O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e a Ofensa ao Código de Processo Civil.


Leandro Brescovit






SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................06

1 OS REGIMENTOS INTERNOS DOS TRIBUNAIS NO DIREITO BRASILEIRO....09
1.1 Conceito de Regimento Interno............................................................................09
1.2 Evolução Constitucional dos Regimentos Internos dos Tribunais no âmbito do Direito brasileiro..........................................................................................................10

2 NOÇÕES GERAIS ACERCA DA AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS NA ELABORAÇÃO DE SEUS REGIMENTOS INTERNOS............................................14
2.1 A Autonomia dos Tribunais à Luz da doutrina......................................................14
2.2. A Autonomia dos Tribunais em face da Jurisprudência......................................17

3 AS PRERROGATIVAS ASSEGURADAS ÀS PARTES PELO DIREITO PROCESSUAL...........................................................................................................20
3.1. Mitigação à autonomia plena dos Tribunais quando da feitura de seus Regimentos................................................................................................................20
3.2 As Normas de Processo à luz da Doutrina ..........................................................21
3.3 As Garantias Processuais apregoadas às partes................................................24

4 A EFETIVA OFENSA DO REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ÀS NORMAS E GARANTIAS PROCESSUAIS ASSEGURADAS PELO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL...............................................................................29
4.1. A Supremacia do Código de Processo Civil frente ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal..........................................................................................29
4.2. A delegação atribuída pelo Código de Processo Civil ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal .........................................................................................33
4.3 A Ofensa do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal às Normas Processuais................................................................................................................35
CONCLUSÃO............................................................................................................40
REFERÊNCIAS..........................................................................................................42





INTRODUÇÃO


Dentre os Poderes que mais albergaram poderes no transcorrer das últimas décadas, dúvidas não pairam de que o Judiciário se sobrepõe, sobremaneira, frente aos demais. Aquele que outrora era apenas profetizador das palavras do Rei e, posteriormente, do Chefe do Executivo, ganhou contornos que o elevaram, de tal forma, que a autonomia conquistada pode ter se degenerado em arbitrariedade. Tal se faz sentir de forma mais efetiva nos Tribunais Superiores, em especial no Supremo Tribunal Federal.

Não se produz teratologia ao asseverar-se que, hodiernamente, o Judiciário, ainda que não detenha o maior poder econômico, o tem em poder de mando. É com estas balizas que o presente trabalho almeja demonstrar a ofensa do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal junto ao Código de Processo Civil.

Conforme consta do artigo 96, I, a, da CF/88:

Art. 96 Compete privativamente
I ? aos tribunais
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos (grifei).

De uma leitura rarefeita do normativo colacionado infere-se que, atribui-se aos Tribunais a possibilidade de compilarem seus próprios Regimentos Internos, tendo como único óbice a observância das normas de processo e das garantias processuais das partes. Todavia, conforme se buscará demonstrar, tais restrições não são observadas pelo Supremo Tribunal Federal, transmudando-se em inconstitucionais.

Buscar-se-á refutar os argumentos usados pelo Supremo quando proclama a soberania das normas regimentais fundamentando-se na tese de estas estariam em igual grau hierárquico daquelas reprisados no CPC. Demais disso, refutar-se-á os fundamentos igualmente usados pelo Guardião da Constituição, no sentido de haver ingerência de outros Poderes frente a seus trabalhos internos.

A questão suscitada neste trabalho apresenta-se de considerável importância, haja vista que objetiva abordar tema pouco discorrido e que demanda maiores digressões. Ao que toca à relevância social do estudo, tal intenta incutir, na doutrina e até mesmo nos Tribunais, reflexões sobre o processo que se opera no Judiciário, qual seja, um desregramento, transformado em autoritarismo, que em muito contribui para a degeneração de tal Poder.

Nesta senda, o trabalho será fracionado em quatro capítulos, sendo que o primeiro buscará abordar o conceito de Regimento, assim como traçará um histórico destes à luz das inúmeras Constituições, até então promulgadas e outorgadas.

No capítulo seguinte consignar-se-á noções acerca da autonomia dos Tribunais para efetuarem seus Regimentos Internos, buscando demonstrar, através da melhor doutrina, que tal autonomia, seja em qual Poder for, não se faz de forma absoluta.

Como contraponto assentar-se-á o entendimento predominante nos Tribunais ao que tange a Separação dos Poderes, e, como referido alhures, a suposta ingerência de um Poder sobre outro.

Na seqüência o terceiro capítulo abordará as noções sobre as normas de processo assim como as garantias processuais, tendo em vista que tais conceitos são salutares para uma melhor compreensão do que se deseja sustentar.

Por derradeiro, o último capítulo, ressaltará, em um primeiro momento, as delegações que o próprio CPC faz aos Regimentos Internos, sendo que, posteriormente, tratará das efetivas ofensas do RISTF (Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal) junto às normas e às garantias processuais apregoadas pelo Código de Processo Civil.

Neste diapasão, buscar-se-á trazer as normas, tanto do RISTF como aquelas assentadas no CPC a fim de demonstrar o divorciamento daquelas frente estas.









1 OS REGIMENTOS INTERNOS DOS TRIBUNAIS NO DIREITO BRASILEIRO


1.1 Conceito de Regimento Interno

Deocleciano Torrieri Guimarães conceitua regimento como sendo "Normas agrupadas que disciplinam, o serviço interno ou o funcionamento de tribunais, assembléias legislativas, corporações, fundações, instituições civis".

Já o mais conhecido lexicógrafo brasileiro afiança ser o "1. ato, ou efeito ou modo de reger ou dirigir; regime. 2. conjunto de normas que regem o funcionamento duma instituição. 3. Corpo de tropas sob o comando de um coronel".

Não é de modo diverso que, José Náufel, em Dicionário Jurídico Brasileiro. Sentencia ser um

[...] conjunto de normas que regulam o funcionamento e o serviço interno de câmara legislativos, tribunais ou órgãos da administração pública. Exs: Regimento Interna da Câmara dos Deputados, Regimento do Supremo Tribunal Federal.

Deflui-se, assim, tratar-se de compilações de normas que visam disciplinar, no interior de uma instituição, o seu funcionamento, seu modo de agir, estando afeto àqueles que tomam parte nesta conjuntura.

Partindo dessa premissa que o presente trabalho pretende abordar o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, buscando demonstrar a sua extensão além dos limites atribuídos pela Constituição Federal de 1988, ferindo de forma frontal o atual Código de Processo Civil.

Necessário excursionar, primeiramente, pela normas que até então regeram os regimentos internos dos tribunais, buscando demonstrar que estes gozavam de considerável autonomia (fruto da separação entre Poderes) para compilarem seus regimentos. Posteriormente, cumpre assentar os limites a que estão submetidos às normas internas dos tribunais, em especial a observância aos direitos e garantias processuais atribuídas às partes. Por derradeiro, como expresso alhures, há de se assinalar as reais ofensas que o Regimento Interno do Supremo ao atual CPC.


1.2 Evolução Constitucional dos Regimentos Internos dos Tribunais no âmbito do Direito brasileiro.

O Brasil possui vasta tradição ao que tange à autonomia dos Tribunais para comporem seus próprios Regimentos Internos. Afora a Constituição de 1824, talhada ainda às vistas do Império português, as demais Leis Supremas sempre atribuíram tais misteres a estes.

A Carta Constitucional de 1824 isola-se como a única a não creditar aos Tribunais efetuarem seu próprio regimento. Ainda que propugnasse em seu artigo 9º que "A Divisão, e harmonia dos Poderes Políticos é o principio conservador dos Direitos dos Cidadãos, e o mais seguro meio de fazer effectivas as garantias, que a Constituição offerece." (*sic), tal assertiva por certo não se concretizava.

Corrobora o fato de tratar-se de uma Constituição outorgada, baseada em uma Monarquia Unitária e hereditária com poder centralizado, tendo com característica, sui generis, a existência de quatro Poderes: o Legislativo, o Executivo, o Judiciário e o Poder Moderador, encontrando-se este último acima dos demais, e tendo no Imperador seu condutor supremo.

Diferentemente a Carta Magna de 1891, materialmente configurada nos moldes da constituição norte americana e imbuída do espírito Liberal, foi, de certa forma, a precursora a assegurar que os Tribunais disciplinassem assuntos que lhes fossem peculiares. Apregoava em seu artigo 58 que "Os Tribunais federais elegerão de seu seio os seus Presidentes e organizarão as respectivas Secretarias". Tem-se aí, ainda que não de forma explícita, a possibilidade de auto-regulação, a qual buscava dar efetividade à Separação dos Poderes, tema posteriormente abordado.

De forma mais contundente, a Constituição de 1934 (em sua exígua existência), oriunda da Revolução Federalista e esculpida nos moldes da constituição alemã propugnava que

Art. 67. Compete aos Tribunais:
a) elaborar os seus Regimentos Internos, organizar as suas secretarias, os seus cartórios e mais serviços auxiliares, e propor ao Poder Legislativo a criação ou supressão de empregos e a fixação dos vencimentos respectivos.

Denota-se que houve considerável avanço, não somente por constar expressamente a competência para a elaboração do Regimento Interno por parte dos Tribunais, mas também porque se buscou atribuir competência para o trato de outras matérias que são afetas somente a estes (organização de secretarias, cartórios, serviços auxiliares etc.).

Já a Constituição de 1937, ainda que fosse outorgada; que concentrasse excessivamente poderes e que estabelecesse eleições indiretas, deixou intacta tal prerrogativa dos tribunais, e fê-lo nos seguintes termos

Art. 93 Compete aos Tribunais: a) elaborar os Regimentos Internos, organizar as Secretarias, os Cartórios e mais serviços auxiliares, e propor ao Poder Legislativo a criação ou supressão de empregos e a fixação dos vencimentos respectivos.

Passado a ditadura do Estado Novo sobreveio a Constituição de 1946 sendo que esta manteve praticamente a mesma redação no que toca ao tema, verbis:

Art. 97 Compete aos Tribunais:
[...]
II - elaborar seus Regimentos Internos e organizar os serviços auxiliares, provendo-lhes os cargos na forma da lei; e bem assim propor ao Poder Legislativo competente a criação ou a extinção de cargos e a fixação dos respectivos vencimentos;

Não houve desvio, neste ponto, quando da outorga da Constituição de 1967.

Ainda que esta tenha representado o período mais execrável da história brasileira, pautando-se, ainda, pelo aumento da influência do Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário e escorando-se na suposta "ameaça vermelha", manteve inabalável a disciplina dos tribunais, determinado que

Art. 110 - Compete aos Tribunais:
(...)
II - elaborar seus Regimentos internos e organizar os serviços auxiliares, provendo-lhes os cargos na forma da lei; propor (art. 59) ao Poder Legislativo a criação ou a extinção de cargos e a fixação dos respectivos vencimentos;

Tal redação foi mantida in totun pela emenda 01 de 1969, sendo, posteriormente modificada pela emenda 07 de 1977, passando a constar que

Art. 115. Compete aos Tribunais:
[...]
III - elaborar seus regimentos internos e neles estabelecer, respeitado o que preceituar a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, a competência de suas câmaras ou turmas isoladas, grupos, seções ou outros órgãos com funções jurisdicionais ou administrativas;

Por derradeiro, a Carta de 1988 ainda que em um primeiro momento tenha mantido a tradição, possibilitando a auto-regulamentação pelos Tribunais das matérias que lhe sejam privativas, acabou, de forma salutar, impondo restrições, fato este não consignado nas Cartas anteriores. Apregoa em seu Art. 96, I, "a" (grifei):

Art. 96. Compete privativamente:
I - aos tribunais:
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.

Assim, forçoso concluir que, ainda que a Carta de 88 tenha mantida a possibilidade dos Tribunais de sintetizarem seus próprios Regimentos Internos, impôs limitações devendo respeito às normas de processo e das garantias processuais das partes.

Ressalte-se, novamente que, é sobre este enforque, e à luz do Código de Processo Civil, que o presente trabalho se desenha buscando demonstrar a não observância, por parte do Regimento Interno do STF, das referidas restrições maculando as normas de processo assim como as garantias processuais das partes.










2 NOÇÕES GERAIS ACERCA DA AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS NA ELABORAÇÃO DE SEUS REGIMENTOS INTERNOS


2.1 A Autonomia dos Tribunais à Luz da doutrina

O Princípio da Separação dos Poderes, conforme apregoa a doutrina, é tido como uma das máximas de todo e qualquer Estado de Direito. Conforme assevera a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão "Toda a sociedade na qual na qual a garantia dos direitos não estiver assegurado e a separação de poderes determinada, não tem Constituição". Seguindo esta trilha a Constituição francesa de 1848 consagrou que "A separação de poderes é a primeira condição de um governo livre".

Para Paulo Bonavides

Nenhum princípio de nosso constitucionalismo excede em ancianidade e solidez o princípio da separação de poderes. Inarredável de todas as Constituições e projetos de Constituição já formulados neste País, desde 1823, data de elaboração do célebre Projeto de Antônio Carlos oferecido à Constituição Imperial, ele atravessou o Império e a República, rodeado sempre do respeito e do prestígio que gozam, as garantias constitucionais de liberdade. A única exceção veio a ser a Carta de 1937, mas esta em rigor não foi uma Constituição e sim um ato de força de natureza institucional, tanto que afastou, por inteiro, o País de toda a sua tradição de liberalismo e representatividade do Poder. Veja-se que depois do desastre de 1937, nem as Constituições outorgadas pela ditadura de 1964, sem embargos da violência de seu autoritarismo, ousaram tocar naquele princípio.

Aduzindo, ainda que

[...] conforme Montesquieu já assinalara, com a clarividência de um pensamento meridianamente lógico ? de limitar e controlar poderes, refreando assim a concentração de sua titularidade num único órgão ativo da soberania. A concentração seria, sem dúvida, lesiva ao exercício social da liberdade humana em qualquer gênero de organização do Estado. Titular exclusivo dos poderes da soberania na esfera da legitimidade, é tão-somente a Nação politicamente organizada, sob a égide de um estado de Direito.

No sentido do resguardo que um Poder deve ter frente ao outro Alexandre de Moraes, citando Montesquieu registra que

[...] precisa-se combinar os poderes, regrá-los, temperá-los fazê-los agir; dar a um poder, por assim dizer, um lastro, para pô-lo em condições de resistir a um outro. E uma obra-prima de legislação, que raramente o acaso produz, e raramente se deixa a prudência produzir (...). Sendo o seu corpo legislativo composto de duas partes, uma acorrentada a outra pela mútua faculdade de impedir. Ambas serão amarradas pelo Poder Executivo, o qual o será, por seu turno, pelo Legislativo. Esses três poderes deveriam originar um impasse, uma inação. Mas como, pelo movimento necessário das coisas, são compelidos a caminhar, eles haverão de caminhar em concerto.

Já Celso Ribeiro Bastos, discorrendo sobre a Separação dos Poderes apregoou que

Montesquieu concebia sua teoria da separação dos poderes como técnica posta a serviço da contenção do poder pelo próprio poder. Nenhum dos órgãos poderia desmandar-se a ponto de instaurar a perseguição e o arbítrio, porque nenhum desfrutaria de poderes para tanto. O poder estatal, assim dividido, seria o oposto daquele outro fruído pelo monarca de então, desvinculado de qualquer ordem jurídica preestabelecida.

Para José Afonso da Silva a independência dos Poderes se apresentaria de forma efetiva de modo

[...] c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais; assim é que cabe ao Presidente da República prover e extinguir cargos públicos da Administração federal, bem como exonerar ou demitir seus ocupantes, enquanto é da competência do Congresso Nacional ou dos Tribunais prover os cargos dos respectivos serviços administrativos, exonerar ou demitir seus ocupantes; às Câmaras do Congresso e aos Tribunais compete elaborar seus respectivos regimentos internos, em que se consubstanciam as regras de seu funcionamento, sua organização, direção, e polícia, ao passo que ao Chefe do Executivo incumbe à organização da Administração Pública, estabelecer seus regimentos e regulamentos (grifei).

Cumpre não descurar que o art. 60, § 4º, inciso III da hodierna Constituição tem como uma de cláusulas pétreas, a impossibilidade da separação dos Poderes. Assim: "A Constituição poderá ser emendada mediante proposta (...) § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:(...) III ? a Separação dos Poderes". Dessa forma qualquer tentativa de abolir a separação de poderes por certo restará inexitosa.

Entretanto, ainda que se reconheça a autonomia de cada Poder, tal não se processa de forma absoluta, tendo em vista a necessidade de se impor limites dando-se equilíbrio às relações. Assim, eventual controle que um exerce sobre outro não há de ser tido como ofensivo ao princípio em análise.

Rememorando a teoria dos freios e contrapesos Ricardo Cunha Chimenti, Fernando Capez, Márcio F. Elias Rosa e Marisa F. Santos, em Curso de Direito Constitucional noticiam que

A tripartição, portanto, é a técnica pela qual o poder é contido pelo próprio poder, um sistema de freios e contrapesos (também denominado checks and balances, verificações e equilíbrios ou métodos das compensações), uma garantia do povo contra o arbítrio e o despotismo

Em similar sentido José Afonso da Silva ressalta que

A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são absolutas. Há interferência, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados.

Ultimando que

[...] os trabalhos do Legislativo e do Executivo, especialmente, mas também do Judiciário, só se desenvolverão a bom termo, se esses órgãos se subordinarem ao princípio da harmonia, que não significa nem domínio de um pelo outro nem usurpação de atribuições, mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que alias, integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos. A desarmonia, porém, se dá sempre que se acrescem atribuições, faculdades e prerrogativas de um em detrimento de outro.

Assim, ainda que se possa dizer, na expressão moldada por Gomes Canotilho que "A independência dos tribunais é um daqueles kampfbegriffe ("conceitos de luta") de que está povoado o estado de direito" , tal deverá ser dada de forma mitigada.

Se é reconhecida a independência dos poderes, podendo, por exemplo o Judiciário perfectibilizar sua lei interna, há de reconhecer que, diante da possibilidade e, principalmente da necessidade de controle, devem ser respeitadas ditames impostos pelos demais Poderes, entre os quais o respeito às normas de processo e às garantias processuais das partes.


2.2. A Autonomia dos Tribunais em face da Jurisprudência.

A separação dos Poderes goza de ampla efetividade junto aos Tribunais. Assim, diante de eventual afronta a tal princípio, busca-se a de todo modo repeli-la. Nesse sentido seguem ilustrativos arestos que demonstrar o narrado:

CONSTITUCIONAL. MEDIDAS CAUTELARES E LIMINARES: SUSPENSÃO. Medida Provisória nº 375, de 23.11.93. I. - Suspensão dos efeitos e da eficácia da Medida Provisória nº 375, de 23.11.93, que, a pretexto de regular a concessão de medidas cautelares inominadas (CPC, art. 798) e de liminares em mandado de segurança (Lei 1.533/51, art. 7º, II) e em ações civis públicas (Lei 7.347/85, art. 12), acaba por vedar a concessão de tais medidas, além de obstruir o serviço da Justiça, criando obstáculos à obtenção da prestação jurisdicional e atentando contra a separação dos poderes, porque sujeita o Judiciário ao Poder Executivo.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. JUIZES DE PAZ: REMUNERAÇÃO. PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES. NORMAS LEGAIS RESULTANTES DE EMENDA PARLAMENTAR: USURPAÇÃO DE INICIATIVA. PODER JUDICIARIO: AUTONOMIA ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA; AUMENTO DE DESPESA. Normas ínsitas nos artigos 48 e 49 da Lei Complementar n. 90, de 1. de julho de 1993, do Estado de Santa Catarina. Ofensa aos artigos 2. e 96, inciso II, alinea "b", assim como ao art. 63, inciso II, combinado com o art. 25 e o art. 169, parágrafo único e seus incisos, da "Lex Fundamentalis". A Constituição Federal preconiza que compete privativamente ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169, a criação e a extinção de cargos e a fixação de vencimentos de seus membros, dos juizes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver, dos serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados (art. 96, inciso II, alínea "b"). (...) As disposições que atribuem remuneração aos Juizes de Paz, decorrentes de emenda parlamentar ao projeto original, de iniciativa do Tribunal de Justiça estadual, são incompatíveis com as regras dos artigos 2. e 96, II, alínea "b", da Constituição Federal, eis que eivadas de vício de inconstitucionalidade formal, além de violarem, pela imposição de aumento da despesa, o princípio da autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 48 e 49 da Lei Complementar n. 90, de 1. de julho de 1993, do Estado de Santa Catarina. (grifei)

Dando efetividade à autonomia de cada Poder, a jurisprudência é assente no sentido de garantir a autonomia dos tribunais de virem a auto-regularem assuntos internos. A avalizar seguem os julgados:

Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Pernambuco: art. 46-A (redação da Resolução nº 112/98 - (TJPE) e a expressão "observado o disposto no art. 46-A" contida no art. 161 (redação da Resolução nº 107/98 - TJPE). 3. (...) Não está caracterizada a usurpação de competência constitucional do legislador federal. 4. O ato impugnado atende ao disposto no art. 96, I, "a", da Constituição, que confere aos tribunais a competência privativa para elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes. 5. As normas regimentais impugnadas não eliminam a possibilidade de manifestação do Ministério Público, que não deixará de ser intimado nos casos de intervenção obrigatória.

AGRAVO DE INSTRUMENTO - MATÉRIA CRIMINAL ? TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (RESOLUÇÃO N. 213/91) - CONDENAÇÃO PENAL DE PREFEITO MUNICIPAL - COMPETÊNCIA ORIGINARIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO - PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL - COMPETÊNCIA DO VICE-PRESIDENTE DO TRIBUNAL A QUO PARA EXERCER O CONTROLE DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PRETENSAO DE NOVA AUDIENCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA COMPLEMENTAR PARECER ANTERIORMENTE PRODUZIDO - INADMISSIBILIDADE - AGRAVO IMPROVIDO. PRERROGATIVA DE FORO E PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL PREFEITO MUNICIPAL E COMPETÊNCIA PENAL ORIGINARIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - A QUESTÃO DOS ÓRGÃOS FRACCIONARIOS. ? A competência penal originaria do Tribunal de Justiça, para processar e julgar Prefeitos Municipais, não se limita e nem se restringe ao Plenário ou, onde houver, ao respectivo Órgão Especial, podendo ser atribuída - inclusive por ato dessa própria Corte judiciária, fundado no art. 96, I, a, da Constituição Federal - a qualquer de seus órgãos fraccionários (Câmaras,Turmas, Seções, v.g.), eis que os pronunciamentos de tais órgãos qualificam-se como decisões juridicamente imputáveis ao próprio Tribunal de Justiça. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que se revela compatível com o preceito inscrito no art. 29, X, da Constituição a norma local que designa, no âmbito do Tribunal de Justiça, o órgão colegiado investido de competência penal originaria para processar e julgar Prefeitos Municipais. Compete ao Tribunal de Justiça, mediante exercício do poder de regulação normativa interna que lhe foi outorgado pela Carta Política, a prerrogativa de dispor, em sede regimental, sobre as atribuições e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais (CF, art. 96, I, a).

DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. UNIVERSIDADE BRAZ CUBAS, DE MOGI DAS CRUZES. CURSO DE ODONTOLOGIA. FECHAMENTO. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. DIREITO ADQUIRIDO. MANDADO DE SEGURANÇA. DENEGAÇÃO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO ORDINÁRIO PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRELIMINARES DE NULIDADE DO JULGAMENTO. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS REGIMENTAIS DO S.T.J. E DE UM DECRETO FEDERAL. Embora o art. 105 da Constituição Federal atribua competências originárias e recursais ao Superior Tribunal de Justiça, nem todas, necessariamente, hão de ser exercitadas pelo Plenário ou pela Corte Especial, de que trata o inc. XI do art. 93. O mesmo ocorre, aliás, com as competências originais e recursais do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, II e III da C.F. e R.I.S.T.F.). 2. É que a própria Constituição, no art. 96, inc. I, letra "a", em norma auto-aplicável, estabelece caber, exclusivamente, aos tribunais, "elaborar seus regimentos internos, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais [...] (grifei)





3 AS PRERROGATIVAS ASSEGURADAS ÀS PARTES PELO DIREITO PROCESSUAL


3.1 Mitigação à autonomia plena dos Tribunais quando da feitura de seus Regimentos

Traçado um panorama geral no que diz ao conceito de regimento, sua evolução frente às inúmeras constituições promulgadas e outorgadas assim como sua autonomia frente à doutrina e à jurisprudência, cumpre declinar os fundamentos demonstrando a ofensa do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal diante das Normas do atual Código de Processo Civil.

Conforme expressado no primeiro capítulo (item 1.2), reza o art. 96, I, alínea "a" da atual Constituição Federal que

Art. 96 Compete privativamente
I - aos tribunais:
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos (grifei).

Infere-se que o constituinte originário delegou aos Tribunais atribuições como a de eleger seus órgãos diretivos. Aliado a isso dispôs sobre a competência para compilar seus Regimentos Internos disciplinando a competência e funcionamento dos órgãos jurisdicionais e administrativos, sendo tal prerrogativa, conforme expresso anteriormente, deriva da independência, bem como da busca pela harmonia entre os Poderes.

Entretanto, quando da feitura dos normativos que regerão seus trabalhos internos, hão de se atentar para as normas de processo bem como para as garantias processuais das partes. Logo, desrespeitada tais premissas restará alvejada o animus do constituinte, impondo ver declarada a ofensa à Constituição. Neste tocante solar declinar ponderações ao que toca às normas processuais assim como às garantias processuais das partes a fim de corroborar na empreitada que pretende o presente


3.2 As Normas de Processo à luz da Doutrina

Na acepção de Deocleciano Torrieri Guimarães normas são

Preceitos, regras, modelo, teor, minuta; linha de conduta". Já na ceara jurídica significa "Prescrição legal, preceito obrigatório, cuja característica é a possibilidade de seu cumprimento exigido, se necessário, com o emprego da força, da coerção [...].

Outrossim, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira conceitua como sendo "1. aquilo que se adota como base ou medida para a realização ou avaliação de algo. 2. Princípio, regra. 3. Modelo, padrão".

Tem-se, assim, que são aferições legais que regem condutas, podendo, caso não sejam seguidas, impor a sua realização, ainda que de forma coercitiva. Na atual sociedade, diante da abolição da justiça privada, mister que as relações sejam normatizadas. Nesse sentido Humberto Teodoro Junior enuncia que:

Desde o momento em que, em antigas eras, se chegou à conclusão de que não deviam os particulares fazer justiça pelas próprias mãos e que seus conflitos deveria, ser submetidos a julgamento de autoridade públicas, fez-se presente a necessidade de regulamentar a atividade da administração da Justiça. E, desde então, surgiram as normas jurídicas processuais (grifei).

Ao que toca ao conceito de norma a doutrina alinha-se com similitudes. No entendimento de Afonso da Silva normas:

[...] são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecem, por outro lado, a pessoas ou entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem, e, por outro lado, vinculam pessoas ou entidades à obrigação de submeterem-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem.

Gomes Canotilho, de modo mais abrangente, consigna que estas

[...] são criadas, densificadas e concretizadas, tendo em conta uma multiplicidade de factores sociais ? produção de bens materiais e simbólicos, relações de poder e de influência, habitus social. A importância destes factores revela-se logo no momento da génese e criação de uma lei fundamental ou constituição, isto é, quando o poder constituinte "cria" uma lei constitucional. Revela-se, depois, quando a "pluralidade de concretizadores" das normas constitucionais (legislador, administração, juizes, cidadãos) interpretam e aplicam as normas e princípios positivamente plasmados na constituição. No primeiro momento (criação da constituição) salienta-se a importância da cha-mada constituição material, isto é, o conjunto de forças ? sociais, partidárias, culturais, económicas e religiosas ? que transportam determinados interesses, valores ou mundividências, decisivamente con-dicionadores do "conteúdo" do pacto fundador. No segundo momento ? interpretação, densificação, concretização de normas ?, aponta-se para a necessidade de o programa e âmbito das normas constitucionais estar aberto à evolução da "realidade constitucional". b) O trilátero mágico: poder-normas-domínio
A articulação destas ideias conduziria a um "trilátero mágico" cujos pontos conceituais estruturantes seriam os seguintes:
(1) ? as normas jurídicas são criadas por um poder(es) de natureza injuntiva;
(2) ? o poder político concebe-se como uma modalidade de interacção social;
(3) ? a um nível profundo, o poder político assenta em estruturas de domínio, entendendo-se por domínio a distribuição desigualitária das bases de poder (produção de bens materiais, produção de bens simbólicos, detenção de instrumentos de coerção);
(4) ? a articulação do domínio (nível profundo) com o poder (nível superficial de interacção) pressupõe esquemas de mediação ou modos de racionalidade mediadora essencialmente revelados por normas juridicamente vinculantes (*sic).

Já no campo processual preciosa a lição de Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco para quem o direito processual é "O complexo de normas e princípios que regem tal método de trabalho, ou seja, o exercício conjugado da jurisdição do Estado-Juiz, da ação pelo demandante e da defesa do demandado".

Assentando, ainda que

O que distingue fundamentalmente o direito material do direito processual é que este cuida das relações dos sujeitos processuais, da posição de cada um deles no processo, da forma de se proceder aos atos deste ? sem nada dizer quanto ao bem da vida que é objeto do interesse primário das pessoas (o que entra na órbita do direito substancial).
O direito processual é, assim, do ponto-de-vista de sua função jurídica, um instrumento a serviço do direito material: todos os seus institutos básicos (jurisdição, ação, exceção, processo) são concebidos e justificam-se no quadro das instituições do Estado pela necessidade de garantir a autoridade do ordenamento jurídico. O objeto do direito processual reside precisamente nestes institutos e eles concorrem decisivamente para dar-lhe sua própria individualidade e distingui-lo do direito material.

Também Humberto Teodoro Junior comentando o tema aduz que "Lei processual é a que regula o processo civil. Não é apenas a que regula a forma, os modos e os termos do desenvolvimento da relação processual ou da tramitação do processo em juízo".

Sendo que

Seu objeto compreende o complexo de tudo o que concerne ao exercício da jurisdição civil, de modo que nele se entrevêem.
a) regras de organização estática da jurisdição, como a distribuição de atribuições entre os componentes dos órgãos judiciários, horários de funcionamento dos serviços forenses, competência de juízes e auxiliares etc.;
b) regras sobre a forma e a dinâmica do exercício da ação em juízo (procedimento); e
c) normas e princípios gerais ou específicos de interpretação e equacionamento da função jurisdicional e do exercício do direito de ação, como as condições e pressupostos processuais, a definição dos ônus e faculdades das partes no processo, meios de prova permitidos, meios de harmonizar o direito processual com outras normas jurídicas estranhas ao Código, e de solucionar conflitos intertemporais de normas.

Acrescentando, ainda que

Nos países civilizados, o Processo Civil está modernamente compilado sob a forma de Código, o que não evita, contudo, a coexistência de inúmeras leis extravagantes cuidando paralelamente de temas ligados ao mesmo ramo jurídico.
Assim, Lei Processual Civil é toda aquela que disciplina a função jurisdicional desenvolvida pelos juízes e tribunais, quando convocados pelos titulares de interesses jurídicos em conflitos na órbita civil lato sensu.

Por fim a contribuição de Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini para quem normas processuais:

[...] tratam de disciplina processual, da forma como se fará a vinculação da pretensão, com vistas à solução da lide, têm conteúdo nitidamente vinculado à aquilo que acontece em juízo, isto é, quando o litígio chega ao Poder Judiciário (ou, se for o caso, quando se celebra o compromisso arbitral) sob a forma de lide.


3.3 As Garantias Processuais apregoadas às partes.

Deocleciano Torrieri Guimarães, conceituando garantias no âmbito jurídico constitucional aduz ser

Meio de assegurar o direito de alguém contra lesão que resulte do não-cumprimento de obrigação (...)". No que diz respeito às garantias constitucionais assinala ser "conjunto de direitos que a CF garante a todos os cidadãos. Tutela dos direitos fundamentais, assim como mecanismos jurídicos que garantem a harmonia entre os Poderes do estado e sua funções. Os direitos e garantias expressos no texto constitucional não excluem outros que decorrem do regime e dos princípios pela constituição adotados ou dos tratados internacionais. Esses direitos têm sua garantias nos ritos processuais específicos. O Hábeas-Corpus é garantia constitucional de ir e vir. São garantias constitucionais de direitos o Hábeas-Corpus, o mandado de injunção, o mandado de segurança coletivo e o hábeas-data (CF., 5º, LXVIII, LXIX, LXX, LXXI e LXXII).

Retira-se do vocábulo que garantias seriam instrumentos postos ao dispor da parte podendo esta manejá-los invocando direito seu. Enuncie-se que as garantias, de regra, encontram-se assentadas nas Constituições. A exemplificar-se a Carta de 1824, já trazia em seu art. 179 e, em alguns de seus incisos que

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.
I. Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei.
(...)
IV. Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publical-os pela Imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio
deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar.
V. Ninguem póde ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não offenda a Moral Publica.
(...)
VII. Todo o Cidadão tem em sua casa um asylo inviolavel. De noite não se poderá entrar nella, senão por seu consentimento, ou para o defender de incendio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada
nos casos, e pela maneira, que a Lei determinar.
(...)
XXII. E'garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado
exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação. (*sic)

No mesmo sentido a atual Constituição, em especial seu artigo 5º, apresenta um amplo rol. A título exemplificativo tem-se que

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
(...)
LIV ? ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Entre estas acentuam-se a garantia do princípio da legalidade, a necessidade do respeito ao devido processo legal, da ampla defesa assim como do contraditório, princípios estes alvejados pelo Regimento Interno do STF. Nesse sentido Alexandre de Moraes expõe que

A Constituição Federal de 1988 incorporou o princípio do devido processo legal, que remonta à Magna Charta Libertatum, de 1215, de vital importância nos direitos inglês e norte-americano. Igualmente, o art. XI nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem garante: "todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual se tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa".
Inovando em relação às antigas Cartas, a Constituição atual referiu-se expressamente ao devido processo legal, além de fazer referências explícitas à privação de bens como matéria a beneficiar-se também dos princípios do direito processual penal.
O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade e propriedade quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total das condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, à produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).
(...)
O devido processo legal tem como corolário a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial criminal e civil ou em procedimento administrativo, inclusive nos militares, e aos acusados em geral, conforme o texto constitucional expresso.
A tutela judicial efetiva supõe o estrito cumprimento pelos órgãos judiciários dos princípios processuais previstos no ordenamento jurídico, em especial o contraditório e a ampla defesa, pois não são meros conjuntos de trâmites burocráticos, mas um rígido sistema de garantias para as partes visando ao asseguramento de justa imparcial decisão.

José Joaquim Gomes Canotilho, Professor da Faculdade de Direito de Coimbra, em comentários às garantias processuais assentadas na Constituição portuguesa de 1976, aduziu que, in verbis:

Do princípio do Estado de direito deduz-se, sem dúvida, a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Como a realização do direito é determinada pela conformação jurídica do procedimento e do processo, a Constituição contém alguns princípios e normas designados por garantias gerais de procedimentos e de processo. As principais podem aglutinar-se da forma seguinte.
a) Garantias de processo judicial
Entre estas garantias podem mencionar-se o princípio do juiz legal (art. 32.77), o princípio da audição (art. 28.71), o princípio de igualdade processual das partes (arts. 13.° e 20.72), o princípio da conformação do processo segundo os direitos fundamentais (art. 32.°), o princípio da fundamentação dos actos judiciais (art. 208.71) [...]. (*sic)

Afora o amparo que a própria Constituição dá, o Brasil é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José de Costa Rica) incorporada à legislação brasileira pelo Decreto Legislativo nº. 27 de 1992, a qual traz entre outras garantias judiciais (art. 8º) a de que

1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos e obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
2. Toda pessoa acusada de delito tem o direto a que se presuma sua inocência enquanto não se prove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
c) concessão ao acusado de tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por defensor de sua escolha e de comunicar-se, livre e em particular, com seu defensor;
e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio ou não nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;
g) direito de não se obrigado a depor contra si mesmo, nem a declarar-se culpado;
h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior;
3. a confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.
4. o acusado absolvido por sentença passado em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.
5. o processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.

Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, além de reconhecerem que muitas das garantias já apregoadas pela Convenção se encontravam encampadas pela constituição de 88, aduziram ainda que

[...] Em alguns pontos, a Lei Maior brasileira é mais garantidora do que a Convenção (por exemplo, não se permite a mera autodefesa, entendendo sempre indispensável a defesa técnica no processo penal). Em outros, a Convenção explicita e desdobra as garantias constitucionais brasileiras (assim, em relação do acusado ao intérprete, à comunicação livre e particular com o defensor, ao comparecimento do perito, à concessão do tempo e meios necessários à preparação da defesa. .

Adite-se que, nos termos do § 1º do art. 5º da CF/88 "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata", sendo que, consoante o § 2º do referido artigo "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".













4 A EFETIVA OFENSA DO REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ÀS NORMAS E GARANTIAS PROCESSUAIS ASSEGURADAS PELO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL


4.1 A Supremacia do Código de Processo Civil frente ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal

A doutrina, ainda que considere a autonomia dos Tribunais para perfazerem seus Regimentos Interno bem como aceite a tese de tratar-se de lei em sentido material, não classificam as normas regimentais na mesma hierarquia das normas processuais. Assim, quaisquer ofensas às regras processuais tornam as normas regimentais despidas de qualquer efetividade.

Comungando com o assentado, segue precisa lição de José Frederico Marques para quem

O regimento é lei em sentido material, embora não o seja em sentido formal. Na hierarquia das fontes normativa do Direito, ele se situa abaixo da lei, porquanto deve dar-lhe execução (...). Sempre que a norma jurídica, contida em lei formal, apresente regras vagas, imprecisas, estabelecendo apenas princípios gerais, omitindo detalhes necessários à efetiva observância, cumpre à lei material, contida em preceito regulamentar (como o regimento), desenvolvê-la com novas normas, dela extraindo-se, assim, sentidos e conseqüências nela implícitos, ou os detalhes para sua fiel execução. Em tal caso, o conteúdo exato da norma superior (lei) determina-se através da norma inferior (regulamento) [...] (grifei).

De forma análoga os pensamento de De Plácido e Silva, verbis

Qualquer dispositivo inserto na lei de organização judiciária, ou nos regimentos internos nos Tribunais, que contrariar o Cód. De Processo é como se não existisse. A prioridade, em qualquer circunstancia, cabe o princípio instituído pelo Cod. De Processo, e as leis estaduais e regimentos internos dos Tribunais têm que lhe prestar obediência absoluta. Não cabe divergência, sob qualquer face, visto que sempre prevalecerá a regra instituída pelo Cód. De Processo.
Dessa maneira a autoridade das leis de organização judiciária deve ser restrita à própria organização do judiciário, com atribuições dos juízes e dos serventuários dela, em matéria meramente funcional, sem ingresso em preceitos de ordem processual. (grifei)

Já J. Cretella Junior aduz que

O legislador constituinte estabeleceu com minúcias os parâmetros a serem obedecidos pelos tribunais na elaboração de seus respectivos Regimentos Internos, lei material que esse segmento importante do Poder Judiciário pode e deve fazer. Além da rígida observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, o regimento Interno deverá dispor sobre a competência e sobre o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos organizando suas secretarias e serviços auxiliares (...). Desse modo, O Regimento Interno, que é lei material dos tribunais, estabelecerá seu regime jurídico-administrativo, quanto às funções processuais e as funções administrativas. Quanto às normas processuais, os tribunais são obrigados a transpô-la para o regimento respectivo, não podendo nenhuma inovação a respeito. (grifei).

E arremata relembrando que:

O Regimento Interno dos tribunais, não obstante sua denominação de Interno dirige-se também aos de fora às partes, aos seus respectivos patronos e ao público em geral. O Due Processo of law terá de ser seguido à risca, em obediência à regra jurídica constitucional. (grifei)

Agrega-se, ainda a precisa a lição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery em Código de Processo Civil Comentado, para quem as atribuições dos regimentos são meramente administrativas, sendo-lhes defeso disciplinar o direito das partes, pois tal atribuição cabe ao corpo Legislativo, pois

(...) A CF 22, I confere ao Poder Legislativo da União (Congresso Nacional) competência exclusiva para legislar em matéria de direito processual, como é o caso dos recursos. Há competência concorrente da União e dos Estados, ou seja, do Poder Legislativo da União (Congresso Nacional) e dos Estados (Assembléia Legislativa de Deputados Estaduais), para legislarem sobre procedimento em matéria processual (CF 24 XI). Regimento interno de tribunal tem natureza jurídica de normas administrativas ? e não de lei -, que regula o procedimento interna corporis do tribunal, não podendo criar direitos nem obrigações para os jurisdicionados (CF 5º II).

Demais disso o atual Código de Processo Civil, em seu art. 1214 anuncia que "Adaptar-se-ão às disposições deste Código as resoluções sobre organização judiciária e os regimentos internos dos tribunais". (sem grifos no original).

Em artigo correspondente o Código de 1939 apregoava que "As leis de organização judiciária e os regimentos internos dos Tribunais adaptar-se-ão ás disposições deste Código, que sobre umas e outros prevalecerá (Art. 1.049)" (sem grifos no original). Assim, dos normativos declinados põe-se à calva a hegemonia que a lei processual possui sobre os atos regulamentares internos dos Tribunais.

Não obstante ao assentado o Supremo Tribunal Federal, nas duas ocasiões em que enfrentou o tema, assinalou no sentido de inexistir hierarquia entre as normas do Código de Processo Civil e seu Regimento, prevalecendo este em detrimento daquelas quando das tratativas de seus assuntou interno.

Na primeira oportunidade propugnou-se pela inconstitucionalidade da Lei nº. 2.970/56 a qual disciplinava o momento do uso da palavra pelos advogados juntos aos Tribunais. Naquele momento asseverou o STF que a normativo impugnado adentrou em regulação da ordem de seus trabalhos, fato este defeso por força do art. 97, II da Constituição (Constituição de 1946) o qual atribui autonomia aos tribunais para reger sua matérias internas.

Manifestando contrariamente acerca do julgado Miguel Seabra Fagundes, em artigo intitulado "crônicas", publicado na Revista Forense lembrou que (grifei)

[...] a sustentação oral é um ato do processo, cabe ao legislador situá-la no curso da causa e lhe demarcar o conteúdo e extensão. Não é o ocorrer em sessão que o descaracteriza, para deferir-se aos tribunais a sua regulação. Assim como à lei fica designar o prazo e a oportunidade processual das alegações escritas, a ela há de ficar, igualmente, dispor sôbre o momento próprio e a duração das razões orais, que acompanham os julgamentos. A defesa oral e as razões escritas se identificam, em seu conteúdo, como atos de sustentação do direito do litigante.

Sentenciando, ainda que

Ao prisma do processo judicial é, em última análise, a apuração da verdade dos fatos para a adequada aplicação a êles do direito positivo. Tudo, portanto, que, sem inconveniente maior, contribua para a mais segura apuração dos fatos e aplicação do direito, vai ao encontro da sua finalidade, aprimorando-o.

Posteriormente a rediscutiu-se a demanda, praticamente no mesmos moldes. Tratava-se de apreciar pedido liminar em ação cautelar o qual visava ver declarado inconstitucional o inciso IX do art. 7º da 8.906/94 (Estatuto da advocacia e Ordem da Ordem dos Advogados do Brasil). Referido diploma propugnava em seu texto a antecipação da sustentação do advogado para antes do voto do relator (a). Propugnou, entre outras ofensas, pela mácula a primeira parte do dispositivo do art. 96, I, a da Constituição Federal cujo preceito defere atribuição aos tribunais na compilação de seus Regimentos Internos.

Do julgado lavrou-se a seguinte ementa:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Inciso IX, do art. 7º, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil), que pospõe a sustentação oral do advogado ao voto do relator. Liminar. Os antigos regimentos lusitanos se não confundem com os regimentos internos dos tribunais; de comum eles têm apenas o nome. Aqueles eram variantes legislativas da monarquia absoluta, enquanto estes resultam do fato da elevação do Judiciário a Poder do Estado e encontram no Direito Constitucional seu fundamento e previsão expressa. O ato do julgamento é o momento culminante da ação jurisdicional do Poder Judiciário e há de ser regulado em seu regimento interno, com exclusão de interferência dos demais Poderes. A questão está em saber se o legislador se conteve nos limites que a Constituição lhe traçou ou se o Judiciário se manteve nas raias por ela traçadas, para resguardo de sua autonomia. Necessidade do exame em face do caso concreto. A lei que interferisse na ordem do julgamento violaria a independência do judiciário e sua conseqüente autonomia. Aos tribunais compete elaborar seus regimentos internos, e neles dispor acerca de seu funcionamento e da ordem de seus serviços. Esta atribuição constitucional decorre de sua independência em relação aos Poderes Legislativo e Executivo. Esse poder, já exercido sob a Constituição de 1891, tornou- se expresso na Constituição de 34, e desde então vem sendo reafirmado, a despeito, dos sucessivos distúrbios institucionais. A Constituição subtraiu ao legislador a competência para dispor sobre a economia dos tribunais e a estes a imputou, em caráter exclusivo. Em relação à economia interna dos tribunais a lei é o seu regimento. O regimento interno dos tribunais é lei material. Na taxinomia das normas jurídicas o regimento interno dos tribunais se equipara à lei. A prevalência de uma ou de outro depende de matéria regulada, pois são normas de igual categoria. Em matéria processual prevalece a lei, no que tange ao funcionamento dos tribunais o regimento interno prepondera. Constituição, art. 5º, LIV e LV, e 96, I, a. Relevância jurídica da questão: precedente do STF e resolução do Senado Federal. Razoabilidade da suspensão cautelar de norma que alterou a ordem dos julgamentos, que é deferida até o julgamento da ação direta. (grifei)

No caso, a lei que interferiu na ordem de julgamento os Tribunais, antecipando a palavra do advogado antes da leitura do voto do relator, foi considerada ofensiva à independência do Judiciário e por conseqüência à autonomia dos Tribunais, declarando-se a sua inconstitucionalidade.

Dessa forma o entendimento do Supremo sedimentou-se no sentido de considerar que as normas, no ato de julgar, são aquelas declinadas no regimento, não havendo possibilidade de interferência dos demais Poderes. Demais disso, não obstante ser considerada lei material o Regimento Interno equipara-se à Lei Processual, tendo-se como normas de igual categoria, sendo que a superioridade de uma frente à outra estará a depender da matéria regulada.


4.2 A delegação atribuída pelo Código de Processo Civil ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal

Diferentemente do adunado no capítulo anterior, cumpre esclarecer que o próprio Código de Processo Civil, em diversos artigos, delega aos Regimentos Internos dos Tribunais a possibilidade para estes compilarem matérias específicas, mas que constam no CPC.

Assim o fazendo agem os regimentos como órgãos complementares ao próprio Código de Processo, inexistindo invasão das normas regimentais às normas processuais, haja vista a autorização de Lei hierarquicamente superior. Nesse sentido o pensamento de Jose Frederico Marques, in verbis:

Além das questões de ordem interna, os regimentos podem conter normas supletivas da legislação processual, desde que entrelaçadas à mancha do serviço interno, ou quando houver remissão da norma de processo às regras regimentais, para que estas preencham a área em branco do preceito legal. Tanto o Código de Processo Penal (arts. 560, 618, 628, 638, 666 e 667) como o Cód. De Proc. Civil (arts. 146, nº I, 869 e 1049) adotam esse sistema. (grifei)

Neste âmbito há matérias afetas ao Código de Processo Civil, mas que tal estatuto, por menção expressa, estende para que os próprios Regimentos os façam. Inúmeros exemplos ilustram o narrado, senão vejamos:

Art. 539 Serão julgados em recurso ordinário:
I - pelo Supremo Tribunal Federal, os mandados de segurança, os habeas data e os mandados de injunção decididos em única instância pelos Tribunais superiores, quando denegatória a decisão.
Art. 540. Aos recursos mencionados no artigo anterior aplica-se, quanto aos requisitos de admissibilidade e ao procedimento no juízo de origem, o disposto nos Capítulos II e III deste Título, observando-se, no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, o disposto nos seus regimentos internos.
Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
(...)
§ 5o Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.
(...)
§ 4o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.
§ 5o O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.
Art. 546. É embargável a decisão da turma que:
Parágrafo único. Observar-se-á, no recurso de embargos, o procedimento estabelecido no regimento interno
Art. 548. Far-se-á a distribuição de acordo com o regimento interno do tribunal, observando-se os princípios da publicidade, da alternatividade e do sorteio (grifei).

De maneira diversa, há de se consignar que há matérias declinados no Código de Processo Civil e que claramente poderiam constar no somente nos Regimentos Internos dos Tribunais. Entretanto, tal ato não se transmuta em inconstitucional, pois nenhum prejuízo trará às partes que estiverem em litígio, ao revés, lhes atribuirá maiores garantias. A exemplificar-se seguem alguns preceitos normativos:

Art. 551 Tratando-se de apelação, de embargos infringentes e de ação rescisória, os autos serão conclusos ao revisor.
§ 1o Será revisor o juiz que se seguir ao relator na ordem descendente de antigüidade.
Art. 552. Os autos serão, em seguida, apresentados ao presidente, que designará dia para julgamento, mandando publicar a pauta no órgão oficial.
(...)
§ 2o Afixar-se-á a pauta na entrada da sala em que se realizar a sessão de julgamento (grifei).


4.3 A Ofensa do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal às Normas Processuais

Discorrido acerca da supremacia da lei processual frente às normas Regimentais, bem como delimitada a matéria sobre a qual os regimentos poderão talhar sem incorrerem em invasão de matéria afeta ao CPC, cumpre analisar diretamente as normas do Regimento do Supremo Tribunal Federal contraditando-as com as normas do Código de Processo Civil, a fim de averiguar as ofensas que se operam.

No que toca ao trâmite da Ação Cível Originária junto à Corte Máxima do Judiciário brasileiro, temos no artigo 247 caput e §§ 1º e 2º do regimento que

A ação cível originária, prevista no art. 119, I, c e d, da Constituição, será processada nos termos deste Regimento e da lei. (atual art. 102, I, e e f da CF/88).
§ 1° O prazo para a contestação será fixado pelo Relator;
§ 2° O Relator poderá delegar atos instrutórios a juiz ou membro de outro Tribunal que tenha competência territorial no local onde devam ser produzidos (grifei).

Do normativo tem-se que ao Relator possibilitou-se, conforme o §1º supra transcrito, a fixação do lapso temporal para contestação.

Os prazos, segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, são

[...] legais, judiciais e convencionais. São legais os prazos estabelecidos na lei, de forma fixa, para a prática do ato processual. Os prazos judiciais são os fixados pelo juiz para que se realize o ato processual. Exemplo: prazo para a resposta na ação rescisória (CPC 491). Prazos convencionais são aqueles que a lei permite sejam acordados pelas partes (CPC 181) (grifei).

Endossam tal entendimento Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, para quem:

[...] prazos legais são aqueles definidos em lei, e a respeito dos quais nem as partes, nem o juiz, em princípio, têm disponibilidade. Prazos judiciais são aqueles fixados pelo próprio juiz. Essa tarefa só é atribuída ao juiz, pela própria lei, supletivamente, isto é, nos casos em que a própria lei não preveja os prazos. (grifei)

Na espécie, resta evidenciado tratar-se de prazo legal, e sobre o qual o julgador não tem qualquer disponibilidade. Deixar ao alvedrio do relator a fixação do quantum temporal para o réu falar nos autos, é de todo ofensivo às normas do CPC, a um porque não houve delegação para tal, a dois porque os prazos devem ser disciplinados pelo Código de Processo Civil.

Advoga em favor da tese defendida o fato do art. 297, asseverar que "O réu poderá oferecer, no prazo de 15 (quinze) dias, em petição escrita, dirigida ao juiz da causa, contestação, exceção e reconvenção". (sem grifos no original). Logo, independentemente daquilo que se irá contestar a parte terá assegurada 15 (quinze) dias para fazê-lo.

Ainda que assim não fosse, poderia ter sido adotado um mínimo e um máximo para que o Relator oscilasse entre ambos tendo a possibilidade de diminuí-lo ou aumentá-lo, conforme o caso apresentado.

Assim fez o Código de Processo Civil em seu artigo 491 (no tocante a Ação Rescisória), aduz que:

O relator mandará citar o réu, assinando-lhe prazo nunca inferior a 15 (quinze) dias nem superior a 30 (trinta) para responder aos termos da ação. Findo o prazo com ou sem resposta, observar-se-á no que couber o disposto no Livro I, Título VIII, Capítulos IV e V. (grifei).

Neste caso terá a parte contestante assegurado um mínimo de prazo, deixando, ao relator, conforme a complexidade da demanda reduzir ou dilata-lo, tudo dentro da margem que a lei lhe atribui.

Destarte, resta evidenciado que o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal adentrou em matéria ínsita ao CPC merecendo, desta forma, a pecha de inconstitucional, nos termos do art. 96, I, "a" da CF/88.

Consigna o art. 111 do RISTF que "Os prazos para os Ministros, salvo acúmulo de serviço, são os seguintes: I ? dez dias para atos administrativos e despachos em geral". Já do Código de Processo Civil, em seu art. 189, retira-se que "o juiz proferira: I ? os despachos de expediente, no prazo de 2 (dois) dias".

No mesmo sentido, e antevendo o acúmulo de trabalho, em seu art. 187 o CPC assevera que: "Em qualquer grau de jurisdição, havendo motivo justificado, pode o juiz exceder, por igual tempo, os prazos que este código assinala". Tal normativo por certo também se aplica aos ministros do STF, que, de regra, teriam 02 (dois) dias para efetuarem despachos e, em caso de sobrecarga de labor, duplicado tal período. No entanto, pela redação de seu Regimento Interno têm, no mínimo, 10 (dez) dias para tal ato, podendo, em caso de acúmulo de serviço, ter tal prazo dilatado.

Destarte, não obstante disposição expressa do Código de Processo Civil preferiu, neste caso, o Regimento fixar seus próprios prazos, sendo evidente a invasão à matéria processual.

Cumpre assinalar que a ementa 45 da CF/88 trouxe como garantia que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". Assim, tal medida, por certo, vai de encontro aos preceitos asseverados na Constituição

Consigna o artigo 115 e seus incisos do Regimento Interno do STF:

Art. 115. Nos recursos interpostos em instância inferior, não se admitirá juntada de documentos desde que recebidos os autos no Tribunal, salvo:
I ? para comprovação de textos legais ou de precedentes judiciais, desde que estes últimos não se destinem a suprir, tardiamente, pressuposto recursal não observado;
II ? para prova de fatos supervenientes, inclusive decisões em processos conexos, que afetem ou prejudiquem os direitos postulados;
III ? em cumprimento de determinação do Relator, do Plenário ou da Turma.

Do texto legal extrai-se que o Supremo Tribunal Federal, quando da efetivação da produção de provas, somente as possibilita nos casos expressos, independentemente de qualquer outra justificativa. Assim, ainda que a parte que tem o ônus de produzi-la deixar de fazê-la, por caso fortuito ou força maior, tal não será considerado haja vista a restrição expressa.

No conceito de Deocleciano Torrieri Guimarães caso fortuito é o fato "imprevisto, inevitável, estranho à vontade, irresistível, como terremoto, morte natural, tempestade, naufrágio; o que não pode ser previsto por meio humano".

Ao que concerne à força maior determina que é

[...] fato imprevisível, resultante de ato alheio, que vai além das forças do indivíduo para superá-lo, ao qual a pessoa não tem meios de se contrapor, como guerra, greve, revolução, desapropriação, embargo para suspensão de obra etc. .


Neste tocante, a ingerência do Tribunal acaba por onerar sobremaneira as partes, pois, ainda que apresentem justo motivo para a não efetivação do ato, afora nos casos elencados acima, inexistirá a possibilidade de juntada de provas ulteriores. Resta evidente que o Supremo excede-se em rigidez quando impede, nos recursos interpostos nas instâncias inferiores, que a parte autora possa posteriormente produzir provas, quanto evidenciado estiver de que deixou de fazê-lo por algo alheio a sua vontade.

De forma diversa o Código de Processo Civil em seu art. 183 assegura que (grife) "Decorrido o prazo, extingue-se, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato, ficando salvo, porém, à parte provar que o não realizou por justa causa". Já o § 1º do mesmo estatuto aduz que "Reputa-se justa causa o evento imprevisto, alheio à vontade da parte, e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário".

Assim, tendo em vista que o CPC já disciplina a matéria, somente caberia ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, omitir-se quanto ao tema, ou, caso desejasse, transcrever as normas processuais. Jamais poderia dispor de modo diverso ou conflitante por ausência de competência constitucional e legal para tanto.





CONCLUSÃO


No presente estudo almejou-se trazer à baila questionamentos ao que toca as ofensas proporcionadas pelo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal às normas de processo e às garantias processuais das partes albergadas pelo CPC. Para tal, necessário se fez dividi-lo em quatro capítulos para um melhor delineamento do tema.
Após a análise dos pressupostos assentados nos capítulos um a três, discutindo-se o tema central no capítulo quatro, a conclusão que se chegou é de conflito entre as normas processuais estabelecidas no CPC, bem como com as garantias constitucionais deferidas às partes.

Do assentado, se mostra de todo imperioso concluir que os regimentos internos dos tribunais, incluído o do Supremo Tribunal Federal, possuem autonomia para disciplinarem seus trabalhos internos. Entretanto, tal ato deverá considerar as restrições impostas pela Constituição Federal de 1988 (art. 96, I, a), a qual impõe respeito às normas e às garantias processuais oferecida às partes. Logo, ainda que se reconheça a autonomia de cada Poder, evitando-se ao máximo a ingerência de um sobre outro, há limitações que deverão ser respeitadas.

Por fim, compre asseverar que, ainda que reste cabalmente comprovado que existe hierarquia entre normas processuais e normas regimentais, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é em sentido diverso, razão pela qual as alternativas quando à possibilidade de impugnação a eventual ofensa destes, resta extremamente reduzida. Tal conclusão se faz possível tendo em vista que a decisão derradeira, de regra, cabe ao Judiciário, restando pouco provável que venha a rever seus atos, perpetrando-se incólumes os ultrajes apontados no estudo.



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