O REQUISITO DA QUANTIDADE NA 11.343/06: UM DIVISOR

ENTRE O TRÁFICO E O USO PESSOAL.

 

Marcio Roberto Lenco

 

 

 

Resumo: O presente artigo tem por objetivo discorrer sobre a necessidade de o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL definir a quantidade na posse de drogas como um número ideal, para maior oferecer maior segurança jurídica ao diferenciar o tráfico e o uso pessoal na lei 11.343/06, a lei de drogas.

 

Palavras – chave: Lei de drogas. Quantidade. Definição. Tráfico de drogas. Uso pessoal.

 

INTRODUÇÃO

Tendo em vista que a política criminal brasileira de combate às drogas falhou tanto na sua concepção quanto em sua execução. Faz necessário, portanto, uma nova abordagem partindo de uma nova premissa, qual seja, a do ponto de vista da humanização das políticas e leis criminais existentes no país, lembrando sempre que tal responsabilidade deve ser enfrentada e desenvolvida no âmbito do legislativo e do congresso nacional, restando ao judiciário se debruçar-se sobre questões de natureza teratológica para aplicação da lei de maneira justa e equânime, dando ao jurisdicionado o justo e o direito, conceitos tão elaborados e explorados desde Platão até a moderna e conceitual filosofia do Direito.

E, desta feita, provoca-se o legislador a esclarecer tais vácuos de lei, porém neste interregno temporal a sociedade clama por uma solução que garanta a manutenção do seu maior bem que é a liberdade e o respeito a dignidade humana, direitos universais que devem prevalecer frente aos demais.

Vislumbra-se, portanto, a necessidade da manifestação da Corte Constitucional protetor por excelência da Constituição Federal, nesse caso, provoca-se o STF (Supremo Tribunal Federal) a se manifestar naquilo que lhe compete, que é garantir a liberdade do cidadão que é detido em flagrante na posse de quantidade pouco significativa de entorpecente e tem sua liberdade restringida e seus direitos suprimidos, visto que a pequena quantidade assim descrita impede a prisão em flagrante e em hipótese alguma deverá o agente ficar detido (art. 48 §3º- 11.343/06), como adiante será ventilado.

  1. A quantidade como critério balizador entre tráfico e uso pessoal:

Pode-se dizer com certa segurança que a lei de drogas tem sido abordada pelos mais diversos ângulos, porém o tema menos enfrentado está no requisito da quantidade de droga em posse do agente para que possa diferenciá-lo entre o traficante e do usuário recreativo. Isso tiraria a discricionariedade em sede inquisitória, evitando posturas ideológicas repressivas. Luiz Flavio Gomes, já havia abordado o tema:

“Um dos maiores problemas técnicos contidos na lei de drogas (Lei 11.343/2006) diz respeito à distinção entre usuário e traficante. A lei não foi clara. Não estabeleceu critérios objetivos certos. Deixou grande margem de discricionariedade, o que dá ensejo a posturas puramente ideológicas (ideologia da segurança versus ideologia da liberdade). Impõe-se reformar a legislação penal brasileira (também) nesse ponto. Tudo é uma questão de respeito ao direito fundamental da liberdade. Também é uma questão de evitar discriminações e tratamentos desiguais” (a depender do status da pessoa).[1]

 (GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de.Tráfico ou usuário de droga: depende do caso concreto).

 Desta maneira a lei como está ainda carece de preenchimento para alcançar a constitucionalização do direito proposto pelo novo direito, a lei está na direção, mas não está conseguindo atender os anseios da sociedade, na medida em que o STF não traz a baila o tema, a chamá-lo em repercussão geral e que poderia iniciar ou mesmo continuar a discussão nas questões dos excessos, de prisões desnecessárias, de abusos de autoridade, de corrupção endêmica, excesso de processos, morosidade, caos prisional e excesso de presos.

Causado em grande parte por pessoas presas em flagrante na posse de pequena ou pouco significante quantidade de droga, além de preencherem na sua maioria os demais requisitos da lei de drogas para que o agente seja posto em liberdade, o que  vem ocorrendo é exatamente o contrário, continuam presos e são indiciados por tráfico de drogas e tratados como criminosos.

É na falta de definição do requisito da quantidade que reside a falha e  permite em sede inquisitória seja o agente enquadrado pelo delito de tráfico de drogas, e via de regra é oferecida denuncia no mesmo contexto  do inquérito até o juiz receber a denúncia e iniciar a persecução contra o agora réu, conseguindo a reversão apenas aqueles que dispõe de numerários para os honorários advocatícios, os demais receberão o rigor da lei sem nunca tê-la merecido.

Senão vejamos o que a própria lei de drogas (11343/06) nos apresenta:

Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

§ 2o  Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.[2]

Ocorre que no parágrafo 2º fica a critério do juiz analisar os requisitos objetivos que dizem respeito ao ato em si de como e onde se deu a ação e os critérios subjetivos que dizem respeito ao próprio agente, ficando desta forma certa discricionariedade ao juízo monocrático a decisão de quem é traficante e usuário, o que implica necessariamente dizer quem ficará preso e quem ficará solto, entre o rigor de um processo penal e o seu desenrolar na lei dos juizados, a lei 9099/95.

  1. A necessidade da análise quantitativa do juízo:

A maior lacuna hoje para que o judiciário possa oferecer uma melhor prestação jurisdicional no tocante a lei de drogas está justamente no que se refere ao requisito da  quantidade de entorpecente em posse do agente, pois mesmo cumprido os demais requisitos será fundamental a análise do quantitativo de entorpecente em posse do acusado para que o juiz processe ou não a ação penal, privilegiando ou não os elementos que gravitam a persecução penal, a saber, os princípios da economicidade, celeridade, eficiência e dignidade da pessoa humana, esse por sua vez de amplitude universal.

Contrário a ordem natural das coisas, o juiz analisará o local, condições, circunstâncias sociais e pessoais do agente, conduta e antecedentes do agente, que são critérios claramente subjetivos, embora divergências, após a análise destes requisitos, fica descartado o único critério que é puramente objetivo, divergências a parte, que é a quantidade, que dá ensejo justamente a materialidade ou não do delito, apto a definir com a maior segurança jurídica o traficante do usuário. 

Têm-se logo as anomalias jurídicas observadas na aplicação da lei penal e processual penal, com as distorções de princípios como o da razoabilidade, proporcionalidade e equidade na aplicação da lei repressiva. Que leva naturalmente a injustiças e danos irreparáveis a vida pessoal e profissional de pessoas quando fere a psique do indivíduo, além de atingir de forma profunda a estrutura familiar dos demais membros ligados e dependentes do acusado.

  1. A necessidade da análise quantitativa no âmbito da prisão em flagrante:

 Destaque-se o fato de que no âmbito da esfera inquisitorial, onde está localizado o “olho do furacão” da ação delituosa e onde a autoridade policial é observadora “in loco” dos fatos e acontecimentos, e que por questões de natureza as vezes ideológicas na lacuna da lei reside este espaço para que em muitos casos a ideologia e costumes tenha mais força do que a lei, permitindo uma discricionariedade que avança além dos portões da razoabilidade e atinge violentamente princípios fundamentais ao decidir quem é usuário ou traficante, em outras palavras, entre realizar um inquérito ou um termo circunstanciado, entre a liberdade do agente e a fundamentação para uma constrição cautelar. Lembrando que não se imporá prisão em flagrante aqueles do artigo 28 da lei 11.3434/06 é o que grita o artigo 48 § 2° da mesma lei:

Art. 48 ...

§ 2o  Tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, ....[3]

Visto como se depreende da lei, o tema que se impõe ao judiciário é a definição no requisito da “quantidade” em posse do agente para avaliar se é para consumo pessoal ou não, esse é o “calcanhar de Aquiles” da lei de drogas L. 11.343/06.

Nesse diapasão há perturbações na ordem penal, clamando que a corte se exponha e apresente um parâmetro sólido a definir o requisto da quantidade de drogas, como critério fundamental e objetivo capaz de orientar as decisões de juízes e tribunais, tratando o tema como verdadeiro direito metaindividual, em diferenciar o traficante do usuário, privilegiando valores consagrados em nossa carta maior, principalmente no tocante a segurança jurídica.

  1. A questão do trafico e do uso drogas para STF

Tema esse de grande importância que já vem sendo ventilado há tempos na SUPREMA CORTE em caso de repercussão geral sobre a constitucionalidade do mesmo artigo 28 da lei sem comento no Recurso Extraordinario (RE) 635659[4] e desde 2011 vem sendo destacada a relevância social e jurídica do tema como declarou o Ministro Gilmar Mendes:

 “Trata-se de discussão que alcança, certamente, grande número de interessados, sendo necessária a manifestação desta Corte para a pacificação da matéria”, (Min. Gilmar Mendes – STF).[5]

Ultrapassado os fatos acerca da constitucionalidade do artigo 28, já confirmada em repercussão geral, além da inconstitucionalidade do artigo que vedava a liberdade provisória nos crimes de drogas, e mais do entendimento adotado a partir de 2013 para utilizar o critério da quantidade e natureza da droga na dosimetria da pena, resta ao SUPREMO enfrentar mais uma árdua tarefa, a fim fazer valer o papel da suprema corte como defensor máximo da constituição.

Em voto monocrático do atual Ministro Barroso do STF, o tema foi levantado com enorme eloquência e desenvoltura, além de sólida base que levantam temas relacionados a política criminal brasileira, a efetividade das leis penais, o combate ao tráfico de drogas, a organizações criminosas internacionais em atividade no país, o sistema carcerário e a comunidade carcerária. Tema exposto no HC 127.986 / RS:

Em verdade, a política designada de “guerra às drogas”, inclusive à maconha, liderada pelos Estados Unidos, é hoje considerada um fracasso por diversos organismos e entidades internacionais. Relatórios emitidos pela Comissão HIV e Direito, Organização dos Estados Americanos – OEA e Comissão de Combate às Drogas na África Ocidental, apenas para citar alguns, afirmam a necessidade de mudanças no enfrentamento do problema, com foco na repressão dos verdadeiros responsáveis pela traficância, e não nos usuários, mulas e pequenos traficantes. Em linha com essas recomendações, diversos Estados norte americanos, alguns países da Europa, como Portugal, e até países da América Latina, como o Uruguai, já trilham caminhos diversos para o tratamento da questão das drogas. (Min. Roberto  Barroso – STF).[6]

Nesse contexto, a tese a ser explorada é que se deve privilegiar o requisito objetivo que é o da quantidade em posse do agente na hora da flagrância, haja vista que os demais requisitos deverão ser analisados em juízo já em fase de instrução criminal.

 Partindo da premissa despenalizadora que é a intenção real da lei, pode afirmar  que pela  pequena quantidade  de droga apreendida com a agente não há em regra, gravidade do delito apta a ensejar qualquer tipo de restrição a liberdade do agente.

 Desta forma surge um voto provocador a ensejar nova discussão que pela falta de definição que envolva suposto trafico de droga e pequena quantidade ou quantidade pouco significativa não haveria razão legal para se requerer ou decretar a constrição cautelar do agente.

  1. Conclusão:

Diante do que foi exposto urge suscitar que as atuais políticas de drogas, no que concerne em repressão, criminalização da posse e a ausência desse muro que separa o traficante do não traficante, tem produzido distorções no seio da sociedade  colocando em prisões pessoas com características padrão no que tange a condição social e econômica, além da raça, o que permite dar fôlego a ideologias conservadoras contrários a nossa constituição cidadã.

Juntando todos esses ingredientes se tem o aumento da pobreza na medida em que se relaciona com a criminalização, o fortalecimento das organizações de drogas, a superlotação nos presídios com o aumento da massa carcerária, a corrupção em setores da segurança pública, envolvimento de setores da política e até mesmo do judiciário, fecha a receita completa para a perpetuação da injustiça social.

De certo que as questões como a descriminalização das drogas e as políticas criminais devam ser discutidas no âmbito do Poder Legislativo, mas quanto o acautelamento ou não do agente preso em flagrante com pequena quantidade de droga esse sim, é assunto que deve analisado e enfrentado pelo Poder Judiciário, capitaneado pelo Supremo Federal, guardião da nossa constituição, base de nossa democracia e base para as garantias fundamentais dentre elas o direito a liberdade.

  1. Bibliografia:
  • GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de.Tráfico ou usuário de droga: depende do caso concreto . Disponível em http://www.lfg.com.br - 08 de dezembro de 2010.

Rio de janeiro – RJ.

Marcio R. Lenco

15/05/15.



[1] GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de.Tráfico ou usuário de droga: depende do caso concreto . Disponível em http://www.lfg.com.br - 08 de dezembro de 2010. - acesso

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm - acesso em 13/05/2015.