O REGISTRO DO CONSUMIDOR JUNTO ÀS AGÊNCIAS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO: o dano moral causado pela negativação cadastral indevida

              Mayara Almeida[1]

Sumário: 1. Introdução; 2. As agências de proteção ao crédito e o cadastro dos consumidores; 3. A negativação cadastral indevida; 4. Reparação do dano moral causado pela inclusão indevida do consumidor; 5. Conclusão; 6. Referências

 

 

RESUMO

 

O presente trabalho trata da negativação cadastral indevida que constantemente é feita pelas agências de proteção ao crédito, o que causa inúmeros transtornos ao consumidor adimplente. Portanto, é necessário adentrar nessa questão de maneira mais profunda, analisando a responsabilidade civil pela inscrição indevida de títulos de crédito nos sistemas de proteção, especificamente no que tange aos danos morais decorrentes de tal ato, bem como a conseqüente possibilidade de indenização por todos os prejuízos causados.      

                             

 

                                            PALAVRAS- CHAVES

 

Agência de Proteção ao Crédito. Títulos de créditos. Negativação Cadastral Indevida. Danos Morais.

 

 

1.INTRODUÇÃO

 

Como reflexo do sistema capitalista, a sociedade vem ganhando características notadamente consumistas, o que exige a existência de sistemas eficazes de proteção ao crédito. Estes têm o objetivo precípuo de armazenar dados dos consumidores inadimplentes como forma de restrição ao crédito deles. No entanto, o que se tem observado com grande freqüência é o registro indevido de títulos de créditos junto ao sistema de proteção ao crédito.

 Sabe-se que título de crédito é um documento que representativo de um crédito, sendo eficaz para transferência de valores. Os títulos de crédito configuram-se como mecanismos eficientes para a circulação de riqueza na sociedade, assim, quando um indivíduo emite um título de crédito, está se comprometendo com a dívida, pois nesse momento há a declaração de que se deve alguém. Portanto, quando o emitente não cumpre com sua obrigação exteriorizada na cártula, o seu nome é incluindo nos sistema de proteção ao crédito, como forma de proteger o mercado. Em contrapartida, verifica-se que muitas vezes o que ocorre é a inscrição indevida de títulos de crédito, devido a uma falta de cautela quanto aos procedimentos utilizados para a inscrição do comprador, o que acarreta, portanto, o cerceamento do crediário de forma errônea. Como afirma Altair Rodrigues:

São freqüentes as notícias de abusos cometidos pelos sistemas de proteção, como a restrição ao crédito de consumidor adimplente, inobservância do adequado procedimento para incluir o nome do consumidor nos cadastros restritivos, subsistência do cadastro mesmo após a quitação do débito, entre outros. (RODRIGUES, Altair, p. 3, 2009, online)

 

                               .          

Esse abuso de direito leva a negativação cadastral irregular, o que traz como conseqüência a responsabilidade civil dessas agências, que tem como obrigação indenizar aqueles que tiveram seu direito consumerista violado. Nesse sentido, é interessante uma abordagem sobre os danos morais resultantes dessa problemática, bem como o seu caráter indenizatório. Além disso, pretende-se levantar a indiscutível importância do Código de Defesa do Consumidor para a resolução dessa celeuma, já que este é um álibi para a preservação dos direitos dos compradores.

     O tema escolhido, portanto, mostra-se de uma relevância ímpar no atual cenário da sociedade de consumo, uma vez que os danos à honra do consumidor tornam-se evidentes. Dessa maneira, a importância do trabalho reside em abordar o procedimento adequado dos sistemas de proteção ao crédito, a responsabilidade civil decorrente do registro irregular do nome do consumidor nesses órgãos, bem como a indenização decorrente dos danos ocasionados ao comprador que tem sua honra e imagem ofendidas.

 

2 AS AGÊNCIAS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E O CADASTRO DOS CONSUMIDORES

 

Desde os tempos mais remotos até os dias atuais o homem consome produtos e serviços indispensáveis a sua sobrevivência, pois o consumo é algo inerente ao cotidiano do ser humano.  No passado, por exemplo, as relações de consumo eram interpessoais, baseando-se nas relações de consumidores e comerciantes de forma direta, na qual as vendas se realizam através da troca de produtos e mercadorias.                                                    

Hoje, as relações de consumo se tornaram dinâmicas, pois produtos e serviços são adquiridos nas lojas, ou até mesmo pela internet sem que haja um contato direto entre comerciante e consumidor.  Tendo em vista essa tamanha dinamicidade das relações de consumo, com objetivo de conferir segurança as transações comerciais e proteger os fornecedores contra os consumidores inadimplentes, surgiram os as Agências de proteção ao Crédito, que tem como principais representantes o SPC e SERASA.

                        Antes mesmo da criação dos Sistemas de Proteção ao Crédito, se o consumidor desejasse fazer determinado tipo de compra na forma de crediário, para se atestar a veracidade das informações relacionadas a idoneidade financeira deste era necessário o preenchimento de um formulário, no qual deveria constar todos os seus dados pessoais do consumidor e até mesmo os locais onde já havia comprado a prazo. Essa tarefa, no entanto, não era tão simples, uma vez que custava tempo por ser preciso examinar diariamente e pessoalmente as informações perante cada fornecedor indicado no formulário.    

                     Assim, com objetivo precípuo de compartilhar seus cadastros de consumidores, um grupo de empresários, em reunião realizada na Associação Comercial, na cidade de Porto Alegre, fundou o primeiro SPC (Sistema de Proteção ao Crédito).  Segundo Altair Rodrigues

O SPC é uma associação civil, que possibilita o tráfego de informações acerca da saúde financeira do consumidor. É ferramenta que possibilita ao comerciante avaliar a probabilidade de recebimento do crédito, além de conceituar o bom consumidor mesmo em lugares que ninguém o conhece. Ademais, confere maior segurança às informações arquivadas, que antes eram mantidas de forma isolada por cada fornecedor. (RODRIGUES, Altair, p.5, 2009, online).

                       

Em 1962, foi criado o segundo Sistema de Proteção, que se alastrou por várias cidades do Brasil. Nessa época, as operações para o cadastro dos consumidores se realizavam através do armazenamento em fichas de papel, ou seja, no primeiro momento as informações dos consumidores eram armazenadas em arquivos próprios dos fornecedores. Como afirma Evandro de Moura: “Em princípio a solução encontrada pelos fornecedores foi o armazenamento, em arquivos próprios, de informações e referências acerca dos consumidores pretendentes a obtenção de crédito, com a finalidade de verificar se o indivíduo era ou não cumpridor de suas obrigações”.

                      Em 2000, durante 41ª Convenção Nacional de Dirigentes Lojistas, que aconteceu na cidade de Brasília, foi criado o SPC Brasil. A criação desse sistema possibilitou que as empresas associadas a esse serviço pudessem, através de uma única e determinada consulta, obter as informações dos consumidores de forma mais rápida, ágil e eficaz.

  Concomitantemente à criação do SPC, em 1968, foi criada outra agência de proteção ao crédito por instituições financeiras, sob forma de sociedade anônima, denominada de SERASA (Centralização de Serviços dos Bancos S.A). O SERASA é uma entidade privada que não se restringe a verificação do crédito consumidor, uma vez que sua atividade está relacionada a prestação de serviços de interesse de todos, mas ainda  assim é considerado um dos maiores bancos de dados do Brasil. Essa agência de proteção ao crédito tem como público alvo as pequenas, médias e grandes empresas, que possuem atividade econômica em todo Brasil.

Tendo em vista o grande crescimento desses bancos de dados do consumidor, em 1990, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 43, trouxe as primeiras normas para disciplinar os procedimentos para o cadastro dos consumidores. Essa regulamentação se fez relevante pelo fato de serem veiculadas nesses bancos informações privadas do consumidor.

                     Além disso, é importante ressaltar que é por meio dos Sistemas de Proteção ao Crédito que o fornecedor atesta a idoneidade financeira do consumidor antes da finalização de uma transação comercial. Dessa maneira, é através dessa checagem feita pelo fornecedor que se faz a verificação da inadimplência do consumidor em algum outro estabelecimento. Portanto, justamente por poder prejudicar o consumidor que as operações nesses bancos de dados devem ser controladas por normas disciplinadoras, que devem ter como objetivo proteger o consumidor de eventuais erros nas informações sobre eles prestadas.

Assim sendo, os Sistemas de Proteção ao Crédito recolhem as informações a respeito da inadimplência dos consumidores que se utilizaram de compra a crediário. A alimentação nesses bancos de dados parte de informações tanto de pessoas físicas quanto de pessoas jurídicas. Como afirma Evandro Moura: “Via de regra qualquer pessoa física ou jurídica pode fazer registro de dívidas vencidas no SPC e SERASA. Estes recebem as informações e registram nos bancos de dados de fontes já citadas, por meio de convênios ou contratos, ou também daqueles que já fazem uso de seus serviços, principalmente a rede bancária e comércio em geral”  

 Logo, se o consumidor se tornar inadimplente, o fornecedor tem o direito de proceder a negativação do nome daquele, bem como de seu CPF. Assim sendo, se foi realizada uma compra e venda através de cheque e este na primeira e na segunda apresentação foi devolvido, respectivamente, por insuficiência de fundos e por motivo de conta encerrada, pode-se proceder à negativaçao do nome do emitente no Cadastro de Emitentes de Cheques, o que tem como conseqüência uma restrição ao crédito em outras instituições.  Tal situação tem a função de proteger o mercado contra os consumidores inadimplentes, uma vez que incluídos nos cadastros restritivos ao crédito estes ficam privados de realizar uma nova operação, configurando uma espécie de condenação civil.

Segundo o Código de Defesa do Consumidor, os cadastros dos consumidores devem ser realizados de forma objetiva, clara, verdadeira e de fácil compreensão.  Nesse sentido, os arquivos dos consumidores devem ser redigidos de forma transparente, com o fim de refletir a realidade da situação. Logo, não são admitidos os arquivos das informações através de símbolos, códigos e de idioma estrangeiro, pois se pode deixar dúvidas aos fornecedores e consumidores.

Os Bancos de Dados e os Sistemas de Proteção ao Crédito têm natureza de entidade de caráter público, pois se garante a ampla proteção ao consumidor, bem como possibilita a utilização de habeas data, instrumento eficaz para a obtenção de dados e para sua retificação, caso seja necessário. Assim sendo, em virtude desse caráter público o consumidor pode ter acesso gratuito as informações relativas à sua pessoa nos bancos de dados dos consumidores. Portanto, mesmo que o SPC seja uma associação de caráter privado mantida pelos dirigentes lojistas, para efeitos legais, como já foi discutido, é considerado de caráter público, tendo em vista as informações que guardam. 

                        Portanto, a existência desses Sistemas de Proteção ao Crédito tem como principal objetivo proteger o mercado dos maus pagadores.  Sendo assim, como afirma Altair Rodrigues, a sua existência e funcionamento é de interesse de toda sociedade, devendo ser utilizado com muita cautela, com o fim de evitar o desvio de sua finalidade e abuso no exercício de sua atividade. (FILHO, 2009).

 

3 A NEGATIVAÇÃO CADASTRAL INDEVIDA

 

Como já foi falado anteriormente, as agências de proteção ao crédito surgiram como forma de fazer um cadastro para os consumidores no qual fosse possível acessar, de forma rápida, todas as informações referentes à sua saúde financeira, bem como todos os demais dados necessários para a concretização de uma relação de consumo. Dessa forma e diante da inadimplência do consumidor, o credor poderá proceder à negativação do nome e do CPF do consumidor, o que tem como fim precípuo proteger o mercado dos “maus pagadores”.

Para Altair Rodrigues Lopes, a negativação é uma “espécie de condenação civil a não ter novo crédito”. Isso porque uma vez incluído no rol dos inadimplentes, o consumidor será impedido de realizar novas operações de crédito. O que ocorre com muita freqüência, no entanto, são as constantes negativações indevidas, resultantes da inobservância do adequado procedimento para a inclusão do nome dos consumidores.

É indiscutível que é um direito líquido e certo a possibilidade dos credores incluírem o nome dos consumidores nos órgãos de proteção, ocorre que quando há a inclusão irregular daqueles, o ofendido terá o direito de ser restituído ao statu quo ante. Para Nehemias Domingos, nesse momento, “excede-se o limite do exercício regular de um direito para adentrar-se no campo do ilícito que autoriza pleitear indenização por danos morais”. 

Inegavelmente, a inclusão indevida de títulos de créditos gera inúmeros reflexos negativos na vida do consumidor, causando uma evidente ofensa ao direito da personalidade. Nesse sentido, o consumidor passa por constrangimentos a todo momento, sofrendo vexames e sendo ridicularizado perante o mercado de consumo por seu um “mau pagador” e por não ser merecedor de ter crédito. É de se notar, ainda, que o consumidor encontra muitas dificuldades para ver seu nome restabelecido de forma positiva na praça, pois normalmente é necessário a intervenção do Poder Judiciário para que isso aconteça.

Todo incômodo por ver o seu nome disposto de forma ‘suja’ na praça é muito mais do que um simples dissabor, mas sim uma situação na qual o consumidor sente-se abalado psicologicamente e desestruturado moralmente. Isso se agrava também diante da condição de hipossuficiente do consumidor, que é sempre visto como inferior e como pessoa fragilizada da relação.

Os consumidores sentem dificuldade ao comandar a sua vida depois que lhes é imputado a característica de “mau pagadores”. Essa qualificação geralmente os pega de surpresa, já que os fornecedores e os sistemas de proteção não usam o procedimento adequado da notificação prévia. Esta, que é de fundamental importância para que o consumidor possa promover a retificação das informações caso elas estejam incorretas, não é utilizada com muita freqüência, o que faz com que sejam armazenadas informações que não condizem com a realidade.

A notificação prévia é de obrigação exclusiva do órgão que mantém o cadastro restritivo de crédito, que antes de proceder à negativação do nome do consumidor, deve comunicá-lo, por escrito, do que irá acontecer caso ele não quite a sua dívida. É somente através dessa notificação que o devedor terá o direito de corrigir as informações armazenadas de forma incorreta. Se o consumidor provar, desde logo, que foi inscrito indevidamente, a correção deverá ser imediata, de forma rápida e sem demoras, já que a manutenção do nome do consumidor nesse rol é algo potencialmente lesivo a ele.

Cumpre ressaltar ainda que em função da transparência que deve reger todas as relações de consumo, o consumidor tem o direito de acesso a toda e qualquer informação armazenada a seu respeito. Se o órgão, no entanto, se recusar a prestar tais informações, o consumidor poderá fazer uso do habeas data, como já foi citado anteriormente, que está previsto no inciso LXXVII, do art. 5º, da CF, que serve não só para obter informações que existem nos bancos de dados, como também para futuras retificações de dados colocados de forma indevida e errônea.

Percebe-se, portanto, que apesar da maioria das situações de negativação cadastral indevida serem de culpa exclusiva do credor- por oferecer informações falsas, por não se preocupar se o consumidor já quitou o débito ou por colocar o nome dele quando a dívida já foi paga em sua integralidade- muitas vezes o erro advém das próprias entidades de proteção ao crédito, que acabam não cumprindo a sua função principal: fornecer aos que consultam os dados somente informações verdadeiras.

Isso acontece porque é de total responsabilidade dos Sistemas de Proteção averiguar todos os dados que recebem no momento do cadastro, fazendo a exigência de ter todos os documentos necessários comprobatórios do débito do consumidor. Imperioso ressaltar que o próprio CDC, em seu art. 43, anuncia que os órgãos de proteção ao crédito devem manter somente informações atualizadas e verídicas. Se eles não fazem o procedimento adequado por mero desleixo, sua culpa é grave, o que enseja reparação por dano patrimonial, que ocorre quando a vítima tem alguma diminuição no seu patrimônio, ou dano moral, que se mostra diante da inclusão indevida dos consumidores no banco de dados.

O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou sobre o assunto e admitiu a responsabilidade solidária entre credor e órgão de proteção de crédito. Esse posicionamento tem um respaldo legal: o art. 7º, parágrafo único, do CDC, anuncia que se tiver mais de um autor da ofensa, todos eles irão responder solidariamente pela reparação dos prejuízos.  Assim, segundo Altair Rodrigues “o credor e o órgão mantenedor do cadastro, como agentes diretamente envolvidos na inclusão do nome do consumidor nos cadastros restritivos, são co-responsáveis pelos eventuais danos”. (RODRIGUES, 2009)

Assim, diante do exposto, chega-se a conclusão que geralmente a inclusão indevida dos consumidores decorre de falhas grotescas cometidas pelos sistemas de proteção, que acabam restringindo o crédito do consumidor adimplente, inobservando o procedimento ideal e subsistindo com nomes em seus cadastros mesmo após a dívida ter sido quitada integralmente. É essencial, portanto, que esses sistemas adotem medidas preventivas para que essas falhas não ocorram. Assim, por essa atividade ser sujeita a constantes abusos, ela deve ser controlada de forma intensa e todos os seus operadores, quando necessário, devem ser responsabilizados civil, administrativa e penalmente.

 

4. REPARAÇÃO DO DANO MORAL CAUSADO PELA INCLUSÃO INDEVIDA DO CONSUMIDOR

           

A teoria da Responsabilidade Civil sustenta que se alguém causar dano a outrem, aquele tem o dever de indenizar. A obrigação de indenizar está intimamente ligada ao princípio restitutio in integrum, que afirma que aquele que teve seu bem jurídico violado terá o direito à indenização, como forma de restituí-lo ao seu status quo ante. Assim sendo, nota-se que a o registro indevido de títulos de crédito é um dos fatos que causa transtornos aos consumidores, tendo este o direito de pleitear perante o Poder Judiciário danos morais e materiais.  Nesse sentido:

CONTA CORRENTE. CHEQUES. DEVOLUÇÃO INDEVIDA. DANO MORAL.Caracterizado ato ilícito representado pela devolução indevida de cheque por motivo de insuficiência de fundos, impõe-se a condenação do responsável a pagar danos morais. (Apelação Cível n. 100.001.2006.014051-7 Apelação Cível n. 100.001.2006.014051-7. Apelante. Banco do Brasil S/A. Apelado: Daniella Ribeiro Sá dos Santos. Relator: Desembargador Marcos Alaor Diniz Grangeia

É importante notar que nesses casos de negativação indevida dos títulos de créditos seria muito melhor que o dano fosse reparado, sempre que possível, in natura. No entanto, é de se considerar que na maioria das vezes isso é praticamente impossível, o que abre espaço para a futura ação de danos morais, na qual a única saída para melhorar os prejuízos causados é a compensação pecuniária. Nesse raciocínio, aponta o magistrado José Luiz Gavião de Almeida:

A reparação dos danos morais não busca reconduzir as partes à situação anterior ao dano, meta impossível. A sentença visa a deixar claro que a honra, o bom nome e a reputação da vítima restaram lesionados pela atitude inconseqüente do causador do dano. Busca resgatar o bom conceito de que se valia o ofendido no seio da sociedade. O que interessa, de fato, é que a sentença venha declarar a idoneidade do lesado; proporcionar um reconforto à vítima, e, ainda, punir aquele que agiu, negligentemente, expondo o lesado a toda sorte de dissabores. (ALMEIDA, José, 1° TaCivil – Ap. n°. 825.862-2, - j. 09.10.2001 - LEX-JTACSP, v. 193, p. 193)

 

Assim, no que tange ao dano moral o consumidor pode exigir uma compensação financeira, uma vez que a inclusão indevida de títulos de créditos gera uma presunção relativa que houve uma ofensa a sua honra. Com isso, não é preciso que várias pessoas presenciem a recusa ao crédito, uma vez que com a simples negativação creditícia o dano já se caracteriza. Conforme julgado abaixo:

AÇÃO DECLARATÓRIA. CARTÃO DE CRÉDITO. COBRANÇA INDEVIDA. APONTE DO NOME COMO DEVEDOR INADIMPLENTE. TUTELA ANTECIPADA. DANO MORAL. INDENIZACÃO. Agravo de Instrumento. Tutela antecipada. Cartão de crédito. Cobrança indevida. Inclusão do nome do titular em cadastro do SERASA. Em sede de ação declaratória visando ao reconhecimento de ser indevida cobrança de débito por despesa que o titular de cartão de crédito afirma não ser de sua responsabilidade, ante a verossimilhança da alegação, bem amparada em prova documental inclusa à inicial, é possível a antecipação de tutela para obstar ao suposto credor a inclusão do pretenso devedor em cadastros restritivos de crédito, uma vez que, estando o valor do débito sendo discutido em Juízo, não se pode dizer seja ele inadimplente ou que se tenha furtado ao pagamento. Reforma da decisão que indeferiu a providência pedida pelo autor, condionando-a à exibição do comprovante da questionada despesa, documento que, evidentemente, não o tem ele em seu poder. Recurso a que se dá provimento”.

 A vítima da negativação indevida de títulos de crédito pode pleitear também dano patrimonial, já que tal situação pode levar a uma diminuição no patrimônio da pessoa lesada. Esta fica impossibilitada de fazer o uso da vantagem creditícia disponibilizada, seja em relação a liquidação de um produto ou mesmo para aquisição de imóvel através de condições privilegiadas. No entanto, para que o indivíduo possa ser merecedor da compensação financeira advinda desse dano deve provar que tal fato ocorreu.

O valor do dano moral pleiteado deve ser calculado levando em consideração o seu papel preventivo de evitar que o infrator da lesão não venha a praticar mesma conduta. Existem, portanto critérios para firmar o valor da compensação financeira e um deles se baseia no fato de que a indenização deve ser superior ao valor do débito negativado, não se admitindo a indenização tarifada, pois essa é a regra que engloba todo o sistema jurídico brasileiro. Assim sendo, o magistrado tem o dever de analisar o caso concreto e sua peculiaridade para poder fixar de forma adequada e justa a indenização ao consumidor. Vale destacar o seguinte julgado:

INDENIZAÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PARTE LEGÍTIMA. ASSINATURAS DE REVISTAS E TV A CABO. DESCONTOS INDEVIDOS NA CONTA CORRENTE. DEVOLUÇÃO DE CHEQUES. AUTORIZAÇÃO DE DÉBITO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. DANO MORAL. ATO ILÍCITO. VALOR. FIXAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. É parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda a instituição financeira que efetua descontos indevidos na conta do cliente, causando abalo moral. Inquestionável a existência de responsabilidade do banco-apelante por eventual prejuízo suportado por cliente seu, uma vez que praticou conduta abusiva ao efetuar descontos indevidos em sua conta corrente, sem a respectiva autorização, e, conseqüentemente, a devolução de cheque por insuficiência de fundos. A fixação do valor da indenização por danos morais deve ter por base os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando-se em consideração ainda a finalidade de compensar o ofendido pelo constrangimento indevido que lhe foi imposto, mas de forma a não gerar enriquecimento sem causa. (Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. Apelação Cível n. 100.001.2007.001491-3. Apelante: Banco Bradesco S/A. Apelado: Gildásio Gomes da Silva. Relator: Desembargador Miguel Monico Neto. Porto Velho, 25 de março de 2008, grifo nosso)

 

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, com o objetivo precípuo de manter a coerência dos julgados relativos a fixação do valor da indenização pela negativação cadastral indevida, firmou um posicionamento como forma de orientar o magistrado dispondo que é “razoável, em princípio, a fixação de verba compensatória no patamar de até 40 (quarenta) salários mínimos, em moeda corrente, fundada exclusivamente na indevida negativação do nome do consumidor em cadastro restritivo de crédito.” “Súmula da Jurisprudência Predominante nº 2005.146.00006 - Julgamento em 10/10/2005 - Votação: unânime - Relator: Desembargador Silvio Teixeira - Registro de Acórdão em 29/12/2005 - fls. 011317/011323”. Essa orientação foi fixada tendo em vista os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, pois esse valor reflete os valores em média utilizados nos tribunais, sem deixar de levar em consideração o caráter de sanção da reparação indenizatória.             

É importante ressaltar que diferentemente do que é adotado pelo direito privado, no que tange às relações consumeristas a regra adotada é da responsabilidade objetiva por aquele que cometeu o dano. Isso se dá devido ao fato de que o consumidor é hipossuficiente em relação ao fornecedor, mostrando-se em uma situação de vulnerabilidade e desvantagem em relação àquele. Dessa maneira, o consumidor não tem o dever de comprovar a culpa do credor para poder ser ressarcido pelos danos sofridos.

No que tange a indenização por dano moral quando da inscrição anteriores em nome do consumidor, a Súmula 385 do Superior Tribunal de Justiça, firmou entendimento contrário em relação aquele firmado anteriormente pelos tribunais. Afirma a súmula que já existindo outros registros legítimos do consumidor nos órgãos de proteção ao crédito e diante de um registro indevido, feito posteriormente, não caberia o pleito de dano moral, uma vez que o estado de inadimplemento do consumidor foi pré-existente, não configurando, portanto, honra a sua imagem. Nesse caso, o consumidor tem o direito de cancelar o registro feito indevidamente. Assim:

"AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.057.337 - RS (2008/0102640-4) RELATOR: MINISTRO SIDNEI BENETI - EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. COMUNICAÇÃO PRÉVIA. CDC , ART. 43 , § 2º. EXISTÊNCIA DE OUTRO REGISTRO. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO.
I - Afasta-se a pretensão indenizatória pois, conforme orientação da Segunda Seção desta Corte, "quem já é registrado como mau pagador não pode se sentir moralmente ofendido pela inscrição do seu nome como inadimplente em cadastros de proteção ao crédito" (REsp 1.002.985/RS , Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ 27.08.2008, grifo nosso).

Em sentido contrário, a Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do Recurso especial n.º 1.062.336 – RS sustentou que a existência de inscrições anteriores desabonadores nos bancos de dados deveria ser levado em consideração no momento da fixação do montante indenizatório.  Afirma a Ministra:

O entendimento mais recente do STJ, segundo o qual a pré-existência de inscrições afasta o dever de indenizar, coloca em situações idênticas tanto o devedor contumaz, que porventura tenha uma dezena de anotações regulares, quanto o consumidor que possua apenas uma anotação, mas que não conseguiu, por circunstâncias diversas, provar a ilegalidade do registro antecedente. (ANDRIGHI, Nancy)

Assim, como foi exposto, diante do incorreto registro de títulos de crédito, o consumidor, sentindo-se lesado, faz jus à indenização por danos morais, uma vez que teve a sua honra, sua moral e sua dignidade abaladas. Essa condenação deve ter caráter altamente sancionador para o agressor, uma vez que, ao atingir o patrimônio deste, acarretará em uma conseqüente diminuição de seu poderio econômico. Além disso, estar-se-ia cumprindo os princípios de equidade, justiça e moralidade, que tanto permeiam o ordenamento jurídico pátrio, pois somente assim, segundo João Castillo, voltaria a se compor “a ordem que foi quebrada e o direito que foi ofendido”.

 

5. CONCLUSÃO

 

Em face do exposto, pode-se concluir que o registro indevido de títulos de crédito é reflexo de um sistema que não preza por respeitar a ética e a moral nas relações que permeiam o mundo dos negócios. É de se reconhecer que apesar da indiscutível importância dos Sistemas de Proteção ao Crédito, as constantes inscrições indevidas fazem com que esses sistemas caiam em depreciação.                                                                                                              Assim, o único remédio utilizado para consertar tamanho estardalhaço vem através da repressão de todos os abusos cometidos por tais órgãos, que não raras vezes, recaem sobre a forma de indenização. Esta, que vem para atender aos anseios de justiça da sociedade e do consumidor que teve a sua boa fama abalada, não deve ser convertida em uma fonte de lucro incessante ou mesmo de um enriquecimento sem causa, mas deve vir como meio de obedecer o seu caráter tríplice, qual seja: punitivo, compensatório e exemplar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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GAGLIANO, Pablo S. e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2012.vol. III

VENOSA, Silvio de S. Direito Civil: Teoria Geral dos contratos e Contratos em espécie. São Paulo: Atlas, 2011. vol IV

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2011. vol.4

 

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 FILHO, Altair Rodrigues Lopes. O Dano Moral Decorrente da Inclusão Indevida nos Cadastros Restritivos de Crédito. Disponível em: < http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/2semestre2009/trabalhos_22009/AltairRodriguesLopesFilho.pdf>. Acesso em: 08 set 2012

JÚNIOR, Cláucio Coelho de Souza. REGISTRO INDEVIDO DE PESSOA FÍSICA PELOS ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS COM ÊNFASE NO SPC. 2012. 42f. Monografia (Conclusão de curso). UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS – FADE, Minas Gerais, 2010.

SILVA, Américo Luís Martins da. AS AGÊNCIAS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E O DANO MORAL. Revista da Procuradoria Geral do INSS. v.8, n.1, p. 79-103, abr/jun, 2001.

 

 

 



[1] Aluna do 5º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco