa parente de sua esposa e a refletir sobre a existência humana. A todo momento as personagens da esposa, da filha e da abuela do poeta são inseridas na narrativa pelo "narrador onisciente".
Esse recordar o leva a imaginar várias situações, viaja para outras dimensões, se transforma em cobra, em mulher, voa, conversa com Deus, com diabo, com figuras mitológicas entre tantos outros e tem ainda a figura de um corvo que está constantemente a observá-lo. Nesse sentido ele perpassa a existência humana e reflete sobre a mesma. Para (BLANCHOT, 1987, p. 232) "Na obra o homem fala, mas a obra dá voz, no homem, ao que não fala, ao inomável, ao inumano, ao que é verdade, sem justiça, sem direito, onde o homem não se reconhece, não se sente justificado.
A questão do eu. "Quem sou? De onde vim? Para onde vou?" estão impregnadas nessa obra e representa a essência da vida humana, através da voz que narra o leitor percebe que essa voz representa todos os seres humanos, pelo fato das perguntas que nos fazemos todos os dias estarem implicitamente colocadas no texto, que num primeiro momento são difíceis de se compreender visto que além de muita divagação o texto está impregnado de figuras metaforizadas. Tomamos como base o que diz BLANCHOT (224). "A obra faz aparecer o que desaparece no objeto". Nesse universo particular de cada personagem, o narrador fala ou melhor filósofa acerca da existência de cada ser humano.

Maldigo os estatutos do tempo com seu bochorro, meia noite que recolhe as sombras, meia-noite. A Abuela se contorce, espasmos, sonha que se lhe espremem as banhas, desce um rio de gordura, a criança sonha que está à beira do mar fazendo castelinhos de areia, a mulher sonha com seu casamento, um véu de noiva flutuando dentro de uma igreja, eu sonho que estou desperto e vejo escritas na página em branco as letras Alfa e Omega, escombros de um castelo gótico em cima de uma colina boiando na alta névoa, subo com dificuldade é um templo druida, lá dentro sacerdotes antigos oficiam, sou um índio sioux que vaga por New York, sou um templário queimado na fogueira, sou um profeta persa crucificado e esfolado, sou um judeu que olha fascinado Cristo morrer na cruz, sou um jovem sacerdote egípcio dentro da pirâmide, sou eu dentro desta biblioteca pensando na palavra: nenhuma palavra se me virá do âmago desta noite? (DICKE, p. 13)

A senhora representa a vida que passou, a mulher o presente e a criança a aurora de uma vida. Nessa passagem, a voz que narra insere no contexto a palavra "Alfa e Omega ( do gr. Principio e fim) ." A todo momento essa voz contextualiza passagens da bíblia . A bíblia é o maior livro literário que a humanidade já conheceu e é também o mais difundido. Com base no que diz (MACHADO no artigo Deus de Caim: A Representação do Homem, p.2)
A referência bíblica é uma constante no texto ficcional de Ricardo Dicke. Sem ser dogmático, isto se deve inclusive, pelo status de universalidade que a obra dele tem, porque o texto bíblico sendo um dos mais lidos e conhecidos mundialmente, a referência faz profundo o plano almejado pelo escritor
Nessa profusão de pensamentos o narrador fala sobre todos os seres esquecidos da terra? Seria uma análise da alma humana? A poeta Kabira Astharte Flox, personagem que interage com o narrador onisciente seria alguém com profundo conhecimento e que está a refletir sobre a exitência humana ? Seria a razão?
Toda a leitura dessa obra leva o leitor a questionar sobre aquilo que o narrador está falando e essa posição inquiridora leva o leitor a uma reflexão. Essa reflexão faz desse leitor um associado da roda viva tal qual é a obra de Dicke.
A arte não é só estética. Ela vai além disso, explica a razão da existência humana, é o que a torna real apesar de "se calar perante a verdade." (BLANCHOT, 1987, P. 215). A obra perpassa o regional e implica em atender a uma necessidade universal. Ela mexe com a emoção de cada individuo
Ao se tornar um leitor ativo, que participa dessa estória, poderemos compartilhar os nossos sentimentos, ainda que de forma ilusória visto que estamos interagindo com a obra e não com outro semelhante a nós, porém isso não é relevante ao olharmos sob o prisma da dimensão que o narrador alcança. Concordamos com o que diz (BLANCHOT, P. 228). "Autor e leitor estão em igualdade perante a obra e nela. Ambos únicos: só tendo existência por essa obra e a partir dela; não sendo por certo, o autor em geral de poemas variados, nem o leitor que tem gosto pela poesia e lê uma por uma, com compreensão as grandes obras poéticas". É um romance moderno, visto que ao inserir essa "prosa fragmentada" nos reportamos a correria do dia a dia atual. Também nos introduz à filosofia, uma vez que o narrador busca pelo seu interior a partir do exterior.

Ele está no cume e não o sabe se soubesse, criaria tudo o que falta neste mundo de bom, de verdadeiro: nele todos os mundos estão entrelaçados num emaranhamento de tal maneira virgem que ele não o sabe e porisso terá de aprender escutando uma música no rádio: não sabia de onde era, lentamente descobri, poesia o que mais amo vem de lá:... (DICKE, p. 83)

Na passagem acima citata o narrador reflete a totalidade do ser humano. As palavras reflexão e narrador dominam esse contexto, pois é disso que a obra trata, há muitas coisas para se observar e todas essas coisas nos leva a questionar, a nos tornarmos seres inquietos que não se contentam com as explicações alheias, pelo contrário nos fazem buscar respostas e ao buscar essas respostas nos emaranhamos em mais e mais perguntas. As nossas ações são comandadas pela consciência, praticamos aquilo que ela nos permite e ao longo da vida vamos nos transformando, enquanto as nossas ações dizem de nós e o que vai em nosso interior, ainda que sejamos esse seres multifacetados da era moderna. BLANCHOT assim fala:
De momento, recolhemos tão-só que o brilho, a decisão fulgurante, essa presença, esse "momento de raio", segundo a expressão que Malharmé e todos os que se lhe assemelham, desde Heráclito, sempre redescobriram para exprimir esse evento que é a obra, reconhecemos que tal afirmação fulminante não depende nem da segurança das verdades estáveis, nem da claridade do dia conquistado onde viver e ser se realizam na familiaridade das ações limitadas. A obra não proporciona certeza nem claridade. Nem certeza para nós, nem claridade sobre ela. Não é firme, não nos fornece apoio sobre o indestrutível nem sobre o indubitável, valores que pertencem a Descartes e ao mundo de nossa vida. (BLANCHOT p. 223).
A roda da vida passa a ser essa eterna busca do ser humano que vive entre o real e o surreal, entre o seu interior e o seu exterior, onde viver consiste numa arte perante o caos do mundo pós- moderno, reflete ainda que em todas as andaças que o narrador fez pelo universo afora, ele nos passa as aflições de cada povo, de cada era. Em todas elas o homem sofre as suas ações, ou as penalidades impostas por outros. Essa constante entre "morrer e viver" do homem de todos os tempos passa a ser o seu objeto de contemplação, tentar entender a si mesmo é o que torna a obra a essência do pensamento coletivo da humanidade . É o que torna o desejo ou almejo individual a representação de todos e contempla numa madrugada todos os séculos vivenciados por essa humanidade que segue distante e próxima ainda que separada pela imensidão dos séculos.

Referências
BLANCHOT, M. O espaço literário. Rio de Janeiro. Rocco, 1987
DESCARTES, R. Discurso do Método Regras Para A Direção do Espírito. [Tradução Pietro Nassetti.] Editora Martin Claret Ltda. São Paulo. 2ª Reimpressão ? 2008.


DICKE, R. Último Horizonte. Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 1988.
MACHADO, M. Artigo A representação do homem no Último Horizonte (UNEMAT) Revista Alere/ revista do Núcleo de Pesquisas Wlademir dias Pino, Universidade do Estado de Mato Grosso, campus Universitário de Tangará da serra-v. 01. n. 01, 2008- Tangará da serra: editora da Unemat, 2008.