O QUE SÃO ESTADOS TEMPORAIS

Se o futuro existe e eu desse um salto para lá, o que eu veria? Talvez eu caia no nada, um lugar sem gente, sem planeta. A escuridão. Isto seria um novo ponto no espaço e um novo ponto no tempo.

Que outras maneiras eu poderia usar para ir lá?

  • Diminuir o meu envelhecimento em relação às demais pessoas, mantendo a passagem do tempo inalterada. Isto seria o mesmo ponto no espaço e mesmo ponto no tempo.
  • Fazer o tempo passar mais rápido para mim do que para as demais pessoas. Sim, eu vou ficar mais velho, como ficaria no futuro (isso é ir para o futuro ou trazer o futuro para cá?), mas, isso é a mesma coisa que ir muito rápido para o passado (na visão das demais pessoas). Se o desgaste corporal me acompanhar, morrerei mais rápido. Aqui teríamos o mesmo ponto no espaço e um novo ponto no tempo.

Se o tempo passa devagar para mim, vou ficando cada vez mais no passado, enquanto as demais pessoas fazem, rapidamente, seu futuro.

No famoso paradoxo dos gêmeos da Teoria da Relatividade, o gêmeo que viaja na velocidade da luz não vai ao futuro com isso. Ele fica no passado. Quem ficou na Terra é que vai para o futuro. Quando o gêmeo retorna, ele vem no presente de seu irmão e de seu próprio presente relativamente ao outro. Assim, ele foi ao futuro, mas, não absolutamente.

Lá nos meus 5 anos de idade, que existe lá no passado, quase parei no tempo, enquanto que as pessoas e o mundo de agora já avançaram 55 anos.

É claro que esse meu eu existe apenas na lembrança que ficou daqueles presentes, ou, melhor dizendo, das sequências de presentes determinadas por uma duração qualquer. É como um carro que passa numa estrada de terra. A única coisa que fica para trás é o rastro dele. Não há como o carro, indo sempre para a frente, ou mesmo indo para trás, recriar aquele rastro novamente.

Ninguém existe no futuro do presente?

Qual é a diferença entre o futuro do ambiente de agora e o meu futuro?

É certo que o ambiente de agora vai “viver” mais tempo do que eu. Assim, essa é a diferença. Eu estou vivo e caminhando para a morte, lá no final de meu futuro.

O ambiente tem uma parte morta que vai “viver” por muito e muito tempo e uma parte que morre e renasce a cada instante, dando-nos a impressão de que está sempre vivo.

As figuras a seguir mostram as duas possibilidades para meu futuro ou para o futuro do ambiente. Só existem estas duas possibilidades.

Quem está no presente, existe num passado específico apenas.

Olhando para trás, tratando o passado como futuro (para ir ao passado, mesmo em pensamento, você deve avançar para lá e, para avançar, deve-se ir em frente, e ir em frente é ir adiante, ao futuro do ponto atual), nada de novo vai aparecer, mas, cada coisa vai desaparecer a seu tempo (você volta para a barriga de tua mãe, tuas células regridem até ficarem duas: o óvulo e o espermatozóide que te formaram; uma árvore começa a decrescer até virar sua semente...).

Esta figura ilustra o que acontece quando avançamos para o passado:

Presente

Passado

Alguém, ou alguma coisa, que apareceu aqui e, talvez, esteja no presente.

Alguém, ou alguma coisa, que apareceu aqui

e desapareceu aqui

Indo para o futuro, coisas novas vão aparecer, mas, algumas coisas que existem agora vão desaparecer a seu tempo (o filho de seu filho vai nascer e, em algum momento lá na frente, você vai morrer). A figura abaixo ilustra essa caminhada para o futuro.

Presente

Futuro

Alguém, ou alguma coisa, que está no presente, desaparece aqui.

Alguém, ou alguma coisa, aparece e desaparece

Olhando as duas figuras acima, o que liga o passado ao futuro? O desaparecimento das coisas. No futuro, coisas novas aparecem e desaparecem mais velhas. No passado, coisas velhas aparecem e desaparecem mais novas.

Quem está no passado do presente corrente esteve num dado presente ou pode estar no presente corrente. Quem estiver no futuro do presente corrente está no presente corrente ou não.

Qual é a extensão do passado, do presente e do futuro?

Para você, o que determina a extensão do passado é o intervalo entre o teu agora e o dia de teu nascimento, mas, você tem a intuição que esta extensão é muito mais longa, em direção ao passado profundo. Essa extensão é infinita e mentalmente palpável.

A extensão do presente, no entanto, se você pensar bem, é imensurável, no sentido de que ela é tão curta que não dá para medir. O maior que ela pode ser é a duração daquilo que você ainda não está experimentando como passado.

Uma dor de dente constante (intensidade não variando) é sentida por você como presente. A pergunta é: Mesmo que a dor ainda esteja ali, a percepção que você tem dela é presente ou é passado?

Difícil de responder.

  1. Se a dor é sentida (a tradução da condição em dor) no próprio local em que ela ocorre, imediatamente e sempre, ela é presente.
  2. Mas, se existe um caminho entre o dente e o local onde a condição é traduzida em dor, então ela é passado, pois, os pulsos[1] de dor tem que trafegar entre o dente e o tradutor da dor. Isso toma tempo.

No primeiro caso, a percepção determina a extensão do presente: enquanto houver dor, ela estará no presente, apesar de você, automaticamente, temporizá-la, o que faz com que uma grande parte dela fique no passado e outra parte imensurável fique no presente.

No segundo caso, a extensão do presente é curtíssima, infinitesimal, pois a dor estará vindo do passado quando você senti-la. Você não consegue sentir uma dor presente, mas, só advinhar que ela pode continuar vindo do passado.

Mas, que história é essa de “vindo do passado”? Coisas vem do futuro e não do passado, certo?

Eu explico.

São duas coisas diferentes, dois eventos: dor e sensação de dor.

A dor explode no dente e eu não sinto aquele presente. Ele é o presente do dente, não o meu. O presente do dente é meu futuro. Quando sinto a sensação da dor, tenho o meu presente, que estava no futuro que agora é o passado do dente.

Se os pulsos continuam, tudo se repete. É a mesma coisa que o relâmpago-trovão. Ocorrem juntos, mas, para mim o presente trovão é o passado relâmpago, que foi presente em algum lugar e era um futuro trovão.

A extensão do futuro é probabilística. Em um futuro bem curto (o próximo segundo, por exemplo), a probabilidade de tudo que está agora no presente corrente continuar existindo é de quase 100%. À medida que formos considerando extensões maiores, aquela probabilidade vai diminuindo. Isso se aplica às possibilidade 1 e 2 das figuras de futuro acima. Assim, a Possibilidade 1 mostra um futuro mais provável (nada existe além do presente).

A extensão do futuro de qualquer coisa é determinada pela duração da coisa. O problema é que duração, por sua vez, só pode ser determinada no passado. Então, o futuro não pode ser determinado. Ele é indeterminado, daí, probabilístico.

Então: será que existe alguém no futuro do presente?

Alguém que existe no presente, talvez. Alguém que ainda não existe no presente, com maior probabilidade, sim.

Então o futuro não é vazio. Pode ser que não seja vazio. Pode ser que seja vazio.

Se for vazio e houver uma maneira de eu ir lá, o que verei? Nada. Apenas a escuridão total.

Se não for vazio, o que verei?

Daqui a dez segundos, com grande certeza ele não é vazio. Se eu saltar de agora para 10s à frente, o que presenciarei?

Se o tempo passa mais rápido para mim do que para as outras pessoas, o que elas veriam de mim? Elas me veriam envelhecendo, indo para o futuro sem sair do presente. Depois, me veriam desaparecer no passado.

O que eu veria nelas? Eu as veria paradas, não evoluindo, ficando no passado.

Não é o futuro que vem e nem o passado que vai para trás, cada vez mais distante. É o presente que vai adiante, deixando atrás de si o passado, como um avião riscando o céu e deixando atrás de si os vapores condensados das turbinas.

Se o futuro não for vazio, muito do que aqui está, está lá também, inclusive eu mesmo posso estar.

Mas, se eu der um salto daqui para lá, o eu que está lá ficará desaparecido até eu chegar lá e ocupar seu lugar ou ficarei duplicado lá?

Se eu ficar duplicado, serei eu mais novo com um eu lá mais velho. Se nós dois resolvermos dar mais um salto adiante, ficarei triplicado. A cada salto adiante juntos, ficarei multiplicado, com o próximo eu cada vez mais velho, até me encontrar morto por algum motivo (velhice ou algum incidente).

Ocorre algo semelhante se eu der saltos para o passado, encontrando um eu cada vez mais novo, até eu desaparecer antes de meu nascimento.

Quantos EUs existiriam, então?

Vai depender do comprimento do salto. Vai variar de 1 (eu saltar para depois de minha morte ou para antes de meu nascimento) até , onde N é o menor intervalo em que em n1 eu sou um e em n2 eu sou outro diferente do primeiro (estou supondo que existe um intervalo tão próximo de zero que, se eu saltar, continuarei único), e N = n2 – n1. O valor M é a quantidade de Ns que compõem o meu tempo de vida desde agora até minha morte ou até meu nascimento (ou desde meu nascimento até minha morte).

Se N for medido em anos, então de agora até meu nascimento, o valor é 59. De agora até a minha morte, o valor, talvez, seja 31. Então existiriam 89 EUs + Eu = 90.

Então, se eu e minhas  cópias dermos saltos juntos, depois de minha morte ou antes de meu nascimento nós estaremos posicionados em um único universo, a partir do qual (para a frente ou para trás) inexistirão EUs para alcançarmos.

Como eu poderia lidar com todas essas cópias?

O que eu pensasse elas pensariam? Se eu erguesse um braço, todas elas ergueriam seus mesmo braço? Se não, então não somos um, e os que estão lá não sou eu, o que implica que o futuro é mesmo vazio (não existo lá – isso é diferente de eu ter morrido – e, se não existo lá, nesse caso, então nada existe, por isso o vazio).

Se tudo o que eu fizer, eles fizerem simultaneamente, então somos um, apesar de separado em vários corpos, e o efeito é como se apenas eu existisse num dado universo (futuro ou passado) se eu fosse para lá. Isso, de novo, implica que o futuro é vazio, pois, não existe um eu lá.

A conclusão é: o que está aqui não está lá (seja passado ou futuro), e o que está lá não está aqui.

O efeito é o mesmo de eu desaparecer aqui e desaparecer lá enquanto em viagem para lá. Ao chegar lá, apareço.

Mas, e se eu for para o passado? Desapareço aqui e não existo lá. O que existe lá é um outro eu, não esse que está aqui.

Não há como dar um salto para o futuro e nem para o passado. No futuro não existiria um outro eu de você porque esse eu ainda não chegou lá, levado pelo presente. Ele inexiste lá. Você vai ver você mesmo, apenas.

Como você ainda não chegou lá, nada também chegou lá, e o futuro é vazio. Ir lá é a mesma coisa de ficar cego, surdo, mudo e intáctil.

Para ir ao passado, ele teria que ser o futuro (ir é avançar), o que implica que ele é, igualmente ao futuro, vazio.

O trem do tempo não pára e está todo contido no presente instantâneo que abarca, simultaneamente, o passado e o futuro imediatos.

O resto do passado é o que fica na memória do presente. O resto do futuro é a reação da consciência à memória do passado.

Brasilio – Março/2013.



[1] Como eu disse que a dor não varia em intensidade, devemos considerar que estes pulsos são contíguos a tal ponto que não causam uma variação na percepção da dor.