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Danielle Murad Fernandes**

Laryssa Zilma Bringel Vieira Lins[1]**

 

 

Sumário: Introdução; 1Estabelecimento empresarial; 1.1   Natureza do estabelecimento; 1.2 Elementos; 2 Franquia; 2.1 Circular de oferta de franquia e contrato de Franquia; 2.2 Desvantagens e risco da Franquia; 3Extinção de franquias; 3.1 Falência da franqueada; 4 Transferência de franquia; Conclusão; Referências;

RESUMO

O presente trabalho visa analisar o estabelecimento empresarial como um conjunto de bens que o empresário possui para exercer sua atividade econômica, diferenciando-o da empresa e do sujeito de direito. Dentre as formas de se criar um estabelecimento empresarial tem-se o sistema de franquias, onde um sujeito de direito, detentor de uma marca ou produto, concede para outrem a comercialização de seus produtos, mediante remuneração. Essa concessão é feita através de um contrato que apresenta vantagens para ambas as partes. O franqueador amplia a oferta da sua mercadoria ou serviço sem o dispêndio da implantação de filiais e, o franqueado, que possui recursos, mas não domina as técnicas de sucesso de um empreendimento, negocia a comercialização de produtos já conhecidos. Entretanto, a franquia apresenta desvantagens e riscos tanto para o franqueado quanto para o franqueador. Verificar-se-á neste paper qual das partes arca com as consequências da falência da franqueada. Por fim, analisar-se-á se a franqueada deve requerer autorização da franqueadora para alienar sua franquia à terceiros, visando elucidar como se dá a transferência do estabelecimento empresarial.

Palavras-chave: Estabelecimento empresarial. Franquia. Vantagens. Riscos. Alienação.

INTRODUÇÃO

Na década de 50 surgiu nos Estados Unidos um sistema onde pequenas empresas, mediante remuneração, concediam suas marcas e/ou produtos para que outrem fizesse a comercialização dos mesmos. O sistema, que posteriormente veio a ser denominado franquia ou franchising, se fortaleceu e se alastrou por diversos países.

No Brasil o sistema de franquias chegou em meados da década de 80, e hoje

O setor de Franchising no Brasil já movimenta 7,5% do PIB (Produto Interno Bruto) do País. Atualmente, são inauguradas 1.017 franquias por mês - o que equivalente a 33 novas unidades por dia e 4 por hora. Por hora, cada brasileiro deixa no mínimo R$ 0,45 no caixa de uma franquia. O setor gerou 171.281 novas vagas de emprego em 2010 por meio de 12.198 franquias abertas. (MEDNET, 2011).

Os altos números sobre o setor de franquias instigaram-nos a pesquisar e compreender como se dá o funcionamento desse sistema. Mostrar-se-á que a franquia é um dos meios de se criar um estabelecimento empresarial. Assim, valendo-se de uma linha de raciocínio lógico, tratar-se-á inicialmente sobre o estabelecimento empresarial, fazendo as devidas diferenciações entre este termo e sociedade empresária (sujeito de direito) e empresa (atividade econômica). Neste capítulo abordar-se-á ainda a natureza jurídica do estabelecimento empresarial bem como os elementos que o compõem.

Em seguida, aprofundando-se no tema delimitado, explanar-se-á em que consiste a franquia e quais suas características. Mostrar-se-á que um contrato de franquia é vantajoso para ambas as partes. Como elucida Carlos Roberto Gonçalves (2004, p. 662), a franqueada, que possui recursos, contudo não sabe as técnicas para obter sucesso em seu empreendimento, estabelece um negócio quase certo, pois as pessoas já conhecem aqueles produtos e/ou serviços. E a franqueadora tem na franquia a possibilidade de ampliar o seu campo de oferta sem precisar dispor de elevadas quantias em dinheiro montando filiais.

Porém, em um capítulo seguinte, mostrar-se-á que como em qualquer negócio, a franquia também apresenta desvantagens e riscos. Sabe-se que o êxito de um estabelecimento empresarial não é garantido desde o inicio da atividade, em verdade decorre de uma série de fatores. Não é porque determinada franquia dá certo em determinada localidade que dará em todos os demais locais em que forem instaladas. Destarte, da franquia pode-se observar uma série de questionamentos, dentre os quais: é possível pedir danos morais e materiais à franqueadora devido à falência da franqueada? Quem arca com as consequências do fracasso da franquia: a franqueada ou a franqueadora? Como solucionar uma lide em que a franqueada vai à falência mesmo tendo seguido todas as instruções da franqueadora? 

Resolvida essa questão, abordar-se-á, por fim, outro conflito. A franqueada pode, por si só, alienar sua franquia para terceiros ou deve requerer autorização da franqueadora? Qual delas tem a preferência na aquisição das quotas? Apresentar-se-á, portanto, de que forma pode se dar a transferência do estabelecimento empresarial de uma franquia.

1        ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

“Estabelecimento empresarial é o conjunto de bens que o empresário reúne para exploração de sua atividade econômica” (COELHO, 2011, p. 112). O estabelecimento, portanto, corresponde aos bens imprescindíveis para a realização da atividade empresarial. Sem este é impossível o funcionamento da empresa. Pela definição do Código Civil brasileiro, “considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária” (art. 1142).

Para a constituição do estabelecimento, como ensina a doutrina, não só são utilizados elementos heterogêneos, tais os bens e serviços, mas, também, bens entre si, igualmente heterogêneos, tais os móveis e imóveis, materiais e imateriais, fungíveis e infungíveis e, inclusiva, consumíveis (quando se tem em vista os elementos circulantes que se prestam ao ato de produção) e inconsumíveis, com o imóvel, as máquinas e os bens decorrentes da propriedade industrial (MELLO FRANCO, 2004, p. 135 apud RAMOS, 2008, p. 102).

Assim, para dar início a uma empresa, é necessário fazer investimentos para adquirir os bens que permitirão a prática da atividade empresarial. Fábio Ulhoa Coelho (2011, p. 112) apresenta o exemplo de uma farmácia. Para começar a exercer a atividade farmacêutica, o empresário necessita, inicialmente, dos remédios, das estantes onde ficaram guardados os medicamentos, de uma caixa registradora e de um imóvel onde realizará o comércio. Somente com estes bens iniciais é que o empresário poderá, efetivamente, dar início à sua atividade. Esses bens são o estabelecimento empresarial.

Ao adquirir o referido estabelecimento, o empresário aplica um sobrevalor aos bens reunidos. “Isto é, enquanto esses bens permanecerem articulados em função da empresa, o conjunto alcança, no mercado, um valor superior à simples soma de cada um deles em separado” (COELHO, 2011, p. 112). Esse sobrevalor deve-se ao fato de que os bens integrados necessitaram de uma organização, de um serviço, por qual também se paga ao adquirir um estabelecimento empresarial já existente.

O Direito reconhece o sobrevalor agregado ao estabelecimento empresarial em razão de sua atividade, denominando-o de fundo de empresa.

1.1  NATUREZA DO ESTABELECIMENTO

Fábio Ulhoa Coelho (2011, p. 115) alerta para que não se confunda estabelecimento empresarial com empresa nem com a sociedade empresária. Estabelecimento não é sujeito de direito, quão menos atividade econômica. Ao contrário, é um complexo de bens que compõe o patrimônio da sociedade empresária.  Elucida-se, portanto, que

“Sujeito de direito é a sociedade empresária, que, reunindo os bens necessários ou úteis ao desenvolvimento da empresa, organiza um complexo com características dinâmicas próprias. A ela, e não ao estabelecimento empresarial, imputam-se as obrigações e asseguram-se os direitos relacionados com a empresa. (..) E a empresa é a atividade econômica desenvolvida no estabelecimento.” (COELHO, 2011, p.115 e 116).

Diversas teorias tentam explicar a natureza jurídica do estabelecimento empresarial. Atemo-nos, porém, apenas às teorias universalistas, que estão previstas no Código Civil no art. 1143. O estabelecimento empresarial, por essas teorias seria uma universalidade ou de fato ou de direito. Universalidade, pois o estabelecimento empresarial é um conjunto de bens que reunidos formam uma coisa só, nova e distinta.

A universalidade de fato se apresenta como um conjunto ligado pelo entendimento particular; enquanto a universalidade de direito consiste na pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas, a que a lei, para certos efeitos, atribui o caráter de unidade (como na herança, no patrimônio, na massa falida, etc.) (RODRIGUES, 2002, p. 134 apud RAMOS, 2008, p. 104)

A diferença entre universalidade de fato e de direito consistiria em que a primeira é uma pluralidade de bens singulares com uma destinação única, ao passo que a segunda é uma pluralidade de relações jurídicas dotadas de valor econômico. Nesse diapasão, André Luiz Santa Cruz Ramos (2008, p. 104) ensina que a doutrina majoritária considera o estabelecimento empresarial como uma universalidade de fato, pois os bens que a compõem possuem a destinação única dada pelo empresário, e não em virtude de lei.

1.2  ELEMENTOS

O estabelecimento empresarial, como conjuntos de bens destinados à atividade da empresa, é formado por bens materiais e imateriais.

Os bens materiais são todos os “bens corpóreos que o empresário utiliza na exploração de sua atividade econômica” (COELHO, 2011, p. 116), como as mercadorias a ser comercializadas, os móveis e os veículos.

Os bens imateriais, por sua vez, correspondem “aos bens industriais (patente de invenção, de modelo de utilidade, registro de desenho industrial, marca registrada, nome empresarial e título de estabelecimento) e o ponto (local em que se explora a atividade econômica)” (COELHO, 2011, p. 117).

Convém ressaltar que alguns autores consideram o aviamento como um dos elementos do estabelecimento empresarial. Todavia, de acordo com o jurista Fábio Ulhoa Coelho em seu livro Curso de Direito Comercial (2011, p. 117) é errôneo fazer tal afirmação.

Quando se negocia o estabelecimento empresarial, a definição do preço a ser pago pelo adquirente se baseia fundamentalmente no aviamento, isto é, nas perspectivas de lucratividade que a empresa explorada no local pode gerar. Isto não significa que se trate de elemento integrante do complexo de bens a ser transacionado. Significa unicamente que a articulação desses bens, na exploração de uma atividade econômica agregou-lhes um valor que o mercado reconhece. (COELHO, 2011, p. 117).

Aviamento é potencial de lucratividade da empresa e é, portanto, uma característica da empresa e não um bem.

2        FRANQUIA

Organizar um estabelecimento empresarial não é tarefa fácil. Muitas pessoas possuem o capital, mas não a aptidão necessária para conduzir um empreendimento de sucesso. “Nesse contexto, desenvolveram-se serviços de organização da empresa, prestados por profissionais, que visam a suprir eventuais deficiências do empresário. O contrato de franquia (franchising) corresponde a um dos mecanismos mais apropriados para a prestação de tais serviços (COELHO, 2011, p. 141)”. A franquia é, portanto, um sistema por meio do qual um sujeito, que detém um produto ou serviço, concede o direito de outrem comercializá-lo. Deste modo,

Sob o ponto de vista do franqueador, serve o contrato para promover acentuada expansão dos seus negócios, sem os investimentos exigidos na criação de novos estabelecimentos. Sob o ponto de vista do franqueado, o contrato viabiliza o investimento em negócios de marca já consolidada junto aos consumidores, e possibilita o aproveitamento da experiência administrativa e empresarial do franqueador. (COELHO, 2011, p. 141).

Observa-se, portanto, que o sistema de franquias é vantajoso para ambas as partes. De um lado, o detentor do produto ou serviço, sem precisar dispor dinheiro, amplia sua área de venda ao conceder a licença para o uso a outrem. Este, por sua vez, tem recursos, mas não conhece as técnicas para alcançar o sucesso. Então, mediante remuneração, adquire o direito de comercializar um produto já conhecido pelos consumidores. “Não se trata, portanto, de mera cessão de propriedade intelectual (marca ou patente), nem de mero direito de distribuir bens ou serviços” (MAMEDE, 2005, 267).

No entender de Carlos Roberto Gonçalves (2004, p. 663) o franqueador será, portanto, aquele que é detentor da marca, produto, ou serviço e conhece as técnicas de comercialização. Ele concederá o direito ao franqueado e o auxiliará na organização e gerenciamento da franquia, estabelecendo o modo pelo qual o franqueado irá implantar e operar a franquia. O franqueado, por sua vez, arcará com os custos da implantação da franquia e, deverá ceder periodicamente uma parcela dos lucros ao franqueador, além de seguir suas instruções de comercialização e de marketing.

Conforme supracitado, o setor de Franchising no Brasil cresce ininterruptamente, movimentando cerca de 7,5% do produto interno bruto brasileiro. “Atualmente, são inauguradas 1.017 franquias por mês - o que equivalente a 33 novas unidades por dia e 4 por hora. (...) O setor gerou 171.281 novas vagas de emprego em 2010 por meio de 12.198 franquias abertas”. (MEDNET, 2011). Os números elevados revelam a importância de se regular como será implantado e de como funcionará a franquia. Nesse diapasão, o legislador elaborou a Lei 8.955/94 que dispõe sobre o contrato de franquia e dá outras providências.

2.1  CIRCULAR DE OFERTA DE FRANQUIA E O CONTRATO DE FRANQUIA

A lei 8.955 de 15 de dezembro de 1994 estabelece em seu art. 3º que toda vez que um franqueador almejar implantar o sistema de franquias deverá dar ao interessado uma circular de oferta de franquia, feita por escrito e em uma linguagem clara e acessível. “Trata-se de típica obrigação pré-contratual (...) criado para diminuir a margem de enganos em operações de franquia” (VENOSA, 2005, p. 574). A COF traz todas as informações da amplitude de um contrato de franquia.

Na Circular de Oferta de Franquia (COF) deverá constar, de acordo com o art.3º, incisos de I a XV, o histórico, a forma de sociedade e a razão social da empresa franqueadora, bem como seu nome fantasia e endereço; os balanços dos dois últimos anos da franqueadora; todas as pendências judiciais e todas as informações que de alguma forma possam impossibilitar o funcionamento da franquia; descrição detalhada da franquia e das atividades que devem ser realizadas pelo franqueado; as características que o franqueado deve ter. Deverá, ainda, estar especificado o valor inicial necessário para a aquisição e implantação da franquia, bem como as taxas periódicas que o franqueado deverá pagar ao franqueador pelo uso da marca deste; carece estar expresso se o franqueado possuirá ou não exclusividade naquele território e sob quais condições; tem que estar indicado quais os serviços oferecidos pelo franqueador ao franqueado (dentre os quais serviços de orientação, treinamento do franqueado e de seus funcionários, layout e padrão arquitetônico da sede da franquia e auxílio na escolha do ponto onde ficará a franquia), dentre outros.

A COF deve ser entregue ao interessado no prazo de no mínimo dez dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato (art.4º). Cabe ressaltar que

Na hipótese do não cumprimento do disposto no caput deste artigo, o franqueado poderá argüir a anulabilidade do contrato e exigir devolução de todas as quantias que já houver pago ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança mais perdas e danos. (Parágrafo único, art.4º, lei 8955/94).

Percebe-se, portanto, a importância dada à COF. Caso o franqueador não a entregue – ou entregue incompleta e/ ou com informações falsas (art. 7º)- o franqueado poderá requerer a anulação do contrato, ou pré-contrato, exigindo a devolução de todo o dinheiro pago somado a perdas e danos.

A franquia será concretizada por meio de contrato escrito e com a assinatura de duas testemunhas. “O contrato é bilateral, pois contém obrigações recíprocas, sendo também oneroso” (VENOSA, 2005, p.573). Com o contrato, o franqueado fica sujeito a pagar taxas periódicas ao franqueador, ao mesmo tempo em que possui o direito de usufruir “da marca e do conhecimento técnico do franqueador, os quais de outro modo não lhe estariam disponíveis” (VENOSA, 2005, p. 574). O franqueador, por sua vez, tem a obrigação de ditar como se dará o funcionamento da franquia e, o direito de receber os royalties decorrentes do lucro do franqueado.

 O contrato “terá validade independentemente de ser levado a registro perante cartório ou órgão público” (art.6º, lei 8955/94). Isso significa que entre as partes, ainda que não tenha sido registrado, o contrato tem validade e promove obrigações. Todavia, sem o registro não há “efeitos perante terceiros, em especial o fisco e as autoridades monetárias. Sem o registro da franquia, não se admite a dedução fiscal dos royalties pela licença do uso da marca, nem a remessa de dinheiro para o exterior” (COELHO, 2011, p. 148). Portanto, por exigência da lei o contrato deve ser registrado.

2.2  DESVANTAGENS E RISCO DA FRANQUIA

Como supracitado, a franquia traz vantagens para ambas as partes. Todavia, como qualquer negócio jurídico, apresenta desvantagens e riscos também para ambos os polos da relação obrigacional.

“O contrato implica colaboração constante entre franqueador e franqueado, tanto no campo tecnológico, como no econômico, mantendo ambos sua independência jurídica” (VENOSA, 2005, p. 571). Ou seja, o franqueado e o franqueador não possuem qualquer dependência juridicamente falando. São empresas diferentes. São pessoas jurídicas diferentes.

Entretanto, o franqueado nunca terá independência total. Sua independência é relativa, pois ele está sujeito às normas impostas pela franqueadora como condições para se estabelecer a franquia. O franqueado não poderá determinar como se dará a organização de sua franquia, nem escolher o local para implantá-la.

O contrato, normalmente, estabelece um longo prazo de duração e, em alguns casos, as técnicas impostas pela franqueadora à franqueada não se adaptam ao mercado local, resultando em prejuízos ao franqueado que deverá continuar com a franquia até o fim do contrato. 

Das desvantagens e riscos originam-se conflitos de interesses (lides) entre a franqueada e franqueadora e, caberá ao jurista solucionar tais impasses. Por esta razão, nos próximos tópicos abordar-se-á dois casos onde se observa lides concernentes ao sistema de franquia.

3        EXTINÇÃO DE FRANQUIAS

O sistema de franquia “pode extinguir-se ou pelo término do prazo estabelecido em contrato, ou por inadimplemento de uma das partes, ou ainda pela conduta do franqueado, que comprometa o bom conceito do produto ou serviço”. (GONÇALVES, 2004, p.666). O fim do prazo contratual, o descumprimento das obrigações de uma das partes e/ou condutas do franqueado que coloquem em risco a imagem da franqueadora são, portanto, forma de extinção de franquias.

No entanto, a franquia pode também se extinguir quando da falência da franqueada. Sabe-se que o êxito de um estabelecimento empresarial não é possível de ser garantido. O sucesso decorre de uma série de fatores. Advém do trabalho mútuo e conjunto da franqueadora e da franqueada. E não é porque uma franquia deu certo em determinada localidade que dará em todas que for implantada. O mercado varia de local para local.

3.1  FALÊNCIA DA FRANQUEADA

Quanto à falência da franqueada, observa-se a existência de uma possível lide. Quem arca com os custos do fracasso quando a franqueada vai à falência mesmo tendo seguido todas as instruções da franqueadora?  Nesse diapasão, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já se posicionou na Apelação nº 9155375-94.2007.8.26.0000. No referido caso, a franqueada (apelante), MC Mullan & Alves Café Ltda, possuía uma franquia do Fran’s Café Franchising Ltda (apelada), porém aquela foi à falência e, ingressou com uma ação no Tribunal de Justiça de São Paulo solicitando indenização por danos morais e materiais diante do fracasso da franquia.

A apelante alega que a franquia não rendeu os resultados prometidos pela franqueadora, pois a franqueadora determinou o local para instalação do estabelecimento e impôs um contrato desvantajoso, obrigando a aquisição de produtos com fornecedores que exigiam preços exorbitantes. Além disso, e, durante a fase crítica, a franqueadora assumiu a administração da franquia por seis meses e, nesse ínterim, efetuou pedidos em nome da apelante e não os pagou. A apelada, por sua vez, negou ser a responsável pelo fracasso do negócio e declarou que a franqueada sabia dos riscos do empreendimento, que em nenhum momento da garantia de sucesso.

O TJ/SP julgou improcedente a ação de indenização, pois pela Circular Oferta de Franquia e pelas cláusulas contratuais a franqueada estava ciente dos riscos e, por conseguinte, da não garantia de sucesso do empreendimento. “É de se ver que toda atividade empresarial envolve riscos e que o seu sucesso depende das escolhas acertadas dos empresários” (RIBEIRO, TJ/ SP, Apelação nº 9155375-94.2007.8.26.0000, p.5).

Este Eg. Tribunal já se manifestou no sentido de que a franquia não é garantia de sucesso e rentabilidade, de modo que cabe à franqueada suportar os eventuais prejuízos. No contrato de franquia o franqueado tem licença para se utilizara de uma marca, normalmente já consagrada no mercado, exatamente para reduzir os riscos de fracassos que, no entanto, sempre existirão e podem decorrer tanto da má administração interna do negócio, quanto de fatores externos, como nas crises econômicas. (RIBEIRO, TJ/ SP, Apelação nº 9155375-94.2007.8.26.0000, p.5).

É, portanto, do entendimento jurisprudencial que a franquia por si só não garante sucesso no empreendimento. Na falência da franqueada é esta que deverá arcar com os prejuízos e não a franqueadora. Ainda que esta possua o know how e dite a organização da franqueada, não é ela a responsável pelo fracasso. Observa-se, assim, que o contrato de franquia é um contrato de risco onde a franqueada assume todos os prejuízos.

4        TRANSFERÊNCIA DE FRANQUIA

Na questão da transferência de franquia também é possível observar algumas lides. A franqueada pode, por si só, alienar sua franquia para terceiros ou deve requerer autorização da franqueadora? Qual delas tem a preferência na aquisição das quotas?

Para abordar tal problemática, traz-se outro acórdão também do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, apelação nº 991.04.043501-7. Neste caso, a apelante é a Drogaria Michel Ltda e a apelada é a Farmais Franchising SIC Ltda.

A apelante alega que seguiu todos os procedimentos exigidos pela apelada para realizar a transferência das quotas a terceiros e, que quem descumpriu o contrato foi a Farmais Franchising, pois ao saber da intenção de alienação do estabelecimento empresarial suspendeu o fornecimento das mercadorias.

No entanto, o TJ/SP entende que

quaisquer alterações relativas ao quadro social da franqueada Drogaria Michel Ltda, ora inconformada, que pudessem importar na cessão das quotas sociais, deveriam ser imediatamente comunicadas à recorrida, a fim de permitir que a franqueadora pudesse se valer do exercício relativo à  preferência na aquisição das quotas sociais, bem como do direito de vetar o ingresso de pessoas eventualmente desqualificadas, na parceria comercial firmada originalmente entre as partes litigantes, obrigação esta que foi desrespeitada pela inconformada, o que se deu em razão da alienação do estabelecimento comercial (VERGUEIRO, TJ/SP, apelação nº 991.04.043501-7, p. 2 e 3).

 

Observa-se que se o franqueado almeja transferir o seu estabelecimento empresarial, ou seja, alienar suas quotas sociais, ele deve comunicar imediatamente a franqueadora. Esta tem preferência na aquisição das quotas, por isso, o franqueado apenas poderá alienar sua franquia com a anuência da franqueadora.

CONCLUSÃO

Pretendeu-se que este trabalho proporcionasse, de maneira objetiva, uma efetiva compreensão do estabelecimento empresarial, muitas vezes confundido com a sede da empresa ou com a própria empresa. Por meio deste, pode-se concluir que estabelecimento empresarial é o conjunto de bens que o empresário organizou e que é imprescindível para o exercício da atividade empresária. Para dar início a uma empresa é necessário fazer investimentos para se adquirir os bens que permitirão a prática da atividade empresarial. E, enquanto estes bens permanecerem unidos pelo empresário, o seu conjunto adquire um valor superior à soma de cada um deles separadamente.

Observou-se que organizar um estabelecimento empresarial não é fácil. É necessário domínio técnico para conduzir um empreendimento de sucesso, não basta ter recursos. Nesse diapasão, surgiu nos Estados Unidos o sistema de franquias, onde a franqueadora, que detêm um produto ou serviço, concede o direito de outrem comercializá-los, e impõe as técnicas de condução da franquia. O sistema de franquias é, portanto, vantajoso para a franqueadora, que sem precisar dispor dinheiro, amplia sua área de venda, e para a franqueada, que mediante remuneração, adquire o direito de comercializar um produto já conhecido pelos consumidores. Todavia, uma franquia também traz riscos e desvantagens e destas podem surgir lides entre a franqueada e franqueadora, devendo o jurista solucionar tais impasses.

Para se estabelecer a franquia, a franqueadora necessita dar inicialmente à interessada uma Circular de oferta de franquia que deverá conter todas as informações importantes, estabelecendo todas as vantagens e as desvantagens do negócio. Aceita a COF a franquia será firmada por meio de um contrato que tem validade entre as partes, independente do registro.

Dentre os conflitos de interesses abordou-se a questão da falência da franqueada e, a partir de jurisprudência, concluiu-se que esta assume todos os prejuízos. Ainda que a franqueadora que tenha ditado a forma de organização da franquia, a franqueada conhecia os riscos de se estabelecer uma franquia e, se aceitou, deve arcar com todo e qualquer perda. Assim, não pode pedir danos morais e materiais à franqueadora. Todo negócio apresenta risco. Não se pode garantir o sucesso de um empreendimento. Se não deu certo a franqueada assume o risco.

Por fim, observou-se que envolvendo transferência de franquia, ou seja, alienação do estabelecimento empresarial decorrente de franquia, a franqueada deve pedir o consentimento da franqueadora. Esta tem o direito de escolher as pessoas com as quais ela irá lidar e que lhe representará. Portanto, o franqueado jamais poderá alienar sua franquia sem comunicar e obter anuência de sua franqueadora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994. Dispõe sobre o contrato de franquia empresarial (franchising) e dá outras providências. Brasília.  Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8955.htm>. Acesso em 02 nov. 2012.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Acórdão. Apelação nº 9155375-94.2007.8.26.0000. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20518512/apelacao-apl-9155375942007826-sp-9155375-9420078260000-tjsp >. Acesso em: 27 ago. 2012.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Acórdão. Apelação nº 991.04.043501-7. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/15823900/apelacao-apl-991040435017-sp-tjsp>. Acesso em: 27 ago. 2012.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2011. vol. 1

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2004. v 3.

MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial. São Paulo: Atlas, 2005.

Números do Franchising. Mednet. Disponível em: < http://www.mednetfranchising.com.br/index.php/o-sistema-de-franchising/numeros-do-franchising.html>. Acesso em: 02 nov. 2012.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial: o novo regime jurídico-empresarial brasileiro. Salvador: Podivm, 2008.

VENOSA, Silvio de S. Direito Civil: Contratos em espécie. São Paulo: Atlas, 2005. vol.III



* Paper associado à disciplina de Direito Empresarial, ministrada pelo Professor José Humberto Gomes de Oliveira.

** Acadêmica em Direito dos cursos da UNDB. E-mail: [email protected]

*** Acadêmica em Direito dos cursos da UNDB. E-mail: [email protected]