Existe um erro absolutamente recorrente quando há menção à ideia do fundamentalismo, colocá-lo como obrigatoriamente teológico. É claro que o fundamentalismo religioso existe e é gritante, mas há possibilidades outras de se assumir uma postura fundamentalista frente à vida.

            Grosso modo, o fundamentalismo deve ser entendido pela defesa incondicional de um fundamento de proporções relevantes, ou seja, que se debruça sobre questões pertinentes à existência humana. Dentro dessa prerrogativa, são quatro movimentos argumentativos que conduzem as pessoas ao fundamentalismo: a ciência, a filosofia, a arte e a religião.

            É comum percebermos pessoas que optam pelo caminho do observável, do palpável, daquilo que se tem certeza por ter sido submetido a formas concretas de percepção. Esse é o caminho científico, algo absolutamente necessário para a humanidade, mas que não esgota as outras faces da vida. Sempre que alguém se prende em uma discussão às questões comprováveis e não comprováveis, no intuito de colocar um ponto final em determinadas possibilidades apontadas por outros, está exercendo o fundamentalismo científico.

            Há a possibilidade de um fundamentalismo filosófico também. Aliás, muitos são os que confundem os processos filosóficos com os científicos, um erro enorme que tem provocado forte minimização do pensamento filosófico no século XXI. Enquanto o caminho científico está mais ligado à experimentação, sendo, logo, empírico, o caminho filosófico está mais ligado à reflexão, sendo, logo, racional. Veja que o racionalismo da filosofia é o que determina uma linha de pensamento que favorece ao eu, uma vez que o raciocínio, mesmo podendo ser partilhado, é um processo individual. Assim, sempre que alguém se fecha em suas análises, ou ainda nas análises daqueles com quem tem concordância, um fundamentalismo filosófico se impõe.

            No mundo da arte temos um universo ilimitado, mas que nem sempre é navegado ilimitadamente. A música, a literatura, pintura e todas as manifestações artísticas nos trazem representações e significações de mundo, sempre que limitamos nosso acesso à arte, seja por cultura, gostos ou preconceitos, limitamos nossas representações e significações de mundo, o que impede um diálogo aberto com o diferente. Desse modo, sempre que alguém se fecha em uma vertente artística, limita-se como indivíduo negando o diálogo com outras vertentes artísticas e se transforma em um fundamentalista artístico.

            As religiões, obviamente não fogem ao comportamento fundamentalista. Nelas as coisas parecem mais gritantes pelo fato de que esta possui o status hegemônico de fundamento. Os que lutam pela perpetuação da hegemonia religiosa, tendem a ser fundamentalistas religiosos. Os que lutam contra a perpetuação da hegemonia religiosa, tendem a manifestar outras formas de fundamentalismo.

            É possível, então, não ser fundamentalista?

            Claro, basta se policiar. A religiosidade que manifestamos não deve desconsiderar o que a ciência comprova. As reflexões existenciais que temos não devem anular a possibilidade de acreditarmos em algo que não conseguimos racionalizar. As tendências artísticas com as quais nos identificamos não determinam que evitemos a reflexão para não correr o risco de pensar contraditoriamente aos nossos gostos. Aquilo que temos como certo pela ciência não deve inibir nossos devaneios artísticos. A vida humana é tão infinita quanto o universo, esse talvez seja um fundamento livre de fundamentalismo. Limitar a própria vida a um fundamento, além de ser fundamentalismo, é um afundamento de si mesmo.