O RETORNO DO DR. FAJUTO

O Dr. Fajuto teve um ataque de catalepsia e dormiu durante 100 anos. Todas as suas necessidades eram feitas com a colaboração dos filhos, depois pelos netos, pelos bisnetos, pelos tetranetos e por fim pelos enteados. Eles tinham que dar banho no Dr. Fajuto pelo menos uma vez por semana, aplicar-lhe um tubo de soro por dia e limpá-lo quando evacuasse. O Dr. não morria e seria um crime não lhe satisfazer as mínimas necessidades. Todos os recursos foram procurados, ninguém conseguia dar um jeito mais. A eutanásia era proibida, de modo que tudo era feito e o Dr. continuava respirando.

Um dia, porém o Dr. Fajuto acordo do seu longo sono. Uma semana passou se restabelecendo visto estar ainda muito fraco. Não reconheceu nenhum dos seus. Onde estavam os filhos. Que filhos mais ingratos, deixá-lo sozinho no meio de estranhos!

Após uma semana, resolveu dar uma passeada pela vila, mas que assombro! Aquilo não era uma vila. Ele acordara em outro mundo. Tudo lhe era diferente e estranho. Imagine só: pintaram todas as ruas de preto e o pior é que umas passavam por cima das outras, umas máquinas horríveis corriam velozmente pra lá e pra cá levando o povo. E as casas? Que absurdo! Havia casa de ter 20 a 30 outras casas por cima e cheias de janelinhas e um treco que levava os homens para cima e para baixo. O Dr. Fajuto estava estagnado. Quando chegou num grande campo, viu as coisas piores ainda: umas máquinas terríveis que voavam. Isto mesmo, voavam e ainda por cima cheias de gente nelas. Até crianças aquelas máquinas engoliam. Foi visitar o mar para relembrar algo do seu tempo: que calamidade! Os barquinhos de outrora ficaram enormes. Tinham até tanques para se tomar banho. Tudo aquilo era terrível para ele. Quando ia voltando para casa passou numa estradinha estreitinha toda de ferro. Que seria aquilo? Nem acabou de pensar direito, de repente um monte de casas passou por ele. A da frente puxando as outras e soltando um fumaceirão danado. E os berros dela matavam qualquer ser vivente.

O Dr. Fajuto continuou observando tudo. As mulheres, Nossa Senhora, envergonhavam qualquer um. Quase todas nuas, na praia ele viu mulheres só de calcinha. Que mundo seria aquele? Ele estava escandalizado. O linguajar do povo era terrível: imagine chamar a um colega de bicho.

Continuou caminhando quando um grupo de jovens conversava animadamente, bebiam uma água e ficavam alegres. Ouviam uma caixinha falando mais que papagaio destrambelhado. Ele ficou curioso: nunca ouvira uma caixa de madeira falar, tentou descobrir o anão que falava naquela caixinha que os rapazes chamavam de rádio. O mais estranho para ele foi quando um rapaz lhe disse que o anão estava a 2 mil quilômetros dali. O Dr. Fajuto ficou espantado. Resolveu tomar um pouco daquela água branca. Foi o maior azar, era pinga e o Dr. Fajuto quase morreu.

Foi a uma igreja, mas coitado: o padre rezava missa de frente para o povo, falando em português, as mulheres não usavam véu( que pouca vergonha!), um grupo de cabeludos tocava uns instrumentos parecidos com violão, só que muito mais feios.

O Dr. Fajuto foi para casa. Lá no meio daqueles desconhecidos ficou observando ainda. À noite todos se reuniam e ligavam um aparelhinho que mostrava imagem e emitia sons. Ninguém soltava uma palavra, todos observavam o que a imagem falava. O Dr.

Fajuto entendia muito menos ainda. Nunca viram nem imaginara tanta concentração naquele aparelhinho.

Já era noite e como ninguém falava com ele, só olhava aquele aparelhinho, resolveu dar uma volta pela rua para ver o movimento durante a noite: que coisa estranha! Toda a cidade estava em chamas. Sim, porque os homens engarrafaram o fogo e distribuíram pela cidade. Entrou em um bar e viu quando o dono tirou o fio de dois buraquinhos e as luzes se apagaram. Como estava curioso, meteu o dedo onde o homem tirara o fio. Levou um soco enorme que quase morreu de novo.

Foi a uma lanchonete e lá viu as coisas extremamente terríveis: um bando de rapazes de saia e de seios. Um dos rapazes chegou perto do outro, agarrou-lhe e deu-lhe um beijo demorado na boca. O Dr. Fajuto abriu um olhão, caiu duro, durinho, nunca mais se levantou: estava morto!