O SER EDUCADOR: cântaros e vasos ajudam a construir a história da artesã

Claudio Pinheiro*

Resumo

Este trabalho tem por objetivo apontar metaforicamente a formação do educador que atua na educação não-escolar, tendo como inspiração a história da artesã.* Esta tem a particularidade de interpretar a realidade num processo complexo de significados a partir de seu contexto profissional. Para isto, defino e incluo neste aspecto - como sujeitos dessa metáfora "cântaros e vasos", objetos de diferentes utilidades. Objetos que se constróem e fazem parte da experiência vivida pela artesã, tendo como base a história de vida desta profissional.Esta não deixa esses objetos jogados em um canto, pelo contrário, o toma, constrói e reconstrói cada pedacinho, assim como faz os grandes artistas.

Percebe-se que são das pequenas artes que resultam a exigência de liberdade cada vez mais reclamada pelos artistas que se vêem como "professores", " mestres ", ou "pesquisadores". Neste contexto, as expressões narradas pela professora, terá como suporte a metáfora que surgiu no momento em que decidi pesquisar sobre a "História de Vida" da referida professora.Construçãotrazida por sentimentos, aprendizado, técnica, ternura, luta e realização durante o processo formativo - que se constrói de acordo com a interpretação. História de uma artesã/professora em busca do seu eu, de sua identidade, de sua singularidade e acima de tudo, na condição de compreender o processo de sua própria formação profissional. Um percurso que se faz a partir das lembranças de suas experiências narradas ao contar como esses saberes foram sendo construído em cada situação vivida.

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* Esta inspiração foi retirada a partir da história de artesãs em Uberaba.Mulheres que não tinham um lugar específico para expor as peças confeccionadas, a Casa do Artesão surgiu como solução para o problema e as dificuldades encontradas na vida desses profissionais, explica Maria Aparecida Borges, presidente da associação. A artesã Sandra Maria Faria, que começou a fazer artesanato aos doze anos, trabalha produzindo os objetos de arte e agradece: " a casa nos dá essa oportunidade de expor nossos trabalhos que tenho o prazer de fazer". Lá são produzidos quadros, objetos de cerâmica, velas, bordados, e vários outros trabalhos manuais, mas tambémhá outras experiências interessantes, como a do artista Eduardo Araújo que produz réplicas do patrimônio cultural de Uberaba, por exemplo, o prédio da Prefeitura e Câmara Municipal. No contexto histórico o comerciante exercia um papel determinante, ele fornecia a matéria prima aos artesãos, queriam exclusividade, pediam uma encomenda padronizada para facilitar a venda nos mercados; As corporações de ofícios eram associações que reuniam artesãos. Eles defendiam os interesses se seus membros, para combater a concorrência de outras cidades. As corporações de ofícios criavam regras para a produção, e cada oficina tinha que fazer o produto com qualidade. Uma das principais corporificações de ofício na épocaera a que reunia o grupo Existiam artesãos especializados em construir cântaros, outros vasos decorativos. Nesse sentido, foi possível perceber nas entrelinhas da entrevista à necessidade de contribuir na construção das obras de arte. A história do artesão/professor é buscar tecer os conflitos apresentados em cada contexto social, cultural, político e econômico. Assim, assumir uma postura que oscila da compreensão absoluta da realidade, à revolta, à desistência, à retomada, acusações, cobranças e incompreensões que ocorrem justamente com a busca de interpretara realidade das crianças da área não-escolar. Estas que tentam superar a lógica perversa das relações da sociedade em ser cântaro( criança excluída da sociedade), ou em ser vaso (criança da área formal) em plena construção. Com a construção do cotidiano torna-se possível compreender o ser artesão/professor, este como artista, buscando construirnovas obras de arte no seu contexto profissional.

Claudio Pinheiro ( Mestre em Educação pela UMESP)

Memória: tecendo o contexto histórico

Expliquemos, antes de qualquer coisa, sobre a origem dos artesãos e a relação que há entre alguns objetos de arte, como os cântaros e os vasos. Em seguida traremos a história de vida de uma educadora/artesã para compreendermos metaforicamente o processo dessa construção. E por último, como tem sido a construção dos saberes dessa profissional, assim como as relações que permeiam todo este processo.

Os primeiros artesãos surgiram no período Neolítico(6.000 a .C) quando o homem aprendeu a polir a pedra, a fabricar a cerâmica como utensílio para armazenar e cozer alimentos, descobriu a técnica de tecelagem das fibras animais e vegetais. Nesse processo o sujeito se constrói, isto significa ser hábil ao realçar a força, a tensão e o movimento de cada construção de seu fazer. Aprendizagem necessária para controlar esses efeitos, utilizando-os para embelezar os objetos de obras.

Um dos objetos de arte construído pelo artesão foi o cântaro. Um objeto muito querido pelos árabes. Todas as pessoas que vivem ou têm estado nos climas quentes sabem o que isto significa. Os árabes que habitam e trabalham nas cidades fabricam cântaros e bilhas de barro poroso, objetos que são uma verdadeira benção para esta gente que não dispõe de gelo e de refrigerante. Os poços são profundos, e a água chega ao acampamento de muito longe; de modo que se não fossem estes cântaros de argila, seria raro beber água fresca no deserto. Como se resfria a água? Expõe-se ao vento durante alguns minutos uns desses cântaros cheios de água. O efeito é surpreendente, a água torna-se deliciosamente fresca.

Uma vez revelado o segredo desse objeto de barro, surge a produção de vasos de cerâmica que acabou se desenvolvendo rapidamente em vários países da Europa. Os famosos vasos de cerâmica da chamada "época Ming" eram de uso exclusivo da corte imperial, que mantinham um rígido controle sobre a qualidade da produção, concentrada na região de King-te-Chen, a Kiang-si. Conhecidos na Europa após a viagem de Marco Polo à China passaram a ser disputados a preço de ouro.

Na época egípcia, todos os objetos que compõem os ambientes onde o homem vive são reflexos da arte, dos costumes e da história dos povos. Isto porque o homem sempre muda o modo de pensar, altera a sua maneira de viver e, em conseqüência, modifica também o ambiente que o cerca. Por isso, um simples móvel, poltronas, objeto de arte podem prestar muitas informações sobre a época em que foi fabricado. Assim, não é por acaso que uma importante das relíquias do Museu de Capodimonte, em Nápole, foram construídas pelos artesãos e representam suntuosos exemplos de entalhe decorativo, inspirado na típica tradição espanhola, sob influência da corte napolitana.

O Antropólogo como Lévi-Strauss chegou a provar que as sociedades ditas "primitivas" têm uma cultura tão complexa como a nossa, pois no começo do século XX, a arte preocupa-se em captar o " sentido" de uma coisa, do que representá-la.

Isto significa que a arte documenta a vida, mas que muitas vezes o artista não está preocupado em copiar, mas interpretar cada realidade. Em diferentes contextos ele executa algumas figuras sugerindo movimento, o que prova que possuem uma técnica talvez superior à que lhes era permitido demostrar, assim como acontece na memória do sereducador.

Memória: tecendo a história da artesã e as implicações em mexer o barro

" Uma coisa é mexer-se um pouco de barro, outra é segurar uma vasilha para beber, e outra ainda é tomá-la nas mãos para apreciar a beleza dos desenhos e do colorido que lhe foi dado pela arte cerâmica. Nos três casos imaginamos como exemplo temos a mesma matéria, mas três graus diferentes de manuseio, representados por três modalidades de ser, com tudo quando há de significado particular para cada um; e o que determina adiferenciação entre estes três modos é a operação do trabalhador, que imprime em cada caso à substância bruta original propriedade que condicionam as diferentes possibilidades de manuseio. Com efeito, é o trabalho que eleva a realidade a um outro grau de amanualidade. E com essa elevação surgem concomitantemente novas características do objeto" ( Pinto, 1960 { 1}: 69)

No âmbito da discussão, apresento a história de vida de uma professora, experiências e saberes construído. Busco fazer uma relação quanto os aspectos formativos e profissionais trazendo-os para o processo metafórico da artesã, dos cântaros e vasos. Mundos divididos, mas que se interlaçam nessa construção.

Foi e é momento de redefinição de papéis, ressignificação e reconstrução da memória de uma professora para mostrar de forma significativa e surpreendente esse movimento na medida em que conta detalhadamente o processo de cada construção. Conteúdo apresentado, totalmente experienciado ao apresentar a sua História de Vida, as relações que tem com os objetos de arte, os saberes que utilizou para ensinar a outros personagens.

Nesse sentido, busca-se uma nova perspectiva ao construir o processo metafórico da artesã, isto porque a narrativa contêm maneiras diferentes de interpretar essa realidade. Momentos que propiciam fazer essa relação, e ao mesmo tempo, ação transformadora ao buscar o imaginário, as lembranças do seu fazer, do seu querer, de seu viver dentro da educação não-escolar. Além disso, busca-se interpretar a realidade social, cultural e educacional que vivência.

É a partir deste contexto que se descobre a artesã/professora, pela sua sensibilidade, inspiração, técnicas, sabedoria, ternura, paciência. Assim,ela cria e apresenta a construção. Este é o sentido de ser artista, por saber juntar os "cacos", compartilhar, lutar, esperar, crer, incentivar, isso para que os cântaros possam vencer e serem belíssimos vasos.

A artesã faz cântaros, jarros, vasos de louça ou cerâmica. Mas são os vasos que embelezam os palácios dos reis. O vaso tem mais valor no mercado, por ter a função prática e principalmente decorativa.Enquanto os cântaros e os jarros são utilizados para ser colocado água fresca.

Esses objetos contêm em si marcas de uma cultura determinada e, deste modo, atestam a ligação do homem com o meio social e cultural em que vivem. Nesse sentido, há necessidade dos artesãos. Estes que têm habilidades, que transformam que testemunham a integração/ligação de uma cultura originária dentro da educação não-escolar.

Neste contexto, podemos compreender que nem o cântaro, nem o vaso podem existir sem o artesão, pois as mãos desse ser são o verdadeiro instrumento, isso por conta de um saber fazer manual, individual, mas principalmente, um trabalho coletivo.Isto significa que, quando um bom barro misturado com água, ou a argila misturada com água, sem a intervenção dessa artista não corresponde a uma criação, não são nada. Nada seriam deles, os super milagres não existem. Podemos fazer a prova, se recolhendo terra misturando-a com água e então amassá-la. Deixamo-la para que repouse, mas não obtemos nada, já que necessitamos do engenho da artesã, para que pudessem ser construídas novas mudanças, caminhos expressos e relatados pela professora. Uma construção que possibilite a compreensão de sua formação profissional e que seja instigada a analisar caminhos que permitam para que ela dê conta dos cântaros e dos vasos.

Nesse sentido, os cacos precisam ser juntados para que possam ser objetos apreciados. Isto significa que a artesã/professora toma este "barro" em suas mãos e decide fazer os cântaros se tornarem grandes vasos.

Suponhamos que o barro ou o vaso tivessem vida, e pudessem escapar do torno (engenho em que se faz girar uma peça de madeira, barro, etc., para arredondá-los) acabariam em nada? Ou então em um montão de terra molhada, que a chuva pudesse arrastar tudo se perderia, mas no torno vão sendo construídos espaços de possibilidades, de construção.

Neste quadro, podemos pensar que não está acabado o processo, pois não, é preciso ainda que a artesã as ponha no forno, para que todos os objetos suportem a prova de fogo. Um processo muito doloroso, se os imaginamos com sentimentos. E o que aconteceria se o cântaro ou qualquer um dos seus companheiros decidissem escapar do forno, do torno? Quebrar-se-ia na primeira. Não serviria de nada. E seria necessário desfazer-se dele, como um traste inútil objeto.

Mas, existe a artesã. Ela por ter a particularidade de amar as suas obras de arte, os cântaros. Estes à sua vez são livres, às vezes rechaçam (fazer retroceder, opondo resistência, não aceita) o forno, inclusive o torno. A professora um ser de doação, que pensa em ajudar os cântaros a se transformarem em vasos. Há momentos em que ela segue seu caminho, olha a arte, sente o cheiro do barro ou da argila, nota a transparência da água e sente a responsabilidade que pesa em seus ombros, a construção de outros objetos de arte.

"Eu fiz o primário em uma escola estadual. Fiz o ginásio em uma escola particular. Sempre quis ser professora, então fiz o Magistério e finalizei com a faculdade de Pedagogia. Minha especialização é em Orientação Pedagógica e Administração Escolar. Quando estava no Magistério comecei a dar aulas. Fui assistente em uma escola pequena. Fiquei na Federação de Entidade do Bem- Estar Social, de São Bernardo do Campo, que é a FEBEM. Hoje é chamado de abrigo. Eu presto serviços para entidades filantrópicas do município. A minha área era trabalhar nas creches e nos orfanatos." ( A. D)

Há evidências na história da artesã. Esta aprendeu a ser professora, caminhos percorridos para reconstruir a sua incansável obra de arte no contexto pessoal e profissional a partir de sua experiência de vida, pois sempre esteve presente na sua trajetória a responsabilidade para com os outros.

Vejao relato da professora:

"As pessoas não se propõem em serem voluntárias. Mas ser voluntário assíduo, ter responsabilidade, fazer um trabalho social. As pessoas estão muito egoístas. Estou dizendo isso porque faço trabalhos voluntários porque gosto. Eu atuo no hospital do câncer. Minha mãe é coordenadora, faz 15 anos que ela é voluntária. Eu vou buscar leite, bolacha, café, açúcar para dar para os que não tem. Mas seja voluntária assídua, seja responsável, seja de coração mesmo." ( A .D)

Memórias: tecendo as experiências da artesã e as implicações do cotidiano

Experiências narradas pela artesã/professora,ao contar suas intervenções na prática profissional. A maneira que ela interpreta a educação não-escolar. De que forma procura introduzir um novo pensamento. Expressão de construir, o como fazer a obra de arte, a busca para reconstruir, de evoluir na perspectiva de dar significado em um novo espaço. Este para que pudesse priorizar a formação das crianças:

Veja a expressão narrada pela educadora:

"Quando chegamos na área não-formal, a nossa aceitação foi muito difícil. Porque você chega com novas idéias, quer mudanças e a diretoria é muito arcaica, tem um pensamento antigo. Mas mesmo assim começamos um trabalho que teve evolução, trouxemos novos pensamentos e um novo olhar para o educar, a importância do brincar, da alimentação, do sono das crianças. Nossa preocupação é com a formação das crianças". (AD)

A construção do discurso se dá a partir de cada trajetória de vida. Nós encontramos grandes personagens que deixam marcas profundas na nossa história pessoal e profissional. Nesse sentido, buscar na memória as experiências significativas de uma professora, umprocesso vivenciado é pois, possibilidade para que façamos um minuto de reflexão, hoje e a cada dia, procurando construir a cada minuto uma prática melhor, uma forma de lutar, a sensibilidade da artesã pensando no momento atual.

Veja como ela pensa no seu amanhã:

"É um trabalho que gosto muito. Pode ser que eu seja mandada embora amanhã, mas não estou pensando no meu aposentar, estou pensando no hoje, porque você ensina e você aprende com essas crianças." ( A .D)

Então consolidamos com a responsabilidade de cada construção profissional, de cada educador, dando sentido e luz a história de vida da artesã. Percebe-se encontros de vários personagens que se cruzam durante os caminhos percorridos pela professora, e que fazem parte da construção de cada cântaro, isto é, de cada criança. No entanto, há momentos que alguns "personagens" destroem, por não ter consciência desse processo.

Veja os personagens que fazem parte:

" Mostramos para os pais e os funcionários a importância do brincar, do construir. Montamos nove brinquedotecas em várias creches, antes não tinham. Hoje não existem mais, porque foram tirando, foram mudando os diretores, os professores, já não tinha mais o nosso trabalho. O trabalho foi se quebrando, é muito triste isso...Mas com luta conseguimos na maioria fazer um trabalho com as famílias de todas as religiões, católicos, evangélicos, espiritas etc. Isto porque as creches estão ligados a igrejas, mas o nosso trabalho não é com a religião, mas com a creche, com as crianças, com as professoras" ( A .D)

Neste contexto, é explicito que a artesã cria, amassa expressa seus sentimentos de vitória, mas ao mesmo tempo de frustração quando um trabalho não é valorizado. A expressão da responsabilidade da artesã/professora de construir a obra de arte, mesmo que carregue dentro de si um silêncio nessa construção, isso para que possa começar uma nova criação, seja um recomeçar, pois o esforço de uma criação advém da interioridade humana. Isto porque fazer arte é criar, é juntar os cacos, é poder dar voz as experiências dos grandes artistas, estes que possibilitam embelezar a cada espaço de criação. Um caminhar que faz parte dessa construção pessoal e profissional. Possibilidade que sustenta a perspectiva da coletividade, na troca de saberes, isso em busca de reflexão, pois qual a melhor maneira de resolver os problemas no contexto não-escolar?

Veja o relato da professora, as possibilidades dessa construção. Expressões contadas, novas descobertas de se fazer arte. Um trabalho de pesquisa e reflexão, a busca para amenizar os problemas da educação não-escolar:

"A minha prática é o meu dia-a-dia. Isto me possibilitou construir os saberes. Eu mesma fui atrás, fomos parando... Somos uma equipe, fomos pesquisando, refletindo de que maneira podíamos fazer melhor. Então, a creche trazia o problema e orientávamos. Na verdade foi uma troca entre os monitores, e nós da educação"...(AD)

Nesse contexto, explicitar a experiência em busca de se ter uma prática melhor. O tempo torna-se um processo de descoberta, essa é a riqueza de se pensar os percursos dessa formação profissional, possibilidade para que se possa pensar no cotidiano, dar sentido a prática de forma significativa. O que caracteriza a maneira de fazer, de construir, de dar sentido nas pequenas coisas, e que muitas vezes, passam despercebidas em vários espaços.

Veja nesse relato o trabalho da artesã ensinando a sua equipe a fazer arte:

"Mostramos para as cozinheiras a importância de esterilizar a mamadeira, como a cozinha tem que ser montada e como a dispensa deve ser organizada. Foi um trabalho desde o começo, todos juntos, um trabalho de construção. Corri atrás para formar outros professores, para que eles pudessem desenvolver um bom trabalho com as crianças." ( A .D)

Percebe-se que as construções dessas práticas não foram realizadas de forma individual, isso significa que, dar sentido as pequenas coisas do cotidiano escolar é priorizar a maneira de se fazer, possibilidades de ensinar outros personagens na construção de uma nova obra de arte de forma organizada, mostrar a importância de saber administrar cada espaço, facilitando o trabalho de todos os envolvidos.

Memória: tecendo os saberes durante as práticas no cotidiano

Veja como a artesã ensinou os monitores a observar, a fazer a obra de arte. Isto é, girar cada peça, arredondando-a com grande habilidade para que todos possam caminhar juntos, um espírito de cooperação, interação, envolvimento profissional, saberes refletidos e repassados, seja no Magistério, seja na faculdade de Pedagogia:

"Os monitores não têm essa visão, não percebem à importância do brincar. Eles dão os brinquedos e largam as crianças. Nós fazíamos dinâmicas, colocávamos os monitores para brincar, assim eles percebiam como é gostoso o brincar todos juntos e como é ruim brincar sozinho. Hoje, eu utilizo um pouco do material, pastas de recortes, de colagem, de dobradura. Então para eu trabalhar a coordenação motora da criança, vou dar dobradura. Você percebe a evolução da criança, vou dobrar no meio. O que é meio, vamos dobrar o lado esquerdo ou o direito. Com isso trabalho a matemática, trabalho a lateralidade. Trabalhamos com jogos. Então, corri atrás para formar outros professores, para que eles pudessem desenvolver um bom trabalho com as crianças." (AD)

O ser professor, é saber ser, é saber fazer. Uma prática construída por uma artesã, é pensar na construção de uma verdadeira educação não-escolar. Isto significa pensar na brincadeira, na maneira com que cada criança brinca. Uma emergência na educação, isso para que não seja quebrado outras obras de arte, para que cântaros não sejam jogados, excluídos como se fossem um objeto sem utilidade. Questões que instigam. Por que preciso saber, como construir os objetos (cântaros e vasos) de arte?

Veja esse relato da professora. Expressões contidas no desabafo ao defender a obra de arte:

"A base da educação é a família mesmo... E a professora tem que fazer essa parte de educar,se não a nossa sociedade vai se quebrar, porque do jeito que está não dá. A própria sociedade não está preparada para receber este aluno do não-formal. A sociedade exclui essas crianças. Exclui, exclui sim!"(AD)

Se toda artesã tem a particularidade de amar com loucura as suas obras de arte e quequando um destes objetos se quebram, ou que são excluídos. Ela não deixa seus cântaros quebrados, jogados em um canto, pelo contrário, o toma de novo, amassando-o no torno não só com barro e água, mas reconstróe como uma verdadeira artista, ensinar todos, como cada obra de arte tem que ser construída, significa recuperar o objeto, habilitá-lo para que ele faça parte do grupo.

Veja a preocupação da professora quando enfatiza sobre os seus humildes cântaros (crianças excluídas pela sociedade)

" As crianças de rua não têm ninguém, elas vão para a rua, tem liberdade, não tem regras e nem limites. Nosso trabalho é de colocá-las novamente na família, devolvê-las a sociedade. Esta nãopossibilita. Não de ser médico ou advogado, mas de ser alguém na vida, de ser um mecânico, de um gari. Se você fizer esse trabalho e de dez você tire um, que bom, parabéns! Então o nosso trabalho na área não-formal é isso mesmo, é tirá-los das ruas. É um grande desafio, um retorno para equipe." (AD)

Nesse sentido, que cada um de nós, educadores, construímos as nossas experiências, mas ao mesmo tempo, construímos as nossas obras de arte, dedicamos o nosso trabalho como grandes artesãos. Isso para que possamos dar sentido na formação de cada educador, com a perspectiva de buscarmos obter uma construção que possa dar conta de cada obra de arte. (vasos e cântaros).

Veja o relato, as dificuldades de inseri os humildes cântaros. Opondo se a resistência, pois não aceita que seus objetos sejam tratados de forma diferenciada:

" Eu preciso integrá-la numa sala de aula, mas não há vagas. A burocracia é muito grande, para inseri-la! Eu tenho criança que está na fila de espera por uma vaga dois ou três anos. Tenho muitos problemas dentro das escolas, eu gasto 90% do meu tempo dentro das escolas resolvendo problemas desses alunos. Então sou chamada diariamente, as reclamações são que ele quebra, xinga, desacata a professora. Na verdade eles são descriminados! Chega ao ponto dos pais fazeremabaixo assinado para tirar essas crianças da escola Então, aí está errado, o sistema político está errado. Eu quero formar pessoas, crianças da área formal e não-formal."(AD )

Desta maneira, encontramos nesta narrativa expressões de sentimentos, sensibilidade, de amargura, de tristeza quando a artesã não consegue introduzir a obra de arte em uma exposição. Muitas vezes acaba perdendo este lindo objeto por não fazer parte do sistema, isto é, leva tempo para integrá-los na escola.

Essa narrativa mostra a dor que aflorar em cada depoimento trazido, em cada gesto a emoção de não deixar se perder todo o trabalho construído. Muitas vezes não basta lutar, é preciso que haja envolvimento durante essa construção:

"Muitas vezes ficamos tristes por saber que um adolescente morreu pelas ruas da cidade. Mas que enquanto esteve entre nós fizemos o que estava ao nosso alcance. Procuramos orientá-lo. Então não deixamos nosso trabalho se perder, vamos atrás de nossos ideais, porque nós tratamos nossas crianças como pessoas normais". (AD)

Expressão carregada pela dor, a impossibilidade do agir, perder um objeto de arte, um cântaro, isto significa que nem sempre a professora consegue juntar os "cacos". Estes estão estilhaçados, a impossibilitados para a reconstrução.

Experiências vividas pela artesã trazem a idéia de que as crianças não são vista como sujeitos normais. Na realidade o conceito objeto de arte, isso representa que todo artista tem arraigado a idéia de que a sua criação seja ela qual for é de sua propriedade, algo que lhe pertence, ou seja, o artista se apropria daquilo que tem significado para ele, mas que não é valorizado seja na sua existência pessoal e profissional.

Veja esse relato da experiência cotidiana:

"Eu vou às reuniões das crianças na escola. Todos pensam que sou a mãe delas. A professora fala: - "Você é a mãe? "Eu digo que sim! As pessoas ficam ouvindo a professora me dizer todas aquelas coisas do adolescente. Devem pensar:- nossa coitada dessa mãe, o filho é agressivo, briguento. Eu estou ali para ajudar a minha criança, não estou preocupada com o que pensam, quero que a professora me ajude e não despreze o meu . Seja o meu da onde for, é meu, é engraçado falar assim, é meu"(AD)

Percebe-se que na expressão há significado. É a maneira de ser professor, de seu pensar, de fazer e de ser de cada um, o único. Mas que na verdade sabemos que, nem vasos, nem cântaros são de propriedade de nenhum um artista. Mas que esses objetos fazem parte de sua trajetória de vida, isso na reconstrução da história de vida de cada professor. Este que muitas vezes nem se preocupa com os personagens que menosprezam a sua obra de arte, porque dáimportância ao olhar cada objeto( cântaro ou vaso) como sendo o principal peça, mesmo que seja um objeto que não sirva para embelezar os "palácios".

Há beleza de cada fato narrado pela artesã, expressão de luta, determinação, busca, e principalmente, por doação humana que se fazem presente em cada movimento, em cada gesto, em cada emoção descrita por ela, e que estão sendo esquecidos pelos principais "personagens"

Veja a forma que a artesã expressa sobre os personagens:

"É uma pena que poucos profissionais entram nesta área do não-formal. A questão financeira pesa bastante na escolha.As pessoas estão muito materializadas. É uma área que está esquecida, se não fosse as entidades propiciar cursos para nós, a prefeitura propicia cursos só para as educadoras da área formal e que estão ligadas a Prefeitura.Por que a prefeitura não fornece cursos ou palestras para as professoras da área não-formal? Nós estamos ajudando o Município... Se não for uma creche filantrópica que abriga 40 crianças, estas estão nas ruas jogadas, infringindo a lei." ( A .D)

Isto mostra que há possibilidades de construir cântaros. Estes para que se tornem maravilhosos vasos de porcelana. Mas é preciso ser visto como objetos úteis, ser reconhecidos em vários contextos sociais, isto para que possam fazer parte dos principais personagens.

As transformações do mundo redirecionam e reorganiza a partir de cada personagem, pois como dizia Paulo Feire "... o mundo não é está sendo" ( FEIRE, 1987). Nesta perspectiva, não teríamos os grandes artesãos/professores/educadores/ pesquisadores, pois nada seríamos sem os vasos e os cântaros. Estes que nos ajudam na formação, na re-formação. Sendo assim, queremos agradecê-los pela suas existências humanas, por serem vocês que ajudam a nós sermos mais humanos dentro de cada contexto, pessoal e profissional.

Isto significa que cada obra de arte pode ser esculpida, lapidada na medida que possamos observar o silêncio da nossa interioridade nessa construção, o segredo é não ter pressa, pois o caminho deve ser narrado por cada um nós, na sua essência. Porque este é ser o professor/a, osartesãos. Assim, cântaros, vasos, crianças, torno, fé, a vida faz parte dessa travessia. Isto paraque possamos construir muitas obras de arte. Artes de fazer, de ser em todos os espaços sociais, culturais e políticos, aspectos que perpassam por essa construção, essa criação, pois são expressões trazidas pela artesã.

Veja o relato da professora quando diz sobre a recompensa da sua criação e a alegria dos cântaros ao expressarem seus sentimentos, seus anseios, seus agradecimentos por fazerem parte da reconstrução da história da artesã.

"Me identifico com o meu trabalho, há muitas recompensas...Sabe, quando eu chego no abrigo, as crianças se dependuram. Àsvezes, falo para elas que não sou cabide, mando me largar, eles me sufocam tamanha é alegria. Brincamos, conversamos sobre as coisas deles. Me sinto feliz por poder fazer um bomtrabalho, fazer o melhor, buscar o melhor caminhos para ajudá-los. Existem pessoas que são diferentes de nós, que precisam de nós, necessitam. Você não precisa ajudar com alimentos, com materiais higiênicos, mas o abraçar, o ombro amigo, o carinho, o ensinar aquela pessoa. Passar o seu saber para as pessoas, porque elas não tiveram a mesma oportunidade. Infelizmente as pessoas se fecharam em seu próprio mundo, isso é errado." ( A .D)

Tecendo as Considerações Finais

Ser artesã/professora significa compreender a formação como processo de reconstrução, de conceitos vagos, complexos ou abstratos em termos das experiências mais puras de serem vividas por cada um de nós professores. A essência fundamental na formação é conceitos/experiências imbricados sobre os vários contextos, e que muitas vezes ignoramos aqueles mais essenciais na nossa trajetória formativa. Isto é, refletir a formação num processo metafórico de ser artesã(o)professor(a) implica a nossa própria construção profissional.

Nesse sentido, procurei focalizar a atenção nos fatos, na problemática que a professora traz ao relatar a sua história de vida, assim perceber como tem sido construído cada obra de arte, o seu fazer, o seu pensar, o seu agir, o seu reconstruir durante esse percursopessoal e profissional.

Nesta perspectiva, desejamos e lutamoscomo pesquisadores por uma formação que prioriza a prática profissional de educadores que atuam na educação não-escolar. Afinal de contas, todas as obras de artes merecem ser construídas porartesãos/professores. Estes para que possam juntar os cacos, construir cada "objeto" por inteiro. Sujeitos capazes de filosofar, reinventar a partir de suas próprias necessidades e vivências. Isto significa abrir possibilidades de construir e reconstruir muitas obras de arte. Estas que sejam cântaros ou vasos. E que cada professor possa construir seus objetos de arte,mas que façam a partir da sua própria construção pessoal e profissional, esse é o sentido de cada existência, de cada essências e que essa construção possa estar carregada de comunhão em suas práticas cotidianas.

Referências Bibliográficas

CONHECER, Enciclopédia Ilustrada de Pesquisa: Artes: Vol. 13, São Paulo1994.

CULTURAL, Larousse. Grande enciclopédia ilustrada: Vol. 02, São Paulo, Brasil, 1987.

SCHMIDT, Mario Furley: Novas Histórias Críticas: São Paulo: Nova Geração, 1999.

W. M. JACKSON: O livro do velho mundo: Os homens do deserto:Enciclopédia Tesouro da Juventude: Vol. XI(p.5001- 5014), São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro.

Site: http://www.historianet.com.br

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Site: www.metafora.com.br