O salto alto é o novo espartilho?

Houve uma época em que a mulher era forçada a usar o espartilho para modelar seu corpo. Isso lhe causava uma série de transtornos incluindo paralisia. Com o tempo o sutiã veio substituir esse infortúnio e tempos depois foi queimado em protesto como forma de libertação feminina. O sutiã por vezes é entendido como símbolo de dominação outras de conforto e beleza, mas o salto alto, este sim é o novo espartilho.

Dizem que a mulher "tem" que usar salto alto. Agora eu pergunto: de onde vem essa obrigatoriedade? Seria a ditadura da beleza? Em pesquisa recente pela net percebi que o conforto não é o primeiro quesito de um sapato de salto, pelo contrário, por vezes este fator é sumariamente descartado. Assim em nome da beleza muitas mulheres se equilibram num salto desconfortável que acaba com sua saúde. Crianças, hoje em dia calçam precocemente um salto. No Brasil essa moda pega mesmo porque aqui é a terra da erotização das crianças e nossas meninas se vestem como anãs, são mini mulheres.

O que proponho aqui não é queimar o salto alto como aconteceu com o pobre sutiã, mas abolir a obrigatoriedade do uso do salto. Obrigatoriedade que vem das convenções sociais, do ideal de beleza vigente. A mulher usa salto se quiser, a mulher pode ser o que ela quiser.

Ora, na psicanálise diz-se que a mulher é o ser da falta, por isso ela é uma ferrenha consumista e aficionada na aparência, em busca de si, em busca de algo que a preencha. Mas convenhamos, é pela falta que se pode ter o quiser. A mulher, ao contrário do que a mídia propõe, não tem nada a perder por ser o ser da falta, ou seja, já perdeu, agora ela pode de se (re) construir.

Se não quer usar salto, não use, vaidade é bom, mas não tem nada a ver com moral. A mídia almeja transformar a futilidade em algo urgente. Se cuidar, se gostar, não é se escravizar! Quem se ama se liberta. Mulher gosta de consumir, isso não é nada de mais, o fato é que é há todo um processo de "futilização" da mulher promovido pela mídia. Um salto alto ainda que caríssimo, geralmente não tem o menor conforto. E lá vai a mulher "detonar" a saúde de seus pés e seu bem estar para aparecer linda e elegante. Lá vai ela, em seu teatro de auto-afirmação, sorrindo e suportando as dores que outrora eram promovidas pelo espartilho, só que agora ela pelo menos coloca suas fotos no orkut.

É incrível, neste "processo de futilização" fazem carros femininos. e pensam que é um carro fácil de trocar pneus? Fácil de fazer baliza? Não, não, é um estofado próprio pra não desfiar a meia calça (essa deve ser a prima do espartilho) porta maquiagens, espelho maior... Deste modo, quando o pneu fura, ela está linda e perfumada a espera de um homem pra trocá-lo. Definitivamente isso não é independência feminina.

Liberdade não é se portar como um robô programado para atender aos padrões de beleza. O corpo tem memórias, às vezes uma saliência abdominal tem história pra contar. O salto alto desconfortável, aqui, é o símbolo de exploração feminina, onde o bem estar é terceirizado. Em uma época que se explora o corpo, explora-se a dor, explora-se a lágrima, tudo tem um preço no mercado. Mas cada mulher é única, não somos bonecas infláveis com cartão de crédito produzidas em série.

Somos o que podemos ser e, de vez em quando, o que queremos. Precisamos querer aquilo que somos, usar salto alto só se der vontade!