UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE LUCAS NEUHAUSER MAGALHÃES O RDD (REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO) À LUZ DA CF/88 São Paulo 2010 LUCAS NEUHAUSER MAGALHÃES O RDD (REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO) À LUZ DA CF/88 Trabalho de graduação interdisciplinar submetido à Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Grau de Bacharel em Direto ORIENTADOR: Prof. Pedro Aurélio Pires Maringolo. São Paulo 2010 LUCAS NEUHAUSER MAGALHÃES O RDD (REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO) À LUZ DA CF/88 Trabalho de graduação interdisciplinar submetido à Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Grau de Bacharel em Direto. Aprovado em: BANCA EXAMINADORA ___________________________ Prof. Pedro Aurélio Pires Maringolo Universidade Presbiteriana Mackenzie ___________________________ Prof. (a) Universidade Presbiteriana Mackenzie ___________________________ Prof. (a) Universidade Presbiteriana Mackenzie Dedico este trabalho a meus pais, Paulo e Ruth, fontes infinitas de apoio, carinho, compreensão e amor. AGRADECIMENTOS Agradeço a todos os que me ajudaram na elaboração deste trabalho: Familiares e amigos pelo apoio e paciência. Professor Pedro Aurélio P. Maringolo, Dra. Adriana Ponchirolli e Dra. Franciane de Fátima Marques pelos ensinamentos técnicos em sede de execução penal e direito constitucional. "Quando a vida humana, bem mais precioso entre todos os demais, nada mais vale, é sinal de que o homem deve parar para fazer profunda reflexão, porque chegou ao fundo do abismo e há que repensar o sentido de todas as coisas." Leon Frejda Szklarowsky RESUMO O desenvolvimento do presente tema requer a análise dos limites constitucionais do Regime Disciplinar Diferenciado. O Regime Disciplinar Diferenciado, disciplinado na Lei 10.792/2003 e inserido na Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84) pode ser definido como um conjunto de regras rígidas que orienta o cumprimento da pena privativa de liberdade ou da custódia do preso provisório, podendo assumir duas feições: a do Regime Disciplinar Diferenciado "punitivo" (art. 52 caput e incisos da Lei 7.219/84) e a do Regime Disciplinar Diferenciado "cautelar" (art. 52, § 1º e § 2º da Lei 7.210/84). Ainda que, inegavelmente, estejamos frente a um instrumento que goza de previsão legal, não pode-se impedir a reflexão sobre a constitucionalidade da lei abordada, tal como é aplicada nos dias atuais pela análise de possíveis desrespeitos a garantias constitucionais individuais. Ao iniciar o estudo do tema, é latente e visível o conflito de normas constitucionais de validade equivalente. Entretanto, como ensinam os grandes constitucionalistas brasileiros, para a boa manutenção axiológica constitucional é exigida uma aplicação harmônica e pacífica entre os princípios constitucionais, ao invés de uma suposta sobreposição entre eles. Assim, há de se exigir uma flexibilização dos princípios constitucionais quando a aplicação da norma ao caso concreto o exigir, quando houver contraposição de dois princípios. No caso do Regime Disciplinar Diferenciado, as normas de proteção individuais constitucionais vão de encontro às justificativas do presente sistema de custódia, que se baseiam nos também princípios constitucionais da segurança pública e do bem estar social. No caso do Regime Disciplinar Diferenciado, idéias dissonantes sobre o tema encorajam os estudiosos do direito a avaliar o presente sistema sob diferentes óticas e problemáticas. Ainda, permitida a fuga do tema constitucional e abordando-se a ciência da política criminal, é de fundamental importância a análise do Regime Disciplinar Diferenciado enquanto prática de segurança pública e seus respectivos efeitos, sua possibilidade de potencializar os efeitos da prisão, funcionando como instrumento de violação física e psiquiátrica do cidadão submetido ao RDD. Dessa forma, até mesmo o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária já se manifestou no sentido de que o Regime Disciplinar Diferenciado esbarra nos "direitos e garantias individuais consagrados pela Constituição Federal e por tratados que compõem o Direito Internacional dos Direitos Humanos." A adoção do Estado Democrático e Social de Direito remete a uma reflexão onde o preso deixa de ser mero objeto, despojado de todos os direitos. Por fim, é de ser ressaltado que a incompetência de administração da verba pública e das instituições penitenciárias não pode ensejar em um regime que afronte as garantias individuais conseguidas através de lutas seculares pelo cidadão moderno. Palavras-chave: Constitucionalidade. Processo penal. Regime disciplinar diferenciado. Sistema carcerário. ABSTRACT The development of this theme requires the analysis of the constitutional limits of Differentiated Disciplinary Regime. The disciplinary regime, disciplined in law 10.792/2003 and entered into the Criminal Law of executions (law 7.210/84) can be defined as a set of rigid rules that guides the fulfilment of deprivation of liberty or of interim custody of the prisoner, and may take two internationalization features: Differentiated disciplinary regime "punitive" (art. 52 caput and interpolated propositions of law 7.210/84) and the Differential "precautionary disciplinary regime" (art. 52, §1 and § 2 of the law 7.210/84). Although undoubtedly we are against an instrument which enjoys legal forecast, we cannot prevent reflection on the constitutionality of the law addressed, as it is implemented in the current days, either by legislative method by which was introduced by any possible violation of the individual constitutional guarantees. To start the study theme is latent and visible conflict of constitutional validity equivalent standards. However, how to teach large constitutionalist Brazilians, for the proper application of constitutional axiology is required an application harmonic and peaceful between constitutional principles, instead of overlap between them. Thus, if you require a relaxation of constitutional principles when applying the standard of the case requires, when contrast two principles. In the case of Differentiated disciplinary regime, the individual protection standards meet constitutional justifications of this system of custody, which also rely on constitutional principles of public safety and social welfare. In the differentiated disciplinary regime case, different ideas on the theme encourages students of the right to evaluate this system under various optical and problematic. Still, allowed the escape of constitutional issue and adopting the science of criminal policy, is fundamentally important the analysis of Differentiated disciplinary regime while practice of public safety and their effects, their ability to maximize the effects of imprisonment, working as an instrument of psychiatric and physical violation of citizen submitted to RDD. This way, even the Council National Criminal and Penitentiary policy already expressed in the sense that the Differentiated disciplinary regime comes in "individual rights and guarantees established by the Federal Constitution and the treaties that make up the International human rights Law." The adoption of Democratic and social State of law refers to a reflection where the prisoner is no longer mere object, stripped of all rights. Finally, it should be noted that the incompetence of the administration of public money and penal institutions cannot risk in a scheme that attack opposed to individual guarantees achieved through struggles secular by citizen modern. Keywords: Constitutionality. Criminal proceedings. Differentiated disciplinary regime's Prison system. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 9 2 DESENVOLVIMENTO DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO 10 2.1 HISTÓRICO E PROCEDIMENTO LEGISLATIVO 10 2.2 CARACTERÍSTICAS E REQUISITOS 12 3 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 15 3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ? INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DO PRESO 16 3.2 SEGURANÇA PÚBLICA E ORDEM SOCIAL 21 3.3 LEGALIDADE E RESERVA LEGAL 24 4 JURISPRUDÊNCIA 28 4.1 TRIBUNAIS ESTADUAIS 28 4.2 TRIBUNAIS SUPERIORES 30 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 36 REFERÊNCIAS 40 ANEXOS 42 1 INTRODUÇÃO Esta pesquisa pretende analisar o regime disciplinar diferenciado (RDD), demonstrando o conceito, descrevendo o contexto histórico no qual surgiu e expondo as posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre a constitucionalidade do tema. Para o estudo do presente tema foi utilizada bibliografia vasta e moderna, buscando a visão de doutrina renovada e arejada sobre o tema. Muito embora poucos livros de execução penal já tenham se debruçado sobre o tema ora debatido, vários artigos demonstram a preocupação dos aplicadores do direito com o tema em apreço. Também a posição que vem sendo adotada pelo Tribunal de Justiça paulista e pelos Tribunais Superiores é aqui demonstrada com base em ampla pesquisa jurisprudencial. É de se ressaltar que a importância do tema é fundamentada em sua atualidade. No ano de 2006 o Estado de São Paulo foi atacado sucessivamente pela organização criminosa autodenominada "Primeiro Comando da Capital" (PCC). Tais ataques tiveram por motivação a imposição do Regime Disciplinar Diferenciado ao líder da facção, Marcos Willians Herbas Camacho ? o "Marcola". Além disso, os constantes debates jurídicos entre a necessidade de abrandar ou enrigecer nosso sistema penal-penitenciário tem grande espaço quando trata-se de RDD. Não há dúvida que a idéia do legislador ao elaborar a figura do regime disciplinar diferenciado foi a de separar e isolar líderes de facções criminosas dos demais presos, uma vez que esses líderes tinham por conduta cotidiana comandar ações delituosas dentro e fora dos presídios. Possivelmente este foi o caminho ?mais fácil? encontrado pelo Estado para proteger o sistema penitenciário paulista (e por que não, brasileiro) do caos total que tem vivido a partir da década de 90, período no qual constatou-se a ocorrência de aumento exponencial da população carcerária e a já conhecida ocorrência de investimentos diminutos no setor. Desta forma, no ímpeto de salvaguardar a crise na segurança pública, foi editada a Lei nº 10.792/03, cabendo-nos analisar tal significativa mudança de nossa legislação. 2 DESENVOLVIMENTO DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO 2.1 HISTÓRICO E PROCEDIMENTO LEGISLATIVO As origens mais remotas de um regime mais rigoroso para presos incomuns são apontadas ainda na Antiguidade, embora fossem empregadas denominações diversas. No Brasil, referências ao instituto são apontadas no período imperial de nossa história. Após décadas e décadas de descaso com os investimentos no sistema penitenciário, tem-se que em dezembro de 2000 a Secretaria de Administração Penitenciária Paulista abrigava uma população carcerária de 59.867 presos em 71 unidades com capacidade para 49.059. Em 18 de dezembro desse ano, uma rebelião ocorrida na Casa de Custódia de Taubaté ? unidade de segurança máxima que desde a inauguração abrigava presos de alta periculosidade e líderes de grupos organizados ? terminou com um saldo de nove presos mortos e a destruição total do espaço físico, conhecido pela população carcerária como "Piranhão". Várias providências administrativas foram tomadas. Todos os responsáveis pela rebelião foram transferidos, sendo que a maior parte para o Centro de Detenção Provisória do Belém, na zona leste da capital de São Paulo. Trinta presos foram levados para a hoje extinta Casa de Detenção e Penitenciária do Estado. Nesse período, os problemas de intensificaram na Detenção e na Penitenciária. Os presos passaram a fazer justiça com as próprias mãos e corpos eram constantemente encontrados nos latões de lixo, conforme o Secretário de Administração Penitenciária Nagashi Furukawa . A situação nos presídios era absolutamente insustentável. Em fevereiro de 2001, a Casa de Custódia de Taubaté estava reformada e os presos retornaram para a unidade. No entanto, dez líderes de facções criminosas foram isolados em outras unidades prisionais pela Secretaria de Administração Penitenciária. Em resposta, aos 18 de fevereiro de 2001 ocorreu a maior rebelião já registrada na história do Brasil, envolvendo 29 unidades prisionais de São Paulo, incluindo capital, região metropolitana e interior. Tal revolta foi liderada pela organização criminosa autodenominada "Primeiro Comando da Capital" (PCC), como uma forma de protestar contra a transferência de supostos líderes da organização da Casa de Detenção do Carandiru para o Anexo da Casa de Custódia de Taubaté, considerada espécie de prisão de segurança máxima à época. Em virtude da referida rebelião a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo houve por bem editar a resolução nº 26 em 04 de maio de 2001, que regulamentou a inclusão, permanência e exclusão de presos no RDD, destinado aos líderes e integrantes de facções criminosas ou àqueles cujo comportamento exigiria tratamento específico. Com tal conduta objetivava-se retomar o controle disciplinar no interior dos presídios. O referido regime consistia no isolamento do detento por 180 dias na primeira inclusão, e 360 dias na segunda inclusão, com direito a banho de sol de 1 hora por dia no mínimo e duração de 2 horas semanais para visitas, conforme o art. 5º, incisos II e IV da Resolução 26/01. No segundo semestre de 2002 o presídio de segurança máxima Bangu I foi palco de um grande confronto entre três facções criminosas cariocas rivais que ainda hoje disputam o tráfico de drogas na cidade (Amigos dos Amigos ? ADA, Comando Vermelho ? CV e Terceiro Comando). O fato resultou na morte dos traficantes Ernaldo Pinto de Medeiros ? o "Uê", Wanderley Soares ? o "Orelha", e Carlos Roberto da Silva ? o "Robertinho do Adeus", todos líderes do ADA. Além das mortes, os líderes das referidas facções comandaram diversas ações criminosas na cidade, sendo que foram atingidos nove bairros da capital carioca, com incêndio de veículos do transporte coletivo e comércio fechado de medo. Em função do ocorrido, a Secretaria de Administração Penitenciária Fluminense instituiu o Regime Disciplinar Especial, nos moldes do regulamento paulista. Diante dos acontecimentos, o Presidente da República (Sr. Fernando Henrique Cardoso) enviou o projeto de lei nº 5.073 ao Congresso Nacional. Entre outras mudanças, o projeto de lei previa a alteração do CPP e da LEP para permitir que presos que fossem considerados de alta periculosidade cumprissem pena no regime diferenciado, a ser aplicado pelo conselho disciplinar. É de fundamental importância analisar que a implementação célere do RDD ganhou importância com os homicídios de Antônio José Machado Dias e Alexandre Martins de Castro Filho, ambos juízes de varas de execuções criminais e conhecidos pela rigidez com que conduziam as execuções criminais referente à concessão de benefícios, o primeiro da vara de Presidente Prudente e o segundo do Espírito Santo. Em 1º de dezembro de 2003 a Câmara dos Deputados finalmente transformou o referido projeto de lei na Lei nº 10.792/2003 (Altera a Lei no 7.210, de 11 de junho de 1984 - Lei de Execução Penal e o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal e dá outras providências). 2.2 CARACTERÍSTICAS E REQUISITOS Pode-se definir o Regime Disciplinar Diferenciado como uma sanção disciplinar consistente em recolhimento do preso em cela individual por período não superior a 360 dias. Ressalte-se que este prazo é de natureza penal, seguindo a regra do art. 10 do CP, incluindo-se o cômputo do prazo do dia do começo e excluindo-se o dia final. No período citado o preso tem direito a visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças , com duração de duas horas e igual período para banho de sol. Muitas das condições impostas pelo duro regime disciplinar diferenciado importam em restrições temporárias aos direitos dos presos (art. 41 da LEP), que são todos baseados em princípios constitucionais de proteção à dignidade da pessoa humana. Aqui reside o escopo do presente trabalho, ao analisar se tal restrição, ainda que temporária, é viável em face de outros princípios como a segurança pública. Como exemplo, pode-se citar o Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, onde os presos são locomovidos internamente somente mediante o uso de algemas e a única opção de lazer oferecida são dois livros de leitura e um livro didático por semana, que podem ser requisitados. Como não poderia deixar de ser, somente podem ser submetidos ao regime disciplinar diferenciado os presos que atendam critérios previamente fixados, hipóteses pré-ajustadas que configuram verdadeiros tipos nos quais os presos poderão incidir e aí sujeitarem-se ao tratamento diferenciado. São elas: a) Preso comete falta grave equivalente à prática de crime doloso que ocasione subversão da ordem ou disciplina internas; b) Quando o preso coloca em risco a ordem e a segurança do presídio ou da sociedade; c) No caso de recair sob o preso fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas ,quadrilha ou bando. Nota-se que as hipóteses elencadas são extremamente amplas e permitem uma interpretação ampla, o que é altamente arriscado hermeneuticamente quando trata-se de direito penal/processual penal. "Subversão da ordem interna", "risco da ordem e segurança" e "participação em organizações criminosas" são expressões extremamente vazias, que podem ser encaixadas em diversas situações fático-cotidianas, e certamente este não foi o intuito real do legislador, conhecedor da rigidez e excepcionalidade das quais o regime disciplinar diferenciado são dotados. Como exemplo, pode-se citar que recentemente a doutrina e a jurisprudência vêm se firmando no sentido de que a simples condenação pelo art. 288 do CP não pode configurar a participação em organizações criminosas. Se a condenação pelo crime de formação de quadrilha ou bando prevista no Código Penal não é requisito suficiente, então o que é? Originalmente, o projeto de lei previa a internação do sentenciado por 360 dias, na primeira ocorrência, com repetição do mesmo prazo em caso de reincidência. Em decorrência de uma orientação dada pelo Secretário de Administração Penitenciária de São Paulo ao Ministro da Justiça, o art. 52, I da LEP passou a prever nova punição até o limite de 1/6 da pena, que não raras vezes ultrapassa os 360 dias em razão da gravidade dos crimes cometidos pelos reeducandos que são submetidos ao referido regime. A aplicação do regime disciplinar diferenciado, diferente do que se pode imaginar, não será requerida pelo membro do Ministério Público. Como se trata de medida a assegurar a ordem e disciplina interna dos presídios, o requerimento deverá ser formulado pela direção do presídio na qual o detento se encontra ou por autoridade competente da Secretaria de Administração Penitenciária. Garantido o contraditório, Ministério Público e Defesa deverão se manifestar quanto ao requerimento, cabendo à autoridade judiciária prolatar sua decisão fundamentada no prazo de 15 dias. 3 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS Luiz Flávio Gomes trata da questão da constitucionalidade do RDD sob o aspecto meramente formal. Alude sobre a impossibilidade de criação do regime por Medida Provisória e salienta sua constitucionalidade vez que foi criado por Lei Ordinária. Em relação ao art. 5º da Lei 10.792/03, o autor destaca que o inciso VI seria inconstitucional por vício formal, por tratar de matéria de competência exclusiva da União, não sendo passível de delegação por lei ordinária, mas tão somente por lei complementar. Seguimos o entendimento do respeitado professor no tocante a este assunto, vez que a matéria tratada nesta lei não se refere à legislação penitenciária, com previsão constitucional de competência concorrente (art. 24, I da CF) mas sim a matéria penal mista, ou seja, tem caráter processual penal e penal material, de competência privativa da União, portanto (art. 22, § único da CF). Muito embora nos pareça extremamente interessante o trabalho produzido pelo Professor Luiz Flávio Gomes discorrendo sobre a questão da constitucionalidade analisando apenas seu aspecto formal, almeja-se aqui tratar da verificação da constitucionalidade do regime frente aos princípios constitucionais que dizem respeito ao tema em concreto. Neste tópico almeja-se tratar com maior profundidade alguns dos princípios constitucionais inerentes ao ser humano que considera-se mais relevantes para o presente tema e cuja análise se faz necessária para a correta compreensão do estudo aqui arejado. Os princípios tratados neste capítulo são, mais que princípios, garantias individuais e coletivas, direitos fundamentais protegidos não só pela Carta Cidadã de 1988 como por tratados internacionais como o Pacto de São José da Costa Rica (Tratado Interamericano de Direitos Humanos). Preleciona o emérito professor José Afonso da Silva: Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais, acha-se a indicação de que a todos, por igual devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivado . 3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ? INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DO PRESO A dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil e vem disposta no art. 1º, III da Carta Cidadã. A garantia à integridade física e moral do preso decorre da dignidade da pessoa humana e vem disposta no art. 5º, XLIX e art. 40 da LEP. Ao preso é restrita a liberdade, mas garantida a titularidade de todos os demais direitos não atingidos pela sentença penal condenatória. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos deixa claro em seu art. 10, I e III que a ressocialização do preso é objetivo fundamental do regime penitenciário. Assim, o respeito à dignidade mínima da pessoa humana é requisito essencial para alcançar-se tal objetivo, posto que seria impossível a reforma e a reabilitação moral do prisioneiro sem que o Estado dispense tratamento humano razoável ao reeducando. Se a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, imperioso se faz concluir que o Estado existe em função do homem, e em um confronto de princípios entre este e aquele, deve prevalecer o interesse deste. Pode-se dizer que "a pessoa é, em última instância, o valor maior da democracia, é o que a dimensiona e o que a humaniza", segundo os anais da XV Conferência Nacional da OAB. Este entendimento de que os direitos fundamentais estariam acima até mesmo dos interesses públicos aparentemente contrariaria a máxime do direito administrativo de que o interesse público estaria acima do interesse privado. Entretanto o Pretório Excelso se manifestou no sentido de que este entendimento não se aplica às normas penais e processuais penais: "(...) que se pretende prevaleça no Direito Administrativo ? não obstante mesmo lá sujeita a debate, aqui impertinente ? não tem lugar em matéria penal e processual penal" (STF, Pleno, HC 95009-4-SP). O pensamento acima mencionado é confirmado pela brilhante obra de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery: "Os direitos e garantias fundamentais, dada sua magnitude universal, têm natureza constitucional e prevalecem sobre os interesses público e particular e os interesses do Estado." Brilhante a decisão do Tribunal Constitucional Espanhol que afirmou que "a dignidade da pessoa humana (art. 10.1 da Constituição Federal espanhola) deve manter-se inalterável em qualquer situação que a pessoa se encontre, constituindo um mínimo que deve ser mantido por qualquer instituto jurídico". Tal decisão, anotada por analogia ao sistema jurídico brasileiro, derruba a idéia de que o regime disciplinar diferenciado é apto a relativizar direitos e garantias individuais, ainda que em prol do bem estar social. Feitas essas considerações, é importante estabelecer se o Regime Disciplinar Diferenciado incorre nas vedações argüidas. Diante da inocorrência de uma definição precisa do que venha a ser tratamento desumano ou degradante, a doutrina aconselha que sejam construídos critérios para tal definição a partir do atendimento das Regras Mínimas para Tratamento de Prisioneiros, bem como das normas internacionais de direitos humanos. A Regra Mínima n 32 estabelece que as penas de isolamento jamais deverão ser aplicadas, salvo quando médico tenha examinado o preso e certificado por escrito que ele está apto a suportá-las. Não há na lei qualquer previsão de prévia inspeção médica em caso de inclusão em RDD. Nessa perspectiva, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária emitiu parecer no qual concluiu preliminarmente que a falta de previsão legal que garanta ao preso em RDD constante amparo médico, seja quanto a aspectos clínicos, seja quanto aos de ordem psiquiátrica, configura grave incongruência com as prescrições do Direito Internacional dos Direitos Humanos e, portanto, com a própria vedação constitucional ao emprego de tratamento desumano ou degradante. A referida Regra dispõe ainda que a mesma necessidade se aplica a qualquer punição que possa causar mal à saúde física ou mental de um preso. Discutir-se-á se a inclusão em RDD é passível de afetar a saúde do preso mais à frente. A Doutrina parece convergir no sentido de que o Regime Disciplinar Diferenciado afronta o princípio da dignidade da pessoa humana: O isolamento celular prolongado previsto no RDD, em face dos efeitos destrutivos para a saúde física e mental dos condenados, assume feição de pena cruel, reeditando a velha noção de pena como puro e simples exercício de vingança social. Tem-se, assim, não apenas uma ressignificação da disciplina, mas dos próprios suplícios, em um sistema (ideológico) integrado de maxipunitividade. Nítido, portanto, que tal dispositivo viola os preceitos constitucionais de tutela dos direitos individuais que veda aplicação de penas cruéis (artigo 5º, inciso XLVII, alínea e, CR) e, por outro lado, assegura aos presos o respeito à integridade física e moral O referido regime disciplinar diferenciado, conforme se observa da dicção do artigo 52 e 53 da Lei de Execução Penal, se caracteriza como o próprio nome diz em uma sanção disciplinar diferenciada, podendo ser aplicada também em caráter cautelar e extremamente rígida e que se caracterizam como plena violação do princípio da humanidade da pena, vez que se mostra sanção atentatória à dignidade da pessoa humana, infligindo sofrimento excessivo e inviabilizando a reintegração social do preso. A autora acima citada ressalta argumento importante: que o regime disciplinar diferenciado inviabilizaria a reintegração social do preso. É latente que o referido regime não tem nada de reintegrador. Sua intenção é meramente punitiva e de proteção à sociedade, o que vai de encontro ao art. 1º da LEP e de toda a evolução do modelo punitivo adotado pela República Federativa do Brasil. O caráter estritamente punitivo do RDD fica claro ao visitar um presídio destinado a presos no referido regime, como o "Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes". No citado presídio, os presos são deslocados para os banhos de sol por 3 a 4 agentes penitenciários completamente vestidos de preto, sendo que não se pode identificar nem mesmo suas feições, geralmente acompanhados de um cão-segurança da raça rottweiller. Os detentos não enxergam uns aos outros, pois os banhos de sol são realizados em períodos diferentes, e quando dois detentos são submetidos ao banho de sol no mesmo horário, estes são realizados em locais diferentes. Ou seja, nem mesmo a feição dos agentes penitenciários é vislumbrada pelos detentos. O que o ergastulado vê, isso sim, são paredes ao seu redor de 22 a 23 horas por dia, e agentes de segurança penitenciária cobertos dos pés até os cabelos em seus ínfimos horários de banho de sol. Resta claro que o que ocorre aqui é a intenção do Estado em demonstrar toda a sua suposta autoridade, sua força e capacidade em manter os líderes criminosos isolados e finalmente temerosos ao peso da lei. Busca-se a completa despersonalização do agente criminoso. Finalmente, é de se constatar que as penas cruéis são expressamente proibidas no ordenamento constitucional em seu art. 5º, XLVII, ?e?, restrição esta imediatamente decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana. Obviamente, visa-se com isso impedir que a sociedade moderna retroceda às penas aplicadas, por exemplo, na Idade Média, onde a noção de humanidade era absolutamente desconhecida, com o Estado infligindo penas absolutamente insuportáveis aos seus custodiados. Se o RDD não pode ser considerado pena cruel, então constata-se que tal dispositivo constitucional é absolutamente inócuo, pois, para os padrões atuais de direitos humanos, referido regime é completamente inaceitável. Como cita o eminente penalista: Logo, o emprego de penas cruéis, desumanas ou degradantes, ou, pior, o emprego de tortura, viola a um só tempo, o direito individual do preso e o direito difuso de toda a sociedade de ver a atividade estatal empregada em algo que contribua para o bem comum. O total isolamento pro período prolongado não pode ser considerado apto a ser aplicado em uma nação civilizada. Foi o que concluiu o Comitê Europeu para a Prevenção da Tortura em caso análogo, onde reconheceu que "prisioneiros de segurança máxima presos na Espanha por períodos de um ano ou mais em regime de isolamento em condições austeras de detenção, com pouco ou nada com o que se ocupar, estiveram sujeitos a tratamento desumano." Por fim, tem-se o parecer de especialista em psicologia forense que afirma que o confinamento isolado enfraquece a organização mental gradativamente do preso, até romper em um quadro psicótico. De acordo com a especialista, esse quadro ocorre porque "o homem é um animal social, não adianta querer mudar isso. Sempre vivemos em companhia de alguém. É muito penosa a condição de não poder conversar com ninguém, de não poder expor e ouvir uma idéia, não escutar nenhum barulho ". Ou seja, como o próprio Luiz Fernando da Costa, o "Fernandinho Beira-Mar", um dos grandes vetores para a implementação do RDD no Brasil declarou em entrevista concedida ao programa Domingo Espetacular da TV Record em dezembro de 2008, "esta é uma fábrica de fazer louco e monstro". Por outro lado, se considerarmos que a dignidade da pessoa humana do preso é ferida em caso de inclusão no regime disciplinar diferenciado, também deve-se levar em conta que por vezes a dignidade da pessoa humana dos cidadãos comuns é destruída por criminosos que se enquadram em situação de inclusão no RDD. Este argumento será tratado a seguir, no sub-capítulo referente ao princípio da segurança pública e ordem social. 3.2 SEGURANÇA PÚBLICA E ORDEM SOCIAL Por tratarem de conceitos bastante amplos, inicialmente cabem algumas considerações quanto ao que seriam, exatamente a segurança pública e a ordem social, que são claramente os objetos tutelados pela implementação do regime disciplinar diferenciado. Busca-se, para tanto, o auxílio do emérito constitucionalista em sua festejada obra, que nos abrilhanta com sua clareza: Segurança pública? é a manutenção da ordem pública interna. Mas aí se põe uma petição de princípio, já que a ordem pública requer definição, até porque, como dissemos de outra feita, a caracterização de seu significado é de suma importância, porquanto se trata de algo destinado a limitar situações subjetivas de vantagem, outorgadas pela Constituição. Em nome dela se têm praticado as maiores arbitrariedades. Com a justificativa de garantir a ordem pública, na verdade, muitas vezes, o que se faz é desrespeitar direitos fundamentais da pessoa humana, quando ela apenas autoriza o exercício regular do poder de polícia. Ordem pública será uma situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de sublevação que tenha produzido ou que supostamente possa produzir, a curto prazo, a prática de crimes. (grifamos) Pois bem. Não há dúvida que a participação em organizações criminosas é uma ameaça latente para a pacífica convivência social. E aí determinados autores justificam a aplicação do regime disciplinar diferenciado, ainda que em detrimento da dignidade do preso enquanto ser humano. No entanto, é de se pensar se outros fatos ensejadores de RDD seriam de fato afrontas à ordem social garantida constitucionalmente. Por exemplo, um companheiro de cela que agride outro dentro da penitenciária, comete crime doloso. No entanto, não nos parece que tal fato subverteria a ordem interna do presídio a ponto de abalar a ordem social ora tutelada. Enquanto parte da doutrina ataca a constitucionalidade do regime disciplinar diferenciado baseando-se na suposta violação aos princípios da dignidade da pessoa humana, como foi demonstrado no capítulo anterior, e da legalidade, como se demonstrará no capítulo seguinte, outra parte defende a constitucionalidade e proporcionalidade do referido regime, com supedâneo basicamente no princípio da segurança pública e da ordem social. E como se pode notar, a expressividade desta fatia doutrinária é tão grande quanto daquela. Dentre os renomados juristas que defendem a constitucionalidade do RDD pode-se citar, por exemplo, Guilherme de Souza Nucci, que afirma que referido regime, a contrário senso do que foi exposto no capítulo anterior, não constitui uma prática cruel, uma vez que não se deve combater criminosos de alta periculosidade com as mesmas ferramentas destinadas ao combate do delinqüente comum. Nucci afirma que o regime disciplinar diferenciado constitui um mal necessário, estando longe, no entanto, de representar uma pena cruel. In verbis: Severa, sim. desumana, não. Aliás, proclamar a inconstitucionalidade desse regime, mas fechando os olhos aos imundo cárceres aos quais estão lançados muitos presos no Brasil é, com a devida vênia, uma imensa contradição. É sem dúvida, pior ser inserido em uma cela coletiva, repleta de condenados perigosos, com penas elevadas, muitos deles misturados aos presos provisórios, sem qualquer regramento e completamente insalubre, do que ser colocado em cela individual, longe da violência de qualquer espécie, com mais higiene e asseio, além de não se submeter a nenhum assédio de outros criminosos. (...) Obviamente, poder-se-ia argumentar, que um erro não justifica outro, mas é fundamental lembrar que o erro essencial provém, primordialmente, do descaso de décadas com o sistema penitenciário, gerando e possibilitando o crescimento do crime organizado dentro dos presídios. Ora, essa situação necessita de controle imediato, sem falsa utopia. Ademais, não há direito absoluto, como vimos defendendo em todos os nosso estudos, razão pela qual a harmonia entre direitos e garantias é fundamental. Se o preso deveria estar inserido em um regime fechado ajustado à lei ? e não o possui no plano real -, a sociedade também tem direito à segurança pública . Sabe-se que o crime organizado não atua somente fora, mas também dentro dos presídios, onde os líderes das facções criminosas, mesmo estando presos, continuam administrando seus ilícitos negócios. Seguindo-se este entendimento, admitir-se-á que a aplicação do regime disciplinar diferenciado constitui uma necessidade, ainda que individualmente malévola ao preso, a assegurar a ordem social. Afirma a doutrina defensora da constitucionalidade do RDD que ainda que se admita que o mesmo não é o remédio para todos os males do sistema carcerário brasileiro, trata-se de providência enérgica diante de certas circunstância. Afirmam que o RDD não é subproduto do denominado "Direito Penal do Inimigo" de Jakobs, ou retrocesso constitucional, uma vez que retrocesso, este sim, seria admitir que o Poder Público se curvasse ou quedasse inerte diante de veementes acintes e constrangedoras ameaças de desequilíbrio. Nesta esteira defende a constitucionalidade o Ilustre Promotor de Justiça do Ministério Público carioca, Marcelo Lessa Bastos: Não se consegue compreender as críticas doutrinárias que são endereçadas ao isolamento absoluto de presos líderes de organizações criminosas, após se terem informações seguras de que continuam a comandar seus negócios. O isolamento é imperativo e é a única medida efetiva que se dispõe para neutralizar a ação dessas pessoas. Isto visa a enfraquecer a liderança da organização, contribuindo para dispersar o seu comando. Não há que se opor ao isolamento argumentos no sentido da função educadora da pena, porque tais pessoas, ainda que não possam perder este status de pessoas, ao contrário do que crê Jakobs, demonstram cabalmente que não estão querendo se ressocializar. Resta, pois, como forma legítima de proteção dos cidadãos, que igualmente têm o direito constitucional à segurança pública, isolar essas pessoas, pelo tempo necessário para neutralizar sua influência na organização a que pertença, nem que isto leve todo o tempo restante de sua pena. Sinceramente, as críticas endereçadas ao RDD não são racionais, são emotivas, e não resistem à análise cotidiana da escalada da criminalidade organizada, liderada de dentro das prisões. Só falta vir alguém sustentando que, como o condenado perdeu somente o direto de liberdade, há de conservar o direito subjetivo de trabalhar e, como o trabalho dele era na organização criminosa, é direito seu continuar a comandar seus negócios, o que seria um agudo e freudiano caso de desequilíbrio intelectual . Em relação ao conflito de princípios, os doutrinadores defensores da constitucionalidade do RDD afirmam que o que ocorre é um conflito aparente entre o respeito à dignidade do preso e a inviolabilidade do direito à vida e à segurança que o Estado deve garantir a todos. O conflito seria aparente, pois utilizando-se do método da ponderação de valores constitucionalmente protegidos, verifica-se ausência de colisão. No caso concreto, a inviolabilidade do direito à vida e à segurança deveria prevalecer sobre a dignidade do preso. 3.3 LEGALIDADE E RESERVA LEGAL A nova redação do art. 52 da LEP, acrescida pela Lei nº 10.792 determina que a prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e sujeita o preso, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas. Pois bem. Observa-se que a maioria dos crimes previstos no Código Penal são dolosos, sendo raras as exceções. Assim, praticamente todos os crimes ali previstos estão abarcados por esta lei. Ora, tal disposição contraria evidentemente o princípio da legalidade, já que já há um procedimento criminal previsto no Código Processual Penal que engloba tais delitos. Punir um sujeito que já foi condenado por tal fato constitui bis in idem, isto é, dupla punição pelo mesmo fato, o que é absolutamente rechaçado pela legislação pátria. Se o RDD deve ser aplicado em casos em que a ação do recluso leve a uma rebelião interna, o legislador penal deveria ter sido mais cauteloso ao definir como falta grave todo e qualquer fato tido como crime doloso. Deve haver uma razoabilidade, uma proporcionalidade entre o delito cometido e a sanção empregada. Como exemplo, cita-se o caso de um detento que venha a furtar um sabonete de outro preso, fato previsto como crime doloso no art. 155 do Código Penal, que gere transtorno entre os presos e cause confusão na ala prisional. Certamente se dependermos do critério da autoridade administrativa da unidade prisional, que na maioria das vezes é leiga, haverá observância estrita do texto da lei, requerendo essa autoridade a inclusão do detento em RDD. Mas ocasionalmente se o fato for levado a juiz togado, ciente da precária situação carcerária nacional, do senso de justiça e de princípios que devem reger o direito penal como o da bagatela, referido detento seria absolvido. Seria justo impor ao detento regime de cumprimento de pena mais severo por este fato ? Além disso, os critérios estabelecidos pelo legislador para eleger os encarcerados que devem ser submetidos ao RDD ferem por completo os princípios da legalidade, da presunção de inocência e da individualização da pena. A partir da lição de que o princípio da legalidade, é "um apoio constitucional aos Direitos Humanos e fixa o conteúdo de incriminar regras, não permitindo um tom genérico da ofensa, sem precisão preliminar da conduta castigável" e das noções de anterioridade penal, constata-se que a lei que instituiu o RDD é inconstitucional já que sujeita ao regime disciplinar diferenciado "o preso provisório ou condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando". Como bem ressaltado por Elisa Maria Pinto de Sousa: Ora, se a lei tem que ser precisa, como impor a alguém regime disciplinar mais rígido com base em fundadas suspeitas ? E o que seriam essas fundadas suspeitas ? A norma penal não pode ser ampla e imprecisa, pois, dessa maneira, gera insegurança jurídica e dá margem a injustiças e perseguições de todos os tipos. Com base em que se provariam essas ?fundadas suspeitas? ? Ademais, ?fundadas suspeitas de envolvimento e participação a qualquer título ? Incluiríamos aqui, a moça que serve o cafezinho, o motorista, eis que não há importância quanto à participação ou o envolvimento destes na organização criminosa (...). Isso é justo ? Ainda, a lei fala em "organizações criminosas", outro termo extremamente vago e gerador de insegurança jurídica em face da declaração de inconstitucionalidade da Lei 9.034. Não obstante, não se vislumbra como seria possível apor um regime disciplinar diferenciado a quem sequer sofre condenação criminal pelo ato supostamente praticado. No entanto a lei autoriza tal atrocidade, atropelando o princípio constitucional da não culpabilidade. Se o texto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da ONU disciplina em seu art. IX que "todo homem acusado em um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa", como conciliar tal dispositivo com o chamado "RDD preventivo"? Se nenhum homem pode ser considerado culpado até que se prove o contrário por meio de procedimento formal, é notável que o "RDD preventivo" constitui insulto à Carta Magna de 1988 e a outros tratados internacionais ratificados pelo Brasil. No "RDD preventivo", o interno pode ser isolado pelo prazo máximo de dez dias por determinação do diretor do estabelecimento até que o juiz da execução criminal ratifique ou não a imposição da medida, com a manifestação da defesa. Ou seja, caso a inocência do preso venha a ser posteriormente comprovada, o mesmo seria castigado por algo que não fez, constituindo pena injustificada. Outra violação evidente aos princípios da legalidade e da presunção de inocência é a possibilidade de empregar-se o RDD a presos provisórios que sequer foram condenados criminalmente, ou sendo, não o foram com decisão transitada em julgado. Não faz o menor sentido incluir em regime mais severo quem ainda não sofreu condenação criminal definitiva. Antes do advento da Lei 10.792, a LEP se referia, no capítulo que previa as sanções disciplinares, somente ao "condenado", sendo que os presos provisórios não se encaixavam em tal hipótese. Parte da doutrina, no entanto, entende perfeitamente cabível a aplicação do RDD cautelar: Outrossim, mesmo que, por absurdo, não se enxergasse a tipicidade cautelar do RDD, o exercício do poder geral de cautela (art. 3º do CPP c/c art. 798 do CPC) ainda assim autorizaria a aplicação do RDD, enquanto medida cautelar atípica, sobretudo perante sinais robustos de que, após a decretação de prisão provisória, alguns custodiados demonstrem que apenas mudaram de endereço, continuando a conduzir, do interior do cárcere, seus negócios ilícitos. Dentre outras práticas irregulares, podemos citar, a título de exemplo, inúmeros fatos públicos e notórios decorridos em estabelecimentos penitenciários do Estado do Rio de janeiro, tais como ameaças telefônicas perpetradas por presos, contratação de prostitutas, promoção de festas, churrascos e outras barbaridades levadas a efeito em pleno seio prisional. Ou seja, constata-se inúmeras imprecisões no texto legal que trata do RDD, quando não verdadeiras violações ao princípio da legalidade. Tais imprecisões podem causar resultados desastrosos em se tratando de um texto legal que versa sobre uma medida tão drástica e arriscada para o reeducando como a internação no referido regime. 4 JURISPRUDÊNCIA Ainda que respeitosa e minoritária parte da doutrina defenda a constitucionalidade do RDD, foram expostas que a majoritária fatia patrocina a inconstitucionalidade do referido regime sob as mais diversas alegações. Se por um lado a doutrina predominante entende que o RDD é inconstitucional, a jurisprudência brasileira vem se firmando no sentido de que tal instituto atende aos preceitos constitucionais e, na balança entre garantias fundamentais, mitigam-se direitos individuais em favor da imposição de direitos de proteção coletiva. 4.1 TRIBUNAIS ESTADUAIS O Tribunal de Justiça de São Paulo em 1ª e 2ª instância, bem como dos demais Estados da Federação, vem coadunando seu entendimento conforme o posicionamento adotado pelos Tribunais Superiores, admitindo a constitucionalidade do RDD. Veja-se o trecho de decisão que incluiu sentenciado em regime disciplinar diferenciado, em processo onde teve-se a oportunidade de apresentar a defesa e expor os pontos pelos quais a inconstitucionalidade do referido regime, a nosso ver, teria de ser admitida: Primeiramente, cumpre consignar que a internação do reeducando no regime disciplinar diferenciado não é inconstitucional, pois impõe ao preso algumas restrições necessárias para garanti a ordem e a disciplina do estabelecimento penal. Assim, o preso que pratica crime doloso que ocasiona a subversão da ordem e disciplina da unidade (art. 52, caput, da Lei nº 7.120/84), bem como aquele que apresenta alto risco para a ordem e a segurança da unidade prisional ou da sociedade (§1º), ou aquele com fundada suspeita de envolvimento em organizações criminosas, quadrilha ou bando (§2º), pode ser submetido a um Regime Disciplinar Diferenciado e mais rigoroso. Com efeito, as restrições do regime especial, estabelecidas nos incisos I a V do artigo 52 da LEP, são proporcionais ao objetivo que se pretende atingir, lembrando0se que os direitos e garantias fundamentais não são absolutos, podendo ser mitigados quando outros direitos fundamentais, como a proteção e garantia da ordem pública, estão em jogo. Se em 1ª instância a jurisprudência suprime direitos fundamentais que diz não serem absolutos, para a proteção de direitos coletivos, na 2ª instância a magistratura paulista segue pelo mesmo rumo: Essa rigidez ou maior severidade passa longe de medida cruel, degradante ou desumana. Constitui, na verdade, providência que se justifica para impedir novos ataques à ordem e à disciplinar internas, tutelando, inclusive, a integridade física dos agentes penitenciários. Consoante bem anotou o ilustre Promotor de Justiça oficiante, o regime disciplinar diferenciado obedece a todos os requisitos legais, inclusive aos de gênero internacional, não havendo que se falar em violação ao direito fundamental de cumprimento de pena com dignidade. Todos os direitos constitucionais são assegurados aos presos que estão em RDD, a única diferença com os demais é a ausência de contato com os demais detentos, sem óbice algum ao recebimento de visita, banho de sol, recebimento de correspondência, entre outros direitos. E não só em São Paulo a magistratura estadual é pela constitucionalidade do RDD. No Rio de Janeiro o Tribunal de Justiça também crê na legalidade respeito do RDD quanto à Carta Magna. Senão, veja-se: É que, a alteração imprimida pela aludida Lei nº 10.792/03, que criou o RDD, buscou fornecer efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos penais, resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo presos, ainda continuam no comando do crime organizado, liderando rebeliões culminadas, não raro, com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos, bem como proteger a sociedade de ataques feitos pelos detidos, mas que produzem resultados extramuros.(...) Ora, o RDD não retira os direitos do preso, limitando-se a restringi-los por certo lapso temporal, sendo certo que tais restrições, consistentes no recolhimento à cela individual, limitação do número de visitas e do número de horas de banho de sol, não são evidentemente caracterizadoras de tratamento desumano ou degradante, restringindo, tão-só, a liberdade de locomoção do preso no interior do presídio, com a finalidade de punição pelas faltas graves por ele praticadas (art. 52, caput), ou de acautelamento da administração penitenciária contra a sua potencial periculosidade (art. 52, §§ 1º e 2º, da LEP). Na pesquisa realizada, constata-se que os tribunais estaduais opinam pela permissão do tratamento penitenciário desigual a presos desiguais, seja pela prática de faltas disciplinares graves, seja por seu envolvimento com o crime organizado ou pelo alto risco que representam para a ordem e a segurança da sociedade. Assim, o RDD não atingiria qualquer princípio ou norma constitucional, não acarretando a sua imposição, cumprimento de pena cruel, degradante ou desumana. 4.2 TRIBUNAIS SUPERIORES Se na alçada estadual a jurisprudência é pacífica no sentido de guerrear pela constitucionalidade do RDD, nos tribunais superiores trilha-se o mesmo caminho. Possivelmente tem-se a presente situação porque as próprias instâncias inferiores espelham-se no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, já que estes expedem decisões extremamente influenciáveis sobre os magistrados de todo o país, quando não vinculantes. O guardião das leis federais infraconstitucionais, o Superior Tribunal de Justiça, já rebateu teses de inconstitucionalidade do RDD em sede de julgamento de Habeas Corpus: Com efeito, o regime disciplinar diferenciado não fere qualquer princípio ou norma constitucional, não acarretando a sua imposição cumprimento de pena de forma cruel degradante ou desumana. Outrossim, não contraria regras internacionais sobre a dignidade humana, nem mesmo mencionadas na contrariedade apresentada. Por outro lado, e contrariamente ao sustentado, prestigia o princípio da individualização do cumprimento da pena, uma vez que permite tratamento penitenciário desigual a presos desiguais, seja pela prática de faltas disciplinares graves, seja por seu envolvimento com o crime organizado, seja, por fim, pelo alto risco que representam para a ordem e a segurança da sociedade e dos presídios comuns. Anote-se que o regime diferenciado não suprime direitos do preso, limitando-se a restringi-lo ao que se verifica da leitura ao art. 52; I, II, III e IV, da Lei nº 7.210/84 e art. 5, II a V, da Lei nº 10.792/2003. Tais restrições (recolhimento a cela individual, limitação do número de visitas e do números de horas de banho de sol), ao que se verifica, não são, evidentemente, caracterizadoras de tratamento desumano ou degradante, restringindo somente a liberdade de locomoção do preso no interior do presídio, com a finalidade de punição pelas faltas graves por ele praticadas (art. 52, caput), ou de acautelamento da administração penitenciária contra a sua potencial periculosidade (art. 52, § 1º e 2º da LEP). Na decisão acima, nota-se que o Tribunal Superior, além de afastar a contrariedade do RDD em relação a regras internacionais e nacionais de dignidade da pessoa humana, ainda ressalta o prestígio do citado regime em relação ao princípio da individualização da pena, já que coloca o preso supostamente mais perigoso em regime mais rígido. Infelizmente, a contrário senso, o que nota-se na prática da execução penal é que os presos menos perigosos, primários e que tenham cometido crimes de potencial ofensivo relativamente inferiores a outros criminosos comuns, são colocados no convívio normal, ao invés de serem segregados objetivando à sua célere ressocialização. E o Colendo Superior Tribunal de Justiça acrescenta: Assim, não há falar em violação ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF), à proibição da submissão à tortura, a tratamento desumano e degradante (art. 5ª, III, da CF) e ao princípio da humanidade das penas (art. 5º, XLVII, da CF), na medida em que é certo a inclusão no RDD agrava o cerceamento à liberdade de locomoção, já restrita pelas próprias circunstâncias em que se encontra o custodiado, contudo não representa, per si, a submissão do encarcerado e padecimentos físicos e psíquicos, impostos de modo vexatório, o que somente restaria caracterizado nas hipóteses em que houvesse, por exemplo, o isolamento em celas insalubres, escuras ou sem ventilação. Ademais, o sistema penitenciário, em nome da ordem e da disciplina, bem como da regular execução das penas, há que se valer de medidas disciplinadoras, e o regime em questão atende ao primado da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a severidade da sanção. Outrossim, a inclusão no RDD não traz qualquer mácula à coisa julgada ou ao princípio da segurança jurídica, como quer fazer crer o impetrante, uma vez que, transitada em julgado a sentença condenatória, surge entre o condenado e o Estado, na execução da pena, uma nova relação jurídica e, consoante consignado, o regime instituído pela Lei nº 10.792/2003 visa propiciar a manutenção da ordem interna dos presídios, não representando, portanto, uma quarta modalidade de regime de cumprimento de pena, em acréscimo àqueles previstos pelo Código Penal (art. 33, CP). Pelo mesmo fundamento, a possibilidade de inclusão do preso provisório no EDD não representa qualquer ofensa ao princípio da presunção de inocência, tendo em vista que, nos termos do que estabelece o parágrafo único do art. 44 da Lei de Execução Penal, estão sujeitos à disciplina o condenado à pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos e o preso provisório. (...) Afasta-se, também, a alegada afronta ao princípio da legalidade estrita, ao argumento de que o art. 52 da LEP legitima o arbítrio e admite duas penas para o mesmo fato, haja vista que, consoante o judicioso ensinamento de Julio Fabbrini Mirabete, ?é expressa a lei no sentido de que, havendo a prática de crime, devem ser instaurados os dois processos (penal e administrativo) de que resultarão as sanções de duas espécies. Não se trata, evidentemente, de violar o princípio non bis in idem, pois, de acordo com a melhor doutrina, constituem-se em infrações a ordenamentos jurídicos diversos (de direito penal e de execução penal), como aliás ocorre também com a aplicação de sanções penais e civis quando da prática de crime de que resulta prejuízo. O condenado, aliás, em decorrência do mesmo princípio, pode também ser sujeitado à sanção civil pelos eventuais danos causados em decorrência da falta disciplinar? (in Execução Penal, 11ª edição, Editora Atlas S.A., 2004, p. 149). Vale lembrar, ainda, que a lei, justamenet buscando coibir o arbítrio na aplicação das sanções, determinou que o RDD somente pode ser aplicado por decisão fundamentada do juiz competente, precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa, em virtude de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa (art. 54 da LEP), atendendo, assim, ao princípio da jurisdicionalização da execução da pena. Por fim, considerando-se que os princípios fundamentais consgrados na Carta Magna não são ilimitados (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas), vislumbra-se que o legislador, ao instituir o ora combatido Regime Disciplinar Diferenciado, atendeu ao princípio da proporcionalidade. Alexandre de Moraes, em sua obra Constituição do Brasil Interpretada, consigna que ?a simpes existência de lei não se afigura suficiente para legistimar a intervenção no âmbito dos direitos e liberdades individuais. É mister, ainda, que as restrições sejam proporcionais, isto é, que sejam adequadas e justificadas pelo interesse público e atendam ao critério da razoabilidade. Em outros termos, tendo em vista a observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, cabe analisar não só a legitimidade dos objetivos perseguidos pelo legislador, mas também a necessidade de sua utilização, isto é a ponderação entre a restrição a ser imposta aos cidadãos e os objetivos pretendidos? (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 4ª edição, Editora Atlas S.A., 2004, p. 170). Dessa forma, tenho como a legítima a atuação estatal ao instituir o Regime Disciplinar Diferenciado, tendo em vista que a Lei nº 10.792/2003 busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos penais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados, continuam comandando ou integrando facções criminosas as quais atuam tanto no interior do sistema prisional - liderando rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos ? quanto fora, ou seja, em meio à sociedade civil. Mais uma vez utilizando os percucientes ensinamentos do já citado Alexandre de Moraes (obra mencionada, p. 169), vale registrar que os direitos fundamentais não podem ser utilizados como um verdadeiros escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.? Pelos fundamentos expostos, não vislumbro a arguida inconstitucionalidade do art. 52 da Lei de Execução Penal, com redação determinada pela Lei nº 10.792/2003. Entende o ilustre relator que frente a necessidade de preservar a segurança nos estabelecimentos prisionais e resguardar a ordem pública, tendo em vista o elevado grau de insegurança social gerado pelas facções criminosas, sobrepesando o princípio da proporcionalidade com o interesse público, aquele deve sucumbir em face deste. Também no tocante ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao princípio da humanidade a decisão emanada pugna por afastar a alegação de violação dos princípios tratados. Para a referida decisão, só haveria de falar-se em tal violação se o isolamento fosse imposto em celas insalubres, escuras ou sem ventilação. No brilhante voto do Excelentíssimo Senhor Doutor Ministro Relator Arnaldo Esteves Lima do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a decisão demonstrou fundamentadamente como o RDD não violaria o princípio da dignidade da pessoa humana, da proibição da submissão à tortura e da humanidade das penas. Além disso, expôs como a inclusão do RDD não ofende a coisa julgada ou a segurança jurídica. Ato contínuo, indicou que a possibilidade de incluir-se o preso provisório no RDD não representaria qualquer ofensa aos princípio da presunção de inocência. Também a afronta ao princípio da legalidade estrita foi afastada no voto, sob justificativa de atendimento aos primado da proporcionalidade e da razoabilidade. Em uma só tacada o acórdão defendeu ferozmente a constitucionalidade do RDD, afastando todas as possíveis inconstitucionalidades vislumbradas sob uma análise mais atenta da lei. Entretanto, a República Federativa do Brasil tem um verdadeiro guardião da Constituição Federal, criado com esta intenção, o Supremo Tribunal Federal. Nas palavras do mestre constitucionalista: O Brasil seguiu o sistema norte-americano, evoluindo para um sistema misto e peculiar que combina o critério de controle difuso por via de defesa com o critério de controle concentrado por via de ação direta de inconstitucionalidade, incorporando também agora timidamente a ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 102, I, a e III, e 103). A outra novidade está em ter reduzido a competência do Supremo Tribunal Federal à matéria constitucional. Isso não o converte em Corte Constitucional. Primeiro porque não é o único órgão jurisdicional competente para o exercício da jurisdição constitucional, já que o sistema perdura fundado no critério difuso, que autoriza qualquer tribunal e juiz a conhecer da prejudicial de inconstitucionalidade, por via de exceção. Segundo, porque a forma de recrutamento de seus membros denuncia que continuará a ser um Tribunal que examinará a questão constitucional com critério puramente técnico-jurídico, mormente porque, como Tribunal, que ainda será, do recurso extraordinário, o modo de levar a seu conhecimento e julgamento as questões constitucionais nos casos concretos, sua preocupação, como é regra no sistema difuso, será dar primazia à solução do caso e, se possível, sem declarar inconstitucionalidades. É certo que o art. 102 diz que a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição. Mas não será fácil conciliar uma função típica de guarda dos valores constitucionais (pois, guardar a forma ou apenas tecnicamente é falsear a realidade constitucional) com sua função de julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância (base do critério de controle difuso), quando decorrer uma das questões constitucionais enumeradas nas alíneas do inc. III do art. 102, que o mantém como Tribunal de julgamento do caso concreto que sempre conduz à preferência pela decisão da lide, e não pelos valores da Constituição, como nossa história comprova. Não será, note-se bem, por culpa do Colendo Tribunal, se não vier a realizar-se plenamente como guardião da Constituição, mas do sistema que esta própria manteve, praticamente sem alteração, salvo a inconstitucionalidade por omissão e a ampliação da legitimação para a ação direta de inconstitucionalidade. Reduzir a competência do STF à matéria constitucional não constitui mudança alguma no sistema de controle de constitucionalidade no Brasil. Pelos ensinamentos constitucionais, tem-se que as duas formas de controle de constitucionalidade exercidas pelo Pretório Excelso são a difusa e a concentrada. No controle difuso de constitucionalidade, tem-se as ações esparsas, onde o Supremo Tribunal Federal declara em cada ação se determinado ponto é compatível ou não com a Carta Cidadã, sendo os efeitos reconhecidos somente para aquele caso. Já no controle concentrado de constitucionalidade, como na ADIN ? ação direta de inconstitucionalidade, a decisão tem efeito erga omnes, valendo para todos. Em sede de controle concentrado, o Supremo Tribunal Federal ainda não se pronunciou pela (in)constitucionalidade do RDD. Em 17 de outubro de 2008, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN nº 4.162), aduzindo afronta ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. A petição aduz, ainda, que o RDD impõe tratamento desumano e degradante e que viola a necessidade de cumprimento da pena em estabelecimentos distintos de acordo com a natureza do delito, idade e sexo do apenado. Na ação, foram colhidas informações da Presidência da República, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Desde março de 2010 os autos encontravam-se com o Procurador-Geral da República para manifestação . 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Chamar o presente capítulo de conclusão seria, no mínimo, pretensioso da nossa parte. Como se pôde ver, o tema arejado desperta discussão nos mais variados, porém interligados campos do direito, passando pelos estudos constitucionais, abrangendo execução penal e direito penal material. Pesquisas doutrinárias, embora ainda relativamente escassas no tema, vêm ganhando importância no cenário nacional. Outras áreas das ciências caberiam também ser citadas, como a sociologia, antropologia e psicologia forense, eis que trata-se aqui de valores que vão além do campo jurídico, como o valor da liberdade e de viver dignamente. Muito embora inclinadas cada uma para um lado, doutrina e jurisprudência ainda não são pacíficas. Todos esses fatos culminam nas nossas considerações finais, e não conclusões, na convicção de que estas caberão ao Pretório Excelso, verdadeiro defensor da Constituição Federal. Entretanto pretende-se tecer alguns comentários, na certeza de que estes permitirão uma reflexão mais profunda sobre o tema e encorajarão outros estudiosos a seguirem pesquisando sobre o tema. Permitida a fuga sobre a constitucionalidade do regime, tem-se que o RDD é um manto utilizado pela Administração Pública para encobrir sua incapacidade em gerir com competência o sistema prisional. Trata-se de um fruto de sucessivos governos corruptos e/ou pouco interessados em resolver questões de real interesse social como a política carcerária. Talvez seja menos custoso investir em instituições arbitrárias do que enfrentar o problema da formação de facções criminosas em estabelecimentos prisionais que, em verdade, estão muito longe de se adequarem aos padrões de segurança necessários ao bem estar da população carcerária e da sociedade civil. Constata-se que o RDD surge num contexto de abandono do preso pelo Poder Público, que pensou que jogando o preso em estabelecimento prisional estaria resolvido o problema de segurança frente àquele que cometeu o delito. Ledo engano estatal, pois na sua ausência, não faltaram interessados para tomar para si a responsabilidade pro essa parcela da população marginalizada. Não tardou e as organizações criminosas se sentiram à vontade para sediar as indústrias do crime dentro do próprio sistema penitenciário, local de vasta mão-de-obra. Sentindo-se livres para agir, os líderes das organizações criminosas sentiram-se livres para agir, comandando ataques à população carcerária e sociedade civil, no intuito de impor suas condições. Em um universo completamente desconhecido, talvez ignorado, a população incomodada cobra a solução, e o Estado, fingindo resolver, edita a lei que instituiu o RDD. Os três poderes da República, no momento em que mais deveriam mostrar-se fortes e unidos, não distantes e isolados, encontram-se na seguinte situação, comprovada pela aplicação do RDD: O Poder Legislativo, teoricamente formado pela vontade popular e com representatividade supostamente heterogênea, tentando atender reclames sociais e pressão constante da mídia, publica a lei. Com a publicação, o Judiciário fica isolado na missão de interpretar as normas segundo as regras hermenêuticas sem afrontar a Constituição Federal, como bode expiatório das mazelas que por ele não foram criadas. Se decide pela inconstitucionalidade da mesma, recebe da imprensa as críticas severas e leigas de estar protegendo bandidos perigosos. Se decide pela constitucionalidade de normas inconstitucionais, atende a imprensa e ao povo, acalma a fúria social mas quebra seu juramento de justiça e essência do Poder Judiciário. Perde autonomia, se enfraquece e cria a falsa impressão que o problema da segurança pública foi por si só resolvido. Enquanto isso, o Poder Executivo Federal promete na Lei 10.792/2003 a criação de presídios federais de segurança máxima, após quase 20 anos de promessa na Lei 7.210/84 sem nenhuma efetividade na execução penal. Ou seja, mais outra vez o Direito esbarra na Política, onde os comandantes dos poderes são influenciados por diversas fontes externas que visam a proteger seus próprios interesses, e não o estrito cumprimento da lei. É necessário entender que a pena de prisão deve, como o Direito Penal, ser pensado como última medida. De fato, o que se observa modernamente é o surgimento de novos tipos de pena, como as medidas alternativas, que vieram para substituir as penas privativas de liberdade em casos de menor ofensividade ao bem juridicamente tutelado e também para diminuir a superlotação carcerária. Tem-se modelos comparativos de prisão super fechada de segurança máxima ao RDD como, por exemplo, a ?Supermax?, criada em 1983 nos Estados Unidos, que é uma superpenitenciária que adota regime mais ríspido que o da segurança máxima tradicional. Nela, durante o primeiro ano, o prisioneiro fica enclausurado 23 horas por dia, sendo que na vigésima quarta hora é transferido para outro cubículo, onde pode caminhar, sempre algemado, iluminado por uma fresta de luz. Não existe o banho de sol. Depois de um ano, tendo bom comportamento, o preso pode pedir autorização para ver televisão, tendo acesso a programas escolhidos pela direção do superpresídio. Só lava-se o corpo a cada dois dias e ainda assim o detento é encaminhado ao chuveiro algemado. As paredes são à prova de som. O preso tem direito a fazer dois telefonemas por mês, de dez minutos cada e não pode receber ou escrever cartas de pessoas que vivam num raio de 90km da prisão. Todas as correspondências são lidas primeiramente pelos administradores do estabelecimento, que decidem se serão ou não entregues aos presos. Diante deste modelo norte-americano e do nosso tupiniquim RDD, perguntamo-nos: será que é necessário infligir tal sofrimento aos enclausurados, simplesmente na intenção de demonstrar a força do Estado-Leviatã ? Pois o que constata-se ao visitar um presídio adequado ao cumprimento do RDD como o Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes é justamente a intenção do Estado em demonstrar seu suposto domínio sobre aqueles supostos líderes de facções criminosas, enquanto outras unidades prisionais como Centros de Detenção Provisória e Penitenciárias comuns são sufocadas por organizações criminosas. Além disso, tem-se uma questão preocupante. Na prática cotidiana da execução penal em São Paulo, constata-se que a Secretaria de Administração Penitenciária Paulista realiza diversos pedidos para que jovens sejam incluídos no RDD por agressões ou desrespeito a funcionários, sem que se comprove, no entanto, que esses delinqüentes são verdadeiramente líderes de facções criminosas. Ou seja, se o RDD foi criado para afastar os cabeças dos comandos criminosos do resto de seus corpos, o que vê-se na prática é que seu propósito está sendo desvirtuado. Os sujeitos que sabidamente são líderes de facções criminosas não cumprem pena em Presidente Bernardes, mas em Presidente Venceslau, Penitenciária a cerca de 30km daquela. Apenas a título de exemplificação, pode-se citar Marcos Willians Herbas Camacho ? o "Marcola", e Wanderson Nilton Paula Lima ? o "Andinho", ambos atualmente em cumprimento de pena na Penitenciária de Presidente Wenceslau II. Não obstante, tem-se que a manutenção de uma unidade prisional tal qual Presidente Bernardes é extremamente dispendiosa para a Administração Pública, principalmente pelo baixo número de presos que o presídio deve conter e o alto número de pessoal extremamente treinado, sem mencionar os equipamentos de última geração que são utilizados, como paredes extremamente espessas, sistemas de monitoramento 24 horas por dia, cães treinados, bloqueadores de telefonia móvel, etc. Atualmente, enquanto quase todos os estabelecimentos prisionais de São Paulo têm população acima da lotação, o Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes conta com 160 vagas e apenas 41 internos. A Penitenciária de Avaré I, com ala também destinada ao cumprimento de pena em Regime Disciplinar Diferenciado continua igualmente abaixo da lotação . E possivelmente o crime organizado, já consciente do alto custo de manter tal estrutura, começa a punir seus integrantes que cometem fatos típicos ensejadores de inclusão em RDD, objetivando, assim, a falência do referido sistema. Assim, parece-nos que se o RDD não tiver seu fim decretado por uma declaração de inconstitucionalidade, o terá por ser administrativamente insustentável. REFERÊNCIAS BASTOS, Marcelo Lessa. Alternativas ao direito penal do inimigo. Disponível em . Acesso em 04 de jul. de 2010. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 24 ed.. São Paulo, Ed. Malheiros: 2009. CAÍRES, Maria Adelaide Freitas. O castigo que vai ao fundo da alma. Entrevista dada à Revista Ciência Criminal, agosto/2006. CALDAS, Vivian Barbosa. Regime Disciplinar Diferenciado. In: Revista da AMPDFT ? Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Brasília. ano 7. n. 5. DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 23ª. São Paulo: Malheiros: 2004. 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ANEXOS LEI No 10.792, DE 1º DE DEZEMBRO DE 2003. Altera a Lei no 7.210, de 11 de junho de 1984 - Lei de Execução Penal e o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o A Lei no 7.210, de 11 de junho de 1984 - Lei de Execução Penal, passa a vigorar com as seguintes alterações: "Art. 6o A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório." (NR) "Art. 34. ................................................................................. § 1o (parágrafo único renumerado) ........................................ § 2o Os governos federal, estadual e municipal poderão celebrar convênio com a iniciativa privada, para implantação de oficinas de trabalho referentes a setores de apoio dos presídios." (NR) "Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; II - recolhimento em cela individual; III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol. § 1o O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. § 2o Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando." (NR) "Art. 53. ................................................................................. ................................................................................. V - inclusão no regime disciplinar diferenciado." (NR) "Art. 54. As sanções dos incisos I a IV do art. 53 serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento e a do inciso V, por prévio e fundamentado despacho do juiz competente. § 1o A autorização para a inclusão do preso em regime disciplinar dependerá de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa. § 2o A decisão judicial sobre inclusão de preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa e prolatada no prazo máximo de quinze dias." (NR) "Art. 57. Na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão. Parágrafo único. Nas faltas graves, aplicam-se as sanções previstas nos incisos III a V do art. 53 desta Lei." (NR) "Art. 58. O isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a trinta dias, ressalvada a hipótese do regime disciplinar diferenciado." ................................................................................." (NR) "Art. 60. A autoridade administrativa poderá decretar o isolamento preventivo do faltoso pelo prazo de até dez dias. A inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado, no interesse da disciplina e da averiguação do fato, dependerá de despacho do juiz competente. Parágrafo único. O tempo de isolamento ou inclusão preventiva no regime disciplinar diferenciado será computado no período de cumprimento da sanção disciplinar." (NR) "Art. 70. ................................................................................. I - emitir parecer sobre indulto e comutação de pena, excetuada a hipótese de pedido de indulto com base no estado de saúde do preso; ................................................................................." (NR) "Art. 72. ................................................................................. ................................................................................. VI ? estabelecer, mediante convênios com as unidades federativas, o cadastro nacional das vagas existentes em estabelecimentos locais destinadas ao cumprimento de penas privativas de liberdade aplicadas pela justiça de outra unidade federativa, em especial para presos sujeitos a regime disciplinar. ................................................................................." (NR) "Art. 86. ................................................................................. § 1o A União Federal poderá construir estabelecimento penal em local distante da condenação para recolher os condenados, quando a medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio condenado. ................................................................................. § 3o Caberá ao juiz competente, a requerimento da autoridade administrativa definir o estabelecimento prisional adequado para abrigar o preso provisório ou condenado, em atenção ao regime e aos requisitos estabelecidos." (NR) "Art. 87. ................................................................................. Parágrafo único. A União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios poderão construir Penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que estejam em regime fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, nos termos do art. 52 desta Lei." (NR) "Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. § 1o A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor. § 2o Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes." (NR) Art. 2o O Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passa a vigorar com as seguintes alterações: "Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. § 1o O interrogatório do acusado preso será feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurança, o interrogatório será feito nos termos do Código de Processo Penal. § 2o Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor." (NR) "Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa." (NR) "Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos. § 1o Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais. § 2o Na segunda parte será perguntado sobre: I - ser verdadeira a acusação que lhe é feita; II - não sendo verdadeira a acusação, se tem algum motivo particular a que atribuí-la, se conhece a pessoa ou pessoas a quem deva ser imputada a prática do crime, e quais sejam, e se com elas esteve antes da prática da infração ou depois dela; III - onde estava ao tempo em que foi cometida a infração e se teve notícia desta; IV - as provas já apuradas; V - se conhece as vítimas e testemunhas já inquiridas ou por inquirir, e desde quando, e se tem o que alegar contra elas; VI - se conhece o instrumento com que foi praticada a infração, ou qualquer objeto que com esta se relacione e tenha sido apreendido; VII - todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração; VIII - se tem algo mais a alegar em sua defesa." (NR) "Art. 188. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante." (NR) "Art. 189. Se o interrogando negar a acusação, no todo ou em parte, poderá prestar esclarecimentos e indicar provas." (NR) "Art. 190. Se confessar a autoria, será perguntado sobre os motivos e circunstâncias do fato e se outras pessoas concorreram para a infração, e quais sejam." (NR) "Art. 191. Havendo mais de um acusado, serão interrogados separadamente." (NR) "Art. 192. O interrogatório do mudo, do surdo ou do surdo-mudo será feito pela forma seguinte: I - ao surdo serão apresentadas por escrito as perguntas, que ele responderá oralmente; II - ao mudo as perguntas serão feitas oralmente, respondendo-as por escrito; III - ao surdo-mudo as perguntas serão formuladas por escrito e do mesmo modo dará as respostas. Parágrafo único. Caso o interrogando não saiba ler ou escrever, intervirá no ato, como intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo." (NR) "Art. 193 Quando o interrogando não falar a língua nacional, o interrogatório será feito por meio de intérprete." (NR) "Art. 194. (revogado)" "Art. 195. Se o interrogado não souber escrever, não puder ou não quiser assinar, tal fato será consignado no termo." (NR) "Art. 196. A todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido fundamentado de qualquer das partes." (NR) "Art. 261. ................................................................................. Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada." (NR) "Art. 360. Se o réu estiver preso, será pessoalmente citado." (NR) Art. 3o Os estabelecimentos penitenciários disporão de aparelho detector de metais, aos quais devem se submeter todos que queiram ter acesso ao referido estabelecimento, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública. Art. 4o Os estabelecimentos penitenciários, especialmente os destinados ao regime disciplinar diferenciado, disporão, dentre outros equipamentos de segurança, de bloqueadores de telecomunicação para telefones celulares, rádio-transmissores e outros meios, definidos no art. 60, § 1o, da Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997. Art. 5o Nos termos do disposto no inciso I do art. 24 da Constituição da República, observados os arts. 44 a 60 da Lei no 7.210, de 11 de junho de 1984, os Estados e o Distrito Federal poderão regulamentar o regime disciplinar diferenciado, em especial para: I - estabelecer o sistema de rodízio entre os agentes penitenciários que entrem em contato direto com os presos provisórios e condenados; II - assegurar o sigilo sobre a identidade e demais dados pessoais dos agentes penitenciários lotados nos estabelecimentos penais de segurança máxima; III - restringir o acesso dos presos provisórios e condenados aos meios de comunicação de informação; IV - disciplinar o cadastramento e agendamento prévio das entrevistas dos presos provisórios ou condenados com seus advogados, regularmente constituídos nos autos da ação penal ou processo de execução criminal, conforme o caso; V - elaborar programa de atendimento diferenciado aos presos provisórios e condenados, visando a sua reintegração ao regime comum e recompensando-lhes o bom comportamento durante o período de sanção disciplinar." (NR) Art. 6o No caso de motim, o Diretor do Estabelecimento Prisional poderá determinar a transferência do preso, comunicando-a ao juiz competente no prazo de até vinte e quatro horas. Art. 7o A União definirá os padrões mínimos do presídio destinado ao cumprimento de regime disciplinar. Art. 8o A União priorizará, quando da construção de presídios federais, os estabelecimentos que se destinem a abrigar presos provisórios ou condenados sujeitos a regime disciplinar diferenciado. Art. 9o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 10 Revoga-se o art. 194 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941. Brasília, 1o de dezembro de 2003; 182o da Independência e 115o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Márcio Thomaz Bastos Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 2.12.2003