O QUE SE PENSA ANTES E DEPOIS DOS ACIDENTES

Filmes como "Presságio", "Premonição" e "Corpo Fechado" nem de longe conseguem expressar a megalomania cósmica de criar mistérios...

Alguém anda pensando em acidentes? Alguém fica imaginando o que pode acontecer quando está embaixo de uma ponte, de um viaduto ou mesmo de uma árvore? E nas doenças imprevisíveis? Alguém pensa nelas? E depois que ocorrem, quem saberá explicar por que ocorreram? Matrizes lógicas para a origem dos acidentes ainda estão para ser "inventadas", por assim dizer, e será preciso muito equilíbrio para ponderar entre a imaginação e a ciência.

Estamos num tempo em que a ciência se incha da vaidade intelectual e quer dar explicação para tudo, como se as forças e as inteligências por trás de cada cena tivessem, de alguma forma, perdido os manuais técnicos da "engenharia dos eventos" e estes pudessem ser entendidos por aqueles que apenas os vêem de fora, e geralmente sofrendo efeitos de dor ou óbito.

Desta feita, talvez devamos tirar um tempo para meditar nessas horas em que ninguém parece pensar em nada, ou pelo menos em nada que diga respeito à hipótese de algo sair errado, seja numa simples palavra de ameaça, seja na queda de um dente ou de um boeing.

Para começar, é preciso que se diga que, diante de qualquer ocorrência imprevista em nossa vida ou na de terceiros, sempre ocorre a situação onde 4 verdades vêm à tona. São elas:

1 – Ninguém acredita que acidentes ocorrerão;

2 – Quem pensar diferente será tido por louco ou pessimista;

3 – Todos têm uma justificativa para explicar por que não ocorrerão;

4 – Ninguém saberá explicar, depois de ocorrido, por que ocorreram.

Muitos filmes de Hollywood trataram do assunto de modo "sensacionalista", aproveitando a estranha "mania de querer ser assustado", que leva multidões e multidões às salas de exibição somente para sentirem medo, provando que a mais velha emoção negativa da Humanidade chega a empatar em audiência às emoções da libido. Filmes como "A Última Profecia", "Premonição", "Corpo Fechado", "Presságio" e até a série "LOST", utilizaram-se dessa mania para atrair público, jogando elementos de verdade e ficção para fomentar o fascínio das massas. Todavia, à parte tudo isso, seria bom analisar casos pessoais para iluminar mais o presente argumento. Assim sendo, vou me ater tão-somente a situações em que vivi experiências de "quase-acidente" (preâmbulos terríveis das experiências de "quase-morte" do Dr. Moody e dos raciocínios suscitados por cada uma, tentando deixar mais um registro auxiliar nas memórias do leitor que passar por experiências semelhantes.

  1. Uma vez eu vinha saindo do Aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza-CE., numa daquelas tardes de fortes ventanias de outubro. Ao descer para o andar térreo, eu passava por baixo e entre as duas escadas rolantes que levam as pessoas ao estacionamento, quando um vendaval ascendente balouçou violentamente as chapas de aço das laterais das escadas. Imediatamente pensei: estas chapas poderiam ter voado loucas até o chão. Se o fizessem, uma delas poderia pegar planagem e atingir-me em cheio o pescoço e até degolar-me, matando-me em segundos. Depois pensei:

(a)Se eu fosse perguntar aos técnicos do aeroporto ou mesmo aos engenheiros que montaram essas escadas rolantes, nenhum deles diria que tais chapas poderiam sair voando e matar pessoas, e quem pensasse assim deveria ser muito depressivo e/ou impressionável;

(b)Se eu tivesse sido vítima de uma chapa voadora no pescoço, todos esses técnicos viriam ver a cena, trabalhar, consertar, limpar, discutir, e cada um teria uma explicação "na-ponta-da-língua" para 'justificar' o que aconteceu para suas próprias consciências, na ocasião atônitas diante da insólita ocorrência.

(c)Nenhuma explicação poderia ser defendida com segurança, já que cada evento, como diziam os navajos, "tem suas sombras duras na realidade e tentáculos moles no outro mundo".

  1. Outra vez entrei na Gruta de Ubajara e os técnicos locais disseram que uma gruta daquelas ainda levaria milhões de anos para cair e afundar terra a dentro. E eu fiquei a pensar o que sempre penso: "se esta gruta cair sobre nós e morrermos todos, talvez até fôssemos responsabilizados pela queda, por 'berrarmos' lá dentro. E além do mais", pensava eu, "os mesmos técnicos que disseram ser aquela uma possibilidade a ocorrer só daqui há milhões de anos, apareceriam na TV a dar as explicações mais mirabolantes da história dos acidentes, enrolando todos os telespectadores com hipóteses pra lá de estapafúrdias (hipóteses até então impensadas por eles!)".
  2. Doutra feita, tive uma experiência com resultado semelhante em relação à minha saúde pessoal. Passei muitos anos sem fazer nenhuma consulta a médico nenhum, e comecei a sentir sintomas de que alguma coisa havia mudado em meu corpo. Eu sentia dores no peito e dificuldade de respirar. Minha família sempre dizia que era tudo psicológico e que eu não tinha nada que merecesse uma visita médica. Mas mesmo assim eu fui me consultar com um clínico geral, o qual me solicitou uma bateria de exames. E de fato, depois de uma semana, ficou provado pelos exames que eu não tinha nada (ou pelo menos nada que pudesse ser detectado por um exame). Mas eu voltei a pensar o que sempre penso: E se depois de amanhã eu amanhecesse morto? Será que eles terão a cara-de-pau de dizer que tinham me advertido de alguma doença? Ou dirão que se trata de um mistério da Medicina, do qual meu sistema imunológico não foi capaz de me defender?... Mas o fato inexorável é que sempre haverá médicos e técnicos que chegarão dando uma ou várias explicações para o ocorrido, tentando justificar a causa mortis com hipóteses até rocambolescas e nunca antes cogitadas por eles mesmos.

Estou descrevendo aqui o que ocorre na maioria dos casos. Pois sempre existirá situações onde, nem mesmo a mais fértil imaginação, conseguirá encontrar explicação para um acidente (tanto dentro quanto fora de nosso corpo). E então todos se sairão com a hipótese – na qual no dia-a-dia não crêem – de que estamos cercados de mistérios e nem a engenharia, nem a medicina e nem outra ciência qualquer terá explicação para tudo, cabendo aos sobreviventes apenas "aceitar a vida como ela é" ou então partir para "estudar" as matérias pertinentes da Física e da Fenomenologia. Logo, qualquer um aqui volta à estaca zero.

A Ciência não é auto-suficiente. O universo é complexo demais para ser explicado por simples mortais. Precisamos acabar, por um lado, com essa história de "enigmatizar" fatos 'simples' (como uma doença que se insinua numa consulta médica anual) e, por outro lado, acabar com o vício de "simplificar" mistérios com explicações reducionistas e sem uma investigação mais acurada.

"A realidade é, ao que sei, normalmente muito estranha e complexa", dizia o Prof. CS Lewis. E um outro gênio da literatura também lançou uma fina ironia, "para consolar pulgas", a qual dizia: "será sempre preferível viver o pequeno espaço que nos é dado para curtir a felicidade da ignorância dos gigantes, do que tentar conquistar o ninho do conhecimento e descobrir movimentos esmagadores e a nossa vergonha de ignorá-los".

Prof. João Valente de Miranda

([email protected])

(http://www.auroradecinema.com.br/)