INTRODUÇÃO

A cidade de São Luís, nos últimos dez anos passou por um boom imobiliário, com o aquecimento do mercado da construção civil, atraindo muitos investimentos e proporcionando o crescimento empresarial. A cidade que há dez anos possuía dois shopping centers, em 2012 já conta com pelo menos quatro grandes centros, ou seja, um aumento de 100% em um curto espaço de tempo e está prestes a iniciar as vendas de um shopping de luxo, só com grandes marcas, voltado para a classe AAA. No entanto, o pequeno empresário, que gostaria de aderir a um empreendimento como um shopping center, deve ter cuidado com várias peculiaridades do contrato de locação.

Destarte o presente trabalho tem como objetivo central elucidar algumas dessas peculiaridades, mas para tanto percorre uma trajetória de análise de vários itens dessa complexa relação. Assim, o trabalho inicia falando do histórico do Shopping center, seu conceito, a pessoa física ou jurídica que planeja, executa e por vezes gerencia esse negócio que é o empreendedor. Em seguida, valendo-se de entrevista com o advogado de um grande Shopping de São Luís, o trabalho elucida rapidamente as fases de constituição do Shopping center, desde seu estudo de viabilidade até a assembleia de formação da Associação dos lojistas. Depois elucida a natureza jurídica dos centros de compras.

No segundo capítulo do artigo analisa-se a figural do Lojista, demonstrando sua fragilidade na relação jurídica com o empreendedor. Analisa-se também a o estabelecimento empresarial, conceituando, analisando sua natureza jurídica e seus elementos e fazendo as devidas analogias ao Shopping center na qualidade também de estabelecimento comercial.

No terceiro capítulo é analisado o instrumento que vincula os elementos tratados no trabalho, o contrato. De forma mais específica quatro peculiaridades que chamam a atenção, a saber: Auditoria de vendas; Proibição da sublocação, cessão e mudança do ramo de atividade; do Estacionamento; e do direito de ação renovatória pelo Lojista. Em seguida e finalizando algumas vantagens e desvantagens percebidas por lojistas de um grande shopping center da cidade de São Luís, além das tratadas de forma difusa no trabalho.

 

 

 

 

 

1. SHOPPING CENTER

1.1 Histórico

O comércio em forma de aglomerados remonta à idade média, quando nas cidades havia ruas nas quais os comerciantes ofereciam serviços específicos como, por exemplo, rua dos padeiros, rua dos ferreiros, rua dos açougues etc. Esse cenário evoluiu até a formação dos mercados municipais onde já se passava uma ideia de unidade, porém as lojas agiam de forma individualizada sem nenhum planejamento com vistas à integração. Depois, com o crescimento e prosperidade das cidades, surgiram as galerias, porém ainda sem integração entre comerciantes, e as lojas de departamentos que concentravam grande variedade de produtos. Contudo, a ocupação urbana desordenada requisitou a migração do comércio para as periferias. A invenção e popularização do automóvel no início do século XX também tem parcela de contribuição para a migração do comércio, pois deu ao consumidor maior poder de alcance que passou a preferir lugares que ofereciam maior conforto e acessibilidade (VIDIGAL, 2006). Sobre essa evolução fala Rubens Requião (apud VIDIGAL, 2006, p. 15):

Mas a concentração urbana moderna, com a necessidade do deslocamento rápido pelos veículos automotores, modificou o aspecto antigo das cidades tradicionais. A trepidação da vida moderna, as novas técnicas de distribuição e vendas das mais variadas mercadorias, o anseio de conforto coletivo e individual, predispôs diretamente os empresários comerciais a idealizarem um centro, de sentido urbano, que concentrasse os mais variados artigos que o mercador proporciona, num ambiente funcional e estático. Neles os mais variados artigos são postos às mãos da freguesia, em condições de bom gosto, de qualidade, de higiene e de conforto. Surgiram assim, os modernos centros comerciais de inspiração norte-americana.

Pois bem, é nos Estados Unidos que nascem os shopping centers, em meados da década de 1920, incialmente com pequenas lojas que atendiam a necessidades corriqueiras dos bairros, apresentando alguma padronização e sendo gerenciado por um só administrador (VIDIGAL, 2006, p. 16). Esse modelo de shopping foi chamado por Maria Bernadete Miranda (2009, p. 4) de Shopping Center de Vizinhança, pois visava essencialmente à venda de bens e serviços pessoais, como: comida, remédio, lavanderia, banco, cabeleireiro, restaurantes, e, em segundo plano, vestuário e outros artigos. Maria Bernadete Miranda acrescenta ainda outras duas modalidades de shopping, que na verdade são evoluções do formato inicial, a saber: o Shopping Center de Comunidade ou de Conveniência que eram maiores e vendiam maior variedade de produtos além de introduzir as praças de alimentação com os chamados fast-foods; e o Shopping Center Regional que se firma nas grandes lojas de departamento, também chamadas de âncoras, e se estrutura em grandes prédios fechados. Essa última fase de evolução se inicia nos anos 50 também nos EUA e é o que se tem na atualidade (2009, p. 4).

No Brasil o primeiro shopping center  foi inaugurado no final da década de 60, na cidade de São Paulo, o Shopping Iguatemi.  Porém, só a partir dos anos 80 é que se verificou um crescimento significativo desse tipo de empreendimento por todo o país. Maria Bernadete Miranda (2009, p. 5) elenca quatro grandes fatores que favoreceram o crescimento no Brasil: a descentralização do comércio para a periferia; o desafogamento do trânsito consequente dessa descentralização; estacionamento; e a segurança.  Atualmente, segundo dados da Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE), são 442 centros de compras em todo o país.

Em São Luís, o primeiro Shopping center, de fato, do tipo Regional, foi o São Luís Shopping, inaugurado em 1999. Antes, a referência de centro de compras na cidade era o Tropical Shopping, inaugurado em 1985, considerado uns, shopping de Comunidade e por outros uma galeria. Hoje, São Luís tem quatro shoppings da espécie regional (São Luís Shopping, Rio Anil Shopping, Jaracaty Shopping e Shopping da Ilha).

 

1.2 Conceito

Paula Mascarenhas Moura Vidigal (2006) traz três conceitos para Shopping center, um técnico, um econômico e um jurídico. O conceito técnico é o mesmo utilizado pela Associação Internacional de Shopping centers e diz que:

Shopping center é um grupo de estabelecimentos comerciais unificados arquitetonicamente e construído em terreno planejado e desenvolvido. O shopping center deverá ser administrado como uma unidade operacional, sendo o tamanho e tipos de loja existentes diretamente com a área de influência comercial a que esta unidade serve. O Shopping center  também deverá oferecer estacionamento compatível com todas as lojas existentes (2006, p. 20).

Nessa via acrescenta-se o conceito de Maria Bernadete Miranda, “trata-se de um grupo de lojas que deverá obedecer a um planejamento prévio e serão unificadas não só pela arquitetura, mas também, por uma administração única, sujeita, a normas contratuais padronizadas” (2009, p.6). 

O conceito econômico traz um entendimento do que os centros de compras passaram a representar na economia. São edifícios onde se concentram eficiência, conforto e economia de tempo para o consumo e consequentemente maior rentabilidade ao lojista (VIDIGAL, 2006, p. 21). Os dados da ABRASCE consubstanciam esse conceito quando apontam que em 2011 o lucro estimado do setor foi de 108 bilhões de reais e representou aproximadamente 18% do mercado varejista.

O conceito jurídico que Vidigal traz é o de que o Shopping center “é um conjunto de empresas, de sociedades empresárias que exercem uma atividade econômica”.(2006, p. 21) Washigton de Barros Monteiro em seu tradicional rebuscamento analisa da seguinte forma:

O Shopping center caracteriza-se, sobretudo, pela sua sistemática ou ordenamento, com um complexo de relações internas entre o incorporador ou incorporadores do empreendimento e os lojistas e prestadores de serviço, de índole eminentemente obrigacional, inclusive entre os próprios lojistas e prestadores de serviços, ligados entre si por uma espécie de solidariedade e congregados, muitas vezes, numa entidade associativa para a defesa de seus interesses. (apud VIDIGAL, 2006, p. 22).

Em sua análise vê-se que Washigton de Barros trata das relações decorrentes dos contratos entre empreendedor, lojista e demais prestadores de serviços, bem como, quando fala em entidade associativa que defende interesses, da associação dos lojistas a qual será abordada mais adiante neste trabalho.

Destarte, Shopping center  é um espaço devidamente planejado e regido por regras previstas em contrato, que visa integrar interesses de rentabilidade de empreendedor e lojistas e de consumo da população de uma determinada região.

Após análise histórica e conceituação se faz necessário analisar os principais personagens envolvidos no contexto dos centros de compras: O empreendedor e o lojista; a figura do lojista será analisada no próximo capítulo. Assim, passa-se a análise do primeiro personagem, o empreendedor.

1.3 O Empreendedor

O empreendedor é aquele que toma inciativa de planejar, construir, negociar os espaços e gerenciar ou contratar um administrador para o shopping center. Fábio Ulhôa faz uma reflexão interessante diferenciando o empresário que constrói e/ou administra shopping daquele que tão somente constrói espaços e aluga com o objetivo de obter renda.

O proprietário de um terreno que nele constrói prédio destinado a abrigar um estabelecimento empresarial, e depois de concluída a obra, loca-o a pessoa interessada em explorar atividade econômica no local, dá ao seu bem certo fim rentável. Ele, proprietário, contudo, não é empresário. Se, no mesmo terreno, construir um prédio constituído de espaços relativamente autônomos, para fins de os alugar a quaisquer pessoas interessadas em explorar atividade econômica no lugar, ele ainda não pode ser considerado empresário. Continua apenas o titular de propriedade imobiliária (uma “galeria”), de que extrai renda. Se, finalmente, o prédio é constituído de espaços relativamente autônomos, e o proprietário organiza a distribuição desses espaços, de forma a locá-los a pessoas interessadas em explorar determinadas atividades econômicas pré-definidas, ele já se pode considerar empresário. Ele é titular de empresa do ramo shopping center (2008, p. 112).

Assim, o que principalmente diferencia o empresário do ramo de Shopping center e o investidor que constrói prédios para alugar os espaços está na questão do tenant mix (distribuição harmônica do espaço, com vistas a equilibrar a oferta de produtos e serviços). Como bem disse Maria Bernadete Miranda cabe ao empreendedor administrar ou contratar administrador de modo a conservar a excelência do empreendimento. Dentre as principais tarefas desempenhadas pelo empreendedor/administrador estão: cuidar da higiene e segurança, definir horário de funcionamento, controlar a logística de carga e descarga de mercadorias, regular o fornecimento de água, luz e gás, fiscalizar os lojistas, etc. (2009, p.12).

1.4 Fases de Instalação de um Shopping Center

 

Em entrevista a um dos advogados de um dos quatro grandes shopping centers de São Luís, ele conta que há basicamente sete fases, ou momentos para que um empreendimento desse porte entre em funcionamento. Inicialmente o estudo de viabilidade econômica. Normalmente o empreendedor contrata empresa especializada para realizar um estudo de viabilidade econômica, ou seja, uma pesquisa com vistas a aferir se uma determinada área, ou uma determinada cidade comporta um grande empreendimento. As segunda e terceira fases ocorrem de forma paralela. Enquanto acontece a construção do shopping o empreendedor inicia as vendas já observando a questão do tenant mix. Vale ressaltar que a venda dos espaços, na verdade, é uma locação, um contrato de cessão de direitos. Nesse momento revela-se uma grande vantagem do empreendedor perante o empresário-lojista, pois é o primeiro quem escolhe quem agregaria mais valor ao seu empreendimento. As negociações para lojas satélite são padronizadas sem muita “abertura” por parte do empreendedor. A situação se inverte um pouco quando a negociação é com uma loja âncora, pois há cessão das duas partes para a concretização do negócio.

Depois de pronto, faz-se a assembleia de instalação do condomínio do shopping para constitui-lo enquanto pessoa jurídica. Por isso, a natureza jurídica desse tipo de empreendimento é a de condomínio especial. Mais adiante serão analisados alguns aspectos jurídicos do shopping center nos quais será analisada a natureza jurídica. Na assembleia também são produzidas normas gerais e complementares por meio de escritura pública ou estatuto, ou por convenção. Há também a produção de um regimento interno, no qual, por exemplo, são expressas as regras de funcionamento do shopping e de usufruto das áreas comuns.

O passo seguinte é assinatura o contrato de locação. Normalmente o empreendedor assina mediante fiança ou dando algum imóvel como garantia.

Por fim, é criada uma entidade representativa dos lojistas, a saber, a Associação dos lojistas.

 

1.5 Natureza Jurídica do Shopping Center

De fato não há legislação específica que discipline a natureza jurídica dos shopping centers, contudo esse tipo de empreendimento vem adotando na maioria dos casos o condomínio tradicional e o condomínio especial com os quais se assemelha em alguns aspectos,  como assevera Gaburri[1] (2007), havendo a necessidade no entanto de se fazer as devidas ressalvas.

A primeira diferença levantada por esse autor é que no Shopping center há, geralmente, um proprietário, o empreendedor, enquanto no Condomínio pressupõe-se a existência de unidades autônomas, de acordo com as regras gerais de condomínio previstas no Código Civil. Outra diferença está na finalidade lucrativa dos shopping centers que percebe alugueres e percentagem do lucro bruto dos lojistas. Por fim, os condôminos elegem um síndico para representá-los, enquanto o empreendedor é o próprio administrador ou contrata um, o qual não terá nenhum vínculo no que diz respeito à representatividade dos lojistas.

Diante desse cenário de analogia, Maria Bernadete Miranda (2009, p. 20) ressalta outros instrumentos utilizados de forma atípica para regular as relações em shopping centers:

O condomínio tradicional, o condomínio especial e a sociedade estão entre as formas habitualmente adotadas pelos Shopping Centers para sua estrutura jurídica, que costuma ser amparada pelos seguintes instrumentos: Escritura Declaratória de Normas Gerais Complementares, Regimento Interno, Estatuto da Associação dos Lojistas e eventual contrato entre empreendedor e administrador, os quais costumam ser anexados ao contrato firmado entre empreendedor e lojista, passando a fazer parte integrante deste último.

A multiplicidade de instrumentos e a gama de direitos e obrigações sui generis neles contidos fazem com que o contrato firmado entre empreendedor e lojista configure uma contratação atípica mista, com elementos dos contratos de locação e adesão e de outros elementos atípicos.

Diante da ausência de legislação específica, atipicidade de instrumentos regulatórios e representatividade do setor na economia vê-se que a figura do empreendedor se coloca em superioridade perante o empresário que adere ao shopping. Destarte, passa-se a analisar o outro personagem dessa relação, o lojista, bem como o estabelecimento empresarial.

2. O LOJISTA E O ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

 

2.1 O Lojista

 

O lojista é aquele empresário, quer de forma individual quer de forma associada, que assina um contrato de locação para firmar seu estabelecimento empresarial em Shopping center. Segundo Maria Bernadete Miranda, o lojista é aquele que está em contato direto com o consumidor, mas que se sujeita aos regulamentos previamente acordados que uniformizam as práticas do shopping, e essa, ressalta a autora, é a principal diferenciação para um lojista de rua. Quem adere ao shopping center deve obedecer certas normas para que não seja desconfigurada a estrutura planejada do shopping. (2009, p. 12)

Vidigal (2006, p. 26) diz que o lojista, na verdade, é um grande “pagador”, pois “paga a reserva de espaço, paga a verba para publicidade, paga corretagem, paga luvas, paga aluguel, paga as contas do rateio, paga fundo de promoção, paga o seu estoque antecipado, paga projeto, paga a construção da loja, entre outros débitos”. Esses aparentes excessos dizem respeito a uma prestação chamada res separata, que, segundo Fábio Ulhôa (2008, p. 115), é uma retribuição das vantagens de se estabelecer em centro que possui uma clientela constituída. Haja vista que, como ressalta o autor, o consumidor não procura o estabelecimento especificamente, mas sim o shopping. Assim, o lojista usufrui do fundo de empresa do empreendedor e deve retribuir por meio da res separata.

Essa discussão sobre o usufruto do fundo de empresa enseja a análise do estabelecimento comercial que far-se-á a seguir.      

2.2  O estabelecimento empresarial

2.2.1        Conceito

A legislação brasileira conceitua o estabelecimento empresarial no artigo 1.142 do Código Civil de 2002 como todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. Ou seja, a reunião de bens necessários para potencializar a atividade empresária. Assim, como bem destaca Arnaldo Rizzardo (2007, p. 1037), as mercadorias, máquinas, equipamentos, veículos, marcas, tecnologias, etc. compõem um conglomerado que constitui uma universalidade de fato.

Fábio Ulhôa fala da sobrevalorização desse conjunto de bens. “Isto é, enquanto esses bens permanecem articulados em função da empresa, o conjunto alcança, no mercado, um valor superior à simples soma de cada um deles em separado” (2008, p. 96). E que essa sobrevalorização é merecedora de proteção jurídica, pressupondo o disciplinamento dos negócios relacionados ao estabelecimento para garantir os investimentos do empresário.

No caso do Shopping center, como foi dito neste trabalho, há um minucioso planejamento e gerenciamento, o tenant mix, de modo a proporcionar maior sobrevalorização. Daí a necessidade da res separata. Contudo, Vidigal (2006, p. 47) se coloca contra essa cobrança em virtude dos lojistas já arcarem com praticamente todos os custos para o funcionamento do shopping, sendo excessivamente onerosa a cobrança de uma porcentagem sobre os lucros.

2.2.2        Natureza

Embora seja elemento imprescindível para a empresa e para o empresário ou sociedade empresária, o estabelecimento não se confunde com eles.  Nesse sentido, quanto à natureza, diversos autores concordam que não há a personalização e que o estabelecimento é considerado como um bem integrante do patrimônio da empresa, passível de alienação e disponibilidade. Arnaldo Rizzardo (2007, p. 1041) diz que:

... não se reconhece ao estabelecimento uma personificação, ou uma existência jurídica independente e autônoma. Não se exterioriza em um contrato, com o respectivo registro em algum órgão que lhe dá individualidade própria. É que não se concebe o mesmo se a pessoa jurídica ou mesmo física do qual faz parte e integra. Nessa visão, não se torna sujeito de direitos e obrigações, nem pode integrar uma relação jurídica entre indivíduos e sociedades.

E Fábio Ulhôa completa dizendo que “ao se afirmar que o estabelecimento empresarial não é sujeito de direito, o que se pretende afastar é a noção de personalização desse complexo de bens” (2008, p. 99).

2.2.3        Elementos

A doutrina considera elementos do estabelecimento os bens materiais e imateriais. Os bens materiais compreenderiam as estruturas físicas, corpóreas, que poderiam ser traduzidas em equipamentos, maquinário, automóveis, móveis, entre outros. Enquanto os bens imateriais compreendem os incorpóreos, que não são palpáveis como metodologias, marcas e patentes. De forma suplementar, Fábio Ulhôa (2008, p. 101) descarta a possibilidade de o aviamento, possibilidade de o estabelecimento gerar lucros, ser considerado um bem incorpóreo, portanto, elemento do estabelecimento comercial.  Explica esse autor que embora na compra da empresa seja considerado o valor agregado não é possível falar que o aviamento é elemento do estabelecimento, mas tão somente resultado de sua sobrevalorização.

Agora, após a caracterização do shopping, do empreendedor, do lojista e do estabelecimento empresarial parte-se para a análise do instrumento que os vincula, o contrato.

 

3. O CONTRATO

 

Fábio Ulhôa (2008, p. 114) considera que o contrato firmado entre empreendedor e lojista é um contrato de locação, com cláusulas especiais para atender às peculiaridades do shopping center, no qual constam essencialmente cláusulas que dizem respeito à remuneração do lojista ao empreendedor. Sendo uma remuneração fixa, o aluguel, e uma remuneração variável que diz respeito à res separata

Trata-se de contrato elaborado unilateralmente, pelo empreendedor, ao qual adere o lojista. Nesse sentido a liberdade contratual garantida pelo artigo 54 da lei 8.245/91acaba por restringir-se à figura do empreendedor. Ao aderir ao shopping, o lojista automaticamente concorda com uma série de normas expressas no regimento interno, no conjunto de normas gerais e complementares e no estatuto da associação dos lojistas que regem o seu proceder e são anexados ao contrato de locação. (VIDIGAL, 2006, p. 39-40).

Cabe agora analisar algumas de várias situações que derivam dessa relação contratual, a saber: Auditoria de vendas; Proibição da sublocação, cessão e mudança do tramo de atividade; do estacionamento; o direito de ação renovatória por parte do lojista.  

3.1 Auditoria de vendas

A auditoria se dá pela obrigação do lojista em informar o seu faturamento, para que assim possa ser determinado o aluguel do percentual. De modo que toda a semana ele deve fazer um formulário informando os valores de suas vendas.

 O empreendedor pode exercer o direito de fiscalizar todas essas informações, assim, fazendo uma auditoria das vendas durante um determinado tempo. Mas, deve prezar pelo respeito às atividades do lojista de modo que ele não seja prejudicado, portanto, não se pode causar constrangimento algum, inclusive para todos os seus clientes (VIDIGAL, 2006, p. 70)

 

3.2 Proibição da sublocação, cessão e mudança do tramo de atividade

 

Essa cláusula serve para demonstrar a preocupação do empreendedor quando há mudanças no tenant mix do shopping. Por isso o lojista deve seguir o que está no contrato não podendo mudar o ramo da atividade, não pode dividir o espaço com outra atividade ou sublocar.

A cláusula não é questionada no que diz respeito a mudança de ramo, sendo que é de interesse do empreendedor manter o mesmo número de lojas em ramo para assim manter estabilizado e garantir o bom faturamento de todas. No entanto se essa mudança se der com um pedido e sendo esse justificado pelo mau faturamento da loja, a mudança deve ser analisada, pois com ela se pressupõe novos investimentos e melhoria no faturamento da loja, o que é benéfico para ambas as partes. Outra possibilidade de mudança são as tendências de consumo, onde essas devem atualizar o “mix” das lojas do estabelecimento, na medida que essas são as responsáveis por atrair clientes.

A cessão ou transferência acontece quando o lojista não atinge os resultados esperados no shopping, ou quando se deseja trocar o espaço atual por outro. É cobrada uma taxa nos casos de cessão e transferência, algo em torno de 6 a 20 alugueis mínimos. Valores que são considerados abusivos se comparados com outras relações de locações comerciais tradicionais, como verificado na integra do art. 13º da lei n. 8.245/91, in verbis: “ Art 13. A cessão  da locação, a sublocação, e o empréstimo  do imóvel, total ou parcialmente, dependem do consentimento prévio do locador”.

Pela análise do dispositivo acima a cessão da locação e a sublocação dependem do locador. Portanto, pela literalidade da lei, pode sim haver a proibição no contrato de locação dos shoppings, mas de forma devidamente justificada.

 

3.3 Do Estacionamento

 

O estacionamento garantido é um dos principais benefícios do Shopping center para o cliente. O estacionamento juntamente com a segurança oferecida, hoje são um dos principais atrativos para clientes. A falta de estacionamento, somada a falta de segurança é um dos pontos que afasta clientes de lojas de rua e os aproxima do shopping, tendo em vista que um shopping não existe sem um estacionamento.

Por isso a cobrança pela utilização do estacionamento e a para onde vai a receita gerada tem certa atenção, sendo tratada como “outras receitas”. Assim, mostrando a preocupação de interesses das partes, para que não modifique o número que frequentadores e sempre estimule o aumento de fluxo.

Existem projetos de lei, como a do deputado estadual do Maranhão Marcos Caldas, que visam isentar o pagamento do estacionamento aos clientes que consumirem dentro do estabelecimento. Proposta essas que deverão ser vistas pelos empreendedores como uma forma de agradar e atrair clientes, e assim garantir seu faturamento, pois é importante lembrar que se houver cobrança deve ser compatível à manutenção do shopping e da segurança, já que os empreendedores são responsáveis por furtos em veículos ocorridos no estacionamento do shopping, justificando a cobrança pela sua utilização.

 

3.4 Do direito de ação renovatória pelo Lojista

 

Pelas particularidades do contrato de locação do shopping center e a dinâmica do negócio é possível que o lojista não consiga obter grandes resultados e comprometa o equilíbrio do chamado tenant mix. Contudo a localização do estabelecimento desse lojista no shopping já pode estar arraigada na cabeça das pessoas de modo que não renovar o contrato de locação, forçando-o a estabelecer seu negócio em outro lugar, poderá prejudicá-lo exponencialmente. Essa situação é uma outra peculiaridade do contrato de locação e que diz respeito ao direito de inerência ao ponto comercial e consequentemente ao direito de ação renovatória pelo lojista.

   Fábio Ulhôa diz que o direito de inerência ao ponto comercial pode acabar entravando o desenvolvimento do negócio shopping center, de tal modo que uma das desvantagens do contrato ser de locação é o que dá a possibilidade de renovação compulsória. Sobre isso fala o estudioso:

     A lei de locações, contudo, admite claramente a renovação compulsória do contrato de locação de espaço em shopping centers (LL, art. 52, § 2º). Deve-se ressalvar, contudo, que, se a renovação importa prejuízo ao empreendimento, caberá a exceção de retomada. Trata-se de uma questão de fato, a ser provada pelo empresário titular do shopping center. Quando a tutela do direito de inerência redundar em injustificável redução de receita do locador, por inadequação do negócio do locatário às evoluções do mercado de consumo, é decorrência da proteção constitucional do seu direito de propriedade o impedimento da renovação compulsória de locação. O locatário receberá a correspondente indenização, pela perda do ponto, se for o caso, mas não poderá o empreendedor deixar de exercer o seu direito de propriedade (2008, p. 116).

Existem outras peculiaridades do contrato de locação do shopping center que não foram abordadas, contudo as que foram analisadas demonstram suficientemente certo desequilíbrio na relação contratual entre empreendedor e lojista.

3.5 Vantagens e desvantagens de abrir o estabelecimento comercial em shopping center

Além das questões contratuais disponíveis na doutrina, fez-se uma pequena visita a um grande shopping da cidade de São Luís com vistas a conversar e colher algumas informações a respeito de vantagens e desvantagens de instalar estabelecimento empresarial em empresas de diferentes tamanhos. Foram visitadas duas grandes empresas e duas pequenas.

As grandes empresas, consideradas âncoras, revelaram que não há muita diferença para uma loja de rua no que diz respeito a quantidade de vendas, revelam que a grande vantagem está ligada a uma questão de concorrência, de preenchimento de espaços. Revelam como principal desvantagem a obrigatoriedade de obedecer às regras concernentes ao contrato, muito embora o poder de negociação para exceções seja maior, como por exemplo, a postergação do horário de funcionamento em dias de liquidação de estoque.

O pequeno lojista considera como vantagem, especialmente, a segurança oferecida pelo shopping. E como desvantagem, além da taxação excessiva, a obrigatoriedade do horário de funcionamento. Por incrível que pareça essa foi uma desvantagem levantada. O fundamento para ela está na questão de que as normas gerais obrigam o lojista a manter seu estabelecimento aberto durante o horário definido. Ocorre que nem sempre o “movimento” compensa os custos de manter o estabelecimento aberto durante todo o tempo acordado. O Lojista, conhecedor de seu negócio, sabe em qual época do ano as vendas são maiores e em que períodos do mês e até mesmo os dias da semana, no entanto precisa obedecer aos horários estabelecidos pelo shopping.

Assim, enquanto os grandes desejam marcar território e garantir maior fatia de mercado, os pequenos ressaltam a segurança de seus estabelecimentos. Ambos reclamam do rigor das regras, como o caso dos pequenos sobre o horário de funcionamento do shopping.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Como foi exposto durante todo o trabalho, a relação entre empreendedor e lojista não se constitui como uma das mais equilibradas. O empreendedor, planeja, constrói o empreendimento, e ao negociar a “venda” dos espaços tem a prerrogativa de escolher o que é melhor para o seu estabelecimento. Em nome desse zelo acaba impondo sua vontade ao lojista, especialmente o pequeno empresário, amarrando-o com instrumentos como regimento interno, normas gerais e complementares e o estatuto da associação dos lojistas. Enquanto a esse último cabe a submissão e a excessiva taxação em nome de uma potencialização das vendas proporcionada pelo centro compras.

O setor urge por legislação específica para que se estabeleça maior equilíbrio na relação contratual. A questão do contrato unilateral ao qual simplesmente adere o pequeno empresário. Por isso, em caso de litígio cabe aos juristas apenas limitarem os excessos, valendo-se de princípios, da função social do contrato e do equilibro entre as partes, a fim de conseguir correções levantadas.

Destarte o empresário, especialmente o pequeno, deve observar não só as vantagens de ter seu estabelecimento comercial vinculado a um shopping, mas também a onerosa contrapartida a qual se submete.

 

 

REFERÊNCIAS

 

ABRASCE. Apresentação. Disponível em:http://www.portaldoshopping.com.br/sobreaabrasce.asp?codAreaMae=1&codArea=2&codConteudo=1; acesso em: 05/11/2012;

ABRASCE. Grandes números. Disponível em: http://www.portaldoshopping.com.br/sobreosetor.asp?codAreaMae=10&codArea=49&codConteudo=3; Acesso em: 06/11/2012;

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 1: direito de empresa. 12ª edição, rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008;

GABURRI, Fernando. Da Lei nº 8.245/91 e a natureza jurídica dos contratos de cessão de uso de espaços em Shopping Centers. Disponível em: http://jornal.jurid.com.br/materias/noticias/lei-n-824591-natureza-juridica-contratos-cessao-uso-espacos-em-shopping-centers; acesso em: 06/11/2012

MIRANDA, Maria Bernadete Miranda. O Contrato de Shopping Center e a Responsabilidade do Empreendedor e da Administração perante o Consumidor. in: Revista Virtual Direito Brasil – Volume 3 – nº 1 - 2009;

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa: Lei 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2007;

VIDIGAL, Paula Mascarenhas Mourão. Alguns aspectos jurídicos do contrato de locação em shopping center. Dissertação de Mestrado defendida na Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima - MG, 2006; disponível em: http://www.mcampos.br/posgraduacao/Mestrado/dissertacoes/2011/paulamascarenhasmouraoalgunsaspectosjuridicosdocontrato.pdf. acesso em:06/09/2012;



[1] GABURRI, Fernando. Da Lei nº 8.245/91 e a natureza jurídica dos contratos de cessão de uso de espaços em Shopping Centers. Disponível em: http://jornal.jurid.com.br/materias/noticias/lei-n-824591-natureza-juridica-contratos-cessao-uso-espacos-em-shopping-centers; acesso em: 06/11/2012