(by Lucia Czer)

A situação histórico-social, com o estabelecimento da globalização, exige formas mais sofisticadas e firmes de intervenção estatal exigindo novas modalidades de gestão pública. Fortalece-se a idéia do reordenamento dos espaços, à medida que o termo globalização traz uma visão simplificada de abertura e unificação dos espaços de reprodução social. O que ocorre é uma nova ordem na hierarquia dos espaços, envolvendo a globalização ou a formulação de blocos econômicos, a fragilização do Estado- nação, a transformação do papel das metrópoles e o reforço do papel das cidades, com o redimensionamento dos espaços comunitários, ressurgindo a importância da polis como plano de articulação e inserção no processo de reprodução social.

A cidade, hoje, aparece como foco de uma profunda reformulação política no sentido mais amplo. Isso não significa que o Estado deva ter diminuída a sua intervenção como gestor político, mas o fato é que as comunidades reordenadas e amplamente organizadas recuperam o poder, suficientemente, a fim de poder intervir e influenciar as macro- políticas visando o desenvolvimento social local de forma mais eqüitativa. A cidadania, não mais no anonimato, reconstitui a humanidade e a solidariedade na interação, na recuperação de valores localmente constituídos e na re-humanização do desenvolvimento. Daí a recuperação do controle do cidadão, no seu bairro, na sua comunidade, sobre as formas de desenvolvimento, num processo crescente de evolução democrática participativa.

De um modo geral, o surgimento de democracias que ampliam os mecanismos de participação apresentam um eficiente antídoto para alguns dos principais problemas das democracias convencionais na medida em que inserem processos normalmente restritos aos círculos governamentais e parlamentares na vida cotidiana dos cidadãos. A existência de diferentes níveis de reuniões que envolvem moradores das cidades e regiões, o estímulo aos debates sobre o espaço urbano, a participação nas determinações de obras públicas ou até mesmo a escolha, não de parlamentares, mas de "vizinhos" para fazer parte de fóruns de gestão, representam não apenas uma mudança em termos da forma da democracia, mas uma verdadeira revolução em termos de constituição do capital social, entendido enquanto a formação de um conjunto de requisitos cívicos-cidadania, solidariedade, sentido público, coletivismo, etc. e redes sociais que permitem o fortalecimento do tecido da sociedade. Esta, provavelmente, é a grande diferença entre o modelo convencional de democracia e o participativo, na medida em que, enquanto no primeiro caso a participação restringe-se às urnas, no segundo há a permanência de vínculos de relação entre o Estado, os cidadãos e a sociedade civil.

O quadro atual reclama cada vez mais a consolidação do princípio federativo, cuja principal base de sustentação repousa em sua menor unidade, o município, onde atualmente se estimula a participação como mecanismo de desenvolvimento do poder local. Entende-se por poder local a composição de forças, ações e expressões organizativas no nível da comunidade, do município ou da micro-região, que contribuem para satisfazer as necessidades, interesses e aspirações da população local para a melhoria de suas condições de vida: econômicas, sociais, culturais, políticas etc. O poder local, baseado na plena participação e no empoderamento, se constitui num aspecto fundamental para a construção da democracia participativa e popular, de baixo para cima, inclusiva e plural, gerando relações de poder mais simétricas e igualitárias.

Estudar a participação no poder local exige a busca de uma compreensão clara dos princípios de sociedade civil, participação cidadã, esfera pública- Estado, e poder local.Sobre sociedade civil, podemos citar duas vertentes no conceito de sociedade civil, a enfática e a moderada: Na vertente enfática, a sociedade civilé uma rede de associações autônomas, com interesses comuns, que devem exercer um controle sobre o Estado. Enquanto que para a vertente moderada, a sociedade civil seria constituída de cidadãos e instituições dotadas de virtudes cívicas.

A noção de sociedade civil compreenderia: a) pluralidade- famílias, grupos informais, associações voluntárias; b) publicidade- instituições de cultura e comunicação; c) privacidade- domínio de auto- desenvolvimento e de escolha moral; d) da legalidade- estrutura de leis gerais e direitos básicos os quais são garantidos por leis que estabilizam a sociedade civil, muitos deles tendo sido reconhecidos no decorrer de lutas históricas (direitos fundamentais).

A catalogação dos direitos constitui a estrutura básica para permitir o funcionamento de uma sociedade civil autônoma e participativa. Uma vez consciente de seus direitos, o indivíduo- cidadão, estará apto a exercer com integridade a sua cidadania, participando ativamente dos processos decisórios na sociedade local.