No decorrer da história da infância descobrimos diversas transformações do pensamento social em relação á família e á própria infância. Se no período da Idade Média as crianças eram vistas como pequenos "adultos em miniatura", portanto, sem distinção do adulto, a partir dos séculos XVI e XVII começava a surgir na sociedade o sentimento e a idéia de infância. No decorrer dessas transformações a criança passou a conquistar seu espaço na sociedade. Várias pesquisas surgiram fortalecendo o reconhecimento cultural dos pequenos. Mas é preciso destacar que junto a essas conquistas de reconhecimento dos direitos da criança e sua valorização surgiram também determinadas condições. A mesma sociedade que legitima esse ser social o sujeita á novas pressões de amadurecimento precoce. O cenário da criança hoje, devido a diversas circunstâncias, aponta para uma infância a caminho do "desaparecimento". Diante dessa hipótese, esse trabalho se propõe a questionar a adultização da criança nos dias atuais, discutir suas principais causas e consequências para as crianças brasileiras e apontar a necessidade de mobilização de toda sociedade a fim de resgatarmos a infância que nossas crianças estão perdendo. Qual o nosso papel, enquanto educadores, pais e cidadãos diante desse processo de adultização da infância? Afinal, o que é infância?

Durante muitos séculos a sociedade agiu de maneira indiferente com relação á infância.Ser criança já significou, em um determinado tempo, ser um "adulto em miniatura", símbolo da força do mal, um ser imperfeito esmagado pelo peso do pecado original ou simplesmente um companheiro natural do adulto. O historiador francês Philippe Ariés é um pioneiro da pesquisa da história da infância e da família, seus estudos têm influenciado pesquisadores e cientistas sociais americanos e europeus quanto á evolução na mudança de atitudes da sociedade em relação á família. Kramer (1982, p. 19) relata que a idéia de infância não existiu sempre, o sentimento de família e infância surgiu nos séculos XVI e XVII e que a idéia de infância aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que muda a inserção e o papel social desempenhado pela criança na comunidade.

No decorrer dessas transformações e devido ao amadurecimento do pensamento social, a criança passou a conquistar seu reconhecimento na sociedade. A segunda metade do século XX é considerada o período da legitimação do direito da criança. É, segundo Zabalza (1998, p. 64), a virada de uma "identidade negativa", a saber: a identidade da criança-adulto, para a emancipação do sujeito social. Mas é preciso destacar que junto a essas conquistas de reconhecimento dos direitos da criança e sua valorização surgiram também determinadas condições. A mesma sociedade que legitima esse ser social, usa de poder para manipulá-lo e sujeitá-lo á novas correntes de pressão social.O cenário da criança hoje, devido a diversas circunstâncias, aponta para uma infância a caminho do desaparecimento.Uma fase que após anos de construção, encontra-se em processo de extinção.

Novamente as crianças, de maneira muitas vezes sutil ou subliminar, são pressionadas a serem pequenos adultos. Imitam hábitos e costumes dos adultos e muitas vezes já nem sentem alegria pela infância, seu desejo é alcançar a maioridade. Em se tratando de poder, as mídias são atualmente fortes instrumentos de influência e manipulação na educação e construção desses novos seres "adultizados". No Brasil, em se tratando das músicas que as crianças cantam, essas não são mais tão infantis. As maquiagens, roupas e calçados copiam o adulto como se os gostos fossem os mesmos. As danças sensuais e canções com palavras obscenas já fazem parte do repertório preferido dos pequenos. Meninas usam roupas e objetos que estimulam a sexualidade precoce, assistem aos mesmos programas de televisão e falam a mesma linguagem dos adultos. Garotinhas usam salto alto e meninos de apenas cinco anos de idade já querem se vestir como adultos e já não aceitam usar roupas que possuam qualquer desenho infantil que os faça parecer crianças.Abraçar e pegar na mão do filho é considerado motivo de vergonha. Crianças trabalham e apresentam programas de televisão.

Os jogos infantis também mudaram, a diversão agora são os videogames e os filmes repletos de violência. Os brinquedos já vêm prontos, tudo é industrializado, só é preciso manusear. Campeonatos infantis é atração para os pais, que cobram dos filhos ótimos resultados de placar. E quanto á alimentação não há mais distinção entre o lanche do adulto e da criança, todos devem saborear os deliciosos "hambúrgueres" em qualquer tempo. Sem falar da literatura infantil que também está mudando. Até as ruas que antigamente eram lugar de socialização, hoje refletem a falta de relacionamento e interação entre pessoas.

Mas afinal, qual a razão de se negar ás crianças a alegria das brincadeiras espontâneas? Por que lhes podar a criatividade de fabricarem seus próprios brinquedos? Qual o motivo da sociedade aplaudir tudo isso como se fosse algo natural?

O fato inegável é que há um interesse econômico por detrás desta realidade. Uma intensão que possui um objetivo: educar as crianças a serem consumidores em potencial. Educar para o consumo e para a submissão de idéias. Produzir consumidores mirins que satisfarão cada vez mais os desejos desse sistema que insiste em condicionar o verdadeiro sentido da infância ao status, dinheiro e mecanização. As crianças estão sendo pressionadas a crescerem depressa, quando na verdade devería-se respeitar seu processo de desenvolvimento, pois não pensam, não sentem nem aprendem como os adultos. Elas precisam de tempo para crescer e pressioná-las a viver como adultas só produzirão seres com dificuldades, inseguranças e conflitos no futuro. Na verdade, o que se fala hoje a respeito da infância não condiz com a realidade das nossas crianças, nem com o que fazemos com elas.

É preciso resgatar a verdadeira infância, na qual há um mundo de fantasia, imaginação, criatividade e brincadeiras. Aqui entra o papel do pedagogo, pois como estimulador do conhecimento, poderá trazer para o espaço escolar desafios e valores que conduzam seus alunos a descobrirem a verdadeira identidade de um sujeito social.

Poderá trabalhar dentro dos estágios de desenvolvimento da criança, incentivá-la na leitura de mundo e não apenas da palavra, estimulando-a a ler nas "entrelinhas" e a constituir-se como um cidadão capaz de transformar sua própria realidade. Como educador poderá também questionar junto aos educandos a postura das mídias e se posicionar como um instrumento iluminador de pensamentos e idéias.

Aqui entra a intervenção dos pais e de toda a sociedade, que precisa romper com os muros do doutrinamento consumista. Exigir de todos os setores sociais, inclusive a própria família e os setores de comunicação, uma educação que valorize mais o ser do que o ter. Uma censura a ser respeitada, digna do público infantil e até a criação de um código de defesa do telespectador ou leitor de mídias. É preciso acreditar numa educação de qualidade para todos, a qual prepare as crianças para conhecer, fazer, ser e conviver.

A história da criança não deve retroceder a um passado de isolamento, e sim estabelecer-se como a história de um sujeito possuidor de direitos, inclusive o direito de voz e o de não ser manipulado pelos adultos. Está-nos proposto o desafio: protegeremos a infância ou continuaremos a reproduzir os interesses de um sistema que insiste em nos dominar?

Para saber mais:

ARIÉS, Philippe. A história social da infância e da família. Rio de Janeiro: LTC Editora S.A, 1981.

FREITAS, Marcos Cezar de. A história Social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 2001.

POSTMAN, Neil. O desaparecimento da Infância. Rio de Janeiro: Editora Graphia, 1999.

KRAMER, Sonia. A política do Pré-escolar no Brasil - a arte do disfarce. Rio de Janeiro: Editora Achiamé, 1982.

ZABALZA, Miguel A. Qualidade em educação infantil. Porto Alegre: Editora Artmed, 1998.

Escrito por: Junia Dias Rodrigues estudante do 6º período do curso de Pedagogia no Centro Universitário de Belo Horizonte UNI BH.