O sentido que conferem à vida extrapola a dimensão da rua. Buscam forças para o enfrentamento das dificuldades de sobrevivência na esperança ? quase sempre do verbo esperar e não do esperançar ? de que sairão desta situação em breve. A esperança esta sustentada nos filhos, na família e em Deus, nos quais estão os argumentos que os fortalecem para acordar todos os dias; a espera, por outro lado esta no fato de gastarem a maior parte do seu tempo na rua buscando atender suas necessidades de comer, dormir, vestir, restando pouca energia vital para construir estratégias reais de saída da rua.
As condições precárias de vida que a rua oferece influenciam a percepção e as necessidades das pessoas que nela se encontram. Sua sobrevida implica em um quebra cabeça sem fim ? as relações sociais são complexas: têm dificuldade de reinserção ao mercado de trabalho, reinventando formas peculiares para trabalhar nas ruas ? trabalho "as sombras"-; são duplamente discriminados, pela sociedade e pelo Estado; vivem a contradição de consumir drogas lícitas e/ou ilícitas para amenizar o sofrimento e ao mesmo tempo precisar se livrar delas para sair das ruas.
A noção do tempo é alterada, passam a viver o presente imediato ? o minuto. Ainda sentem o gozo de uma vida passada, que mesmo repleta de dificuldade era melhor do que a sua situação presente. O futuro é incerto e projeções a longo prazo, quando não são evitadas, remetem à vida anterior à situação de rua, ao restabelecimento de vínculos sociais perdidos, a possibilidade de sustento e convívio familiar.
Enquanto profissionais da área da Saúde, em particular enfermeiros, devemos estar atentos às necessidades de cuidado das pessoas que vivem nas ruas, considerando que o "tempo" delas e diferente do "tempo" dos serviços. A noção de tempo na rua é encurtada, as pessoas passam a viver o presente imediato, o futuro, mesmo próximo, é incerto. Elas têm pressa, por outro lado, o serviço ? principalmente vinculado à atenção básica -, está estruturado para atender a uma demanda pré-agendada. Assim, o tempo dos serviços tradicionais de saúde pública não atende as demandas da população de rua, logo têm contribuído pouco para melhorar as suas condições de saúde. Atenção especial deve ser destinada às questões que comprometem a saúde mental, em particular a baixa auto-estima e vício de drogas lícitas e/ou ilícitas.
Os narradores descreveram situações de momentos de gozo de prazer que advém de coisas simples, mas que dada à situação em que se encontram passam a ser supervalorizadas. Afirmam que a felicidade não existe ou está perdida e que o sorriso que expressam não é de alegria e sim de sociabilidade.
Este estudo reforça as nossas crenças de que o cuidado a esta população requer a compreensão dos significados ? valores, atitudes, crenças - que as pessoas em situação de rua conferem as suas vidas. Nesta perspectiva temos o cuidado na sua dimensão ontológica, em que cuidamos por zelo, por desvelo, por prazer ? cuidamos porque somos humanos - e, para tanto precisamos considerar quem são essas pessoas, como vivem, como conseguem sobreviver física, psicológica e socialmente e que sentido atribuem às suas vidas, que para a maioria de nós, parecem pesadelos acordados.
Assim, apreender o sentido da vida na rua nos remete à necessidade de compreender o significado que cada ser confere a sua própria existência; e as relações que estabelece socialmente.

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