Michel Foucault possui pretensões de traçar uma genealogia do saber, talvez pela inspiração nietzschiana que permeia sua obra, vide "Genealogia da Moral"(Nietzsche), universalizando assim o conceito de poder que utiliza, identificando-o com o elemento que sistematiza o campo do saber, um delineador espitemológico.

Também se faz importante mencionar que para Foucault, o "poder" difere da idéia vulgarizada que se tem a respeito do mesmo, pois além de ser um conceito mutável, variando conforme a necessidade de adaptação, é transformador, ao contrário da idéia de impecilho à transformação e atende as necessidades da própria sociedade pois emana da mesma.

O poder se torna um agente no processo histórico, não sendo um reducionismo de sua capacidade de atuação e nem se restringindo a nenhum monismo, pois é abrangente, com uma articulação complexa e pluralizante, fugindo a certas conceituações estruturais, desconstruindo toda uma lógica linear, pois ascende desde os substratos da sociedade, não podendo ser previsível sua manifestação e nem as ressonâncias que eclodirão a posteriori, daí a denominação dada a Foucault de "pós-estruturalista".

As esferas de poder não fazem distinção de classes, englobam a esfera social como um todo e influem tanto na estrutura de uma sociedade, quanto a nível institucional, podendo ser classificadas como atuantes também na "infra" e "superestrutura", valendo lembrar que As denominações utilizadas referem-se a concepção sistêmica marxista e possuem a pretensão de enfatizar a negação das mesmas.

O descontínuo também aparece como forma de negação da história, a efemeridade das teorias, além do confronto constante apresentado, demonstrando toda uma acuidade em relação ao processo tático de compreensão acerca dos meandros históricos, pois nas próprias palavras do autor: "O problema é ao mesmo tempo distinguir os acontecimentos, diferenciar as redes e os níveis a que pertencem e reconstituir os fios que os ligam e que fazem com que se engendrem, uns a partir dos outros. Daí a recusa das análises que se referem ao campo simbólico ou ao campo das estruturas significantes, e o recurso às análises que se fazem em termos de genealogia das relações de força, de desenvolvimentos estratégicos e de táticas. Creio que aquilo que se deve ter como referência não é o grande modelo da língua e dos signos, mas sim da guerra e da batalha. A historicidade que nos domina e nos determina é belicosa e não lingüística. Relação de poder, não relação de sentido. A história não tem "sentido", o que não quer dizer que seja absurda ou incoerente. Ao contrário, é inteligível e deve poder ser analisada em seus menores detalhes, mas, segundo a inteligibilidade das lutas, das estratégias, das táticas. Nem a dialética (como lógica de contradição), nem a semiótica (como estrutura da comunicação) não poderiam dar conta do que é a inteligibilidade intrínseca dos confrontos. A "dialética" é uma maneira de evitar a realidade aleatória e aberta desta inteligibilidade reduzindo−a ao esqueleto hegeliano; e a "semiologia" é uma maneira de evitar seu caráter violento, sangrento e mortal, reduzindo−a à forma apaziguada e platônica da linguagem e do diálogo." (FOUCAULT, 1979: 5).

Interessante que Nietzsche já havia comentado acerca de relações de poder e a associação belicosa, assim como o próprio Max Weber viria a posteriori insistir neste aspecto.

O fato é que Foucault torna-se revolucionário por "abrir um novo leque", bem vasto por sinal, de possibilidades no que se refere a uma hermenêutica histórica, rompendo regras de escolas tradicionais em voga e contradizendo lógicas teorizantes, talvez Hamann esteja correto ao mencionar que, "as regras, são virgens vestais: a menos que sejam violadas, não haverá prole (apud Isaiah Berlin, 2002).

A teoria de micropoder abrange inclusive o Estado, sendo que este é influenciado por essas cadeias formadas dentro do contexto social e reflete os conflitos de poder de forma macro, ocorrendo uma permuta relativizada pela fluência desestruturalizante das relações de poder.

Os chamados micropoderes tornam-se auto-suficientes, pois apesar da relação que existe entre as diversas esferas de poder, existe apenas até certo ponto uma dependência, ocorrendo autonomia dentro da variabilidade de poderes constatados pela lógica de construções diferenciadas que acarretam um processo morfológico.

Percebe-se também o poder deslocando-se dentro de uma lógica espaço-temporal, daí o termo foucaultiano "microfísica do poder", sendo que o poder em si, inexiste, ocorrendo sim relações e práticas conflituosas, o que nos remete ao viés heraclitiano.

Atrelando o fator poder ao saber, tendo em vista a lógica individualizante do "conhecimento", pode-se deduzir a construção de um poder a partir de cada indivíduo, onde o fator "saber" é instrumentalizado como agente propagador de poder, daí a necessidade de dominá-lo para usufruir de sua potência.

O saber passa a ser verificado sob diversas formas: articulado, especializado, provado, disciplinado, imposto, cognitivo, cognoscitivo. Nada mais veemente do que o discurso para a exposição foucaultiana acerca do saber-poder manifesto, assim expõe que: "o discurso ? como a psicanálise nos mostrou - não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e visto que ? isto a história não cessa de nos ensinar ? o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas e os sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar."(FOUCAULT, 2007: 10).

Chega-se por fim a uma fusão em que o saber faz-se meio (fim-para-si), para que possa obter seu objeto de desejo, o poder, que não é um fim-em-si.

Bibliografia:

- BERLIN, Isaiah. (2002). "Estudos Sobre A Humanidade". São Paulo: Companhia das Letras
- FOUCAULT, Michel. (2007). "A Ordem do Discurso". São Paulo: Loyola
- FOUCAULT, Michel. (1979). "Microfísica do Poder". Rio de Janeiro: Edições Graal